JUNÇÃO DE PROVA DOCUMENTAL
TEMPESTIVIDADE
ADITAMENTO DE TEMA DA PROVA
FACTOS ALEGADOS NOS ARTICULADOS
Sumário

I – A possibilidade de alterar (livremente) os requerimentos probatórios na audiência prévia (nos termos previstos no art.º 598.º do CPC) ou na sequência de despacho que fixe o objecto do litígio e os temas da prova não abrange a prova documental, sendo certo que esta está sujeita ao regime específico que está fixado no art.º 423.º do CPC do qual resulta que os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos correspondentes, apenas podendo ser apresentados em momento posterior nos termos e nas situações que aí se encontram enunciadas.
II – A mera circunstância de ter sido aditado um tema da prova àqueles que inicialmente haviam sido fixados não constitui, só por si, fundamento bastante para justificar a junção de documentos em momento posterior aos articulados; esse aditamento apenas poderia justificar a junção de novos documentos se e na medida em que tivesse sido esse aditamento a determinar a necessidade dessa junção (caso em que a admissibilidade da junção dos documentos encontraria apoio na parte final do n.º 3 do citado art.º 423.º), situação que não se verifica quando o tema da prova aditado se reporta a factos que haviam sido alegados nos articulados.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Apelação nº 1533/19.0T8PBL-A.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Leiria - Leiria - Juízo Fam. Menores - Juiz ...

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

                               Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito de acção instaurada por AA, contra BB (melhor identificados nos autos) foi realizada, oportunamente, audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

No início da audiência de discussão e julgamento – em 09/12/2022 – e na sequência de reclamação que havia sido apresentada pela Autora relativamente aos temas da prova que haviam sido definidos, foi proferido despacho com o seguinte teor:

“A reclamação do despacho que fixou o objeto do litigio e anunciou os termos da prova é claramente extemporânea.

No entanto, considerando que os temas da prova são um suporte de trabalho para o julgamento, estabelecendo as linhas mestras da discussão, não se formando sobre o mesmo caso julgado formal, e tendo em conta que se constata efetivamente não terem sido indicados todos os temas da prova, afigura-se evidente existir lapso na medida em que falta a inclusão do tema da prova relativa à constituição do depósito a prazo pelo réu no valor de €237.500,00 junto do Banco 1..., S.A. em .../.../2012, com capitais obtidos na constância do casamento, resultantes da atividade profissional da autora e réu, com saldo a crédito em 05-09-2012, no valor de € 240.953,68.

Em face do exposto, decide-se aditar este tema da prova, concedendo-se o prazo de 5 dias às partes, para, querendo, arrolarem novas testemunhas relativamente ao mesmo”.

A audiência prosseguiu nessa mesma data com a produção da prova testemunhal que havia sido designada para essa data.

Em 14/12/2022, o Réu arrolou duas novas testemunhas e requereu a concessão de prazo de cinco dias para apresentar nova prova documental.

Em 02/01/2023, o Réu, com fundamento no aditamento do novo tema da prova e fazendo alusão à notificação que lhe havia sido efectuada para juntar elementos probatórios, requereu a junção aos autos de seis documentos, referindo que os mesmos se destinavam a provar o alegado nos artigos 69.º a 82.º, 109.º a 119.º, 135.º, 138.º a 140.º, 165.º a 171.º e 178.º da contestação e a infirmar o alegado pela Autora nos artigos 58.º a 66.º, 95.º a 107.º, 116.º, 117.º, 134.º a 140.º e 166.º a 172.º da petição inicial.

A Autora opôs-se à junção desses documentos, sustentando ser processualmente inadmissível.

Na sequência desses factos, foi proferido – em 07/01/2023 – despacho com o seguinte teor:

“Por despacho proferido em 09.12.2022, foi aditado um tema da prova (que por mero lapso não havia sido enunciado no respetivo despacho) e concedida às partes um prazo de 5 dias para arrolarem novas testemunhas relativamente ao mesmo.

Por requerimento de 14.12.2022, o Réu aditou testemunhas e requereu a prorrogação de prazo para juntar prova documental.

Em 02.01.2023, o Réu juntou seis documentos para prova de factos alegados na sua contestação e contraprova de factos alegados na petição inicial.

Em 03.01.2023, a Autora pugnou pelo indeferimento da junção de tais documentos.

Cumpre decidir.

Como é sabido, a apresentação da prova testemunhal está sujeita ao regime próprio plasmado nos artigos 423º a 425º do CPC.

Nos termos do disposto no artigo 423º do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; podendo ser juntos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte condenada em multa, salvo se provar que não os pôde oferecer com o articulado; após esse momento só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento e os que se tornaram necessários em virtude de ocorrência posterior.

Ora, não se tratando de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, isto é, que foram produzidos ou conhecidos depois do limite temporal definido nº 2 do citado normativo, destinando-se os mesmos a fazer prova dos factos alegados na contestação e contraprova dos factos vertidos na petição inicial, deveriam ter sido apresentados com a contestação ou no limite até 20 dias antes do início da realização da audiência final, mediante pagamento da competente multa processual.

Com efeito, pese embora tenha sido aditado um novo tema da prova, o certo é que este traduz a factualidade alegada na causa de pedir vertida na petição inicial e relativamente à qual o Réu apresentou defesa mediante contestação, juntando os documentos que considerou relevantes para prova dos fundamentos da sua defesa, não podendo aproveitar-se agora desta vicissitude processual para suprir eventual deficiência na defesa oportunamente apresentada, sabendo que vigora no nosso sistema processual o princípio da autorresponsabilidade das partes, com ónus e preclusões.

Destarte, e por falta de fundamento legal, indefere-se a junção aos autos documentos apresentados pelo Réu, determinando-se o seu desentranhamento e restituição ao mesmo”.

Inconformado com essa decisão, o Réu veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) É processualmente lícito às partes alterar os seus requerimentos probatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 598.º do C.P.C., caso não tenha tido lugar a audiência prévia, ou melhor, caso os temas de prova tenham sido fixados à margem da audiência prévia - neste sentido, a título meramente exemplificativo, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.04.2019, processo n.º 704/18.1T8AGH-A.L1-7; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.01.2019, processo n.º 1178/16.7T8CLD.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

B) Este entendimento é corroborado pelos ensinamentos do Professor Lebre de Freitas (in A acção declarativa comum, 4.ª edição, 2017, p.206) que não hesita em afirmar que a parte pode alterar o requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados do despacho em que lhe é dado conhecimento da fixação dos temas de prova, com dispensa da audiência prévia, visto que «não se justificaria que que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia», até porque «Normas como as que fazem coincidir a preclusão com a prática dum acto ou com o termo, ou certo momento, duma diligência determinada (exs.: art. 3-4; art. 198-1; art. 199-1, l.ª parte; art. 200-2; art. 358-1; arts. 588-3, 611-1 e 729-g; art. 423-2) revestem carácter específico. Na falta duma norma dessas, nenhuma norma processual geral impõe a preclusão. No caso considerado, ela traduzir-se-ia numa desigualdade entre a parte que é convocada para a audiência prévia e a que não é, tido em conta que a pretensão de alteração do requerimento de prova não pode fundar reclamação que leve à realização da audiência dispensada. A faculdade de alteração dos requerimentos probatórios é concedida nesta fase por só nela o juiz enunciar os temas da prova e a enunciação deles fora da audiência prévia equivaler à sua enunciação dentro dela».

C) In concreto, e até por maioria de razão, tendo lugar tal aditamento de um novo tema da prova em fase de julgamento, renova-se o direito das partes a alterarem os requerimentos probatórios apresentados, direito que não se cinge à prova testemunhal, podendo também as partes requerer ou juntar prova documental, requerer a inspecção judicial, prova pericial, ou qualquer outro meio de probatório.

D) De facto, não pode um superveniente aditamento de um tema da prova, produzido não apenas fora da audiência prévia como também do despacho saneador, cercear o direito das partes a alterarem os seus requerimentos probatórios, designadamente de procederem à junção de documentos atinentes a tal novo tema da prova.

E) E note-se, tal solução não é inovatória, pois que já no anterior CPC, maxime no n.º 3 do artigo 650.º de tal diploma, se dispunha que ampliada a base instrutória, as partes poderiam indicar as respectivas provas imediatamente ou, não sendo possível, no prazo de 10 dias.

F) Assim, com o devido respeito, muito contrariamente à fundamentação que se encerra no douto despacho recorrido, a alteração do requerimento probatório a coberto do aditamento de um novo tema da prova, quer mediante o aditamento de duas novas testemunhas – que foram admitidas – quer mediante a junção de novos documentos – que não foi admitido –, é processualmente admissível.

G) Entendimento contrário, tal como aquele que se encerra na decisão recorrida, redundaria na violação do direito à prova – que é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da C.R.P. – mediante o aditamento surpresa de um novo tema da prova e em violação da faculdade à disposição das partes de arrolarem novos meios probatórios quando aqueles são fixados em despacho saneador.

H) E, muito contrariamente à fundamentação que se empresta no douto despacho recorrido, os documentos juntos não visam “suprir eventual deficiência na defesa oportunamente apresentada, sabendo que vigora no nosso sistema processual o princípio da autorresponsabilidade das partes, com ónus e preclusões., seja porquanto o Recorrente limitou-se a juntar documentos estritamente atinentes ao tema da prova aditado, mediante directa correspondência aos artigos da contestação nos quais alegou os respectivos factos que, tais documentos, são tendentes a provar, seja porquanto a circunstância de os documentos não serem supervenientes à contestação, não constitui fundamento, óbice ou limitação ao Recorrente produzir alteração do seu requerimento probatório mediante a renovação da faculdade do n.º 1 do artigo 598.º do C.P.C., face ao superveniente aditamento de um tema da prova.

I) Assim, sendo legalmente admissível a alteração do requerimento probatório ante o aditamento de um novo tema da prova, é processualmente admissível a junção dos documentos apresentados respeitantes à matéria factual já narrada na contestação, pelo que o douto despacho recorrido deve ser revogado e, em consequência, substituído mediante douto Acórdão que admita a junção dos documentos aos autos.

Conclui pedindo que seja revogado o despacho recorrido e que sejam admitidos os documentos juntos pelo Recorrente mediante requerimento de 02.01.2023.

Não houve resposta ao recurso.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se deve (ou não) ser admitida a junção aos autos dos documentos que o Réu veio apresentar por requerimento de 02/01/2023.


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III.

Está em causa no presente recurso o despacho que não admitiu a junção de documentos que o Apelante requereu em 02/01/2023 após o início da audiência de julgamento.

Para fundamentar a sua discordância relativamente à decisão recorrida e a admissibilidade da junção dos documentos em causa, argumenta o Apelante:

· Que a alteração dos requerimentos probatórios na audiência prévia é processualmente admissível ao abrigo do disposto no art.º 598.º, n.º 1, do CPC;

· Que, sendo essa alteração admissível na audiência prévia quando a ela haja lugar, também não poderá deixar de ser admitida quando os temas da prova sejam fixados à margem da audiência prévia em virtude de esta não ter sido realizada, caso em que tal alteração poderá ser efectuada no prazo de dez dias a contar da notificação que fixa os temas da prova;

· Que, no caso, tendo sido aditado um novo tema da prova, em fase de julgamento, renovava-se o direito das partes a alterarem os requerimentos probatórios que, anteriormente, haviam apresentado;

· Que, nessas circunstâncias, a apresentação de novos documentos era processualmente admissível na sequência daquele aditamento;

· Que um entendimento contrário violaria o direito à prova, que é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da C.R.P.

Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Apelante.

Com efeito, ainda que os requerimentos probatórios possam ser alterados na audiência prévia (art.º 598.º, n.º 1, do CPC) e ainda que essa faculdade também possa e deva ser admitida quando não há lugar a audiência prévia e na sequência do despacho que fixa o objecto do litígio e os temas da prova (conforme se considerou no Acórdão – citado pelo Apelante – da Relação de Coimbra de 15/01/2019[1]), a verdade é que a prova por documentos (é isso que está em causa no presente recurso) está sujeita ao regime específico que está fixado no art.º 423.º, onde se dispõe o seguinte:

 “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.

Tendo em conta o que aí dispõe, podemos concluir:

- Que o momento próprio (oportuno) para a junção de documentos é o momento de apresentação do articulado onde sejam alegados os factos que esses documentos visam comprovar;

- Que, apesar disso, a parte pode sempre apresentar aqueles documentos em momento posterior, desde que o faça até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, ficando, no entanto, sujeita ao pagamento de multa, a não ser que prove que não tinha (ou não teve) possibilidade de o juntar com o articulado;

- Que, uma vez ultrapassado aquele momento (20 dias antes da data em que se realize a audiência final), já não poderão ser apresentados quaisquer documentos além daqueles que se enquadrem nas duas situações excepcionais que estão previstas no n.º 3: quando se prove que a sua apresentação não foi possível até ao momento definido no número anterior (20 dias antes da data em que se realize a audiência final) ou quando a necessidade da sua junção tenha sido determinada por ocorrência verificada após aquele momento.

É certo, portanto, que a possibilidade de alterar (livremente) os requerimentos probatórios na audiência prévia ou na sequência de despacho que fixe o objecto do litígio e os temas da prova não abrange a prova documental, sendo certo que esta apenas pode ser junta nos termos e nas condições descritas no citado art.º 423.º. Haja ou não audiência prévia, a regra, em matéria de prova por documentos, é que estes devem ser juntos com o articulado em que se alegam os factos correspondentes e só podem ser juntos em momento posterior nas situações descritas na norma citada.

Significa isso, portanto, que a mera circunstância de ter sido aditado um tema da prova não constitui, só por si, fundamento bastante para justificar a junção de documentos em momento posterior aos articulados; esse aditamento apenas poderá justificar a junção de novos documentos se e na medida em que tenha sido esse aditamento a determinar a necessidade dessa junção (caso em que a admissibilidade da junção dos documentos encontrará apoio na parte final do n.º 3 do citado art.º 423.º).

No caso em análise, estava ultrapassado o momento definido no n.º 1 do referido art.º 423.º (os articulados) e estava também ultrapassado o momento referido no n.º 2, uma vez que a audiência de julgamento já se havia iniciado (esta afirmação/conclusão não é, aliás, contestada pelo Apelante no presente recurso). Nessas circunstâncias, a junção dos documentos apenas poderia ser admitida caso se verificasse uma das situações previstas no n.º 3: se tal junção não tivesse sido possível até àquele momento ou se a apresentação dos documentos apenas se tivesse tornado necessária em virtude de ocorrência posterior aos momentos anteriormente definidos.

Nenhuma dessas situações se verificava no caso em análise.

A impossibilidade de junção dos documentos em momento anterior pressupunha que se alegasse e demonstrasse uma de duas coisas: ou que os documentos eram posteriores ao momento em que deviam ter sido juntos (impossibilidade por superveniência objectiva dos documentos) ou que, apesar de anteriores, apenas haviam chegado ao conhecimento ou ao poder do apresentante, sem culpa sua, após aquele momento (impossibilidade por superveniência subjectiva).

Ora, sendo certa a inexistência de qualquer superveniência objectiva dos referidos documentos – que são anteriores ao momento de apresentação da contestação – também não foi invocado pelo Réu/Apelante qualquer facto ou circunstância no sentido de demonstrar a sua superveniência subjectiva, ou seja, que, sem culpa sua, aqueles documentos não haviam chegado ao seu conhecimento ou ao seu poder em momento anterior.

Não podendo ser dada como verificada a situação prevista na 1.ª parte do n.º 3 do citado art.º 423.º, a junção dos documentos apenas poderia ser admitida nos termos da 2.ª parte do citado n.º 3, ou seja, se a junção dos referidos documentos se tivesse tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Tal situação também não se verifica.

Conforme refere o próprio Réu/Apelante no requerimento por via do qual juntou aqueles documentos, eles destinavam-se a provar factos que haviam sido alegados na contestação e a infirmar factos que haviam sido alegados na petição inicial e, portanto, a necessidade da sua junção não resultou de ocorrência posterior aos articulados; se os documentos visavam a prova e contraprova de factos que haviam sido alegados nos articulados, era com o articulado respectivo – no caso, a contestação – que eles tinham que ser juntos (cfr. art.º 423.º, n.º 1) porque a necessidade da sua junção resultava, naturalmente, da necessidade de provar os factos que aí haviam sido alegados.

Essa conclusão não é afectada pelo facto de ter sido aditado posteriormente um novo tema da prova.

A necessidade de junção dos documentos resultaria do aditamento de um tema da prova se este se reportasse a factos que não haviam sido alegados nos articulados; só assim se poderia dizer que a junção dos documentos se havia tornado necessária por força dessa circunstância.

Não era isso, no entanto, o que aqui acontecia.

O tema da prova que foi aditado (referente à constituição de um depósito a prazo pelo réu no valor de €237.500,00 junto do Banco 1..., S.A. em .../.../2012, com capitais obtidos na constância do casamento, resultantes da atividade profissional da autora e réu, com saldo a crédito em 05-09-2012, no valor de €240.953,68) reportava-se a factos que haviam sido alegados nos artigos 59 a 66 da petição inicial sobre os quais o Réu se pronunciou nos artigos 91.º a 119.º da contestação. É certo, portanto, que a necessidade de junção dos documentos não resultou do aditamento do tema da prova; tal necessidade já existia à data da apresentação da contestação uma vez que eles se destinavam a provar factos que aí haviam sido alegados ou a fazer contraprova de factos que haviam sido alegados na petição inicial. Tais documentos deviam, portanto, ter sido juntos com a contestação (conforme disposto no n.º 1 do art.º 423.º) ou, no máximo – e, neste caso, mediante o pagamento de multa – até 20 dias antes da data em que se realizasse a audiência final (conforme disposto no n.º 2 do citado art.º 423.º); estando ultrapassados esses momentos, já não é viável a admissão dos referidos documentos, uma vez que – como se disse – não se verifica nenhuma das situações previstas no n.º 3 da citada disposição legal.

Refira-se, por último, que, não estando reunidos os pressupostos exigidos pelo citado art.º 423.º para a admissão dos documentos em causa, essa admissão também não poderia encontrar apoio – ao contrário do que pretende o Réu/Apelante – no despacho que determinou o aditamento do tema da prova, uma vez que tal despacho apenas concedeu às partes a faculdade de arrolarem novas testemunhas, sem lhes dar a faculdade de juntar novos documentos (circunstância que resultou, naturalmente, do regime próprio a que está submetida a apresentação de prova documental, nos termos acima mencionados).

Os documentos em causa não poderão, portanto, ser admitidos.

Diz a Apelante – conclusão G – que esse entendimento redunda “…na violação do direito à prova – que é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da C.R.P. – mediante o aditamento surpresa de um novo tema da prova e em violação da faculdade à disposição das partes de arrolarem novos meios probatórios quando aqueles são fixados em despacho saneador”.

Não tem qualquer razão.

Em primeiro lugar, cabe dizer que não fará muito sentido falar de um “aditamento surpresa de um novo tema da prova” quando é certo que o tema da prova em questão se reporta a factos que haviam sido alegados oportunamente e que só por lapso não foi oportunamente enunciado.

Em segundo lugar, importa esclarecer que o Apelante labora em erro quando sustenta que a faculdade de alteração do requerimento probatório a que se reporta o art.º 598.º do CPC inclui, sem restrições, a prova documental, o que, como acima se referiu, não é verdade. Com efeito, a prova documental está sujeita, conforme dissemos, a regime próprio (o regime estabelecido no citado art.º 423.º) e, portanto, a apresentação de prova documental na audiência prévia ou na sequência do despacho que fixa o objecto do litígio e os temas da prova continua sujeita aos requisitos previstos no art.º 423.º, apenas sendo admitida mediante a condenação da parte em multa a não ser que prove que não pôde oferecer essa prova com o articulado.

Por último, cabe dizer que o entendimento em causa não implica qualquer violação do direito à prova enquanto concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da C.R.P. Com efeito, ainda que o direito de acesso à justiça comporte o direito à produção de prova, tal não significa, naturalmente, que esse direito seja admitido sem restrições ou limitações e que possa ser exercido sem submissão a quaisquer regras; o que importa – com vista à concretização desse direito – é que a parte tenha efectiva possibilidade de fazer prova dos factos que sustentam o seu direito ou a sua defesa, nada obstando, porém, a que a lei regule os termos e o momento de apresentação dessa prova (regulação que, naturalmente, se impõe como necessária para organização dos trâmites processuais e para salvaguarda e defesa dos interesses da outra parte). O Apelante teve, como é óbvio, a oportunidade de apresentar a prova documental que entendesse por relevante para fazer prova ou contraprova dos factos alegados (com isso se concretizando a satisfação do direito/princípio constitucional acima referido); não tinha, no entanto, o direito – porque a lei não lho dá e porque o princípio constitucional acima referido não o impõe – de apresentar essa prova sem qualquer limite temporal e no momento que entendesse; esse direito tinha que ser exercido nos termos e nos momentos legalmente previstos.

Impõe-se, portanto, em face de tudo o exposto, julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

                              Coimbra, 2023/05/02

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                      (Paulo Correia)                    



[1] Proferido no processo n.º 1178/16.7T8CLD.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.