PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
FILIAÇÃO BIOLÓGICA
LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ATUALIDADE
REVISTA EXCECIONAL
Sumário


I - Não tendo os progenitores cuidado de estabelecer e manter com a menor sua filha uma relação afetiva estável, também não lhe conferindo condições mínimas de segurança em termos de habitação, saúde, formação e educação, evidenciando irreversível e plena incapacidade de assumirem e cumprirem os seus poderes/deveres parentais, e não existindo outro familiar que deseje e tenha capacidades para exercer tais funções paternais de forma duradoura, segura e estável, encontram-se definitivamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação e definitivamente comprometida a guarda da menor pelos progenitores.
II - Impõe o princípio do superior interesse da criança que no caso de a criança se encontrar colocada em perigo pela sua própria família biológica, nomeadamente pelos seus progenitores, sejam decretadas medidas de proteção que visem a sua segurança e saúde junto de uma terceira pessoa, seja junto de outro familiar ou de confiança a pessoa idónea, tendo em vista, quando a família se revelar impotente para cuidar da criança com carácter duradouro, afastando-a da situação de perigo, que a criança venha a ser confiada tendo em vista futura adopção, por esta via também se privilegiando o princípio da prevalência da família, agora adoptiva.
III - Verificando-se o condicionalismo ínsito no n.º 1, als. d) e e), do art. 1978.º do CC (por exigência do art. 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJP, e do art. 38.º-A, al. b), do mesmo diploma), assim patente a falência da família, de origem ou alargada, a medida que mais se revela adequada à satisfação do superior interesse da criança e da prevalência da família, por ser a que mais se aproxima da família natural, é a do seu encaminhamento para a adopção, concedendo-se à criança a possibilidade de integrar um agregado familiar que a respeite enquanto ser humano em formação e lhe garanta uma vivência familiar pautada pelo equilíbrio aos mais diversos níveis, assim se observando a plena adequação e proporcionalidade da medida decretada à situação de perigo existente (art. 4.º da LPCJP).

Texto Integral


I. RELATÓRIO.

No presente processo de promoção e protecção instaurado relativamente à criança AA, nascida em .../.../2018, filha de BB e CC, veio a EMAT, em .../.../2021, apresentar relatório social no qual propõe a aplicação à criança da medida de confiança a instituição ou família de acolhimento com vista a adopção, prevista no art. 35° nº 1, al. g) da LPCJP - Lei nº 147/99, de 01.09, na redacção resultante da Lei n° 142/2015 de 08.09).

Tomadas declarações aos progenitores, declararam opor-se à medida de confiança a família de acolhimento com vista a adopção (cf. acta de 10.01.2022).

Nessa sequência, foi determinado o cumprimento do disposto no art. 114°, n° 1 da LPCJP.

O Ministério Público apresentou alegações, concluindo pela aplicação à AA da medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento ou a instituição com vista a adopção (cf. Fls. 603 e ss.).

A progenitora apresentou alegações, declarando considerar que detém condições para ficar com a filha e requerendo a realização de relatório social actualizado.

Foi solicitado relatório social actualizado, que se mostra junto aos autos em 21.03.2022 (já no decurso do debate judicial), incidindo sobre as actuais condições de vida dos progenitores.

Foi designada data para realização de debate judicial, que teve lugar com a presença de juízes sociais e em observância do formalismo previsto nos artigos 115º a 120º da LPCJP.

Vindo a ser proferido o acórdão pelo Tribunal de 1ª Instância, como seguinte dispositivo:

“ Acordam as Juízas que constituem este Tribunal Colectivo Misto, de acordo com a promoção do Ministério Público:

Aplicar à criança:

- AA, nascida em .../.../2018, filha de BB e CC, a medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento com vista a futura adopção que dura até ser decretada a adopção, sem necessidade de revisão, salvo o disposto no art. 62°-A n° 2 da LPCJP.

Tal medida continuará a ser executada através da Instituição "..." Nos termos do art. 62º-A nºs 3, 4 e 5 da LPCJP, nomeia-se curador provisório do menor o (a) Director (a) da referida Instituição, que exercerá funções até ser decretada a adopção.

Não há lugar a visitas por parte da família biológica - art. 62°-A nº 6 da LPCJP.

Notifique o M"P", o menor, na pessoa da sua Defensora, os progenitores, a Segurança Social, com nota de que a decisão ainda não transitou em julgado e a instituição que coordena o acolhimento familiar.

…”

APELAÇÃO

Inconformados com esta decisão, dela apelaram os progenitores BB e CC para o Tribunal da Relação do Porto, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

I – A progenitora CC,

1- Entendeu o Colectivo de Juízas Misto, de acordo com a promoção do Ministério Público aplicar à filha da progenitora, aqui Recorrente, de nome AA, nascida a .../.../2018, a medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento com vista a futura adopção, sem necessidade de revisão, salvo o disposto no art.º 62º-A, n.º 2 da LPCJP.

2 - Acontece que, apesar do mui douto Acórdão proferido, o certo é que, a aqui Recorrente ousa discordar do mesmo, já que entende que o mesmo não fez uma correcta aplicação do direito, nomeadamente, não teve em consideração o direito constitucionalmente consagrado – o direito à família previsto no art. 67º da CRP.

3 – Termina o douto acórdão proferido referindo: Deste modo, é forçoso concluir que os progenitores não revelam capacidade para cumprir com os seus deveres parentais, ou para a adquirirem em tempo útil para a filha, colocando em perigo grave a segurança, a saúde, a formação e desenvolvimento desta, tudo à luz do disposto no art.º 1978 n.º 1, al. d) do CC.”

4 – Acontece que, entende a progenitora que não foi produzida prova suficiente que levasse o Tribunal a tomar uma decisão tão drástica.

5 – Pois, das 5 testemunhas inquiridas 3 das mesmas (assistentes sociais) não conheciam os progenitores da AA, nem presenciaram qualquer contacto da AA com os mesmos.

6 – Sobram, portanto, 2 testemunhas, a Educadora Social DD e EE.

7 - E embora a Assistente social DD revele algumas fragilidades parentais dos progenitores, nomeadamente ao nível da higiene, tal afirmação foi contradita pela testemunha EE que considerou que a AA era uma criança muito bem tratada e andava sempre limpinha.

8 - Porém, o colectivo de Juízos entendeu, não dar suficiente credibilidade ao depoimento da testemunha EE, no confronto com a pormenorizada e circunstanciada informação prestada em sentido diverso pelas técnicas inquiridas.

9 - Mas, se efectivamente as 3 testemunhas, FF, GG e HH, só conheceram a AA quando a mesma estava aos cuidados de II e JJ, como é que estas testemunhas podem retirar credibilidade à testemunha EE (que efectivamente presenciou o contacto entre a progenitora e a menor).

10 – No relatório do INMLCF são de facto reveladas algumas fragilidades a nível das competências parentais da progenitora, mas também são relevados aspectos positivos que deveriam ter tido alguma consideração e não tiveram.

11 – In casu é verdade sim, que estamos perante pais que precisam de ajuda a educar a filha, mas que o assumem e, bem sabemos que há instituições e formas de ajudar esta progenitora a educar a sua filha, como a que adiante se propõe.

12 - O processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família, segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família (veja-se o art. 4º alíneas f), g) e i) da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e com a Convenção das Nações tinidas Sobre o Direito das Crianças de 20 de Novembro de 1989);

13 - A aplicação de medida de adopção apenas poderá existir se demonstrarem infrutíferas todas e quaisquer medidas de integração na família natural, abrangendo também a família alargada em que haja um vínculo sanguíneo;

14 - E no caso dos presentes autos, cremos que não foram esgotadas todas as tentativas e medidas de integração da menor AA no seio da progenitora.

15 - Aliás, a AA foi provisoriamente retirada à progenitora em Janeiro de 2020 e desde lá para cá, com o distanciamento é lógico e evidente que a progenitora amadureceu e aprendeu com erros do passado.

16 - A recorrente tem vínculos afectivos com a menor que não cremos estarem comprometidos, uma vez que a mesma tem actualmente uma maior consciencialização dos cuidados que a menor precisa.

17 - Os perigos a que a menor poderia ter estado sujeita anteriormente, diminuíram consideravelmente, não se verificando presentemente, até porque actualmente ambos os progenitores se encontram a laborar e consequentemente com os seus rendimentos, algumas falhas que outrora existiram, não mais voltarão a existir.

18 - Não há qualquer razão para que a menor AA não seja integrada no seio da sua família biológica, ou então aplicada uma medida menos drástica que a o encaminhamento para adopção.

19 - A recorrente tem consciência e compreende que em virtude do seu comportamento passado tal não seja, por ora, a medida aprovada, por tal motivo em declarações no INMLCF afirmou que gostava que a AA ficasse com um irmão do BB (Progenitor) que está em ....

20 - A recorrente pretende continuar a demonstrar que as suas prioridades e a sua postura perante as necessidades da menor mudaram completamente e que em nada têm com a altura em que a AA nasceu, e em que passaram graves dificuldades económicas.

21 - Salvo devido respeito por opinião diversa, a existência dos presentes autos possibilitou que a recorrente "acordasse", fazendo um esforço para mudar de postura.

22 - Atendendo a todas as circunstâncias e sopesando, quer as condições de vida anteriores da recorrente, bem como as suas actuais condições, pretende que lhe seja dada a oportunidade a si e à sua filha AA, de ser aplicada uma medida, transitória por natureza, de manutenção da menor na situação de acolhimento na instituição onde se encontra, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto à recorrente, tendo o acompanhamento das Técnicas que têm acompanhado a menor.

23 - Neste período de um ano a recorrente seria avaliada, bem como o seu comportamento;

24 - A recorrente mostra-se disponível para frequentar um curso de responsabilidades parentais, de forma a poder responder de forma positiva às necessidades da sua filha AA.

25 - No final do decurso de um ano de aplicação da medida proposta seria realizada uma avaliação que a ser positiva permitiria a aplicação de uma nova medida.

26 - Apenas e tão-somente com a medida ora proposta entendemos ser salvaguardado o direito constitucional do Direito à Família (biológica).

Nestes termos, e ainda pelo muito que, como sempre não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento à presente Apelação, revogando-se a decisão recorrida, e proferida outra que respeite o supra exposto, com todas as consequências legais daí advenientes (…)”.


II – O progenitor BB:

1. O colectivo de juízas misto entendeu, de acordo com a promoção do Ministério Público, aplicar à menor AA a medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento com vista a futura adopção que dura até ser decretada a adopção, sem necessidade de revisão, salvo o disposto no art. 62.º-A, n.º 2 da LPCJP.

2. O Recorrente não concorda com a citada decisão, por entender que o Tribunal a quo errou ao dar como provados factos que não são conformes com a realidade actual, quanto à matéria de facto não provada se ter limitou a dizer “com interesse para a decisão não se apurou qualquer outra factualidade”, o que consubstancia nulidade, nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil e por ter errado, com o devido respeito, na aplicação que fez do Direito ao caso concreto, tendo desse modo proferido uma decisão que se afigura contrária à lei, nomeadamente ao direito constitucional consagrado no Art. 67.º da Constituição Da República Portuguesa – direito à família – alheando-se daquela que é a realidade presente e agarrando-se a circunstâncias pretéritas numa vã esperança de poder justificar aquela que foi a sua decisão.

3. Não foi produzida prova suficiente para o tribunal a quo concluir e decidir nos termos que o fez.

4. Das cinco testemunhas inquiridas, três não conheciam o agregado familiar, nem nunca tinham presenciado qualquer contacto dos progenitores para com a AA.

5. A quarta e quinta testemunhas eram as únicas que conheceram o agregado familiar, ainda assim, o tribunal a quo entendeu que o depoimento de uma delas não se mostrava credível, o que se revela incompreensível.

6. Foi pelo tribunal adoptada uma postura de total alheamento relativamente à realidade presente dos progenitores, preferiu agarrar-se a circunstâncias pretéritas e infelizes (e quem não as tem!) com vista a justificar a sua (incompreensível) decisão.

7. Ficou francamente demonstrado que o progenitor sente grande afectividade pela filha e enorme carinho, que neste momento tem condições económicas e habitacionais para receber a filha, reside perto de infantários e escolas, por outro lado, não foi produzida prova suficiente que levasse o tribunal a concluir, como fez, que “(…) é forçoso concluir que os progenitores não revelam capacidade para cumprir os seus deveres parentais ou para adquirirem em tempo útil para a filha (…)”.

8. O progenitor está disposto a frequentar cursos de responsabilidades parentais por forma a poder responder de forma positiva às necessidades da sua filha AA.

9. Sem prejuízo, também não se opõe à aplicação de outra qualquer medida, que não a adopção, de integração na família natural, abrangendo a família alargada sem que haja vínculo sanguíneo, nomeadamente o apadrinhamento pelo seu irmão, KK.

8. Apenas e tão-somente com as medidas ora propostas entendemos ser salvaguardado o direito constitucional do Direito à Família.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. tão doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido, com efeito suspensivo, e ser julgado procedente, e, em consequência:

- Ser declarada a nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto são omissos os factos não provados, bem como a fundamentação quanto a eles, nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil;

- Ser revogada a decisão de Direito, substituindo-se por outra que não sujeite a Menor à confiança a família de acolhimento com vista a futura adopção (…)”.

Veio o Ex.mo Magistrado do Ministério Público apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação, nos termos seguintes:

“…

Aceitando o desafio da progenitora, vejamos então o que nos propõe a mesma como solução de vida da menor.

Pasme-se, que a solução de vida para a AA e o seu futuro próximo, segundo as palavras da progenitora é a seguinte (transcrevemos):

- “…manutenção da menor na situação de acolhimento na instituição onde se encontra, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto à recorrente, tendo o acompanhamento das Técnicas que têm acompanhado a menor;

- “neste período de um ano a recorrente seria avaliada, bem como o seu comportamento;

- “no final do decurso de um ano de aplicação da medida proposta seria realizada uma avaliação que a ser positiva permitiria a aplicação de uma nova medida”.

O desnorte é total, pois a mesma progenitora, ao mesmo tempo que defende que a AA fique institucionalizada por pelo menos mais um ano, também refere que gostava que a AA ficasse com um irmão do progenitor BB, que reside em ... – que não se sabe bem quem seja.

Ou seja, a solução, ora é manter a AA na instituição por mais um ano (mantendo-a por perto dos pais enquanto estes tentam aprender a exercer a parentalidade), ora é enviá-la para ..., para longe dos próprios pais (caso em que já não seria preciso a adquirirem competências parentais).

De teste em teste e de experiência em experiência, o Direito que a menor AA tem a ver garantido um projecto de vida com futuro, vai-se esgotando!!!

Com o devido e merecido respeito, a solução de vida propugnada pela progenitora parece-nos assentar nos seguintes pressupostos:

- os progenitores (pelo menos a progenitora) concluem que actualmente não têm capacidade para cuidar da AA (pois a menor ora fica na instituição, ora vai para ...);

- por via dessa incapacidade e perante o egoísmo dos progenitores em querer ver negado um melhor futuro à sua filha, o Tribunal deve manter a AA institucionalizada por mais um ano;

- findos os quais, se avaliará se já têm a competência que nunca tiveram e que não são passíveis de reconhecer (lembremos novamente as perícias).

Dizemos nós, pois, em conclusão, que:

- concordamos que os progenitores não têm capacidade para assumir os cuidados de vida da AA;

- os progenitores não têm capacidade e não têm capacidade para aprender a fazê-lo (vide relatórios periciais que foram juntos aos autos);

- não existe perspectiva séria e credível que os progenitores (pelo menos um deles) se possa constituir como alternativa de vida da menor AA;

- a menor AA tem pouco mais de três anos;

- desde que foi acolhida apresentando franco desenvolvimento, pode desenvolver-se;

- pode, se querida, amada e educada porque quem tenha competência e reconhecidas habilitações para tal, pois como se vê – os autos são um verdadeiro “manifesto” dessa realidade social – para se ser progenitor de uma criança, não é preciso que lhe seja reconhecida “ab initio” qualquer tipo de competência, mas, para que alguém a possa adoptar, é preciso que se reconheça, sem margem para dúvida, que tem capacidade para tal, para mais, adequada à realidade e necessidade de uma concreta criança.

Cumpre ponderar – e ponderou de forma séria e acertada o Tribunal “a quo” – AA deverá aguardar institucionalizada que no futuro um dos seus progenitores (pelo menos um) possa recuperar competências parentais – o que, repetimos quase até à exaustão, está demonstrado que não acontecerá – ou se a menor AA estará imensamente melhor com quem, com demonstrada capacidade para tal, a possa fazer evoluir como criança, como jovem e como adulta, desde a sua terna idade de pouco mais de três anos.

A resposta já a deu o Tribunal “a quo” ao decidir, de forma acertada pela medida aplicada.

Tudo revisto e pelo exposto, somos de concluir que a decisão judicial sobre recurso é a acertada, que não merece censura e que por isso mesmo deve ser negado provimento aos recursos apresentados e, consequentemente, deve ser mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo Justiça!”.


Veio a ser proferido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou a apelação improcedente, confirmando integralmente a decisão recorrida.

REVISTA

Inconformados novamente com esta decisão, vieram os progenitores, cada um por si, interpor recursos de revista excepcional, ambos oferecendo alegações, cujas conclusões são as seguintes:

[transcrevemos apenas as alegações da recorrente progenitora, uma vez que apenas a revista desta foi parcialmente admitida pela Formação]

I – Da recorrente progenitora CC, invocando a relevância jurídica e social da questão decidenda, bem como contradição do Acórdão recorrido com Acórdão da Relação de Guimarães (art. 672º nº 2 al. a), b) e c) do CPC, acórdão este cuja cópia junta aos autos:

“1 - Acontece que, apesar de mui respeito pelo douto Acórdão proferido, o certo é que, a, aqui Recorrente ousa discordar do mesmo, pois entende não se justifica a aplicação a medida de  promoção e proteção de confiança a Instituição com vista a futura adoção aplicada à sua filha AA, além de que, o mesmo Acórdão se encontra em contradição como com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães in processo n º 2308/11.0TBVCT-A.G1, datado de 23-02-2017 e em que é relatora Alexandra Rolim Mendes.

2 - Ora, prescreve o art.º 672 do C.P.C. quais os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excepcional, quais se passam a citar:

alínea a) preceitua que quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

alínea b) estejam em causa de particular relevância social;

na alínea c) estabelece que a contradição entre acórdãos que incidam sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito .

Assim,

3 - entende a Recorrente que ao decidirem os Senhores Desembargadores que “…justificava-se, assim, tal como decidiu o Tribunal Recorrido, substituir a medida de colocação em vigor, pela medida de confiança judicial da menor a instituição com vista a futura adopção nos termos dos arts. 35º, n.º 1, al. g), 38º-A, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e 1978º, 1, als. d) do CC, medida que “… consiste (…) al. b) na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituição com vista a futura adopção… “(art. 38º-A da LPCJP), configura esta uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e cujos interesses são de particular relevância.

4 - Por outro lado, o acórdão proferido pela Relação do Porto encontra-se em contradição como com o acórdão do Relação de Guimarães in processo nº 2308/11.0tbvct-a.g1, o qual versa sobre a mesma legislação e questão fundamental. Pelo exposto,

5 - Entende a Recorrente que se encontram reunidos os pressupostos legais para o presente Recurso de Revista Excepcional ser admitido.

6 - Assim, vêm a Recorrente interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º-1-a) e b) do CPC, enunciando as questões sobre as quais pretende ver recair a reapreciação do Tribunal de revista, a saber:

- serão os factos dados nos presentes autos de promoção e proteção suficientes para aplicação da medida de colocação da criança sob a guarda de instituição com futura adoção?

- no seu recurso para a Relação do Porto a Recorrente alega que in casu deveria ter-se em conta o princípio da prevalência da família, segundo o qual na promoção de direitos e proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família, que a Recorrente/Progenitora mantêm o vínculo afetivo com a menor, se encontra a laborar, devendo ser aplicada uma medida menos drástica que o encaminhamento da mesma para adoção. Ora,

7 - O Acórdão aqui recorrido entendeu que in casu se encontram preenchidos os Pressupostos gerais da aplicação de uma medida de promoção e protecção de confiança a Instituição com vista a futura adopção e os Requisitos específicos da medida de promoção e protecção de confiança a Instituição com vista a futura adopção.

8 - Salvo o devido respeito, que é muito, o douto acórdão recorrido constitui, para a recorrente, uma decisão injusta, uma vez que não parece à ora recorrente que a medida de confiança com vista a futura adoção seja a única que acautele o superior interesse da menor.

9 - Efetivamente é verdade que a progenitora, aqui recorrente, é uma pessoa de um nível cognitivo baixo, com algumas dificuldades na compreensão e expressões verbais (tal como resulta do relatório pericial realizado pelo INMLCF), no entanto e salvo devido respeito, há um sem fim de mães nas mesmas condições que apesar desse facto de revelam capazes de cuidar dos filhos.

10 - A progenitora demonstra afetividade pela filha AA e isso também resulta do aludido relatório, facto que o coletivo de juízas não teve em consideração na prolação do Acórdão.

11 - Aliás, a AA foi provisoriamente retirada à progenitora em Janeiro de 2020 e desde lá para cá, com o distanciamento é lógico e evidente que a progenitora amadureceu e aprendeu com erros do passado e também não teve oportunidade de o demonstrar.

12 - A recorrente tem vínculos afetivos com a menor que não cremos estarem comprometidos, uma vez que a mesma tem atualmente uma maior consciencialização dos cuidados que a menor precisa.

13 - Os perigos a que a menor poderia ter estado sujeito anteriormente, diminuíram consideravelmente, não se verificando presentemente, até porque atualmente ambos os progenitores se encontram a laborar e consequentemente com os seus rendimentos, algumas falhas que outrora existiram, não mais voltarão a existir.

14 - Não há qualquer razão para que a menor AA não seja integrada no seio da sua família biológica, ou então aplicada uma medida menos drástica que a o encaminhamento para adoção.

15 - O douto acórdão recorrido errou ao julgar que outra alternativa não existe que não o encaminhamento da menor AA para adoção.

16 - Mais, o douto Acórdão ao decidir da forma que decidiu, salvo melhor respeito por opinião diversa não teve em consideração o princípio do direito à família biológica.

17 - Aliás, no caso dos presentes autos, cremos que não foram esgotadas todas as tentativas e medidas de integração da menor AA no seio da progenitora.

18 - Atendendo a todas as circunstâncias e sopesando, quer as condições de vida anteriores da recorrente, bem como as suas atuais condições, pretende que lhe seja dada a oportunidade a si e à sua filha AA, de ser aplicada uma medida, transitória por natureza, de manutenção da menor na situação de acolhimento na instituição onde se encontra, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto à recorrente, tendo o acompanhamento das Técnicas que têm acompanhado a menor.

19 - Neste período de um ano a recorrente seria avaliada, bem como o seu comportamento;

20 - A recorrente mostra-se disponível para frequentar um curso de responsabilidades parentais, de forma a poder responder de forma positiva às necessidades da sua filha AA.

21 - No final do decurso de um ano de aplicação da medida proposta seria realizada uma avaliação que a ser positiva permitiria a aplicação de uma nova medida.

22 - Por sua vez, resulta do já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães processo n.º 2308/11.0TBVCT-A.G1, que:

Tanto a legislação internacional como a nacional protegem a família, designadamente a família biológica e a criança.

Com efeito, decorre do art. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que qualquer pessoa tem direito ao respeito pela vida familiar, não podendo haver ingerência da autoridade pública no exercício desse direito senão quando essa ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária, nomeadamente para a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos de terceiros.

Resultando do art. da Convenção sobre os Direitos da Criança (aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12.9.1990) que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o superior interesse da criança, comprometendo-se os Estados Partes a garantir à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os seus direitos e deveres dos pais. Resultando do 1 do art. da mesma Convenção que os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes salvo se as autoridades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança, nomeadamente quando os pais a maltratem ou negligenciem.

A Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças, (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/90 e ratificada por Decreto do Presidente da República publicado no D.R., I série, de 30.5.1990), estipula no 1 do seu art. que “a autoridade competente não decreta uma adoção sem adquirir a convicção de que a adoção assegura os interesses do menor”.

No Direito Interno a proteção da família decorre, desde logo, do art. 67º da Constituição da República Portuguesa que declara que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Decorrendo também dos arts. 36º e 68º da Lei Fundamental a proteção dos direitos das mães e dos pais, dizendo o 5 do art. 36º que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

Por seu turno, dispõe o art. 1978º do C. Civil (com as alterações introduzidas pela Lei 143/15 de 8/9), na parte com interesse para o caso em apreço, o seguinte:

1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

(…)

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que  precederam  o  pedido  de  confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos  direitos  e  interesses da criança.

3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.

O art. 3º, 2 da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99 de 1/9, com as alterações introduzidas pela Lei 142/15 de 8/9) diz-nos o seguinte:

2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa  das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b)     Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequada à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos                     pais  das  suas  funções  parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação  pessoal ou  prejudiciais  à  sua  formação  ou  desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu  equilíbrio  emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

No art. da LPPCJP estabelecem-se os princípios orientadores da intervenção para a promoção e proteção dos jovens em perigo, dos quais se destacam:

a) O interesse superior da criança e o jovem;

b) Intervenção mínima a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e jovem  em  perigo;

c) Proporcionalidade e atualidade a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário; d) Responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e          o jovem;

e) Prevalência da família na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração estável.”

Da leitura das normas acima referidas resulta que se deve dar prevalência à família biológica e apenas quando esta é ausente ou quando apresenta disfuncionalidades que comprometem seriamente os vínculos afetivos próprios da filiação e portanto o estabelecimento de uma relação afetiva gratificante, se devem adotar outras soluções para que o desenvolvimento da criança seja harmonioso, ou seja, a adoção é “o último recurso”, devendo ser aplicada esta medida apenas quando está definitivamente comprometida a possibilidade de o desenvolvimento harmonioso da criança ocorrer no seio da sua família biológica.

Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, quarta secção, no caso Soares de Melo c. Portugal (Queixa n.º 72850/14, acórdão, 16 de Fevereiro de 2016) no qual se lê: “O Tribunal recorda que, o facto de uma parente e o seu filho estarem juntos, representa para eles um elemento fundamental da vida familiar (Kutzner, supra, § 58): medidas internas que os impeçam de estar juntos constituem uma ingerência no direito protegido pelo artigo 8.º da Convenção (K. e T. c. Finlândia [GC], n.º 25702/94, § 151, CEDH 2001-VII). Tal ingerência desconhece o referido artigo 8.º exceto quando, “prevista na lei”, ela prossegue um ou mais fins legítimos à luz do segundo parágrafo desta disposição e é “necessária numa sociedade democrática” para os alcançar (Gnahoré c. França, n.º 40031/98, §50, CEDH IX, e Pontes, supra, § 74). A noção de “necessidade” implica uma ingerência assentando numa necessidade social imperiosa e, nomeadamente, proporcional ao fim legítimo que se procura (Couillard Maugery c. França, n.º 64796/01, § 237, 1 de Julho de 2004). Para apreciar a “necessidade” da medida litigiosa “numa sociedade democrática”, convém, assim, analisar, à luz do conjunto do caso, se os fundamentos invocados em apoio desta eram pertinentes e suficientes para os fins do parágrafo 2 do artigo 8.º da Convenção. 89. O facto de uma criança poder ser acolhida num quadro mais propício à sua educação não justifica, por si, que esta seja retirada pela força aos cuidados dos seus pais biológicos; semelhante ingerência no direito dos pais, a título do artigo 8.º da Convenção, a gozarem de uma vida familiar com o seu filho, deve ainda revelar-se “necessária” em razão de outras circunstâncias (K. e T., supra, § 173, e Kutzner, supra, § 69). Para mais, o artigo 8.º da Convenção coloca a cargo do Estado obrigações positivas inerentes ao “respeito” efetivo da vida familiar. Assim, onde a existência de um laço familiar está estabelecida, o Estado deve, em princípio, agir de modo a permitir a este laço desenvolver-se e adotar as medidas adequadas para reunir o parente e a criança interessados (Kutzner, supra, § 61). (…)

A dispersão de uma família constitui uma ingerência muito grave; uma medida conducente a uma semelhante situação deve, assim, assentar sobre considerações inspiradas pelo interesse da criança e de um peso e de uma solidez bastantes (Scozzari e Giunta c. Itália, [GC], n.ºs 39221/98 e 41963/98, § 148, CEDH 2000-VIII). O afastamento da criança do contexto familiar é uma medida extrema, à qual apenas deveria recorrer-se num quadro urgente de necessidades. Para que uma medida deste tipo se justifique, deve responder à necessidade de proteger a criança confrontada com um perigo imediato (Neulinger e Shuruk c. Suiça [GC], n.º 41615707, § 136, CEDH         2010). Uma vez que o interesse da criança determina que apenas circunstâncias excecionais possam conduzir a uma rutura do vínculo familiar, e que tudo seja feito para manter as relações pessoais e, sendo disso caso, chegado o momento, “reconstituir” a família (Gnahoré, supra, § 59), o Tribunal considera que as medidas adotadas pelas autoridades judiciárias, de colocação dos filhos da Requerente com vista à sua adoção, privando-a dos seus direitos parentais, não asseguraram um justo equilíbrio entre os interesses em jogo no processo interno (R.e H., supra, § 72). Não se verifica, por outro lado, que as jurisdições tenham encarado outras medidas menos constrangedoras, nomeadamente o acolhimento familiar e o acolhimento institucional, estabelecidos pelo artigo 35.º par. 1 e) e f) da lei relativa à proteção das crianças e dos jovens em perigo (parágrafo        61, supra).

Em conclusão, na base das considerações precedentes, o Tribunal entende que houve violação do artigo 8.º da Convenção em razão da decisão de colocação em instituição de M., Y., I. R., L., M. S., A. e R. com vista à sua adoção.”

23 - Assim, o Acórdão Recorrido entra em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de

acima citado, desvalorizando o direito à família biológica e o direito das mães e pais biológicos.

24 - O acórdão recorrido não aplicou a adoção como “último recurso”, uma vez que, salvo melhor entendimento não foram esgotadas todas medidas para integração da pequena AA no seio da sua família biológica e, por conseguinte, não se encontram preenchidos os pressupostos para legais para a aplicação da medida de confiança de menor a Instituição com vista a futura adoção.

25 - A Relação do Porto entendeu, que pese embora, as motivações apresentadas pela Recorrente no seu recurso, o certo é que, manteve inalterada a decisão da 1 ª Instância, o que não defendemos, porquanto salvo devido respeito por opinião diversa, desde logo, tal motivação vai contra o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que nos diz :

“No Direito Interno a proteção da família decorre, desde logo, do art. 67º da Constituição da República Portuguesa que declara que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Decorrendo também dos arts. 36º e 68º da Lei Fundamental a proteção dos direitos das mães e dos pais, dizendo o 5 do art. 36º que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”

26 - Assim, atento o supra exposto por tal resultar /quer da doutrina, quer da jurisprudência já citada, nomeadamente do acórdão do Tribunal de Guimarães atrás citado, deveria ter sido dado  uma última oportunidade à aqui Recorrente/Progenitora e não aplicada sem mais a medida de confiança judicial da menor a Instituição com vista a adoção

27 -Assim, entendemos estar perante uma questão que tem relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito, visto que, foi decidida no douto Acórdão da Relação do Porto em contrário do que é defendido na jurisprudência, neste caso o vertido no mui douto Acórdão da Relação de Guimarães.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso de revista ser admitido como tal e considerado procedente, em consequência revogando - se o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que respeite o supra exposto, com todas as consequências legais daí advenientes, por ser de inteira JUSTIÇA”.

O Ministério Público respondeu às alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, assim concluindo:

1.ª A apelante CC – progenitora da criança AA – vem interpor recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art.º 672.º, n.º1, al.s a), b) e c), do C.P.C. – produzindo as Alegações e Conclusões que juntou aos autos – e terminando com o pedido de admissão e procedência do recurso de revista e, em consequência, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que respeite o que alegou, com todas as consequências legais daí advenientes.

2.º A recorrente fundamenta a interposta revista excecional no disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC – por haver contradição entre o acórdão recorrido – proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 2022/07/13 – e o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 2308/11.0T8VCT-A.G. - mas limita-se a juntar aos autos simples cópia deste Acórdão, sem indicar, sequer, nem certificar a data do respetivo trânsito em julgado - para além de não esclarecer quais os aspectos de identidade que determinam a alegada contradição de acórdãos – como exige a al. c) do n.º 2 do citado art.º 672.º - pelo que a revista excecional com tal fundamento deverá ser rejeitada - cf.r, neste sentido, António S. Abrantes Geraldes, “in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª ed., p 384 e seg.s; e Prof. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, “Manuel de Processo Civil”, Vol II, AAFDL, p. 199:

3.º Não obstante, estando em causa a avaliação da medida de confiança a família de acolhimento com vista a futura adopção da criança AA, bem como o seu projeto de vida e superior interesse dessa criança, entendemos que se justifica a reapreciação do caso em sede de revista excecional – devendo esta ser admitida pela Formação de três Juizes Conselheiros do STJ, nos termos dos art.º 672.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 3 e 4 do CPC.

4.º Por isso, fica prejudicada, por desnecessária, a apreciação da revista excecional ao abrigo da al. b) do n.º 1 do mesmo artigo, também invocada pela recorrente.

5.º Salvo o devido respeito pela posição que a recorrente manifesta nas suas Conclusões 8 e seguintes, contra a medida de promoção e protecção aplicada à filha AA, entendemos que não lhe assiste razão, pois as suas angústias e considerações são desmentidas pela realidade dos factos que ficaram provados.

6.º A própria recorrente reconhece que não tem condições para “tomar conta” da filha AA, e, muito menos para cuidar dela, protegê-la como verdadeira mãe e salvaguardar os superiores interesses desta criança de quatro anos de idade, a reclamar melhor proteção numa verdadeira família, e a que tem direito.

7.º Por isso, e salvo o devido respeito, não pode ser acolhida a medida transitória que propõe - “que lhe seja dada a oportunidade a si e à sua filha AA, de ser aplicada uma medida, transitória por natureza, de manutenção da menor na situação de acolhimento na instituição onde se encontra, mas com a duração de um ano …” – contribuindo ainda mais para atrasar o projecto de vida e assim prejudicar o superior interesse da criança.

8.º A fundamentação do douto Acórdão recorrido não deixa quaisquer dúvidas de que a única medida protetiva legal , necessária e adequada a salvaguardar o superior interesse da criança AA -nascida em .../.../2018 – é efetivamente a que lhe foi aplicada na 1.ª instância e integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação: Confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção, nos termos dos art.ºs 35.º, n.º1, al. g), 38º- A, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em perigo e 1978.º, n.º1, al.s d) do Código Civil, medida que “ …consiste (...) al. b), na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituição com vista a futura adção …” (art.º 38.º -A da LPCJP).

9.º Salvo o devido respeito, o Acórdão da Relação de Guimarães, proferido em 23/08/2017 no processo n.º 2308/11.0TBVCT-A.G1, citado pela recorrente em abono da sua tese, só aparentemente, e na decisão, está em contradição com o acórdão ora recorrido. De facto, para além de retratar situação fáctica diversa, não vemos que haja contradição doutrinária ou jurisprudencial entre ambos os arestos, designadamente no que tange à fundamentação e à interpretação dos art.        67.º e 36.º, n.º 5, da Constituição da República e 1978.º do Código Civil, bem como ao direito e jurisprudência internacionais também citados naquele aresto.

10.º De facto, como aí se escreve, tanto a Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças (aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 4/90 e ratificada por Decreto do Presidente da República publicado no D.R., I série, de 30/05/1990), como o art.º 36.º, n.º5, da Constituição da República, como o art.º 1978.º, n.º1, al. d) do C. Civil, como a jurisprudência citada, permitem que o tribunal pode (e deve) confiar a criança com vista a futura adoção “quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação”, designadamente, “ Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança” – cf.r al. d) do n.º 1 do art.º 1978.º do C. Civil – cujos pressupostos fácticos também     resultaram provados nos presentes autos.

11.º Assim sendo – e contrariamente à tese da recorrente – não restava outra medida de promoção e proteção justa, legal, necessária e adequada à efectiva proteção do superior interesse da criança AA, senão a que lhe foi aplicada pelo Tribunal de 1.ª instância e confirmada pelo douto Acórdão da Relação do Porto, ora recorrido.

12.º O Acórdão recorrido está bem fundamentado (de facto e de jure), fez correta interpretação e aplicação da lei e do direito, e não violou qualquer preceito legal ou constitucional, pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos.

Nestes termos, deverão V. Ex.as, Colendos Conselheiros do STJ:

a) Rejeitar a revista excecional interposta pela recorrente CC, com fundamento da al. c) do n.º 1 do art.º 672º nº1 do CPC, e admiti-la com fundamento na al. a) dos nº 1 e 2 do mesmo;

b) Admitida a Revista excecional, deverá a          mesma ser julgada totalmente improcedente – confirmando-se o douto Acórdão recorrido.”


Admitida a revista excepcional pela Formação, nos termos do art. 672º nº 3 do CPC, apenas na vertente da relevância social da questão decidenda (art. 671º nº 1 al. b) do CPC), cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art.  679º, todos do CPC).


A questão decidenda:

Considerando as conclusões da recorrente, a questão que nos cumpre ponderar e decidir é se a decisão recorrida observou as normas e princípios de legalidade que à mesma têm de estar subjacentes.


Antes do mais, reproduzamos aqui os factos que foram considerados assentes pelas instâncias:

  1. A menor AA (doravante apenas referida como "menor AA") nasceu no dia .../.../2018 e é filha de BB e CC;

2. Os progenitores BB e CC residem agora na rua ...,... ..., ...;

3. A menor AA tem uma irmã, a LL, nascida a .../.../2019.

4. A menor AA beneficia actualmente da medida de "Acolhimento Familiar" na pessoa de MM, desde 27-05-2021, com promoção por parte da Instituição "Associação ...";

5. A situação de risco / perigo das duas irmãs foi sinalizada pela Comissão de protecção de crianças e jovens de ... a 12-07-2019 e, posteriormente levada a conhecimento judicial pelo Ministério Público junto do juízo de família e menores ..., com data de registo de 07-10-2019, processo n." 2909119.9..., Juiz ...;

6. A 30-07-2019 a referida Comissão de protecção de crianças e jovens de ..., deliberou no sentido de aplicar medida de apoio junto dos progenitores, vindo a ser celebrado Acordo de promoção e protecção com data de 12-08-2019;

7. Entretanto a 27-09-2019, a referida "Comissão" deliberou a alteração da medida, com vista à sua substituição por outra de apoio junto de família, em concreto os tios paternos, sendo que a mesma não chegou a ser aplicada, pois a progenitora retirou consentimento à intervenção, vindo os autos a ser encaminhados ao Ministério Público que os submeteu a juízo nos termos já indicados, vindo a dar vida ao citado processo de promoção e protecção n." 2909119.9..., Juiz ..., do juízo de família e menores ...;

8. Vindo nesses autos judiciais a ser junto Relatório da EMAT, datado de 08-11-2019, apontando as limitações do agregado dos progenitores, que aqui assim se resumem:

- deficiências habitacionais ao nível do espaço (TI arrendado com quarto partilhado pelos progenitores e as duas menores), da sua limpeza (sujidade) do confronto (espaço frio), da organização (com roupas amontoadas e com cheiro a tabaco);

- dificuldades económicas (com rendas de habitação em atrasos) e de gestão dos proventos, nomeadamente de gestão dos apoios económicos;

9. No seguimento da diligência judicial de 11-11-2019, a crianças ficaram, ainda

assim, aos cuidados dos progenitores;

10. Sendo que após solene advertência na referida diligência, nos tempos seguintes, os progenitores mantinham fragilidade sérias (comunicadas pela EMAT aos autos com data de 15-11-2019):

- as menores apareceram no infantário com eczema acentuado na zona da fralda, denunciando falta de higiene e alergia após muda de fralda, situação já se prolongava há duas semanas;

- que os pais não haviam comprado pomadas para tratamento das meninas;

- que a residência se mantinha em desalinho, suja, desarrumada, sendo que para alimentação das menores apenas existia "sopa estragada";

11. Com data de 13-01-2020 vem a ser junto novo Relatório pela EMA T, registando-se, para além do mais, a situação de necessidade das menores, pois os progenitores, contactavam a tia paterna pedindo fraldas, cremes para uso após muda de fralda e géneros alimentares;

12. Registavam-se ainda conflitos entre os progenitores.

14. Vindo, por decisão judicial, a determinar-se, provisoriamente, conforme decisão de 23-01-2020, que:

- a menor LL passaria a ficar sujeita à medida de apoio junto de outro familiar, na pessoa da tia NN;

- a menor AA passaria a ficar sujeita à medida de apoio junto de pessoa idónea, em concreto do casal OO e II;

14. Com data de 03-02-2020, veio a ser celebrado Acordo de promoção e protecção, mantendo-se as referidas medidas.

15. Sucede que com data de 24-02-2020, veio a EMAT informar que o casal OO e II se tinham desentendido, que no dia anterior (dia 23), a II havia saído de casa com a menor AA, passando estas (II e menor) a residir na casa dos seus progenitores (da II), em ..., mais manifestando a II que não haveria reconciliação possível;

16. Tendo os tios paternos da criança AA, KK e PP, residentes em ..., vindo manifestar disponibilidade para "aplicação de uma medida de promoção e protecção da menor AA, nomeadamente de apoio junto de familiar, nas pessoas dos requerentes", foi o requerimento apresentado comunicado à EMAT para consideração, conforme despacho de 31.03.2020.

17. No relatório social apresentado em 23.04.2020, a EMAT informa que o casal OO e II se tinha, afinal, reconciliado, sugerindo o encaminhamento do casal para terapia familiar e terapia de casal; mais informou, quanto à pretensão manifestada pelos tios paternos, que ocorreriam relações de conflito entre os mesmos e os cuidadores.

18. Vindo a ser proferida decisão judicial com data de 04-05-2020, mantendo a medida de promoção e protecção de apoio junto de pessoa idónea, nas pessoas do casal OO e II; indeferindo a pretensão dos tios paternos; e determinando a remessa dessa parte dos autos - no que a menor AA Respeita - ao presente juízo de família e menores ..., área territorial onde a menor já residia com o referido casal há mais de 3 meses.

19. Sucede que que a EMAT veio informar, por Relatório datado de 24-07-2020, que a medida de "confiança a pessoa idónea" (casal constituído por QQ e II), registava alguns episódios de alegada violência doméstica ocorridos entre o casal cuidador presenciados pela menor; e que, pese embora estarem a prestados à menor os cuidados de que esta carecia, aconselhava-se a alteração da medida em vigor por outra, de "acolhimento familiar" ou a sua confiança aos cuidados de outros familiares;

20. Na sequência de determinação judicial pelo despacho de 29.07.2020, foi realizada avaliação às condições da família alargada, sendo apresentado relatório em 12.08.2020, segundo o qual, em relação ao lado materno:

A progenitora tem uma irmã, de seu nome RR, que enfrenta algumas dificuldades económicas, desde logo porque tem 4 filhos a cargo (de 14, 8, 6 e 1 ano).

Tem ainda um irmão, de nome SS, irmão mais velho, o qual tentou abusar do filho mais velho da irmã RR, a qual seguiu com o processo para tribunal e o agressor tem de se apresentar na GNR em ... semanalmente.

A referida irmã, aquando da permanência das meninas junto dos seus pais, tentou ajudar, conforme vertido oportunamente no processo; todavia, a arrogância demonstrada pelo progenitor gerou mau relacionamento com o marido da referida irmã.

A avó materna, TT, reside na Rua ...; ... ..., sendo beneficiária da medida de rendimento social de inserção. Do seu agregado fazem ainda parte três filhos do sexo masculino.

Este agregado terá sido recentemente alvo de despejo por incumprimento do pagamento da renda.

Nunca a avó materna contactou os serviços a propósito do processo das netas LL e AA.

Quando foi acompanhada in loco a situação das meninas junto dos seus pais, a avó materna não era identificada como elemento de proximidade ou de referência.

Quanto a familiares do ramo paterno, quando iniciaram os conflitos entre o casal representado por QQ e II, o tio das menores, de seu nome KK, manifestou a pretensão de assumir a guarda da AA, sendo referido que o dito tio era irmão germano do progenitor das menores e irmão uterino do Sr. OO.

21. Vindo a medida em vigor e em favor da menor AA, de confiança a pessoa idónea, na sequência de informação contida no relatório social junto em 12.10.2020, no sentido de que a relação do casal cuidador mostrava maior índice de comunicação, tolerância e autocontrolo emocional, a ser confirmada nas pessoas do casal do casal II e OO, conforme decisão judicial de 20-10-2020;

22. Porém, voltou a evidenciar-se problemática relacional do casal II e OO, nomeadamente:

- a violência doméstica, com episódios de violência física entre o casal; - os conflitos conjugais;

- a perturbação ao nível da saúde mental do OO, com manifestação de comportamentos de maior impulsividade e agressividade, revelando dificuldades de controlo das suas emoções e impulsos;

- lacunas ao nível das competências parentais, com expectativas desajustadas relativamente aos comportamentos e/ou desenvolvimento esperado da AA;

- falta de coerência entre o casal ao nível da imposição de regras e limites à AA (figura mais autoritária e vigilante da II e figura mais permissiva do OO);

- manifestando-se alguma hipervigilância, transmitindo alguma insegurança na interacção com a menor, o que poderia vir a revelar-se um problema, limitando o desenvolvimento da autonomia da criança;

- conflictos familiares com a família alargada do OO, incluindo com os progenitores da AA; sugerindo a Segurança social a prorrogação da medida, o que veio a ser decidido judicialmente com data de 20-04-2021;

24. A situação veio a agravar-se cerda de um mês depois, altura em que o CAFAP, por Relatório datado de 26-05-2021, informou que vinham ocorrendo episódios de violência entre o casal cuidador da criança, comprometedores do seu bem-estar, designadamente e resumidamente:

- comunicação pela cuidadora II que no dia 21 de Maio haviam ocorrido desentendimentos entre o casal que, alegadamente, culminaram em comportamentos agressivos de ambas as partes na presença da AA;

- dizendo a II que o OO vinha mantendo comportamento agressivo desde meado de Abril de 2021, nomeadamente para com a menor AA a que teria dada uma palmada injustificada;

25. Estes episódios levaram a nova ruptura do casal, tendo a II passado a residir com os pais;

- mantendo-se o OO desorganizado emocionalmente, informando que queria

visitar a menor e que não compareceria às consultas de psicologia até ser tomada uma decisão relativamente à AA e às visitas que arrogava ter direito; e - que o acompanhamento do CAFAP não vinha produzindo os necessários frutos, " ... visto que o casal não se revela capaz de proteger a AA nas situações de maior tensão entre o casal";

26. Concluindo que o casal não se mostrava capaz" ... de garantir o bem-estar da AA", sendo urgente a revisão desta medida com vista a uma definição de projecto de vida adequado à mesma;

27. Sendo o parecer da EMAT no mesmo sentido, com data de 26-05-2021, no sentido que o enquadramento familiar dado pelo casal II e OO " ... não reúne ao nível das relações familiares condições para proporcionar um salutar desenvolvimento psico-emocional da criança", sugerindo medida de Acolhimento familiar ou, em alternativa, de Acolhimento Residencial;

28. Mantendo a EMAT que não eram conhecidas "... alternativas da família alargada com disponibilidade e capacidade para acolher a AA";

29. Vindo o Tribunal, a 17-05-2021, a determinar a aplicação, a título provisório, de medida de promoção e protecção de acolhimento familiar, ou, no caso a mesma não ser possível, de acolhimento residencial, pelo período de seis meses;

30. Nesta sequência, no dia 28-05-2021 a menor AA foi entregue à Instituição ... - Associação para a Educação e Solidariedade, tendo a criança sido integrada numa Família de acolhimento, na pessoa de MM;

- tendo os progenitores e o ex-casal sido informados da concretização do referido acolhimento;

31. Tendo a medida sido aplicada, por Acordo, conforme Acta de 21-06-2021;

32. Os progenitores passaram, entretanto, a residir na rua ..., ..., ..., sendo que essa alteração de residência foi impulsionada por um despejo a que o casal esteve sujeito na para a anterior habitação, por registarem incumprimento de pagamento de rendas há mais de um ano;

- sendo então acolhidos em ..., junto de familiares do progenitor, ocupando um espaço do tipo anexo à habitação principal;

- sendo que até essa alteração, a progenitora tinha conseguido integrar-se profissionalmente na área da limpeza, através de uma empresa de trabalho temporário e que o progenitor mencionava procura activa de trabalho;

- mantendo a progenitora alguns contactos breves com a EMAT e com a Associação ... no sentido de aferir "como está a situação da AA "(cit.);

33. A EMAT procurou avaliar a existência de alternativas na família alargada (para além das já acima avaliadas pela EMAT de ...), concluindo pela ausência de identificação de elementos que se pudessem constituir como projecto familiar alternativo para a menor AA:

- UU, residente em ..., ..., irmã da já referida II, que por se revelar contexto de forte animosidade (o progenitor, abandonado em criança pela respectiva progenitora, foi criado pela avó do anterior cuidador, OO, casado com a II, irmã da referida UU, registando-se entre estas pessoas uma relação conflituosa, declarando até os progenitores que não queriam que a criança fosse entregue a familiares dos referidos cuidadores) foi considerado não se apresentar como solução suficientemente securizante para a menor AA e que à altura da avaliação se entendeu ser de desfavorecer em face da boa integração da menor em acolhimento familiar;

- casal constituído por VV e marido WW, reformados, ambos à data com 70 anos de idade, pais da citada II, que por força da sua idade dificilmente constituiriam uma solução de vida e de futuro para uma menor com pouco mais que três anos de idade.

34. Foram estabelecidos contactos telefónicos (videochamada) entre os progenitores e a AA a iniciar no dia 28-10-2020, na altura aos cuidados do casal II e OO no período compreendido entre as 19h45 e as 20h 15 e a ocorrer duas vezes por semana, designadamente às quartas-feiras e sábados.

35. Pese embora a realização de três contactos por videochamada foram

apresentadas diversas queixas, por parte dos progenitores e por parte do casal que cuidava da AA, mais se dando conta que a manutenção destas videochamadas poderia contribuir para agudizar a divergência entre as partes, e consequentemente expor a AA a um ambiente altamente disfuncional, vindo a ser proferida decisão judicial a 11-11-2020 no sentido suspender esses contactos telefónicos de videochamada entre os progenitores e a AA, determinando-se que os convívios entre a criança e os progenitores passassem a ocorrer mediante supervisão técnica, por meio do CAFAP-MDV;

36. Quanto ao progenitor BB, verifica-se que:

- Ao nível do seu aspecto físico (quando observado aquando da realização do pertinente exame pericial pelo INMLCF) evidenciou idade aparente superior à real, e do primeiro contacto transpareceu uma postura natural, não demonstrando sinais de ansiedade ou alterações de humor. Consciente e lúcido, manifestou alguma capacidade de orientação no tempo e no espaço, porém em certas alturas confundia fatos por si vivenciados com fatos que lhe foram relatados por outros e dos quais não é possível recordar-se, "lembro-me perfeitamente do dia em que a minha mãe me abandonou, eu tinha dias de vida ... lembro-me perfeitamente ... ".

- Apresentou-se pouco comunicativo, com discurso pouco espontâneo, confuso, pouquíssimo detalhado, fazendo uso de um vocabulário elementar, pobre e limitado.

Revelou dificuldade em responder clara e objectivamente às questões colocadas, por vezes entrou em contradição, e nos seus relatos não conseguiu incluir detalhes específicos como datas, idade na altura dos acontecimentos, ou locais dos mesmos.

- Apresenta dificuldades evidentes e significativas na compreensão e expressão verbais, bem como na atenção e memória. Nem sempre mostrou concordância entre a expressão facial e o tipo/conteúdo do discurso. Apresenta locus de controlo externo atribuindo aos outros e/ou a factores externos a responsabilidade do que lhe acontece.

- O seu perfil de personalidade é caracterizado pela desejabilidade social, e pela

possível presença de confusão mental, autocriticismo, introversão e exagero de sintomas. ( ... )

O examinado parece não apresentar mal estar emocional ou sintomas perturbadores.

- Relativamente às competências parentais, a avaliação das mesmas foi realizada apenas através das entrevistas uma vez que o nível cognitivo do examinado não permitiu a aplicação de instrumentos psicométricos de avaliação psicológica. Assim, foi possível constatar que o examinado não consegue explicar de forma clara como correu a gravidez das filhas, bem como o seu desenvolvimento. Apresenta dificuldade em descrevê-las e em enumerar as características pessoais predominantes e gostos de cada uma delas, embora quando fala das mesmas transmita afectividade. Não é capaz de enumerar de forma clara as regras e rotinas fundamentais para o bom desenvolvimento de uma criança nem de nomear expectativas que tem face à idade e desenvolvimento das filhas. Refere que não tem visitado as filhas, pois os familiares a quem elas estão a cargo não permitem que as veja, no entanto não consegue descrever decorreu a última visita. O examinado demonstra vontade de ficar com as filhas e acha que seria capaz de cuidar das mesmas adequadamente, ainda que não consiga enumerar as necessidades básicas de uma criança.

- O estilo parental apurado parece ser predominantemente negligente, sendo este um estilo em que existe exigência e responsividade em níveis baixos, resposta apenas às necessidades básicas da criança, distanciamento emocional em situações de stress, dificuldade na diferenciação de papeis entre pais e filhos e dificuldade em organizar-se de modo a fornecer cuidados e apoio continuados aos seus filhos. - Em suma, o examinado demonstra afectividade quando fala das filhas, bem como vontade em ficar com as mesmas.

Parece apresentar dificuldades importantes no que diz respeito às suas competências parentais, nomeadamente em assegurar as necessidades básicas de uma

criança, não tendo a percepção das regras e rotinas fundamentais para o

desenvolvimento adequado de uma criança.";

37. Quanto à Progenitora CC, resulta que:

- (quando observada aquando da realização do pertinente exame pericial pelo INMLCF) ... a CC apresentou evasividade nas suas respostas ao perito, sendo estas curtas, fechadas, circunstanciais e pouco detalhadas.

- Ao nível do seu aspecto físico evidenciou idade aparente superior à real, e do primeiro contacto transpareceu uma postura natural, sem sinais de ansiedade ou alterações de humor.

- Apresentou-se pouco comunicativa, com discurso pouco espontâneo, circunstancial, pouco detalhado, fazendo uso de um vocabulário básico e empobrecido.

- Consciente e lúcida, manifestou capacidade de orientação no tempo e no espaço. - Aparentou um nível cognitivo baixo, com algumas dificuldades na compreensão e

expressão verbais, havendo necessidade do perito recorrer a uma linguagem simplificada.

- Parece ter um locus de controlo externo, ou seja, tem tendência a atribuir aos outros ou a factores externos a responsabilidade do que lhe acontece, e nunca às consequências das suas próprias acções.

- Em termos cognitivos, a examinada obteve resultados compatíveis com um nível intelectual Inferior à média esperada para a sua faixa etária.

- O seu perfil de personalidade é caracterizado pela desejabilidade social, ou seja, a examinada apresentou defensividade moderada nas suas respostas, com intencionalidade de negar características pessoais percepcionadas como negativas, e tentativa de passar uma imagem positiva de si própria. Assim, os resultados dos demais instrumentos de avaliação a personalidade devem ser interpretados com reservas, uma vez que há grande probabilidade de também terem sido respondidos de acordo com o socialmente correcto/desejável e não de uma forma honesta. Ainda assim, de acordo com os demais resultados, a examinada parece não apresentar psicopatologia ou mal estar emocional, não apresentar vulnerabilidade face a situações de stress, nem reacções ansiógenas quando confrontada com situações potenciadoras de tensão emocional. -------------------------------------

- Relativamente à parentalidade e competências parentais, através das entrevistas e da avaliação instrumental, foi possível apurar que a examinada não consegue descrever de forma minimamente detalhada como decorreu a gravidez, parto, e primeiro ano de vida das filhas.

Apresenta dificuldade em descrever as filhas e em enumerar as características pessoais predominantes e gostos de cada uma delas, embora quando fala das mesmas transmita afectividade. Descreve de forma muito vaga o que fazem em conjunto aquando das visitas e mostra ter pouco conhecimento das regras e rotinas fundamentais para o bom desenvolvimento de uma criança. Apresenta dificuldade em descrever expectativas que tem face à idade e desenvolvimento das filhas bem como as rotinas diárias que existiam enquanto as crianças moravam consigo. Refere ainda que sempre manteve a casa limpa e organizada, as crianças bem cuidadas, com refeições em horários próprios e adequados, e que tem alguma retaguarda familiar. Parece ter pouca capacidade critica ou de insight para as suas atitudes/dificuldades e parece também apresentar um locus de controlo externo, ou seja, faz atribuição externa das suas responsabilidades, nomeadamente no que diz respeito às filhas. Mostra-se ambivalente no que diz respeito a ficar com as filhas; por um lado diz que gostava que viessem para junto de si, mas por outro diz que a melhor solução seria ficarem com familiares, "a mais nova podia ficar com a tia ... porque se a mais nova estive,' com esta tia eu sei que posso vê-la quando quiser ...". "A mais velha estando com este casal eles não deixam nós vermos a menina ... então a mais velha gostava que ela ficasse com um irmão do BB que está em ..., que ele já disse que podia ficar com a AA". ------------------------------------

- O estilo parental apurado parece ser do tipo negligente, o qual resulta da combinação entre controlo (exigência) e responsividade dos pais às necessidades da criança ambos em níveis baixos. Pais negligentes tendem a não ser nem afectivos, nem exigentes, nem compreensivos, mantendo os seus filhos à distância e respondendo somente às suas necessidades básicas. Não conseguem organizar-se de modo a fornecer cuidados e apoio continuados aos seus filhos. Demonstram pouco envolvimento na socialização da criança, não supervisionando o seu comportamento. Enquanto os pais permissivos estão envolvidos com os seus filhos, os pais negligentes estão, frequentemente, centrados em si próprios. O estilo parental negligente refere-se aos pais que não assumem integralmente os seus papéis de pais, e as relações afectivas entre pais e filhos tendem a diminuir cada vez mais a longo prazo, e até a desaparecer restando uma mínima relação funcional entre ambos.

- Em suma, apesar da examinada mostrar alguma afectividade quando fala das filhas e considerar que reúne todas as condições para das mesmas, refere que a melhor solução para elas seria ficarem com familiares. A examinada parece ter dificuldades e fragilidades a nível das capacidades parentais, nomeadamente grande autocentração, baixa responsividade, dificuldades em descrever as regras e rotinas fundamentais para o bom desenvolvimento de uma criança, aparente baixa capacidade critica ou de insight, apresentação de locus de controlo externo, e o estilo parental apurado o qual parece corresponder a um estilo negligente."

38. A AA registou uma boa adaptação à família de acolhimento, aprendendo regras, competências e rotinas que desconhecia e sendo-lhe, nesse contexto, prestados os cuidados básicos e de saúde adequados, apresentando evolução positiva e boa integração em equipamento educativo.

39. A AA padece de um atraso de desenvolvimento psicomotor e de linguagem por exposição a contextos desfavoráveis, carecendo de um ambiente sereno e harmonioso de modo a poder ultrapassar as suas dificuldades.

40. A AA frequenta terapia da fala, verbalizando apenas sílabas e expressando-se predominantemente por gestos.

41. Os progenitores encontram-se actualmente a trabalhar, sendo o progenitor, desde Novembro de 2021, e a progenitora, desde há alguns dias; anteriormente, ou se encontravam em situação de desemprego, ou realizavam outros trabalhos; não apresentam, contudo, inserção laboral estável.


Apreciando:

Como sabemos, o princípio que rege a decisão a tomar em sede de processos tutelares cíveis (no caso vertente de promoção e proteção) é o do “interesse superior da criança”, o qual, não tendo sido definido pelo legislador, constitui um conceito amplo e aberto, só em concreto, em função das circunstâncias do caso, susceptível de ser materializado ou concretizado (passe o pleonasmo), sendo que para tanto se impõe que o tribunal proceda à avaliação e ponderação da factualidade específica do caso,  efetivamente demonstrada, aqui incluindo necessariamente as condições particulares físicas e psíquicas da criança, as suas necessidades de saúde, bem como as intelectuais, religiosas e materiais, em função da sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico, psíquico e moral, a sua melhor e mais cuidada adaptação e inserção em ambiente familiar, social e escolar, bem como as relações que, aos mais diversos níveis, é importante que se vão estabelecendo e evoluindo, sopesando, para tanto e em primeira linha, a capacidade dos progenitores para satisfazer tais necessidades, capacidades de ordem física, afectiva, cognitiva, intelectual e também material.

O superior interesse da criança encontra-se inscrito como vetor fundamental no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20/11/1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo, a 25/01/1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01.

A salvaguarda do superior interesse da criança deve obedecer ao princípio da prevalência da família, mas no sentido lato, que abarca a prevalência das medidas que a integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável, a par dos princípios da indispensabilidade, da proporcionalidade, da actualidade e da necessidade da intervenção precoce (cf. art. 4º al. a), c), d), e) e h) da Lei nº147/99 de 1/9 - Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo].

O primado do interesse das crianças constitui um princípio fundamental de Direito da Família e das Crianças consagrado no Direito Internacional (artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças) e no Direito da União Europeia (artigo 24.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).

No direito nacional, a Constituição, apesar de não se referir expressamente a tal princípio, consagra direitos fundamentais específicos das crianças, designadamente o direito da criança ao desenvolvimento integral, onde se insere o direito à manutenção das suas relações afetivas profundas (artigo 69.º, n.º 1, da CRP), como tem sido entendimento da doutrina (cfr. Armando Leandro, “Direito e Direitos dos Menores, síntese da situação em Portugal, no domínio do direito civil e no domínio do direito para-penal e penal”, Infância e Juventude, n.º especial, 1997, p. 263 e Dulce Rocha, “Adopção - consentimento - conceito de abandono”, Revista do Ministério Público, Lisboa, A.23º, nº92 (Out.-Dez.2002), pp. 98 e 107)

A família é o lugar por natureza e por excelência, do afecto e do amor, onde por todos os seus elementos, principalmente na família nuclear, pais, filhos e irmãos, vivem e partilham os sonhos, as tristezas e as alegrias, os sucessos e as desventuras.

A primazia da integração familiar das crianças (prevalência da família) afirma-se como modo de exercício do direito/dever de providenciar pelo normal desenvolvimento, formação, educação e manutenção dos filhos, assim se observando e cumprindo o princípio constitucional ínsito no art. 37º da CRP, segundo o qual “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” e “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.

Contudo, o princípio da prevalência da família, em ordem à satisfação do interesse superior da criança, pode ter ou terá de ceder, quando se configurar uma situação em que os progenitores, por acção ou omissão dos pais, colocam em causa e fazem perigar a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o são desenvolvimento da criança, que assim fica posto em perigo.

É unânime a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a  salvaguarda do superior interesse de uma criança em situação de perigo deve obedecer ao princípio da prevalência da família (entre outros os Ac. de 13/10/2020, no processo 1397/16.6T8BCL.G1.S2, de 16/12/2020 no processo 1210/17.7T8CSC.L2.S1, de 29/10/2020, no processo 634/09.8TBPVZ-B.P1.S1 e de 14/07/2021, no processo 1906/20.6T8VCT.G1.S1).

Este princípio da prevalência da família encontra-se desenhado de harmonia com o art. 9º da Convenção sobre os Direitos das Crianças (adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990), que preceitua que “Os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada.”

Tal decorrendo também do nº 6 do art. 36º da CRP, que admite expressamente a aplicação da medida estadual, particularmente gravosa, consubstanciada na separação dos filhos daqueles, embora impondo que se verifique a especial justificação do não cumprimento pelos pais dos seus deveres “fundamentais” para com os filhos, ainda que a título de negligência” e a reserva de jurisdição, “sempre mediante decisão judicial”.

Das expostas exigências constitucionais decorre, com clareza, que, sendo o interesse superior da criança o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de promoção e proteção, deve esse critério colocar-se acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os do seu próprio filho.

Impõe o princípio do superior interesse da criança que no caso de a criança se encontrar colocada em perigo pela sua própria família biológica, nomeadamente pelos seus progenitores, sejam decretadas medidas de proteção que visem a sua segurança e saúde junto de uma terceira pessoa, seja junto de outro familiar ou de confiança a pessoa idónea, tendo em vista, quando a família se revelar impotente para cuidar da criança com carácter duradouro, afastando-a da situação de perigo, que a criança venha a ser confiada tendo em vista futura adopção, por esta via também se privilegiando o princípio da prevalência da família,  agora adoptiva.

Neste sentido se pronunciando também com unanimidade, este Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, nos Acórdãos de 14/07/2016 no processo 8605/13.3TBCSC.L1.S1, de 18/10/2018 no processo 533/14.1TBPFR.P2.S1, de 30/04/2020 no processo 2353/19.8T8BRG.G1.S1, de 25/09/2018 no processo 20085/16.7PRT.P1.S1.S1.S1, de 13/10/2020 no processo 1397/16.6T8BCL.G1.S2, de 09/02/2021 no processo 211/20.2T8STC.E1.S1 e de 19/10/2021 no processo 686/18.0T8PTG-A.E1.S1.

Isso mesmo decorre do art. 3º nº 1 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante LPCJP – lei 147/99 de 1/9), que determina queA intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

Por seu turno, dispõe o nº 2 deste dispositivo que “Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.


Por seu turno, dispõe o art. 35º nº 1 al. g) da  LPCJP, prevê, entre as medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, aquela que consiste na sua confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção que apenas pode ser aplicada, por disposição do art. 38.º-A, al. b) do mesmo diploma, quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil (com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/15 de 8/9), que, na parte com interesse para o caso em apreço, o seguinte:

1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

(…)

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que  precederam  o  pedido  de  confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos interesses da criança.

3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.


Resulta da factualidade apurada que a menor AA foi desde o seu nascimento sujeita a diversas medidas de promoção de protecção, na sequência de sinalização de risco/perigo operada em 12-07-2019 pela CPCJ ..., dela e de sua irmã LL, nascida em .../.../2019, também filha do casal CC e BB.

Tendo sido dadas várias oportunidades ao casal progenitor, vieram a gorar-se os esforços no sentido de este demonstrar ter capacidades para velar pelas menores, em particular da menor AA, tendo sido diversas as intervenções das EMTAs no sentido de apurar as reais circunstâncias de vida dos progenitores e da família alargada destes para ficarem com a menor sob a sua confiança e conferirem a condições de evolução pessoal com segurança e dignidade.

Ora, ante tudo quanto ficou apurado, percebeu-se que a menor Tal como a sua irmã LL, nasceu no seio de um casal disfuncional e sem estrutura de ordem pessoal alguma, seja de natureza cognitiva, seja de natureza funcional, não reunindo, quando e mor nasceu e enquanto com eles viveu à sua guarda, características que possam de alguma forma ser confiáveis sob o ponto de vista das suas capacidades para orientarem a menor de forma estruturante e saudável, sendo que não reuniam sequer as condições mínimas de habitabilidade, higiene e alimentar, revelando-se a todos estes níveis um casal destituído do mínimo de potencial exigível em termos de paternidade construtiva e edificante.

Constatado esse estado de coisas pela CPCJ, foram as crianças sinalizadas e foi instaurado processo de promoção e protecção relativo à menor, vindo a AA, desde 23 de Janeiro de 2020, a ser sujeita a diversas medidas, desde logo a medida de apoio da AA junto de pessoa idónea, em concreto do casal OO e II, vindo a ser celebrado Acordo de promoção e protecção com data 03-02-2020.

Ora, esta medida, que veio a ser prorrogada algumas vezes, veio a revelar-se inteiramente desapropriada, porquanto este casal revelou desequilíbrios graves no seu relacionamento, mormente episódios de violência doméstica, alguns presenciados pela menor, que  foram determinantes de crises conjugais, que necessariamente se refletiram na criança de forma traumática, sendo que foram diversas as tentativas de reconciliação, todas vindo a revelar-se goradas, não reunindo qualquer destes elementos condições pessoais para ter a AA sob os seus cuidados, nem tendo condições de natureza pessoal, estas mais inerentes à sua deficiente formação intelectual, para se afirmarem como educadores estruturantes e securizantes para a menor.

Também no quadro familiar mais alargado, ao nível dos tios maternos e paternos e ainda da avó materna, não foi encontrada qualquer projecto familiar confiável que pudesse de forma tranquila aceitar e enquadrar de forma pessoalmente edificante a menor AA, nomeadamente a tia materna RR, que enfrenta dificuldades económicas e a oposição do marido desta, sendo que o casal tem 4 filhos a cargo (de 14, 8, 6 e 1 ano);  o irmão da progenitora SS, em relação ao qual existem suspeitas fundadas de tentativa de abuso sexual do filho mais velho da irmã RR; a avó materna, TT, beneficiária de RSI, que tem 3 filhos a viver consigo, em locado cujas rendas se encontram incumpridas no pagamento, sendo que esta avós nunca revelou qualquer preocupação em relação às netas, nunca tendo contactado os serviços, nunca tendo sido considerada ou identificada como elemento de proximidade ou de referência.

Não tendo surgido qualquer outra solução de apoio da menor, no quadro familiar alargado, senão a dos tios OO e II, que acabaram por se revelar, também estes, sem condições pessoais e do casal, também devido a problemas de saúde mental do OO filho do casal, para que a medida de acolhimento no seio do seu agregado familiar se pudesse manter, surgindo comportamentos de impulsividade e agressividade, dificuldades de controlo das emoções, lacunas do casal ao nível das competências parentais aos mais diversos níveis, quer porque o casal não reunia capacidade para actuar de forma coerente junto da menor, não sendo capaz de impor regras e limites à mesma, sendo ela autoritária e vigilante e ele permissivo, um quadro relacional perturbador do desenvolvimento da autonomia da criança, um quadro relacional negativo que levou a II a passar a residir com os seus pais, rejeitando comparecer às consultas de psicilogia para que fora orientado pelo CAFAP, vindo esta entidade e concluir que “o casal não se revela capaz de proteger a AA nas situações de maior tensão entre o casal" e que não se mostra capaz de "de garantir o bem-estar da AA", “sendo urgente a revisão desta medida com vista a uma definição de projecto de vida adequado à mesma”.

Ficando assim total e esclarecidamente excluída a possibilidade de acolhimento em seio familiar biológico mais alargado.

Situação esta alcançada em 26-05-2021, vindo a EMAT a emitir parecer no sentido de que o casal II e OO "não reúne ao nível das relações familiares condições para proporcionar um salutar desenvolvimento psico-emocional da criança", sugerindo medida de Acolhimento familiar ou, em alternativa, de Acolhimento Residencial.

Vindo o Tribunal, por decisão de 17-05-2021, a determinar a aplicação, a título provisório, de medida de promoção e protecção de acolhimento familiar, ou, no caso a mesma não ser possível, de acolhimento residencial, pelo período de seis meses, na sequência do que, no dia 28-05-2021, a menor AA foi entregue à Instituição ... - Associação para a Educação e Solidariedade, tendo a criança sido integrada numa Família de acolhimento, na pessoa de MM – situação em que actualmente se encontra.

Sendo de registar que a A AA registou uma boa adaptação à família de acolhimento, aprendendo regras, competências e rotinas que desconhecia e sendo-lhe, nesse contexto, prestados os cuidados básicos e de saúde adequados, apresentando evolução positiva e boa integração em equipamento educativo.

De registar ainda que a AA padece de um atraso de desenvolvimento psicomotor e de linguagem por exposição a contextos desfavoráveis, carecendo de um ambiente sereno e harmonioso de modo a poder ultrapassar as suas dificuldades, frequentando terapia da fala, verbalizando apenas sílabas e expressando-se predominantemente por gestos.

Ora, do que fica exposto, resulta manifesta a incapacidade dos progenitores de proporcionar à filha os cuidados básicos necessários, quer de higiene, quer, sobretudo, atenta a sua tenra idade, de estimulação e o acompanhamento de saúde de que carece, incapacidade que se revela, não apenas pelas características pessoais relevantes no âmbito da parentalidade, também sociais, habitacionais e psicológicas, e que colocou a menor em grave risco e perigo para o seu adequado desenvolvimento, não se vislumbrando qualquer resultado mais promissor para a menor no caso de manutenção no quadro familiar paterno.

Realmente, quer a recorrente progenitora, quer o progenitor evidenciam total alheamento crítico no que toca às suas próprias limitações e incapacidades para cumprirem de forma minimamente satisfatória as suas obrigações de mãe e pai, assim como se revelam totalmente alheados da incapacidade de que a AA padece, por natureza muito mais exigente em termos de cuidados paternais.

Realmente, o atraso de desenvolvimento psicomotor e de linguagem de que a AA é portadora, exige que lhe venha a ser prestado acompanhamento adequado, designadamente, em tratamentos de terapia da fala, bem assim como de intensa e contínua estimulação, para além de um ambiente tranquilo e estável, o que não se compagina minimamente com as apuradas limitações e incapacidades dos progenitores sob o ponto de vista das suas capacidades parentais, com o completo abandono do pai e manifesto desinteresse da mãe pela filha, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação, sendo que também não se vislumbra que a progenitora venha a adquirir tais capacidades, por muito esforço que teoricamente pudesse vir a fazer nesse sentido, frequentando cursos de responsabilidades parentais, apuradas que estão as suas limitações pessoais, cognitivas e organizativas a esse nível.

Mostra-se até curioso que a recorrente venha agora, em momento derradeiro do recurso da decisão proferida no âmbito do processo de promoção e proteção de sua filha, dizer que afinal se encontra disponível para frequentar um curso de responsabilidades parentais, de forma a poder responder de forma positiva às necessidades da sua filha AA.

Diremos que se trata de mais um sintoma revelador da negligência da recorrente em relação a todo este processo, a manifestação de um propósito que se afigura pouco sério, temos de o dizer, pois que se efetivamente se tratasse de intenção autêntica, por que motivo não curou a mesma de se preparar em momento prévio ao da decisão que importa em definitivo assumir nestes autos?

 Aliás, a aceitar-se o arrastamento deste processo, que tem natureza urgente, para que a progenitora pudesse frequentar um curso dessa natureza, seria mais uma vez sujeitar a menor a uma situação de insegurança e renovada e acrescida incerteza, pois que, ante as diminuídas capacidades cognitivas e intelectuais da progenitora, portadora que é de um atraso de desenvolvimento psicomotor e de linguagem por exposição a contextos desfavoráveis, e inerentes dificuldades de apreensão de conhecimentos e aprendizagens, nunca seria garantido que a mesma obtivesse bom aproveitamento nesse eventual curso, e que, nessa medida pudesse vir a merecer a confiança da menor.

Não é, pois, aceitável, seria aliás aberrante, sujeitar a menor a mais um compasso de espera que poderá fazer perigar a rápida ultimação do processo adoptivo, causando o nefasto retardamento deste, totalmente em contraciclo à satisfação dos seus mais elevados interesses, na tentativa de a mãe, que sempre revelou total incapacidade para dela cuidar e nada fez para vir a ser competente, vir agora, em momento derradeiro, numa tentativa desesperada de obviar a que a menor seja confiada para adopção, a frequentar um curso com tal natureza, com resultados absolutamente inseguros, vislumbrando-se, também esse curso, a realizar-se, com eminente risco de falhanço.

De referir ainda que a manifestação de vontade da progenitora em ficar com a menor a seu cargo revela-se tão pouco esclarecida em termos de maternidade, que a mesma chega a manifestar o desejo de a AA vir a ficar com um irmão do BB que está em ..., pessoa que, tanto quanto resultou apurado, não é conhecida nem se deu a conhecer, nunca manifestando tal disponibilidade.

A este respeito se pronunciou de forma enfática o Ministério Público das suas alegações, quando disse que “O desnorte é total, pois a mesma progenitora, ao mesmo tempo que defende que a AA fique institucionalizada por pelo menos mais um ano, também refere que gostava que a AA ficasse com um irmão do progenitor BB, que reside em ... – que não se sabe bem quem seja”.

Não podemos, assim, deixar de considerar, como o fez o tribunal de 1ª instância e sufragou o tribunal recorrido, “que os progenitores puseram (e ainda poriam) em perigo grave, a segurança, formação, saúde e educação da menor, pois que não souberam (nem quiseram) criar um ambiente familiar que permitisse àquela crescer de forma saudável e serena, traduzindo-se a vida do agregado, enquanto a menor permaneceu à guarda dos progenitores, em episódios de negligência e omissão, não sabendo estes cumprir os seus deveres parentais básicos, no que respeita à saúde, alimentação e educação da menor.

Nesta conformidade, conclui-se que os progenitores puseram, como se verifica, por acção e omissão, em perigo grave a segurança, saúde, formação e educação da menor AA, não permitindo o seu desenvolvimento harmonioso e completo em todas as suas vertentes, como já se salientou.”

Ante quanto fica exposto, diremos que se verifica o condicionalismo ínsito no art. 1978º nº 1 al. d) e e9 e nº 3, assim como nas al. c) e f) do nº 2 do art. 3º da LPCJP.

Assim, justifica-se plenamente a aplicação de uma medida de promoção dos direitos e proteção da menor AA, uma vez que os pais não lhe prestaram nem reúnem capacidades para lhe prestar os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal, tendo o seu comportamento omissivo colocado em causa a segurança da menor, que andou já, pese embora a sua tenra idade, de experiência em experiência, encontrando-se, por isso, necessariamente afectada no seu equilíbrio emocional e psicológico, ao que acresce a sua limitação natural.

Asseverem os manuais de Psicologia, que as crianças são pessoas em contínuo e rápido desenvolvimento, que passam por várias fases de crescimento, adquirindo progressivamente capacidades volitivas e intelectuais, sendo imperioso, para lograrem todo esse processo evolutivo, e ultrapassarem os diversos e contínuos desafios que sempre vão surgindo, que tenham e beneficiem de vínculos afetivos que lhes confiram segurança, vínculos estruturantes, vivendo seguras com os seus cuidadores ou figuras de referência, que podem não ser os seus progenitores biológicos, como sucede no caso dos autos.

Ante quanto fica exposto, não se afigurando minimamente viável o seu regresso à família de origem, deverá concluir-se que, falhadas as demais medidas aplicadas, apenas se revelou respeitadora do superior interesse da criança AA a medida decretada em 28-05-2021, se confiança e entrega à Instituição ... - Associação para a Educação e Solidariedade, integrada numa Família de acolhimento, na pessoa de MM – situação em que actualmente se encontra.

De facto, resultando apurado que os progenitores não curaram de estabelecer com a AA uma relação afetiva segura e estável, encontrando-se definitivamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, e verificando-se o condicionalismo ínsito no nº 1 al. d) do art. 1978º do CC (cuja verificação é exigida para que se possa decretar a medida de confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção, pelos art. n.º 1 al. g) do art. 35.º da LPCJP, e 38.º-A, al. b) do mesmo diploma), como tal ficando patente a falência da família natural, de origem ou alargada, a solução que mais se revela adequada ao seu caso e à satisfação dos seus superiores interesses, por ser a que mais se aproxima da família natural, é a do seu encaminhamento para a adoção, assim se observando, como muito bem observaram as instâncias, a plena adequação e proporcionalidade da medida decretada à situação de perigo existente (art. 4º al. e) da LPCJP), com inteiro respeito pelo interesse superior da criança (art. 4º, al a)), e, nessa medida também, o princípio da prevalência da família.

De onde resulta que a decisão judicial que vier a decretar a adopção da AA revelar-se-á respeitadora da Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/90 e ratificada por Decreto do Presidente da República publicado no D.R., I série, de 30.5.1990), designadamente do seu art. 8º nº 1, que estatui que “a autoridade competente não decreta uma adoção sem adquirir a convicção de que a adoção assegura os interesses do menor”, uma vez que os superiores interesses da menor se encontram inteiramente salvaguardados na decisão recorrida, assim como serão sopesados decisivamente, estamos disso seguros, na decisão de adopção que vier a ser proferida.

Do mesmo passo que a conclusão decisória a que aportaram as instâncias, e a que também este Supremo Tribunal acede, se revela absolutamente concordante com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, já que a colocação da menor AA fora do seu contexto familiar de origem ou alargado e sua integração em condições de vir a ser integrada em contexto familiar adoptivo, surge como o mais claro desiderato face à situação de risco grave em que os progenitores colocaram a AA, fazendo perigar a segurança, formação, saúde e educação da menor, quando eles próprios, que tinham a obrigação de agregar a sua família, nela causaram, por sua culpa grave, a sua dispersão, agindo negligentemente a ponto de lhes serem retiradas as filhas, precipitando a ingerência das instituições sociais em socorro das crianças, porque eles próprios não souberam nem quiseram, pois para tanto advertidos foram repetidamente, criar um ambiente familiar que permitisse às filhas crescer no seio da família de forma saudável e serena, traduzindo-se a vida do agregado, enquanto a menor permaneceu à guarda dos progenitores, em graves episódios de negligência e omissão, não sabendo estes cumprir os seus deveres parentais básicos.

Pelo que, mais do que demonstrada a plena incapacidade de os progenitores assumirem e cumprirem os seus poderes/deveres parentais (e estamos e repertir), e inexistindo na família alargada dos progenitores algum ou alguns familiares que possam assumir essa mesma missão, assim evidenciada a falência da família e a impossibilidade de tomar decisão menos constrangedora para a família biológica, nomeadamente o acolhimento familiar e o acolhimento institucional, outra solução não restou ao tribunal recorrido do que colocar a menor em condições de vir a ser decretada a sua adopção, na certeza de que a adopção constituirá a possibilidade de a menor vir integrar um agregado familiar que a respeite enquanto ser humano em formação e lhe garanta uma vivência familiar pautada pelo equilíbrio aos mais diversos níveis, permitindo que a AA venha a ser uma criança, e um dia uma mulher, bem formada e feliz, como merece.

Como tal se revelando inteiramente ajustada e cumpridora dos preceitos legais e dos valores e princípios jurídicos acima descritos (mormente os artigos 1978.° do Código Civil, 3.° e 4.° da LPCJP, 67.° e 68.°, 36.°, n.°s 5 e 6, todos da CRP, 3.° e 9.°, n.° 1, da Convenção dos Direitos da Crianças e 8.° da CEDH) envolventes da medida de promoção e protecção decretada pela decisão recorrida, “de confiança a família de acolhimento com vista a futura adopção que dura até ser decretada a adopção…”, pelo que a mesma deverá ser confirmada, improcedendo a revista.


DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe fora concedido.

Registe e notifique.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes