PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
REQUISITOS
LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL
Sumário

I – Nas providências cautelares, para a prova de certos factos, basta uma prova indiciária/perfuntória que, através de um juízo de verosimilhança aponte em tal sentido;  sendo certo, porém, que provados podem ser apenas factos alegados pelas partes;  e que, em situação de litisconsórcio necessário, a confissão de um litisconsorte não aproveita aos outros – artº 353º nº2 do CPC.
II – Na providencia cautelar comum, e quanto ao direito acautelado, basta a sua mera probabilidade/verosimilhança/aparência, o chamado "fumus boni juris"; mas quanto à natureza da lesão exige-se a prova de concretos factos que clamem que ela deva ser taxada de grave e de difícil reparação.
III – A realização de obras de remodelação num quarto da casa da requerente, com alteração do teto, paredes e parte elétrica, aparentemente para melhorar a sua habitabilidade e conforto, não preenchem o conceito legal de lesão grave e dificilmente reparável.

Texto Integral


Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2ª Adjunto: Moreira do Carmo



ACORDAM  OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA instaurou contra: 1º - BB; 2ª – CC; 3ª – DD; 4ª – EE, procedimento cautelar comum.

Alegou:

Ser dona de um prédio rústico, que adquiriu em ação de divisão de coisa comum na qual foi parte o aqui 1º requerido, sendo que em tal prédio estariam implantadas algumas construções, em particular uma casa de habitação.

Que nessa casa estão a habitar os 1º e 2º requeridos conjuntamente com os filhos menores, e bem assim as 3ª e 4 requeridas, ainda que estas sejam comproprietárias de uma casa de habitação contígua.

Que a partir de 21 de Janeiro os requeridos  iniciaram a destruição da referida construção (casa), tendo destruído todo o revestimento interior de um quarto existente ao nível do r/c, ‘rebentado’ a porta de acesso a tal quarto, alterado a “entrada da propriedade” com colocação de cimentos, e procedido à abertura de roços para suposta colocação de uma nova instalação elétrica.

Que os requeridos nenhuma experiência têm em matéria de obras de construção/remodelação, pelo que a continuação das alterações poderá provocar danos na estrutura da habitação, e bem assim colocar em perigo quem ali possa habitar, expondo-os ao perigo de incêndio em função da execução de uma deficiente instalação elétrica.

Peticiona:

O decretamento da desocupação do imóvel, bem como a fixação de uma sanção pecuniária “por cada dia em que os requeridos acedam ao interior da propriedade.

Os 1º e 2º requeridos deduziram  oposição.

Alegaram que a construção/habitação que a requerente diz ser sua lhe pertença, pois que seria parte da casa de habitação das 3ª e 4ª requeridas, sendo que tal  ‘conjunto’ contaria com uma única instalação ao nível das diversas infra-estruturas: um só contador de luz; um só contador de água; uma só ligação ao saneamento; e ambas partilhariam ligações interiores e exteriores.

Referem que as obras que levaram a cabo não corporizariam a destruição do imóvel, ainda que parcial, antes a remodelação do quarto onde dormiam (os oponentes), que não apresentava condições de habitabilidade.

As obras que se propunham levar a cabo já se encontram concluídas.

O eventual deferimento da providência de desocupação assumir-se-ia como desproporcional porquanto na habitação residiriam as 3ª e 4ª requeridas, pessoas de idade avançada e de débil situação de saúde.

Concluem pela improcedência do presente procedimento.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos com algumas vicissitudes, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Termos em que julgo o presente procedimento cautelar improcedente, em consequência do que não determino a providência ou conjunto de providências peticionadas pela requerente.»

3.

Inconformada recorreu a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- A douta sentença em crise omitiu pronuncia sobre o conteudo dos documentos (certidao predial e caderneta predial) juntos aos autos em 4 /11/2022, com a referencia Citius 43778346, onde se pode verificar que o prédio deixou de ter natureza rústica, pois nele passou a constar que “Em parte foi construido um urbano de r/c e 1º andar com 3 divisões assoalhadas, sala, cozinha e duas casas de banho, destinado a habitação”.

2- Ao omitir pronuncia sobre sobre esta questão, que não podia deixar de conhecer, e ao decidir que a Requerente é dona apenas de um prédio rustico, ( facto “1” considerado assente) quando a natureza do prédio foi alterada quer na Conservatória, quer na  matriz predial urbana, a douta sentença padece do vicio de nulidade, previsto na alinea d), do nº 1, do artigo 615º do CPC;

3- A matéria de facto assente ser alterada, passando a constar que “ o prédio descrito em 1 passou a ter natureza mista, pois o mesmo passou a incluir um urbano de r/c e 1º andar com 3 divisões assoalhadas, sala, cozinha e duas casas de banho, destinado a habitação”.

4- Considerou o Tribunal “ a quo” como provado que (Ponto 3) “ Junto a casa habitada pela dita FF existe outra casa, de r/c e andar, habitada pelos requeridos “ e, no ponto 2 considera provado que o prédio da Autora confina a poente com a casa habitada pela testemunha FF.

5. De acordo com as plantas juntas, demais documentos fotograficos e prova testemunhal, ficou provado que o terreno só confina na parte onde esta implantada a construçao, motivo pelo qual os fundamentos estao manifestamente em oposiçao com a decisao proferida, o que tambem é causa de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615, nº 1, alinea c) do CPC;

6. Foi violado o disposto no artigo 1344º o Código Civil;

7. Na alinea g) dos factos não provados, tendo sido alegado que os Recorridos não possuem qualquer tipo de experiencia na realizaçao de obras e não tendo sido tal matéria impugnada por qualquer dos Recorridos, deve ser dado como provado que “ os Requeridos não não possuem qualquer tipo de experiência na realização de obras de construção civil, ou na área das instalações elétricas” .

8. na alinea h) foi considerado nao provado que as alterações da rede eletrica possam conduzir a uma situaçao de curto-circuito, pelo que deve a mesma ser levada a matéria assente com a seguinte formulaçao: “as alterações da rede elétrica mencionadas 8 em 13 não reunem as condiçoes legais de certificaçao e aprovaçao, exigidas pelo legislador para evitar curtos-circuitos.”

9. O facto não provado, na alinea K) “que o quadro eléctrico mencionado em 20 não possua qualquer sistema de protecção (corte) em caso de curto-circuito verificado em qualquer local da rede eléctrica das duas casas.” não foi suscitada por qualquer uma das partes, pelo que deve ser eliminada.

10.Por outro lado, é notório que para haver sistema de protecçao, “apto a disparar “, na linguagem usada na decisao em crise, é necessário que a instaçao eletrica seja executada de acordo com as respectivas normas técnicas, o que não foi o caso, pelo que tal facto deve ser eliminado.

11.Omitiu o Tribunal “ a quo” qualquer referencia ao facto de a Recorrida CC ter confessado os factos alegados pela Recorrente, por requerimento atravessado nos autos em 8 de Setembro de 2022.

12. Existe uma situaçao de perigo eminente devido ao facto de ter existido uma intervençao na instalaçao eletrica sem os requisitos legais de protecçao à segurança de pessoas e bens que derivam da necessidade de existencia de certificaçao e/ou aprovaçao dessas alteraçoes.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Procedência da providência.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Liminarmente.

A requerente taxa a sentença de nula por omissão de pronúncia, pois que o Julgador não atentou em documentos que implicavam que deveria ter dado como provado, vg.,  que o prédio em causa não é rústico, mas misto.

Como é consabido, a nulidade referida apenas emerge quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões essenciais decidendas e não já quando omita posição quanto a argumentos ou considerações das partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

Ora se assim é, verifica-se que, in casu, inexiste tal vício.

Quanto à questão essencial decidenda, qual seja, se existem razões factuais bastantes para decretar as medidas preventivas impetradas, o tribunal pronunciou-se e deu resposta, no sentido negativo.

 Como é fácil de intuir, a recorrente descentra e desvirtua juridicamente o quid contra o qual se insurge.

A questão não é de falta de pronúncia, vício formal processual da sentença em si mesma, mas da inadequada postura do julgador no que tange à apreciação dos meios probatórios em função dos quais ele deveria definir o substrato factual alicerçante da exegese e decisão jurídicas.

Ou seja, o ponto atém-se à desadequação da decisão da matéria de facto, vis a vis os meios probatórios produzidos, rectius dos documentos que a requerente juntou a fls. 137 e segs, e das posições confessórias  dos requeridos  e, assim, da ilegalidade substancial – e não da nulidade formal  - de tal decisão.

É, aliás, o que decorre da sua pretensão de, com base em tais documentos e confissão, pugnar pela alteração de tal decisão.

Destarte, nesta correta perspetiva, se dilucidará o recurso.

5.1.2.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac, do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.3.

No caso vertente.

Relativamente à natureza do prédio em causa, verifica-se que a requerente introduziu em juízo documentos que provam que o prédio assume, atualmente, o cariz de misto, com parte rústica e urbana.

Tal alegação tinha, ao menos implicitamente,  o fito de alegação superveniente quanto ao facto atinente a tal jaez de misto.

Os documentos juntos a fls 137 e segs, provam, ao menos com o cariz indiciário/perfuntório que é o bastante nesta instância cautelar, esta sua atual natureza.

Assim, neste particular, assiste razão à recorrente.

Devendo assim, o ponto 1 ter o seguinte teor:

1 – A requerente é dona de um prédio misto localizado/denominado ..., situado no Lugar ..., freguesia ..., deste concelho ..., com a área total  de 1.194 mts2, constituído por parte rústica com a área de 1106,96 m2, inscrita na matriz sob o nº ...36 e por parte urbana com a área de 87,5m2  inscrito na matriz  sob o nº...66, que inclui uma edificação com  r/c e 1º andar com 3 divisões assoalhadas, sala, cozinha e duas casas de banho, destinado a habitação.

De igual sorte, considerando a redação ora dada ao ponto 1, o teor do ponto 5, a confissão da requerida CC e a própria fundamentação  vertida na decisão da matéria de facto, a saber: «é insofismável, ante os diversos depoimentos produzidos, a existência de dois edifícios, presentemente destinados a habitação, os quais, em tempos recuados, teriam algum tipo de ligação interna, como acabou por fluir do depoimento da testemunha GG, que mencionou a inexistência de tal ligação porquanto no r/c teria sido erigida uma parede de tijolo, e ao nível do 1º andar uma parede em pladur», tem de concluir-se que a casa referida no ponto 3 dos provados se situa no aludido prédio misto sendo a edificação urbana nele constante.

Destarte, o teor da alínea b) dos factos dados como não provados deve ser dado como provado, com o seguinte teor:

3-A - Esta casa, habitada pelos requeridos, mencionada no ponto anterior, está implantada no terreno do prédio da requerente descrito em 1, sendo a edificação aí referida.

Mais pretende a recorrente a  alteração dos factos, nos termos plasmados nas conclusões 7 a 9.

A  julgadora fundamentou a sua não prova nos seguintes termos:

« Nenhuma prova – documental ou de outro tipo – foi produzida a propósito do teor das alíneas g) e n), as quais tratam de realidades distintas: uma coisa é a existência/inexistência de experiência (prática), outra é a existência/inexistência de formação académica e/ou técnica.

Outrossim nenhum tipo de prova foi produzida a propósito dos factos vertidos em h), j) e o)…

E ainda que algumas testemunhas (v. g. a testemunha HH) tenham referido que a casa habitada pela testemunha FF encontra-se degradada, referência que também se surpreende do documento de fls. 109-111, tal não significa, e nenhuma prova nesse sentido foi aportada, que o quadro eléctrico nela existente não possua qualquer sistema de corte de corrente em caso de curto-circuito – alínea k).»

No atinente à alínea g).

A recorrente não contesta esta posição da Srª Juíza.

Mas pugna pela sua prova porque diz que tal matéria resulta de confissão dos requeridos.

Mas não resulta.

Os requeridos contestaram que a instalação elétrica tenha sido destruída.

Mais alegaram que as obras foram efetuadas de acordo com todas as regras de segurança exigidas para o efeito, foi confirmado por engenheiro civil – artºs 8º, 12º e 13º da oposição.

Provou-se que foi o requerido que fez as obras, rectius as de eletricidade, que se apurou consistirem apenas nas discriminadas no ponto 13, as quais, assim, não se alcançam de destruição e de complexidade exacerbada.

Por conseguinte, não apenas se tem de concluir que a  inexperiência e inabilidade dos requeridos para as obras de eletricidade foram, quiçá que indireta e implicitamente, contestadas, como se tem de concluir-se que, ao menos para as obras de eletricidade apuradas, o requerido  BB, tinha conhecimentos bastantes, quanto mais não fossem empíricos, para as efetivar.

Ademais a confissão posterior da requerida CC não releva, ou, ao menos, não é suficiente.

Estamos perante um caso de litisconsórcio necessário, pois que, atentos os pedidos formulados, a intervenção de todos os requeridos é obrigatória para a decisão a obter produza o seu efeito útil normal: desocupação total, por todos, da casa – artº 33º nº2 do CPC.

Ora nos termos do artº 353º nº2 do CC:

«A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário.»

Efetivamente:

« …seria destituído de sentido que, em caso de litisconsórcio necessário, um dos litisconsortes pudesse “isoladamente produzir uma confissão que se traduziria no reconhecimento da realidade de um facto que a todos é desfavorável”.

Assim, “se os efeitos que o facto confessado é idóneo a produzir forem contrários ao interesse de uma pluralidade de sujeitos e subjectivamente incindíveis, a legitimidade para confessar radicará, em consequência, nessa pluralidade, não podendo um desses sujeitos isoladamente produzir uma confissão que se traduziria no reconhecimento da realidade dum facto que a todos é desfavorável» - Ac. RP de 27.10.2020, p. 2210/19.8T8PNF.P1, in dgsi.pt e demais doutrina e jurisprudência nele cits.

No concernente à al. h).

Provados podem ser apenas os factos adrede alegados, atentos os princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade das partes.

Ora no requerimento inicial a requerente não alegou concretamente, que «as alterações da rede elétrica mencionadas 8 em 13 não reúnem as condições legais de certificação e aprovação, exigidas pelo legislador para evitar curtos-circuitos».

Estas condições legais são, desde logo, um conceito jurídico e/ou uma asserção conclusiva.

Assim, no mínimo, tais condições  deveriam ter sido oportunamente, em sede de articulado inicial, discriminadas pela requerente, ao menos como agora, apenas em sede recursiva, e, assim, extemporaneamente, o faz.

Mas no ri., ela apenas invocou que os requeridos não têm instrução, preparação e experiência em instalação de material elétrico, pelo que as obras podem conduzir a um curto circuito – artº 44º -;  o que é diferente de condições legalmente exigíveis.

Ademais, o perito engenheiro concluiu que não verificou qualquer efeito secundário na estrutura do prédio e que as obras estão isentas de controlo prévio.

Por conseguinte e considerando o supra aludido em 5.1.2., esta asserção não pode ser dada como provada.

Finalmente o facto não provado K.

Efetivamente tal facto - o quadro eléctrico mencionado em 20 não possua qualquer sistema de protecção (corte) em caso de curto-circuito verificado em qualquer local da rede eléctrica das duas casas. – não foi alegado pelas partes.

Vale, pois, também aqui, o supra aludido no atinente à sua desconsideração, por violação dos mencionados princípios.

Pelo que ao emitir pronúncia sobre tal facto, a julgadora menos bem andou.

Porém, assumindo-se tal pronúncia como negativa, ou seja, de não prova, ela é irrelevante ou inócua, pois que um facto não provado é, ao menos por via de regra de que o presente caso não constitui exceção, um nada jurídico; assim, tal facto não provado não contende ou prejudica a pretensão das partes, máxime da ora recorrente.

5.1.4.

Pelo exposto, e no deferimento parcial da presente pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os aditados:

1 – A requerente é dona de um prédio misto localizado/denominado ..., situado no Lugar ..., freguesia ..., deste concelho ..., com a área total  de 1.194 mts2, constituído por parte rústica com a área de 1106,96 m2, inscrita na matriz sob o nº ...36 e por parte urbana com a área de 87,5m2  inscrito na matriz  sob o nº...66, que inclui uma edificação com  r/c e 1º andar com 3 divisões assoalhadas, sala, cozinha e duas casas de banho, destinado a habitação.

2 – Tal prédio confronta a sul com a Av. ..., e a poente com o prédio onde se mostra implantada a casa habitada pela testemunha FF.

3 – Junto à casa habitada pela dita FF existe uma outra casa, de r/c e andar, habitada pelos requeridos.

3-A - Esta casa, habitada pelos requeridos, mencionada no ponto anterior, está implantada no terreno do prédio da requerente descrito em 1, sendo a edificação aí referida.

4 – Na zona de confinância entre ambas as casas de habitação existe um espaço ou quintal, fronteiro à Av. ....

5 – No âmbito do processo de divisão de coisa comum, que correu termos por este juízo local sob o nº 3300/21...., foi homologada, por sentença transitada, uma transacção outorgada entre a aqui requerente e o aqui requerido BB, por via do qual estes acordaram em adjudicar, à aqui requerente, o prédio descrito no ponto 1 supra, contra o pagamento de tornas a liquidar por cheque, mais aí sendo acordado que “Com a entrega do cheque o Requerido entrega as chaves do imóvel, devoluto da sua pessoa, companheira, filhos e bens pessoais”.

6 – A casa habitada pela referida FF mostra-se integrada no prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...13, descrito na CRP ... sob a ficha ...54 da dita freguesia, e aí descrito como composto de casa de habitação de 2 pisos (com 76 mts2), dependências (com 42 mts2) e pátio (com 20 mts2).

7 – Pelas apresentações nº 25, de 6.11.08, e nºs 1, 2 e 3, estas de 7.11.08, mostra-se inscrita, no registo predial, em benefício das 3ª e 4ª requeridas, da testemunha FF e de II, cada qual na proporção de ¼, a aquisição, por partilha, do prédio descrito em 6.

8 – Para as casas de habitação (e espaços envolventes das mesmas) referidas em 2 e 3 existem, a partir da Av. ..., entradas distintas.

9 – Ao nível do r/c da casa referida em 3 (2ª parte) existe um compartimento destinado a quarto, o qual, pelos menos desde 2014, apresentava algumas das paredes revestidas com placas de pladur, tinha um tecto falso com gesso cartonado, e o chão encontrava-se revestido com material não concretamente apurado.

10 – Em data não apurada, compreendida entre Agosto de 2021 e 31.1.22, o requerido BB iniciou a execução de obras ao nível do quarto referido em 9.

11 – Designadamente retirou o tecto falso, levantou o revestimento do chão e retirou as placas de pladur que revestiam algumas das paredes.

12 – Em data não apurada, posterior a 31.1.22 e anterior a 25.2.22, iniciou o revestimento do tecto e paredes do referido quarto com lã de rocha, após o que aplicou placas de gesso cartonado.

13 – Efectuou alterações na rede eléctrica de distribuição de energia às tomadas e interruptores existentes no interior de tal quarto, além do mais com a colocação de novos pontos de luz e tomadas.

14 – À data da instauração do presente procedimento o requerido BB encontrava-se desempregado e não era proprietário de qualquer bem imóvel.

15 – Em data não apurada efectuou uma intervenção/obra na rampa de acesso da Av. ... para o quintal referido em 4, tendo para o efeito retirado algum do cimento que ali existia, e colocado uma nova camada de cimento na zona de tal rampa.

16 – As obras/intervenções referidas em 10 a 13 e 15 foram executadas pelo próprio BB.

17 – A requerida CC dedica-se, desde Fevereiro de 2021, à venda de produtos através da rede social facebook.

18 – As 3ª e 4ª requeridas encontram-se reformadas, e cada uma beneficia de pensões no montante de cerca de 400 euros mensais.

19 – Algumas das paredes interiores da casa referida em 3 (2ª parte) encontram-se revestidas com pladur.

20 – O quadro eléctrico a partir do qual é distribuída a energia seja para a casa referida em 2, seja para aquela mencionada em 3 (2ª parte), encontra-se no interior da primeira.

21 – A água consumida nas duas casas de habitação, referidas em 2 e 3, é medida num só contador, que se encontra instalado no quintal referido em 4.

22 – As águas residuais produzidas numa e noutra das casas de habitação são recolhidas em caixa existente ao nível do dito quintal e, a partir dali, seguem numa só tubagem até ao colector público existente no arruamento exterior.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Os procedimentos cautelares são meios provisórios de tutela do direito, destinados a evitar o perigo de demora do desfecho definitivo de ações.

 Visam impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela.

Com as providências cautelares visa-se alcançar uma decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, o efeito útil da ação definitiva a que se refere o artigo 2.° n° 2, do CPC, ou seja, a prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na ação principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica - A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 23 e  Ac. da Relação de Coimbra de  18-10-2005, dgsi.pt, p. 2692/05

Efetivamente, casos há em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, admite-se a emanação de uma providência provisória, destinada a durar enquanto se não profere julgamento definitivo.

Em suma, o que, essencialmente, justifica esta figura jurisdicional é o “periculum in mora”, o prejuízo da demora do processo.

Assim, para o decretamento da providência cautelar comum, exigem-se três requisitos principais:

a) - a probabilidade séria da existência do direito alegadamente ameaçado;

b) -o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;

c) - adequação da providência solicitada para evitar a lesão - artº 362º nº1 do CPC.

E um requisito secundário:

d) Não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar artº 368º nº2.

Urge ainda não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares nominados (subsidiariedade) - Cfr., entre outros, AC. do STJ de 19.12.2001, p.01A2731., in dgsi.pt.

Quanto aos requisitos principais e no que respeita à prova da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente  - direito alegadamente ameaçado – , não é exigível uma completa e  aprofundada produção probatória, por incompatível com o princípio da celeridade das providencias, bastando uma prova mais aligeirada,  a designada "summaria cognitio".

No que tange ao direito acautelado, não é exigível uma verificação exaustiva e definitiva, sendo suficiente a sua mera probabilidade ou verosimilhança, isto é a sua aparência, o chamado "fumus boni juris".

No concernente ao fundado receio exige-se, em regra, que na altura da instauração do procedimento cautelar esteja em curso uma situação de lesão do direito ainda não integralmente consumada ou, apenas, ocorra uma situação de lesão iminente, isto é, que ainda não tenha ocorrido.

Assim, neste ponto, não exige a lei que se verifique, ao tempo da apresentação do requerimento do procedimento em juízo, um prejuízo concreto e atual, certo ser suficiente o fundado receio que outrem cause ao requerente, antes da instauração da ação principal ou durante a sua pendência, lesão grave e de difícil reparação. O que pode verificar-se através da simples prova de factos preparatórios que permitam prever a ocorrência de um evento objetivamente idóneo a prejudicar o direito.

Já no atinente à lesão entende-se que apenas as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem a tutela provisória.

Consequentemente, ficam afastadas do círculo de interesses acautelados por ele, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves mas facilmente reparáveis - Cfr. Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil - III Vol. 3ª ed. pág. 101.

O requisito do justo receio de lesão grave e de difícil reparação do direito é matéria de facto, pressupondo a ocorrência de um fundado receio de prejuízos reais e certos, relevando de uma avaliação objetiva e ponderada da realidade e não de uma apreciação subjetiva e emocional.

Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um ato qualquer, mas sim aquele que é capaz de gerar uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito.

Ora para se aferir desta realidade, certeza e objetividade, é necessário provarem-se factos concretos que apontem nesse sentido, como sejam, v.g., o montante minimamente aproximado do prejuízo invocado e a repercussão que o mesmo poderá ter na esfera jurídica do interessado.

Para o que importa apurar das condições económicas do requerente e requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou do ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados – - Cfr. Manuel Rodrigues in Lições de Processo Preventivo e Conservatório, coligidas por Adriano Borges Pires e Ernesto Pereira de Almeida, pág 67, cit em LP Moitinho de Almeida, Providências Cautelares não Especificadas, 1981, p.22 e no Ac. do STJ de 28.09.1999, dgsi.pt,p.99A678 e Ac. do STJ de 26.01.2006, dgsi.pt.p.05B4206.

A proteção cautelar abarca não apenas os prejuízos imateriais ou morais, mas também os patrimoniais ou materiais.

Ora quanto a estes: …«o critério deve ser bem mais estrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva» - cfr. Abrantes Geraldes, ob.cit.p.99 e sgs.

Não bastando, assim, um qualquer despiciendo ou minudente dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo qualitativa e/ou quantitativamente relevante e, na perspetiva das possibilidades das partes, rectius do requerido, irreparável ou de difícil reparação.

Só assim se justificando o chamamento desta – como, regra geral, de qualquer outra – providência, a qual tem cariz excecional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, inequívoca e liminarmente indiciada, ou seja, quando a ação de que é dependente não possa, atempada, adequada e suficientemente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor.

 Sob pena de se banalizar a figura procedimento cautelar, fomentando-se o recurso abusivo ao mesmo, com todos os inconvenientes daí advenientes, designadamente para a consecução da justiça material, pois que, por via de regra, aqui o contraditório não é exercitado ou é-o com as limitações ou condicionante: vg. limitação do número de testemunhas, supressão de articulados, encurtamento dos prazos etc. – cfr. artºs 302º a 304º e 381º e segs.

Com os decorrentes perigos ou riscos do prolatar de decisões injustas, quanto mais não seja por comparação com as ações definitivas correspondentes, decorrente das menores exigências em termos probatórios, o que pode acarretar graves consequências, pois que as providencias podem garantir, desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na ação principal, um determinado efeito ele, próprio gravoso e de difícil reparação -  Cfr. cfr. A. Geraldes, ob. Cit. p.111. e Ac. da Relação de Lisboa de 30-05-2006, dgsi.pt, p. 2562/2006-1, de que o presente também foi relator.

Este entendimento sai ainda reforçado se atentarmos que a magnitude e a afetação dos interesses dos litigantes é abrangentemente ponderada pela lei.

 De tal sorte que a providência, mesmo que à partida assistisse razão ao requerente, pode ser recusada quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

  Ou mesmo após a fase liminar e tendo já sido decretada pode ser substituída por caução – artº 368º nºs 2 e 3 .

E até em sede de procedimentos especificados, como seja o embargo de obra nova, no qual se permite a autorização para a continuação da obra embargada, a requerimento do embargado, em dois casos:

  - quando se reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior à continuação;

   - quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação da obra é muito superior ao que poderá advir da sua continuação -  artº 401º do CPC 

5.2.2.

O caso vertente.

A julgadora decidiu, de jure, nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos:

«…ainda que se tenha apurado que a requerente seja dona de um prédio que confronta ou existe junto aos edifícios mencionados em 2 e 3 (cfr. o ponto 1), não ficou demonstrada qualquer factualidade que permita sustentar que a requerente tenha adquirido o direito de propriedade sobre a casa que pretende seja objecto da medida cautelar. Aliás, a propósito, a requerente ‘apenas’ afirma que tal casa está implantada no terreno ou área do prédio rústico de que reconhecidamente é dona. Mas nada se apurou seja nesse sentido, seja quanto à possível edificação, na área do prédio rústico, em momento posterior ao da aquisição do mesmo. …ou subsistência de uma relação de domínio da requerente relativamente à casa em causa.

Mas ainda que assim não fosse, …não se vislumbraria preenchida a segunda das apontadas condições para o deferimento da providência, no caso a verificação de uma lesão grave e dificilmente reparável àquele eventual direito.

De facto…não se apurou ou demonstrou o contexto ‘catastrofista’ alegado pela requerente: não emerge da factualidade apurada que os requeridos, ou qualquer dos requeridos tenham ou estejam a demolir qualquer parte da casa, ou que as intervenções efectuadas pelo requerido BB, num compartimento da casa, coloquem ou tenham colocado em risco a estrutura ou estabilidade do edifício, ou que provoquem riscos de incêndio advenientes de alterações efectuadas no sistema eléctrico que ‘serve’ o dito compartimento.

Diversamente apurou-se que tendo aquele retirado os revestimentos das várias superfícies do compartimento (tecto falso, pavimento e algumas paredes), não deixou aquele no estado que se observava nos mencionados ‘directos’ para a rede social facebook. Isto é, não se limitou a uma obra de demolição (aqui no contexto ou com o significado de retirada dos mencionados revestimentos). Efectivamente, para além da colocação de novos pontos de luz e de tomadas, iniciou o revestimento do tecto e paredes com lã de rocha, reconhecidamente um material usado para efeitos de isolamento térmico (já que obstaculiza a entrada, excessiva, de calor e de frio, e até de humidades, no local/compartimento intervencionado), após o que, sobre tal isolamento, aplicou placas de gesso cartonado – pontos 10 a 13.

Ou seja, e ainda que se entendesse que somente à requerente competisse os poderes de uso, fruição e disposição sobre a casa (artº 1305º do CC), por isso neles se incluindo os poderes de alteração ou transformação material da coisa, não se vislumbra que a actuação do 1º requerido comporte ou corporize uma lesão grave para o direito do proprietário (independentemente de quem o seja), ainda que se reconheça que alguma lesão possa existir, mormente pela adopção de soluções estéticas ou técnicas que não sejam do agrado do proprietário. De todo o modo, tal situação não deixaria de ser compensada, de algum modo, pela benfeitorização que o requerido BB efectua ou iniciou no local, com a dotação do compartimento de melhores condições de isolamento térmico.»

Perscrutemos.

Da  probabilidade séria da existência do direito alegadamente ameaçado.

Uma vez que, versus o que aconteceu na 1ª instância, se deu como indiciariamente provado que a casa onde foram feitas as obras pelo requerido BB, se situa em prédio misto pertencente à requerente; considerando o jaez de tais obras que se apresentam, pelo menos em parte da casa, de vulto; e considerando que elas estão a ser feitas contra a vontade da recorrente, tem de concluir-se que este requisito está presente.

Pois que com a sua atuação o requerido está a violar o direito de propriedade da requerente, juridicamente concedido e tutelado – artº 1305º e segs. do CC.

De igual sorte se considera  estar presente o requisito da adequação da providência solicitada para evitar a lesão.

Na verdade, a saída dos requeridos do urbano e a sua desocupação mostram-se ajustados a evitar a continuação da violação de tal direito,  pois que impedem que o requerido avance com mais obras, quiçá, mais amplas e modificantes da casa.

Resta, pois averiguar a (in)verificação do requisito do fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação.

Aqui corroboramos o entendimento da sentença, mesmo perante a modificação do acervo factual operado nesta instância recursiva.

Efetivamente, dos factos apurados não pode concluir-se, com uma margem de plausibilidade ainda exigível nesta sede, pelo  fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação.

Desde logo porque estamos, essencial e determinantemente, perante direito de cariz material, cuja tutela pode ser efetivada por via indemnizatória pecuniária.

Depois não se provaram factos dos quais se possa concluir que as obras acarretaram, ou muito provavelmente podem originar um prejuízo grave e de difícil reparação.

Quanto à gravidade, trata-se apenas de obras incidentes sobre uma parte da casa – quarto – as quais, aparentemente até constituem benfeitorias para a mesma.

E, como se aduz na sentença, não se apuraram os factos alegados pela recorrente, tais como a perigosidade oriunda da intervenção na vertente da eletricidade, dos quais, eventualmente, se poderia concluir pela presença de tal requisito.

No atinente à difícil reparação, ela afigura-se como mais plausível dado que os factos apurados quanto à situação económico financeira dos requeridos sugerem que eles não são titulares de uma situação de desafogo.

Mas tal é irrelevante, porque, como se viu, os requisitos da gravidade e difícil  reparação são cumulativos, pelo que basta a não presença de um para obviar ao decretamento da providência.

Ademais, nada nos autos indica que no futuro tal situação piore – até pode melhorar -,  pelo que o  direito indemnizatório que a requerente eventualmente venha a deter sobre os requeridos, se lhe for atribuído na  ação principal e definitiva, poderá ser, a seu tempo, satisfeito.

Improcede o recurso.

(…)

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2023.05.02.