RECUSA
JUÍZ DESEMBARGADOR
IMPARCIALIDADE
INDEFERIMENTO
Sumário


I- O art. 40o prevê os casos objetivos, típicos, de impedimento de juiz com fundamento na sua participação em momento anterior de um mesmo processo, prevendo-se ainda no art. 43o no 2 que pode constituir fundamento de recusa a intervenção do juiz em fases anteriores do mesmo processo (fora das hipóteses de impedimento do art. 40o), quando a situação se enquadre na cláusula geral acolhida no no1 do art. 43o, ou seja, quando a intervenção do juiz concretamente em causa, corra o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (art. 43o no1), sendo este o enquadramento legal invocada pelo arguido e requerente.

II- A perspetiva de que o juiz vá decidir questão de forma idêntica à decidida anteriormente, no mesmo ou em diferente processo, ou que tome a mesma ou idêntica posição sobre questão de qualificação jurídica já antes encarada no mesmo processo – nomeadamente enquanto membro de tribunal colegial –, fora do quadro dos impedimentos abstratamente estabelecido no art. 40o, não pode considerar-se motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança séria sobre a sua imparcialidade pelo cidadão médio a que alude o requerente

III- Antes corresponde ao normal procedimento que se espera dos membros do tribunal: decidir as questões de direito de acordo com o entendimento que delas tenham, na contingência de tal entendimento ser assumido face aos elementos do processo e de vir a ser partilhado ou, não, pelos restantes membros do tribunal colegial, sempre sem prejuízo de tal decisão ser revogada por via de recurso.

IV- A invocação, pelos sujeitos processuais, das mesmas ou idênticas questões jurídicas em fases distintas do processo, tal como a repetição de fundamentos/ argumentos ao longo do processo não obstante a reiteração de decisões do tribunal num mesmo sentido, não legitimam a recusa de juiz com fundamento na decisão que lhes é dada no processo, pois fora do quadro dos impedimentos abstratamente, estabelecido no art. 40o, só intervenções do juiz em momento anterior do processo que assumam foros de excecionalidade, por referência à normal marcha do processo ou ao normal conteúdo dos atos processuais, poderá, por regra, constituir causa de recusa ou escusa do juiz nos termos do art. 43o.

Texto Integral



ACÓRDÃO


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I


Relatório


1. AA, arguido melhor identificado nos autos principais, veio apresentar requerimento em que suscita o presente incidente de Recusa do Sr. Juiz Desembargador Dr. BB para intervir, na qualidade de Desembargador adjunto, no julgamento do recurso interposto da decisão proferida em 27.12.2022, pela senhora juíza do J... do Juízo Central Cível e Criminal do T.J. da Comarca de Bragança, neste processo 1420/11.0T3AVR-AN.G1-A.


2. Fundamenta o incidente de recusa na circunstância de o Sr Desembargador recusado ter intervindo neste mesmo processo 1420/11.0T3AVR-AN.G1-A como desembargador-adjunto do coletivo de juízes do Tribunal da Relação Guimarães que proferiu acórdão datado de 20.03.2023, pelas seguintes razões, expostas e no requerimento do presente incidente, que aqui se transcreve ipsis verbis:


- « Foi o arguido notificado no dia 20 de Março de 2023 de acórdão proferido no processo 1420/11.0T3AVR.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães, conforme documento n.o 1 que se anexa para todos os devidos efeitos legais, em que se verifica que um dos membros do Colectivo de Juízes é o Sr. Dr. Juiz Desembargador Dr. BB.


Por este motivo, mas não só, o Sr. Juiz Desembargador não deverá poder proferir qualquer decisão nos presentes autos processuais, também eles 1420/11.0T3AVR a correr no Tribunal da Relação, uma vez que já tomou decisões no âmbito deste processo 1420/11.0T3AVR no corrente ano de 2023 e tais decisões ocorreram há menos de 30 dias.


É que,


O acórdão proferido em 20.03.2023 proferido por um Colectivo de Juízes que era integrado pelo aqui Sr. Dr. Juiz Desembargador, e que assinou o mesmo (ao assinar demonstra a sua concordância e atesta o teor do acórdão), relata diversas questões que não se encontram de acordo com a verdade processual.


Foi já interposto recurso àquele acórdão, conforme documento n.o 2 que se anexa para todos os devidos efeitos legais e que, por razões de economia processual se solicita que se dê por integralmente reproduzido para os devidos efeitos do presente incidente.


É inverdade que o acórdão tenha transitado em julgado com efeitos a 27.01.2020;


É inverdade que o Sr. Relator daquele processo seja o Dr. CC pois


o processo nunca foi à segunda distribuição nos termos do art.o 217.o n.o 1 do C.P.C., após a saída do Dr. DD;


É inverdade que o processo 1420/11.0T3AVR.G1 estivesse pendente no Tribunal da Relação de Guimarães quanto ao arguido José Barros, porquanto o mesmo processo estava em recurso no Tribunal Constitucional desde 11.05.2021 e as centenas de volumes do processo ficaram guardadas no Tribunal da Relação por despacho proferido pelo Exmo. Dr. DD.


É inverdade o que dizia o despacho de 14.07.2021, mantido por este acórdão de 20.03.2023 quando se referia que os Apensos M, N e O não pertenciam ao arguido AA;


É inverdade que nunca tivesse sido declarado o não trânsito em julgado em relação ao arguido AA, uma vez que o despacho judicial de 11.09.2020 proferido pelo Relator Dr. DD consignou, a folhas 8 e seguintes, que a situação jurídica do arguido AA estava ainda por definir e que estavam pendentes Reclamações e recursos ao Tribunal Constitucional.


Tudo como resulta do respetivo recurso apresentado ao S.T.J. relativamente ao acórdão de 20.03.2023 de que o Exmo. Sr. Desembargador BB fez parte muito recentemente, colidindo a decisão ali proferida directamente com a decisão a proferir no presente apenso do mesmo processo 1420/11.0T3AVR. Após terem sido suscitadas inúmeras questões jurídicas que ocorreram no acórdão de 20.03.2023 e que interferem, directa e indirectamente com o desfecho do presente apenso de recurso, não pode o Sr. Juiz Desembargador BB permanecer nestes autos 1420/11 quando acabou de proferir um acórdão directamente relacionado com o mesmo arguido, no mesmo processo e que interfere directamente na decisão aqui a proferir, sob pena de o arguido não ter direito a um Juiz Desembargador que, com a equidistância necessária, isenção e imparcialidade, consiga analisar todas as questões e lhe seja permitido concluir que, o então decidido no acórdão de 20.03.2023, alvo de recurso (e não transitado) de facto não está correctamente decidido.


Sempre poderá ser reconhecido nos presentes autos 1420/11.0T3AVR-AN.G1 que o acórdão de 20.03.2023 proferido no 1420/11.0T3AVR.G1 e a forma como o processo tem sido conduzido desde Fevereiro de 2021 não foi legal nem correcta e que, perante os documentos trazidos aos presentes autos 1420/11.0T3AVR.AN.G1 assiste razão ao arguido.


Acontece que, se permanecer nestes autos o Sr. Dr. Juiz Desembargador Dr. Armando Azevedo, que integrou o Colectivo de Juízes do acórdão de 20.03.2023, o arguido tem todas as suas pretensões votadas ao fracasso e ao insucesso, porquanto o Sr. Juiz Desembargador não vai, certamente, desdizer o que disse há meia dúzia de dias, ainda que possa tomar consciência, após leitura do recurso do arguido relativamente ao acórdão de 20.03.2023 e a documentação judicial a ele anexa, que de facto o acórdão de 20.03.2023 não podia existir, sequer, daquela forma, muito menos ter como Relator o Dr. CC, juiz a quem o processo nunca foi distribuído numa segunda distribuição nos termos do art.o 217.o n.o 1 do Código Processo Civil, face à saída do Dr. DD, Juiz Desembargador Relator primitivo a quem o processo foi legalmente distribuído em 2018.


O que é certo e factual é que o Sr. Desembargador visado no presente incidente já tem a sua convicção formada sobre a situação processual do arguido AA e tem na sua plena convicção que, a partir do momento em que assinou o acórdão de 20.03.2023, considera ele mesmo que a situação do arguido AA transitou em 2020, ao contrário do afirmado pelo despacho de 11.09.2020 que remetia a decisão final de trânsito em julgado para quando se encontrassem resolvidas todas as questões processuais, nomeadamente as do Tribunal Constitucional – que transitaram em 30.03.2023.


Com o trânsito em julgado do Tribunal Constitucional a 30.03.2023, transita em julgado toda a situação do arguido AA, mas todos os crimes de falsificação que tenham atingido a prescrição antes daquele trânsito em julgado têm que ser declarados prescritos (conhecimento oficioso), e o arguido suscitou essa mesma prescrição que estava a ser decidida nestes autos de apenso.


Ora,


Apenas muito recentemente se detectou que os presentes autos (estes onde se suscita o incidente) têm o mesmo Juiz Desembargador que interveio no acórdão de 20.03.2023 e atendendo a que o presente apenso de recurso discute, como se disse, a prescrição de 55 crimes de falsificação de documentos, e o acórdão de 20.03.2023 veio declarar o trânsito em julgado do arguido AA com efeitos retroactivos a 27.01.2020, tal acórdão de 20.03.2023 (já impugnado com prova documental judicial anexa) fere por completo a pretensão recursória nos presentes autos.


Ora, com o devido respeito, acreditamos que o acórdão de 20.03.2023 não se coaduna com a verdade dos factos, contendo uma data de trânsito em julgado que não é correcta e violando outra decisão proferida anteriormente naqueles mesmos autos (o despacho de 11.09.2020, folhas 8 e seguintes do mesmo) pelo que nunca poderá manter-se: por um lado nunca o processo 1420/11.0T3AVR.G1 foi alvo de uma segunda distribuição, que foi expressamente requerida pelo arguido AA e que o seu trânsito em julgado, conforme decisão superior do Tribunal Constitucional ocorreu apenas em 30.03.2023 proferida nos autos de recurso n.o 459/2021 daquele T.C., dúvidas não podem subsistir de que, o Sr. Desembargador Dr. BB, a partir do momento em que proferiu decisão no mesmo processo 1420/11.0T3AVR na Relação de Guimarães, em relação ao mesmo recorrente AA, não pode permanecer nestes autos processuais, por existir, de modo sério e grave, uma desconfiança sobre a isenção e a imparcialidade sobre o referido Juiz Desembargador.


Na verdade, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, perante uma situação processual destas, não teria a mínima dúvida em afirmar que o Sr. Dr. Juiz Dr. EE ao permanecer no processo gera graves dúvidas sobre a sua isenção e imparcialidade.


FACE A TODO O EXPOSTO, DEVE O PRESENTE INCIDENTE DE RECUSA SER DEFERIDO E EM CONSEQUÊNCIA O EXMO. SR. JUIZ DESEMBARGADOR VISADO NO MESMO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO SR. DR JUIZ DESEMBARGADOR QUE, DE IGUAL MODO, NÃO POSSA SER NENHUM JUIZ DESEMBARGADOR COM INTERVENÇÃO NO ACÓRDÃO DE 20.03.2023.»


2. O requerente junta as seguintes peças processuais:


« - Recurso do acórdão de 20.03.2023 e comprovativo de entrega do mesmo;


- Despacho de 11.09.2020;


- Despacho de 11.05.2021;


- Acórdão do Tribunal Constitucional que definiu a data do trânsito em 30.03.2023.»


- Requerimento inicial do recurso interposto nestes autos - 1420/11.0T3AVR-AN.G1-A., - para o TRG, da decisão proferida em 27.12.2022 pela senhora juíza do J4 do Juízo Central Cível e Criminal do T.J. da Comarca de Bragança:


3. O Sr Juiz Desembargador ora recusado pronunciou-se sobre aquele requerimento nos seguintes termos:


« Exmos. Senhores Juízes Conselheiros


O motivo da recusa invocado pelo requerente tem que ver exclusivamente com o facto de o visado ter subscrito, na qualidade de Juiz Desembargador Adjunto, o acórdão de 20.03.2023, proferido no processo principal (processo 1420/11.0T3AVR.G1).


Como decorre do requerimento apresentado, o requerente discorda do referido acórdão pelas razões que refere, cujo mérito julgo não me competir pronunciar.


Os autos de recurso de que este incidente de recusa é apenso tiveram a sua origem em requerimento apresentado pelo aqui requerente, no qual suscitou a prescrição do procedimento criminal relativamente a determinados crimes. O referido requerimento foi apresentado na primeira instância (tribunal da condenação), via Citius, numa altura em que o processo principal ainda não tinha a ele regressado, em consequência de recursos para este Tribunal da Relação de Guimarães e para o Tribunal Constitucional.


Nada mais tendo a dizer, V. Exas. decidirão do presente incidente de recusa conforme o Direito, fazendo a habitual Justiça.»


4. Não há que proceder a quaisquer diligências, mostrando-se devidamente instruído o requerimento de Recusa aqui em causa.


5. Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, para decisão.


II.


Fundamentação


1. – Considerações de ordem geral


a) O presente incidente de escusa convoca o tema da imparcialidade do tribunal que, através de referência autónoma ou enquanto elemento necessário de um conteúdo mínimo do conceito de processo equitativo ou due process , é mencionada no art. 10o da DUDH de 1958, no art. 6o no1 da CEDH, de 1950, art. 47o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 ou no art. 20o no4 da CRP, após a revisão constitucional de 1997, e é inerente à própria noção de tribunal, enquanto órgão de administração da justiça, constituindo uma garantia dos cidadãos.


Definida a imparcialidade como a ausência de qualquer pré juízo, interesse ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afetadas pela decisão, pode esta perspetivar-se na sua dimensão subjetiva e objetiva. Como refere Ireneu Cabral Barreto, “na perspetiva subjetiva, importa conhecer o que o juiz pensa no seu foro íntimo em certa circunstância; esta imparcialidade presume-se até prova em contrário.”


“Na abordagem objetiva, em que são relevantes as aparências, intervêm por regra, considerações de caráter orgânico e funcional (vg a não cumulabilidade de funções em fases distintas de um mesmo processo), mas também todas as situações com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer nascer dúvidas, provocando o receio, objetivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si.”


Em qualquer daquelas dimensões, está em causa a preservação da confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, pelo que deve ser impedido, recusado ou escusado todo o juiz impossibilitado de garantir uma total imparcialidade, ou seja, uma total equidistância em relação aos envolvidos no litígio e ao objeto do processo, aqui incluindo a tutela das aparências, de acordo com o adágio inglês justice must not only be done; it also be seen to be done.


b) Diferentemente do que se verifica relativamente aos impedimentos, previstos nos artigos 39o e 40o, CPP, que constituem um conjunto de «proibições» absolutas de o juiz exercer determinada função, de funcionamento automático, limitando-se o juiz a declarar-se impedido no processo, o CPP acolhe no artigo 43o no1 cláusula geral que permite avaliar em concreto se os motivos invocados pelo requerente do incidente, seja ele o MP, arguido, assistente ou partes civis, justificam a recusa, no que aqui importa, acautelando desse modo as situações concretas que podem afetar a imparcialidade do juiz, mas não a afetam necessariamente, funcionando ope judicis.


O artigo 43o no1 prevê, pois, como fundamento do incidente de recusa ou escusa de juiz, enquanto garantia da sua imparcialidade, que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, à luz do qual, independentemente de outras considerações, a recusa ou escusa será justificada se do ponto de vista do cidadão comum, enquanto critério de decisão essencialmente normativo que pode não coincidir com a perspetiva do queixoso ou do juiz escusando, a intervenção do juiz no processo puder gerar a referida desconfiança.


2. No caso presente, o requerente pretende que seja recusada a intervenção do senhor juiz desembargador do TRG no julgamento de recurso interposto nos presentes autos 1420/11.0T3AVR-AN.G1-A, de decisão proferida pela senhora juíza do Juízo central criminal do T.J. da Comarca de Bragança (encontrando-se junta ao presente incidente certidão do respetivo requerimento inicial,) por ter intervindo anteriormente, neste mesmo processo, na qualidade de juiz adjunto, em acórdão proferido em 20.03.2023 na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.


2.1. Aquele acórdão de 20.03.23 – cuja certidão integra igualmente o presente incidente - apreciou a conduta processual do ora arguido no processo, desde que, por acórdão do TRGuimarães de 30 de Setembro de 2019, o arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão, pela prática de 106 (cento e seis) crimes de corrupção passiva, p(s). e p(s). pelo art.o 373o/1 C.P., 103 (cento e três) crimes de falsificação, p(s). e p(s). pelos arts.o 256o/1, c) e d), C.P. e de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.o 86o/1, c), d) e n.o 2), L. n.o 5/06, 23/2 e, da apreciação da conduta processual do arguido, concluiu o TRG naquele acórdão de 20.03.23 pela aplicação em Processo Penal, dos dispositivos processuais civis contra as demoras abusivas do processo, subsidiariamente e por via do art.o 4o C.P.P., proferindo a seguinte


« Decisão


a) Determinar a exequibilidade imediata do despacho de 14 de Julho de 2021 quanto ao arguido AA, equivalente ao trânsito em julgado condicional daquela decisão para execução do citado despacho, por forma a que o arguido cumpra, de imediato e independentemente de qualquer eventual novo requerimento, a pena de prisão em que foi condenado, por Acórdão final condenatório transitado em 13 de Janeiro de 2 020 e também para contagem e pagamento pelo arguido das custas, multas e indemnizações devidas pelo arguido, pagamento que quando efetuado deve ser comunicado a esta instância, só então decidindo este Tribunal os três requerimentos do arguido, que ainda se mostram pendentes.


b) Determinar a extração de certidão que contenha o Acórdão final proferido, o Acórdão que desatendeu nulidades arguidas, o despacho de 14/7, este despacho e ainda os três aludidos requerimentos deste arguido, que se mantêm pendentes e que ficará neste Tribunal da Relação.


c)Determinar que se declare o trânsito em julgado condicional do despacho de 14/7, por esta decisão de exequibilidade imediata lhe ser equiparável.


d) Comunique aos Recursos que se mantêm pendentes e que resultaram de decisões proferidas em 1a instância – enquanto o processo estava neste Tribunal da Relação.


e) Notifique e remeta de imediato à 1a instância, para os aludidos fins.


f) Comunique este despacho ao C.D.O.A. para os efeitos tido por adequados, quanto à atuação como Advogada da Sr.a Dr.a FF, com referência às anteriores participações. »


2.2. Como se vê do requerimento inicial do presente incidente de recusa, entende o requerente que a pretérita intervenção do Sr Juiz Desembargador como adjunto no referido acórdão do T. R. Guimarães de 20.03.23, é suscetível de suscitar, de modo sério e grave, desconfiança sobre a isenção e a imparcialidade do referido Juiz Desembargador ao intervir na decisão que vier a ser proferida no recurso por si interposto neste processo no1420/11.0T3AVR-AN.G1-A, de decisão singular proferida no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, do T.J. da Comarca de Bragança. Essencialmente porque, no seu entender, o acórdão proferido em 20.03.2023 por um Colectivo de Juízes que era integrado pelo aqui Sr. Dr. Juiz Desembargador, relata diversas questões que não se encontram de acordo com a verdade processual, as quais o arguido elenca no requerimento inicial do presente incidente como inverdades, e que se reportam a diversas vicissitudes processuais, designadamente, a data do trânsito em julgado da decisão e a regularidade da nomeação do relator.


Alega ainda o requerente que:


- o Sr. Desembargador visado no presente incidente já tem a sua convicção formada sobre a situação processual do arguido AA e tem na sua plena convicção que, a partir do momento em que assinou o acórdão de 20.03.2023, considera ele mesmo que a situação do arguido AA transitou em 2020, ao contrário do afirmado pelo despacho de 11.09.2020 que remetia a decisão final de trânsito em julgado para quando se encontrassem resolvidas todas as questões processuais, nomeadamente as do Tribunal Constitucional – que transitaram em 30.03.2023;


- Dúvidas não podem subsistir de que, o Sr. Desembargador Dr. BB, a partir do momento em que proferiu decisão no mesmo processo 1420/11.0T3AVR na Relação de Guimarães, em relação ao mesmo recorrente AA, não pode permanecer nestes autos processuais.


2.3. Não tem, porém, razão o arguido ora requerente.


O art. 40o prevê os casos objetivos, típicos, de impedimento de juiz com fundamento na sua participação em momento anterior de um mesmo processo, prevendo-se ainda no art. 43o no 2 que pode constituir fundamento de recusa a intervenção do juiz em fases anteriores do mesmo processo (fora das hipóteses de impedimento do art. 40o), quando a situação se enquadre na cláusula geral acolhida no no1 do art. 43o, ou seja, quando a intervenção do juiz concretamente em causa, corra o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (art. 43o no1), sendo este o enquadramento legal invocada pelo arguido e requerente.


Ora, a alegação de que o acórdão do TRG de 20.03.2023 (em que interveio o Sr Desembargador ora recusado), contém um conjunto de inverdades que, como diz, não poderão deixar de condicionar a posterior decisão a proferir no recurso a nos presentes autos, não se mostra fundamentada. Por um lado é no recurso interposto daquela decisão que se apreciará se as inverdades invocadas pelo arguido e requerente se verificam e, por outro, não se demonstra que, mesmo no caso de o recurso do acórdão de 20.03.23 ser julgado procedente, tal seja incompatível com intervenção imparcial do senhor juiz desembargador recusado, na qualidade de adjunto, no recurso ainda por decidir.


Com efeito, ainda que o requerente as designe de inverdades, as questões de ordem processual invocadas pelo requerente respeitam essencialmente a questões jurídico processuais (data de trânsito em julgado, regularidade da nomeação do Desembargador relator, noção de pendência processual, âmbito e relação de apensos com o ora arguido), cuja solução, nomeadamente no âmbito do recurso já interposto para o STJ do acórdão de 20.03.23, assenta na interpretação das normas processuais aplicáveis, com os elementos disponíveis para a decisão, sem prejuízo de tais questões poderem vir a ser objeto de diferente posição e decisão pelo senhor juiz desembargador ora recusado no recurso pendente no TRG em que este virá a intervir.


Na verdade, nada permite concluir pelo risco sério e grave de que o Sr Juiz Desembargador pudesse ter já firmado a sua convicção de julgador, de modo a gerar-se desconfiança sobre a sua imparcialidade no futuro julgamento do recurso aqui em causa, contrariamente ao que pretende o requerente.


A perspetiva de que o juiz vá decidir questão de forma idêntica à decidida anteriormente, no mesmo ou em diferente processo, ou que tome a mesma ou idêntica posição sobre questão de qualificação jurídica já antes encarada no mesmo processo – nomeadamente enquanto membro de tribunal colegial –, fora do quadro dos impedimentos abstratamente estabelecido no art. 40o, não pode considerar-se motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança séria sobre a sua imparcialidade pelo cidadão médio a que alude o requerente, antes corresponde ao normal procedimento que se espera dos membros do tribunal: decidir as questões de direito de acordo com o entendimento que delas tenham, na contingência de tal entendimento ser assumido face aos elementos do processo e de vir a ser partilhado ou, não, pelos restantes membros do tribunal colegial, sempre sem prejuízo de tal decisão ser revogada por via de recurso, que no caso presente foi mesmo interposto do acórdão de 20.03.2020.


Por outro lado, a invocação, pelos sujeitos processuais, das mesmas ou idênticas questões jurídicas em fases distintas do processo, tal como a repetição de fundamentos/ argumentos ao longo do processo não obstante a reiteração de decisões do tribunal num mesmo sentido, não legitimam a recusa de juiz com fundamento na decisão que lhes é dada no processo, pois fora do quadro dos impedimentos abstratamente, estabelecido no art. 40o, só intervenções do juiz em momento anterior do processo que assumam foros de excecionalidade, por referência à normal marcha do processo ou ao normal conteúdo dos atos processuais, poderá, por regra, constituir causa de recusa ou escusa do juiz nos termos do art. 43o. Tendencialmente, só em casos dessa natureza, se pode perspetivar a ocorrência de motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança séria sobre a sua imparcialidade, inerente ao estatuto do juiz e ao exercício da função jurisdicional.


3. Pelo exposto, mostra-se infundado o presente requerimento de recusa, por não se demonstrar existir risco sério de a intervenção do senhor desembargador recusado ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade


III


dispositivo


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:


a) Indeferir o requerimento de recusa do Sr. Juiz Desembargador Dr. BB para intervir neste processo 1420/11.0T3AVR-AN.G1-A., na qualidade de Desembargador adjunto, no julgamento do recurso interposto no TRG, da decisão proferida em 27.12.2022 pela senhora juíza do J4 do Juízo Central Cível e Criminal do T.J. da Comarca de Bragança:


b) Condenar a requerente nas custas do incidente de recusa, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 7.o, n.o 4, e da Tabela II do Regulamento das Custas Processuais ex vi artigo 524.o do Código de Processo Penal.


Supremo Tribunal de Justiça, 11 de maio de 2023


António Latas (Juiz Conselheiro relator)


José Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro adjunto)


Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro adjunto)