RECLAMAÇÃO DA CONTA DE CUSTAS
REMANESCENTE DAS TAXAS DE JUSTIÇA DEVIDAS PELA PARTE VENCEDORA
Sumário

Na actual redacção do artigo 14.º, 9, do Reg. das Custas Processuais, nas situações em que deva ser pago o remanescente, a parte vencedora fica dispensada do respectivo pagamento, o qual deve ser imputado à parte vencida e a tomar em consideração aquando da elaboração da conta final.

Texto Integral


Relatora: Sílvia Pires
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunto: Cristina Neves



   Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora reclamou da conta de custas, alegando que estava a ser indevidamente responsabilizada pelo pagamento do remanescente das taxas de justiça devidas pelo impulso processual dos Réus

O Senhor Escrivão prestou informação no sentido de ser mantida a conta elaborada.

O Ministério Público pronunciou-se pela manutenção da conta.

Foi proferida decisão, indeferindo a reclamação apresentada.

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A Autora recorreu desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:
A. Dispõe a Tabela I do Regulamento das Custas Processuais que, nos casos, como o dos presentes autos, em que o valor da ação seja superior a €275.000,00, “ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fração, 3 UC, no caso da coluna A, 1,5 UC no caso da coluna B e 4,5 UC, no caso da coluna C”.
B. Assim, para a elaboração da conta nos presentes autos, deveria o Sr. Escrivão ter procedido da seguinte forma:
Coluna A da Tabela I do RCP (ação e contestação)
Valor da ação ------------------------ €1.681.942,53
Valor máximo da Tabela I RCP ----- €275.000,00
Valor restante ------------------------ €1.406.942,53: €25.000,00 = 56,27 (57
frações)
57 frações x 3 UC = 171 UC ------------------------- €17.442,00
Taxa de justiça máxima da Tabela I RCP ------------ €1.632,00
Taxa de justiça devida a final ------------------------- €15.810,00
Coluna B da Tabela I do RCP (alegações e contra-alegações de recurso per saltum para o STJ)
Valor da ação ------------------------ €1.681.942,53
Valor máximo da Tabela I RCP ----- €275.000,00
Valor restante ------------------------ €1.406.942,53: €25.000,00 = 56,27 (57
frações)
57 frações x 1,5 UC = 86 UC ------------------------- €8.772,00
Taxa de justiça máxima da Tabela I RCP ------------- €816,00
Taxa de justiça devida a final ------------------------- €7.956,00
Perfazendo um total de €23.766,00, ao qual deduzindo-se o valor já pago a título de taxas de justiça, no montante de €4.896,00, resulta em €18.870,00 a pagar.
C. O Sr. Escrivão aplica 187 UC (pela ação), acrescidas de outras 187 UC (pela contestação), num total de €38.148,00, pela Coluna A da Tabela I do RCP,
D. E aplica 93,5 UC (pelas alegações de recurso), acrescidas de outras 93,5 UC (pelas contra-alegações), num total de €19.074,00, pela Coluna B da Tabela I do RCP,
E. Praticamente triplicando o valor da conta de custas devido pela recorrente.
F. O valor liquidado a título de conta de custas é completamente absurdo e despropositado, não sendo devido pela recorrente.
G. Conforme entendimento expresso no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/09/2014, proferido no âmbito do Proc. nº. 2424/07.3TBVCD-A, disponível em www.dgsi.pt, «Esse valor remanescente da taxa de justiça é reclamado da parte a quem, anteriormente, o respetivo pagamento fora dispensado, a fim de que, pagando-o, o possa reclamar no seu exato montante, da parte vencida, a título de custas de parte. É o que dispõe o n.º 9 do art.º 14.º do RCP: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”».
H. A condenação da parte vencida em custas significa apenas que a parte vencedora, pagando efetivamente o que lhe competia, o possa exigir junto da parte vencida, a título de custas de parte, como aliás já o fez.
I. Compete, assim, aos réus o pagamento do remanescente das taxas de justiça devidas pelas fases processuais que impulsionaram, nomeadamente, pela apresentação da contestação e da resposta ao recurso.
J. O facto de terem vencido a causa, a final, não significa que deixem de estar obrigados ao pagamento da taxa de justiça inerente às fases processuais que impulsionaram; significa tão só que têm direito a ser reembolsados dos valores de taxa de justiça efetivamente satisfeitos, pela parte vencida, a título de custas de parte.
K. A douta decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 6.º, n.ºs 1; 2 e 7 e 14.º, n.º 9 do RCP, bem como o disposto nas colunas A e B da Tabela I do mesmo diploma legal.
Conclui pela procedência do recurso.

1. O objeto do recuso
Considerando as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida cumpre apreciar a seguinte questão:
Não deve ser inserido na conta final, a cargo do vencido, o remanescente das taxas de justiça que não foi pago pela parte vencedora?

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2. Os factos processuais
Dos autos resultam os seguintes factos processuais:
- A presente ação, com o valor de € 1.681.942,53, interposta pela Autora contra os Réus, foi julgada totalmente improcedente, tendo sido negado provimento ao recurso per saltum interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
- Foi elaborada a conta final onde consta, a cargo da Autora, o remanescente das taxas de justiça devidas pelos Réus, pela apresentação de contestação e de resposta às alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

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3. O direito aplicável
Nos processos, como sucede neste caso, em que a taxa de justiça é variável, ela é liquidada ao longo do processo pelo seu valor mínimo, devendo o excedente só ser pago a final - artigo 6º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais - , a fim de que esse custo não impeça as partes de aceder aos tribunais.
A Autora reclamou da conta de custas de parte, sustentando que o valor do remanescente das taxas de justiça que competiam aos Réus, devia ser a cargo destes, apesar da sua posição de vencedores do pleito, podendo depois reclamar o seu pagamento à Autora, a título de custas de parte.
Essa era, efetivamente, a solução legal antes da alteração do disposto no artigo 14º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, efetuada pelo artigo 5º da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, quando este preceito dispunha que, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7, do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar esse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo, à qual se reporta a jurisprudência citada pela Autora nas suas alegações de recurso.
Tal norma foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21.11.2018, tendo o legislador reagido, alterando a redação daquele preceito, no sentido de não obrigar o vencedor, a final, a pagar o remanescente, para depois exigir a sua devolução ao vencido, a título de custas de parte.
Assim, o n.º 9, do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais passou, na sequência das alterações promovidas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, passou a dispor: nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.
Foi precisamente este o procedimento seguido na elaboração da conta, pelo que o despacho recorrido ao confirmar que a conta se encontra elaborada de acordo com o que agora se dispõe no artigo 14º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, não merece qualquer censura.
Assim, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

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Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Autora, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas do recurso pela Autora.

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                                                                   2.5.2023