CIRE
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
TEMPESTIVIDADE
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DE CULPA GRAVE
Sumário


I. A presunção de «existência de culpa grave» prevista no art. 186.º, n.º 3, do CIRE reporta-se unicamente ao incumprimento do dever do administrador do devedor de oportuna apresentação deste à insolvência, ou de elaborar, fiscalizar e depositar as contas anuais daquele; e a lei permite a sua ilisão, pela prova em contrário, isto é, de que não existiu culpa grave naquela sua não apresentação (art. 186.º, n.º 3, do CIRE, e art. 350.º, n.º 2, do CC).

II. Para que uma insolvência seja qualificada como culposa, pelo incumprimento com culpa grave dos deveres previstos no art. 186.º, n.º 3, do CIRE, exige-se ainda que se alegue e prove que aquele inadimplemento afectou a situação de insolvência, nomeadamente agravando-a (art. 186.º, n.º 1, do CIRE).

III. Encontrando-se em Setembro de 2021 uma sociedade sem qualquer actividade (sem gerar riqueza), inexistindo qualquer património ou rendimentos seus (sem dispor de meios próprios), frustrando-se desse modo a cobrança judicial dos seus créditos, incumpre o dever de oportuna apresentação à insolvência o gerente respectivo que nunca o chega a fazer; e presume-se a sua culpa grave nessa omissão (arts. 3.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 19.º e 186.º, n.º 3, al. a), todos do CIRE).

IV. Tendo a sociedade insolvente reestruturado o seu passivo bancário já depois de um credor seu ter requerido a respectiva insolvência, não se verifica o nexo de causalidade entre a anterior omissão culposa do seu gerente e o agravamento da dita situação de insolvência, quando aquela reestruturação de passivo não tenha aumentado este último (art. 186.º, n.º 1, do CIRE).

Texto Integral


I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Em 05 de Maio de 2022, nos autos principais de insolvência relativos a F... - Restauração, Limitada, com sede na Avenida ..., ... esquerdo, em ... (que com o n.º 870/22.... correm termos pelo Juízo de Comércio ..., Juiz ...), foi proferida sentença, declarando a insolvência da dita Sociedade, requerida por P..., Limitada (sentença que aqui se dá por integralmente reproduzida).

1.1.2. O Administrador da Insolvência apresentou o relatório a que alude o art. 155.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [1], consignando no mesmo, e sob a epigrafe, «6.3. DO INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA», que «regista-se as alienações efetuadas nas condições já expostas supra no ponto 6.2.», isto é, a «devedora procedeu à alienação de todo o património em 12/02/2022» (relatório que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.3. Em 05 de Julho de 2022 realizou-se a assembleia de credores (cuja acta aqui se dá por integralmente reproduzida), tendo o Administrador da Insolvência reiterado o teor do seu relatório (de encerramento do estabelecimento e liquidação do activo) e requerido a abertura do incidente de qualificação da insolvência, «uma vez que recolheu já indícios que levam a propor a insolvência como culposa».

Na mesma ocasião, perante a não oposição de qualquer credor e do Ministério Público, foi proferido despacho, conforme com o requerido pelo Administrador da Insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Face à posição aqui expressa pelos credores determino que se proceda à liquidação do activo da massa insolvente (nos termos do art.º 158º do CIRE).
Declaro o encerramento formal e definitivo do estabelecimento e a actividade da insolvente nos termos do artº 156º nº 2 do CIRE. (…)
Atento o requerido pelo Administrador de Insolvência, declare-se aberto o incidente de qualificação de insolvência, nos termos do disposto no artº 188º do CIRE, ficando desde já a decorrer o prazo legal para qualquer interessado alegar o que tiverem por conveniente.
(…)»

1.1.4. O Administrador de Insolvência apresentou o parecer a que alude o art. 188.º, n.º 6, do CIRE, defendendo que: a insolvência deveria ser qualificada como culposa; e deveria ser afectada por ela o gerente da Insolvente (F... – Restauração, Limitada), AA (relatório que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese, ter a Insolvente (F... – Restauração, Limitada) alienado todo o seu património, e procedido ao trespasse do seu estabelecimento, sem que se encontrasse «lançado na contabilidade qualquer do registo referente à alienação dos bens que eram propriedade da insolvente, nomeadamente, o lançamento da factura ou o recebimento de qualquer valor»; e, apesar «de solicitado, não foi junto qualquer comprovativo ou demonstrado o pagamento dos bens pretensamente alienados», «desconhecendo-se se os mesmos chegaram a integrar, efetivamente, o acervo patrimonial da insolvente e, na afirmativa, qual o destino que lhes foi dado».
Mais alegou que, sem prejuízo da resolução da alienação do património (a que iria proceder), a mesma criou «de forma direta um prejuízo para todos os credores da devedora que viram diminuído o potencial de património a atingir na subsequente execução universal/insolvência»; e que a «devedora não deposita contas na Conservatória do Registo Comercial desde o ano de 2020».
Alegou ainda ser o gerente da Insolvente (BB) o único responsável por tais decisões.
Defendeu, por isso, dever a insolvência ser considerada culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º 1 e n.º 2, als. a), d) e h), do CIRE.

1.1.5. A credora 4..., S.A. (anterior senhoria da Insolvente) apresentou alegações, pedindo que se concluísse pelo carácter culposo da insolvência, condenando-se no seu âmbito AA (filho e sócio único da Insolvente) e AA (pai e sócio gerente d’ O A..., Limitada, adquirente dos seus bens).
Alegou para o efeito, em síntese, que foram feitos à sua inteira revelia, e em prejuízo de todos os credores, a alienação de todo o património da Insolvente (F... - Restauração, Limitada), a favor d’ O A..., Limitada, e o trespasse do seu estabelecimento, a favor de P..., Limitada, devendo por isso tais negócios serem resolvidos.

1.1.6. A credora P..., Limitada (requerente da insolvência) apresentou alegações, pedindo que se concluísse pelo carácter culposo da insolvência, condenando-se no seu âmbito AA (filho e sócio único da Insolvente) e AA (pai e sócio gerente d’ O A..., Limitada, adquirente dos seus bens).
Alegou para o efeito, em síntese e complemento do parecer do Administrador da Insolvência, que, tendo a Insolvente (F... – Restauração, Limitada) deduzido em 07 de Setembro de 2021 embargos de executado à execução que lhe moveu, reconheceu nos mesmos a sua situação de insolvência; mas esse reconhecimento não a impediu de, posteriormente, contrair um financiamento de € 171.418,38 junto da Banco 1..., S.A..
Defendeu, por isso, dever a insolvência ser considerada culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º 1 e n.º 2, als. a), d) e h), do CIRE (tal como requerido pelo Administrador da Insolvência), e ainda das als.) b), e), f) e g) deste mesmo número 2.

1.1.7. O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do art. 188.º, n.º 7, do CIRE, pedindo que: a insolvência de F... - Restauração, Limitada fosse considerada culposa, nos termos do art. 186.º, n.º 1, n.º 2, al. a), d) e h), do CIRE; e que fosse afectada por essa qualificação o seu gerente, AA.
Alegou para o efeito, em síntese, estarem indiciados nos autos (principais e apensos) os factos descritos no parecer do Administrador da Insolvência.

1.1.8. Notificada a Insolvente (F... - Restauração, Limitada) e citado o Requerido (AA), apenas este veio deduzir oposição, pedindo que a insolvência não fosse considerada culposa.
Alegou para o efeito, em síntese, dever-se exclusivamente a mesma à pandemia de Covid-19, que afectou dramaticamente o sector da restauração.
Mais alegou que, tendo de entregar o arrendado à sua senhoria (aqui credora 4..., S.A.), depositou todos os bens da Insolvente (F... – Restauração, Limitada) num outro local, onde se encontrariam à disposição do Administrador da Insolvência, conforme já comunicado ao próprio.
Defendeu, por isso, não se encontrar verificado o condicionalismo previsto no art. 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE.
Por fim, alegou possuir a Insolvente (F... – Restauração, Limitada) contabilidade organizada, tendo sido ela que permitiu ao Administrador da Insolvência conhecer com rigor a sua situação económico-financeira.
Defendeu, por isso, não se encontrar verificado o condicionalismo previsto no art. 186.º, n.º 2, al. h), do CIRE.

1.1.9. A credora 4..., S.A. (anterior senhoria da Insolvente) respondeu, reiterando o seu pedido inicial.
Impugnou, para o efeito, tudo o que fora aduzido em contrário pelo Requerido (AA).

1.1.10. O Administrador de Insolvência veio alterar o seu parecer, pedindo que a insolvência fosse considerada fortuita (requerimento de alteração que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo o gerente (AA) da Insolvente (F... – Restauração, Limitada) entregue já à massa os bens da mesma, ter deixado de existir diminuição e dissipação de património, com consequente prejuízo para a satisfação dos credores; e ter deixado de existir qualquer nexo de causalidade entre o acto inicialmente praticado e a criação ou o agravamento do estado de insolvência [2].

1.1.11. Foi proferido despacho: fixando o valor do incidente em € 30.000,01; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios e designando dia para a audiência final.

1.1.12. Iniciada a audiência de julgamento em 16 de Dezembro de 2022, foi proferido despacho, julgando parcialmente extinto o incidente quanto à dissipação de bens e ordenando-se o seu prosseguimento quanto à não apresentação à insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Considerando o requerimento do Sr. Administrador de Insolvência de 14-10-2022 e a não oposição dos demais intervenientes processuais, julga-se parcialmente extinto, por inutilidade superveniente da lide, o presente incidente quanto ao fundamento relacionado com a dissipação de bens, cfr. teor do referido requerimento.
Subsiste no entanto o fundamento invocado pela credora P..., Lda. do não cumprimento do prazo de apresentação à insolvência (artº 186º, nº 3, al. a) do CIRE).
A fim de esclarecer tal motivo, notifique a Banco 2... para informar qual a data em que foram constituídos os financiamentos que constam da lista de credores com os montantes de 171.418,38€ (contrato nº ...), 24.164,62€ (contrato nº ...) e 20.177,84€ (contrato nº ...).
Mais notifique o AI para juntar a reclamação de créditos da Banco 2....
Em face do mencionado, e por forma a evitar que o seu início se torne inútil, dá-se sem efeito a presente audiência de julgamento.
(…)»
 
1.1.13. A credora Banco 2... prestou o esclarecimento pretendido, nomeadamente informando que: o financiamento relativo ao contrato n.º ... (crédito reclamado de € 20.177,84) foi concedido em 16 de Novembro de 2020; o financiamento relativo ao contrato n.º ... (crédito reclamado de € 24.164,62) foi concedido em 03 de Dezembro de 2020; e o  financiamento relativo ao contrato n.º ... (crédito reclamado de € 171.418,38) foi concedido em 02 de Março de 2022.

1.1.14. Foi proferida sentença, qualificando a insolvência de F... - Restauração, Limitada, como fortuita, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
4. Decisão.
Pelo exposto, qualifica-se como fortuita a insolvência de “F... - Restauração, Lda” absolvendo-se AA.

*
Custas pela massa insolvente (art. 303º do CIRE).
Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com a sentença proferida, a credora P..., Limitada interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a insolvência fosse considerada culposa e afectado pela qualificação AA.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1. A Recorrente apresentou ação especial tendente à declaração de insolvência da sociedade F... – Restauração, Lda. em 11/02/2022;

2. A sociedade F... foi citada e não deduziu oposição;

3. A sociedade F... foi declarada insolvente em 05/05/2022;

4. Na sentença de declaração de insolvência foram considerados confessados todos os factos suscetíveis de confissão;

5. A Recorrente fundamentou a ação especial com pedido de declaração de insolvência, nos factos constantes de processo executivo, com o número ...1..., que corria termos no Juiz ... da Instância de Execução de ...;

6. A Recorrente deu início ao incidente de qualificação de insolvência, não só fundamentado em atuação dolosa para os credores com dissipação de património em benefício de terceiro, mas também suscitando a tempestividade a que a gerência da sociedade F... sempre teria que cumprir;

7. Foi proferida sentença, da qual se recorre, que entendeu qualificar como fortuita a insolvência;

8. Em 12/02/2022 a sociedade F... procedeu à venda de todo o património a sociedade do seu próprio gerente;

9. Os bens vendidos foram recuperados pela Massa Insolvente, apesar da venda;

10. O Tribunal a quo, não tomou em consideração o facto de ter ocorrido a venda de património que lesava os credores da Insolvente e que beneficiava sociedade do gerente da Insolvente;

11. Tal facto não poderá ser descortinado pelo facto de ter ocorrido a recuperação dos bens;

12. Nesse sentido já o Supremo Tribunal de Justiça se havia pronunciado, conforme Acórdão de 15/02/2018 - Processo 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1;

13. Sendo que, tal qual previsão legal na alínea a) do número 2 do artigo 186.º do CIRE, estabelecem-se presunções iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade do comportamento da Insolvente, para a criação ou agravamento da situação de insolvência;

14. Pelo que só por si, a consumação da venda de todo o património sempre teria que determinar a qualificação de insolvência como culposo;

15. A 02/03/2022, já depois de ter sido apresentada a ação especial tendente à declaração de insolvência, a sociedade F... celebrou com a Banco 2... uma renegociação de dois financiamentos, com o valor total de 171.418,38 €;

16. O Tribunal a quo considerou facto assente:
2. Tais contratos representaram uma reestruturação de responsabilidades, sem aumento de qualquer passivo, que se manteve inalterável no que tange ao montante em dívida à credora Banco 2..., beneficiando a insolvente do facto de tal passivo ou dívida titulado pelos contratos pagos, passar a ser uma dívida ou passivo de longo prazo – i.é. passou a ser de 120 meses (Cláusula 3.ª) – titulado por um só contrato.” (negrito e itálico nosso)

17. A celebração de tal contrato ocorreu na pendência de pedido de declaração de insolvência da sociedade F...;

18. Ação essa que veio a reconhecer a situação de insolvência da sociedade F..., nos precisos termos em que havia sido peticionado;

19. No entanto, em todo o caso, a demonstração de restruturação de dívida não poderá por si compreender a demonstração de que não há situação de insolvência naquele momento e que a mesma se verifica em momento anterior, de resto como foi reconhecido com a prolação de sentença de insolvência;

20. Ainda assim e considerando que todos os factos pelos quais foi reconhecida a situação de insolvência (por confissão), são os peticionados e que reconduzem ao processo executivo número ...1..., que corria termos no Juiz ... da Instância de Execução de ...;

21. Processo executivo esse, onde a sociedade F..., em sede de embargos de executada declara expressamente a sua situação de insolvência, isto para justificar o incumprimento;

22. Incumprimento esse que já vinha ocorrendo desde pelo menos 20/03/2021 (cfr. Articulado 6.º e 7.º da petição inicial da ação especial que pediu e viu reconhecida a insolvência da sociedade F...), facto considerado confessado em sentença de declaração de insolvência.

23. Posto que está, mais do que demonstrado, já estavam os factos assentes, relativo à data que determinaria o prazo de 30 dias para a sociedade se apresentar à insolvência, conforme número 1 do artigo 18.º do CIRE;

24. Que nunca se apresentou e teve que ser um credor a requerê-la;

25. Credor esse que já o era desde pelo menos 20/03/2021 (cfr. Articulado 6.º e 7.º da petição inicial reproduzida);

26. Pelo exposto e a acrescer ao reconhecimento de atuação lesiva para os credores em benefício de sociedade do gerente da Insolvente, conforme supra exposto, sempre teria o Tribunal a quo que reconhecer os factos que demonstram a intempestividade da declaração de insolvência relativo ao momento em que era obrigação da gerência em fazê-lo, apresentando-se a juízo;

27. Não tomou, portanto o Tribunal a quo, em consideração a globalidade dos factos sobre os quais já se havia pronunciado e que haviam sido suporte de sentença de declaração de insolvência.
*
1.2.2. Contra-alegações
1.2.2.1. O Requerido (AA) apresentou contra-alegações, pedindo que se julgasse o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
*
1.2.2.2. O Ministério Público apresentou contra-alegações, pedindo que se julgasse o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1 - A factualidade dada como provada na Douta Sentença, encontra-se devidamente fundamentada na prova produzida, a qual foi correctamente apreciada pelo M.mo Juiz.

2 - O despacho judicial constante da Ata da Audiência de Julgamento de 16 de Dezembro de 2022, que julgou parcialmente extinto o Incidente de Qualificação de Insolvência quanto ao fundamento relacionado com a dissipação de bens, não foi objeto de qualquer recurso por parte da credora aqui Recorrente, ou por qualquer outro interveniente processual, pelo que transitou em julgado.

3 - A Recorrente pretendia provar que a insolvente contribuiu de modo grave e culposo para a sua insolvência, agravando-a e aumentando o seu passivo, no entanto, ficou demonstrado que apenas ocorreu uma reestruturação do passivo e não o aumento de qualquer passivo, que se manteve inalterável relativamente ao montante em divida à credora “Banco 2...”, beneficiando apenas a insolvente do facto de tal passivo ou divida titulado pelos contratos pagos, passar a ser uma dívida ou passivo de longo prazo (120 meses – Cláusula 3.ª), titulado por um só contrato.

4 - Nestes termos, a actual Sentença deve ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto.

5 - Nenhuma norma foi violada na Sentença recorrida, não se verificando nenhuma nulidade na mesma.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [3].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [4], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela credora P..., Limitada, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, já que os factos provados são suficientes para preencherem a previsão do art. 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE (tendo a Insolvente violado o seu dever de se apresentar à insolvência), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, considerando-se a insolvência culposa com aquele fundamento e afectado pela qualificação AA) ?
*
2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso
Veio ainda a Recorrente (P..., Limitada) pretender, no seu recurso, que a insolvência de F... - Restauração, Limitada fosse igualmente qualificada como culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º 2, al. a), b), d), e), f) e g), do CIRE.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode essa sua pretensão ser agora acolhida nos autos, por não ter formalmente impugnado aquela que o Tribunal a quo já proferiu em contrário.

Com efeito, lê-se no art. 186.º, n.º 2, do CIRE, que se considera «sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham»: «Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor» (al. a)); «Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas» (al. b)); «Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros» (al. d)); «Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa» (al. e)); «Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto» (al. f)); e «Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência» (al. g)).
Dir-se-á, e conforme foi desde logo feito notar nas contra-alegações de recurso apresentadas nos autos, ter sido previamente proferido despacho (na sequência de requerimento apresentado nesse sentido pelo Administrador da Insolvência) excluindo do âmbito do incidente qualquer qualificação assente nos factos com que agora a Recorrente (P..., Limitada) pretende preencher as alíneas referidas do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE.
Ora, não permitindo o dito despacho recurso de apelação autónoma, teria de ter sido recorrido juntamento com a sentença final que julgou o incidente de qualificação de insolvência (conforme art. 644.º, n.º 1 e n.º 2, estes a contrario, e n.º 3, do CPC, aplicável ex vi do art. 17.º, do CIRE).
Compulsadas, porém, as alegações e conclusões do recurso interposto pela credora P..., Limitada, em parte alguma se encontra a sua formal impugnação daquela outra decisão, muito pelo contrário: afirmou, de forma expressa, que este «recurso visa a Douta sentença de 25 de Janeiro de 2023, sobre o incidente de qualificação de insolvência, que entendeu qualificá-la como fortuita» (bold apócrifo), e não também daquele prévio despacho (que excluiu do âmbito da possível qualificação da insolvência os mesmíssimos factos com que agora pretende alcançar o mesmo objectivo, atentas as diversas alíneas, do n.º 2, do art. 186.º, que invocou para o efeito).
Essa sua omissão permitiu que aquele despacho transitasse em julgado, não podendo mais ser alterado no âmbito dos presentes autos.
Ficaram, assim, definitivamente excluídos do âmbito do presente incidente de qualificação da insolvência os factos que alegadamente preencheriam as als. a) e d), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE (conforme defendido inicialmente nos autos pelo Administrador da Insolvência), bem como as als. b), e), f) e g), dos mesmos número e artigo (conforme defendido - de forma inédita - nas alegações de recurso da credora P..., Limitada).
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de facto do Tribunal a quo
3.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui aditados, nos termos do art. 607.º, n.º 4, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC):

1 - Em 16 de Novembro de 2020, a Banco 2..., S.A. concedeu a F... - Restauração, Limitada um financiamento, por meio do contrato n.º ... (crédito em conta corrente).
 
2 - Em 03 de Dezembro de 2020, a Banco 2..., S.A. concedeu a F... - Restauração, Limitada um financiamento, por meio do contrato n.º ... (Linha de apoio à economia COVID-19/Banco 2...).

3 - Em 11 de Fevereiro de 2022, P..., Limitada, com sede em Rua ..., em ..., intentou um acção especial de insolvência, pedindo que a mesma fosse declarada relativamente a F... - Restauração, Limitada, com sede na Avenida ..., ... esquerdo, em ... (requerimento inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido), alegando nomeadamente:
«(…)
1.º
A Requerente celebrou com a Requerida contrato de trespasse de estabelecimento comercial designado “...”; (Doc....);
2.º
Ficou acordado o preço pelo trespasse o valor de 50.000,00€ (Doc....)
3.º
O preço seria pago da seguinte forma:
- 1.ª prestação no valor de 10.000,00€ em Dezembro de 2017;
- 59 prestações mensais, iguais e sucessivas, de 600,00€ entre Fevereiro de 2018 e Janeiro de 2023;
- 60.ª prestação, no valor de 4.600,00€ em Fevereiro de 2023
4.º
A Requerida procedeu ao pagamento de 10.000€ em Dezembro de 2017, assim como pagou 22 prestações de 600,00€, tudo no valor global de 23.200€;
5.º
O último pagamento ocorreu em 27/07/2020;
6.º
A Requerente, por carta registada, datada de 02/03/2021, notificou a Requerida do incumprimento verificado, referente a prestações vencidas no valor de 9.600€ (respeitantes aos meses de Dezembro de 2019 a Março de 2021), assim como da perda do benefício do prazo quanto ás prestações vincendas, no valor de 17.200€; (Doc....);
7.º
A Requerente requereu o pagamento devido, de 26.800€, no prazo de 15 dias, a contar da receção, que ocorreu a 04/03/2021; (Doc....);
8.º
A Requerida não se pronunciou nem procedeu ao pagamento devido;
9.º
A Requerente, a 09/04/2021 apresentou então requerimento executivo, que originou o processo 2044/21...., Juiz ... do Juízo de Execução ..., onde liquidou em dívida a quantia de 28.146,41€; (Doc....);
10.º
Citada de tal requerimento executivo, apresentou a Requerida embargos de executada; (Doc....);
11.º
No indicado embargo, a Requerida admite a dívida, assim como admite expressamente a situação de insolvência, cf. Artigos 12.º a 16.º dos indicados embargos; (Doc....);
12.º
Aos indicados embargos foi deduzida respetiva contestação, porquanto, a Requerida alegou que por determinação legal, em consequência da pandemia do Covid-19, foi forçada a encerrar atividade, quando na verdade, a Requerida já havia transmitido o estabelecimento a 3.º e até já havia atuado sobre estes, por incumprimento contratual; (Doc....);
13.º
Apesar da Requerida ter admitido a sua situação de insolvência, considerando que não foi prestada qualquer caução, prosseguiram as diligências executivas, que confirmaram a inexistência de qualquer que fosse o património; (Doc.... e Doc....);
14.º
Por fim, verifica-se que a Requerida nem sequer regista qualquer atividade, sendo que no indicado processo executivo houve necessidade de proceder á citação da ali Executada, aqui Requerida, na pessoa do seu gerente e na sua morada;
Concluindo:
15.º
A Requerida deve então de capital a quantia de 26.800,00€, representado pelo título executivo do já indicado processo executivo;
16.º
Ao valor indicado, que é de capital, acrescem os seguintes valores:
- Taxa de justiça paga no processo executivo, de 25,50€;
- Juros de mora: os já liquidados no indicado processo executivo no valor de 1.320,91€, referente ao período de 28/07/2021 a 09/04/2021 á taxa legal comercial em vigor;
- Juros de mora: referente ao período entre 10/04/2021 e esta data, 11/02/2022, á taxa legal comercial em vigor, no valor de 3.459,04€;
- Despesa com Agente de Execução, suportadas até á presente data (11/02/2022) e que se liquidam em 152,49€ (onde se incluem as retenções de IRS pagas);
- Despesas com Mandatário e relativos á cobrança do indicado crédito, no valor de 2.000,00€;
- Taxa de justiça com a apresentação de contestação a embargos, no valor de 306,00€;
17.º
Sem prescindir, de com a conclusão do indicado processo executivo, por impossibilidade de cobrança, serem imputadas á Requerente, ali Exequente, mais custas, mormente com Agente de Execução;
18.º
Sendo, pelo exposto, a Requerida devedora de pelo menos 34.063,94€
19.º
A Requerida não se encontra a laborar, não tendo qualquer rendimento;
20.º
A Requerida não tem património que possa responder por qualquer que seja a dívida, mormente a que tem á Requerente;
21.º
A Requerente não tem forma de saber se existe qualquer dívida junto da Autoridade Tributária e/ou da Segurança Social, porquanto são informações confidenciais;
22.º
A situação de insolvência é evidente, atual e irreversível, sendo certo que tal circunstância já era patente e assumida desde pelo menos Setembro de 2021, quando a própria Requerida o declarou em sede de embargos;
23.º
Sendo bem evidente que a omissão da apresentação á insolvência por parte da própria Requerida desde que regista incumprimento definitivo junto da Requerente, já originou e continua a originar, um crescente prejuízo para a Requerente;
24.º
Sendo tanto mais grave a manutenção de litígio que não seja de insolvência.
(…)»

4 - Em 02 de Março de 2022, a Banco 2..., S.A. concedeu a F... - Restauração, Limitada um financiamento, por meio do contrato n.º ... (Liquidação de responsabilidades do Fundo Europeu de Investimento ...), com o valor total de 171.418,38.

5 - O contrato n.º ... (Liquidação de responsabilidades do Fundo Europeu de Investimento ...), de 02 de Março de 2022, celebrado entre  a Banco 2..., S.A. e F... - Restauração, Limitada, representa uma reestruturação de responsabilidades (renegociação de dois financiamentos), sem aumento de qualquer passivo, que se manteve inalterável no que tange ao montante em dívida à credora Banco 2..., S.A., beneficiando F... - Restauração, Limitada do facto de tal passivo (titulado pelos contratos entretanto pagos) passar a ser uma dívida de longo prazo, isto é, passou a ser de 120 meses (Cláusula 3.ª), e titulada por um só contrato.

6 - Em 18 de Março de 2022, foi citada pessoalmente a Requerida (F... - Restauração, Limitada), para, «no prazo de 10 dias, deduzir oposição, querendo à presente ação de insolvência, ficando advertido(a) de que na falta de oposição consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, podendo a insolvência vir a ser decretada (nºs. 1 e 5 do artº 30º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)»; e a mesma não deduziu qualquer oposição.

7 - Em 05 de Maio de 2022, foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), declarando a insolvência da Requerida (F... - Restauração, Limitada), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Face à não oposição por parte da requerida, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, susceptíveis de confissão (Artigo 30.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
*
(…)
O artigo 23º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece a forma e o conteúdo da petição inicial, referindo que terá de ser reduzida a escrito e de conter a exposição dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência requerida, bem como a formulação do correspondente pedido.
E, quando o requerimento do pedido de declaração de insolvência não provenha do próprio devedor impõe a lei (Cfr. Artigo 25º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) que o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor. Deve, além do mais, oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas (Cfr. Artigo 25.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Por sua vez, dispõe o artigo 30.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se “…o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de algumas das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º”.
Com efeito, a falta de oposição não tem efeito cominatório pleno, cabendo ao juiz proceder à apreciação dos factos que se consideram confessados e, se estes integrarem qualquer das hipóteses normativas previstas nas alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 20.º, a insolvência não pode deixar de ser decretada.
Dos factos referidos, conclui-se que, para além de estar em causa créditos de valor elevado, a requerida incumpriu uma obrigação que, pelas circunstâncias do incumprimento, considerando o valor em referência, a data do vencimento e a natureza do crédito, revelam a impossibilidade da mesmo satisfazer pontualmente as suas obrigações, uma vez que, já não labora, não dispõe de património, não provando ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo, não se afigurando existirem elementos que permitam supor que o venha a ter, não tendo contestado o pedido formulado nos presente autos. Então, verificam-se os pressupostos estabelecidos nos artigos 3.º e 20.º, n.º 1 alínea a), b) e g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Pelo exposto, ficou demonstrada a situação de insolvência da requerida pelo que, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, 20.º, n.º 1 alíneas a), b) e g) e 30.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, terá que ser declarada a sua insolvência.
*
DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, declaro a insolvência da requerida F... - Restauração, Lda., contribuinte ..., com sede social na Avenida ..., ... esquerdo, Freguesia ..., Concelho ..., código postal 4815-47....
(…)»
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Incidente de qualificação da insolvência - Indícios da insolvência culposa
4.1.1. Propósito

Lê-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março (que aprovou o CIRE), que um «objectivo da reforma introduzida pelo presente diploma reside na obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresas e dos administradores de pessoas colectivas. É essa a finalidade do novo “incidente de qualificação da insolvência”».
Reconhece-se, a propósito, que as «finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o próprio propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações», já que a «coberto do expediente técnico da personalidade jurídica colectiva, seria possível praticar incolumemente os mais variados actos prejudiciais para os credores».
O incidente destina-se, assim, «a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajoso para a empresa» (com bold apócrifo).
*
4.1.2. Cláusula geral aberta (art. 186.º, n.º 1, do CIRE)
Compreende-se, assim, que se leia no art. 186.º, n.º 1, do CIRE, que a «insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência».
Consagra-se aqui uma «cláusula geral aberta» (Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 508, com bold apócrifo); e a mesma, exige, «para a qualificação da insolvência como culposa, não apenas uma conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores mas também um nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência, consistente na contribuição desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2011, págs. 283-4, com bold apócrifo).
Logo, surgem como requisitos cumulativos da qualificação de uma insolvência como culposa: (i) o facto inerente à actuação, por acção ou por omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; (ii) a ilicitude desse comportamento; (iii) a culpa qualificada do seu autor (dolo ou culpa grave - cujas noções respectivas serão dadas pelo direito em geral -, estando assim excluída a culpa simples); (iv) e o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
*
4.1.3. Factos-Índices (art. 186.º, n.º 2 e n.º 3, do CIRE)
Contudo, o legislador não deixou de reconhecer que o apuramento do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e a criação ou o agravamento da situação de insolvência (de que depende a sua qualificação como culposa), se revelar muitas vezes extraordinariamente difícil.
Assim, e como forma auxiliar de determinação de uma insolvência culposa, a lei entendeu por bem estabelecer um conjunto tipificado (e taxativo) de factos-índices da mesma (reportados a factos/situações tidos como graves), fazendo-o nos números seguintes do artigo 186.º em causa, embora com diferente natureza.

Com efeito:

· n.º 2 (do art. 186.º, do CIRE) - da verificação dos factos-índices nele estabelecidos, resultará inilidivelmente o carácter culposo da insolvência, isto é, não só se prescinde de um juízo de culpa (presumida normativamente), como se torna desnecessário demonstrar a existência do nexo de causalidade entre a conduta culposa e a sua adequação para a criação ou para o agravamento da insolvência.
Nas suas diversas hipóteses desdobram-se «um conjunto de adstrições que pacificamente se aceitará estarem incluídas, quer entre os deveres emergentes da relação (fiduciária de administração) que une o administrador à sociedade, quer de outras relações especiais que aquele tenha encetado com os demais sujeitos (sócios, credores, trabalhadores) por via da sua qualidade de administrador» (Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos administradores na insolvência», ROA, Ano 66, Setembro de 2006, Volume II, pág. 692 e segs.);

· n.º 3 (do art. 186.º, do CIRE) - da verificação dos factos-índices nele estabelecidos, resultará apenas uma mera presunção ilidível de violação, com culpa grave, de obrigações impostas aos administradores do insolvente, a exigir depois a subsequente prova do nexo de causalidade entre aquele seu comportamento e a criação, ou o agravamento, da situação de insolvência.

Com efeito, lia-se singelamente na redacção inicial do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, que se presumia a existência de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, do devedor que não fosse uma pessoa singular que tivessem incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência, ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
O exposto permitiu que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, se dividissem entre aqueles que viam nos factos-índices estabelecidos neste n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, apenas uma presunção ilidível de culpa grave do administrador [5], e aqueles outros que, além daquela presunção, defendiam estar igualmente ali consagrada uma outra, relativa ao nexo de causalidade exigido pelo n.º 1 do mesmo preceito [6].
A Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que conferiu nova redacção ao n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, veio, porém, por fim a esta polémica, consagrando expressamente o primeiro entendimento referido. Com efeito, lê-se hoje no dito preceito que se presume unicamente a existência de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular que tenha incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência, ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

Dir-se-á, assim, que «o preenchimento de qualquer das situações ou factos-índice previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa, pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa. O que dimana do advérbio “sempre”.
Por isso que seja mais correcto afirmar-se em nosso entender, que nas situações a que se faz referência no art.º 186º, nº2, do CIRE, mais do que uma presunção legal, se verifica o que Batista Machado define – “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109 – como “ficções legais”, pois que, o que o legislador extrai a partir do facto base, não é um outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do art.º 186º do CIRE» (Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1, com bold apócrifo) [7].
Provada, assim, qualquer uma das situações enunciadas nas diversas alíneas deste n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento.

De forma diferente sucederá no caso do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, em que, estão «em causa deveres (…) de carácter formal», sem prejuízo de permitirem, «presuntivamente, a ser cumpridos, a detecção mais precoce da situação real da empresa, de insolvência ou de risco de insolvência»; e, por isso, o «seu incumprimento é, assim, razoavelmente indiciador de, no mínimo, um grave desleixo na actuação gestionária, levando a admitir (mas com carácter de presunção juris tantum, rebatível por prova em contrário) estar preenchido o requisito de culpa grave, forma de culpa qualificada, exigível, em alternativa ao dolo, tanto pela lei de autorização (n.º 6 do artigo 2.º), como pelo CIRE (artigo 186.º, n.º 1)» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/2007, de 13.11.2007, Joaquim de Sousa Ribeiro, com bold apócrifo).
Contudo, e agora de forma expressa, «a existência de culpa do administrador decorrente da respectiva conduta, não basta para, por si só e sem mais, qualificar a insolvência como culposa», tendo-se depois que «articular o preceito com o que resulta do n.º 1, isto é, impõe-se ainda exigir, para qualificar de culposa a insolvência, a prova de que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada pela referida conduta culposa do(s) administrador(es)», que tenha existido um nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência (Ac. da RL, de 09.11.2010, Graça Amaral, Processo n.º 168/07.5TBLNH-D.L1-7, com bold apócrifo).

Na concretização de tais factos-índices (quer do n.º 2, quer do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE), ter-se-á, naturalmente, que atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, exigindo-se aqui uma ponderação casuística, temporalmente balizada pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
«A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados»; e por meio dos quais se conclua «que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, podiam ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente» (Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo nº 1255/12.3TBBGC-G.G1, com bold apócrifo).
Importa, porém, reconhecer a este propósito que, «genericamente, a lei mostrou-se muito sensível à actividade em proveito pessoal ou, em todo o caso, à conduta dos Administradores que não se orientou pela prossecução do interesse social e representa um desvio no exercício dos respectivos poderes, particularmente se essa conduta for desfavorável à empresa».
Contudo, importa igualmente salientar que tudo deverá ser interpretado «com ponderação, de modo a alcançar um efeito responsabilizante equilibrado que, sem deixar de dissuadir condutas manifestamente injustificáveis dos administradores e de ordenar a reparação dos prejuízos por elas causadas, respeite, por outro lado, a autonomia decisória que têm de ter e o cenário de risco em que muitas vezes a actividade de administração se processa e se tem de desejar possa desenvolver-se (sem risco de responsabilidade)» (Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos Administradores na Insolvência», R.O.A., Ano 66, Setembro de 2006, Vol. II, p. 696 e 698, com bold apócrifo).

A insolvência fortuita é definida por exclusão, isto é, serão todas aquelas que não sejam culposas.
*
4.1.4. Concreta presunção ilidível de insolvência culposa -  Art. 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE
Lê-se no art. 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE, que presume-se «unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência».
Mais se lê, a propósito, no art. 18.º, n.º 1, do CIRE, que o «devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la».
A dita situação de insolvência é feita coincidir legalmente com a situação em que «o devedor (…) se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas» (art. 3.º, n.º 1, do CIRE).

Recorda-se que se lê no Preâmbulo do CIRE (sempre com bold apócrifo) que uma «das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência residiu no seu tardio início, seja porque o devedor não era suficientemente penalizado pela não atempada apresentação seja porque os credores são negligentes no requerimento e providências de recuperação ou de declaração de falência, por falta dos convenientes estímulos».
Reconhecendo-se que uma «lei da insolvência é tanto melhor quanto mais contribuir para maximizar ex post o valor do património do devedor sem por essa via constitui ex ante um estímulo para um comportamento negligente», e com «o intuído de promover o cumprimento do dever de apresentação à insolvência, que obriga o devedor pessoa colectiva (…) a requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 [depois reduzidos para os actuais 30] dias seguintes à data em que teve, ou devesse ter, conhecimento da situação de insolvência, estabelece-se a presunção de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, responsáveis pelo incumprimento daquele dever, para efeitos da qualificação desta como culposa». 
Logo, o que está em causa com a consagração deste dever de apresentação oportuna à insolvência é, sobretudo, a protecção dos credores contra o risco da diminuição do património social, que perpassa ainda no interesse geral de afastar da vida económica aqueles que não estejam em condições de nela participarem sem porem em risco (precisamente pela sua insolvência) a normalidade que para ela se pretende.
Com efeito, o «tráfego jurídico exige a pontualidade de pagamentos, porque cada operador económico, ao mesmo tempo que tem os seus devedores, tem por outro lado os seus credores, de modo que a impontualidade dos seus devedores pode obrigá-lo à impontualidade para com os seus credores, e este efeito reflecte-se na actividade económica, trazendo as mais graves e perversas consequências. A regularidade da vida económica e a salvaguarda das regras de concorrência inerentes e indispensáveis ao funcionamento de uma economia de mercado reclama que cada operador económico cumpra, com pontualidade, os seus compromissos; quando isso não suceda, ocorre uma lesão do tecido económico que deve ser reparada, extirpando-se dele, através da declaração de insolvência, o devedor comprovadamente relapso e promovendo-se liquidação total do seu património em benefício de todos os seus credores. A insolvência tem também, na verdade, por finalidade expurgar do mercado as empresas, económica ou financeiramente, inviáveis» (Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo nº 1255/12.3TBBGC-G.G1, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que a «prática do velho lema “deixa andar”, tão próprio de uma geração de “empresários” mais preocupados com o seu próprio património do que com a saúde económico-financeira da empresa e com o dever de honrar os compromissos assumidos», tenha «de ser devidamente sancionado pelos tribunais, tal como foi expressa intenção do legislador, corporizada, também, nas duas alíneas do n.º 3 do art. 186º» (Ac. da RP, de 15.07.2009, Henrique Araújo, Processo nº 725/06.7TYVNG-C.P1, com bold apócrifo).
Contudo, e sem prejuízo do afirmado, importa que se distingam perfeitamente as situações em que a manutenção irrestrita de uma situação de insolvência de facto é um mero compasso de espera destinado a permitir a salvaguarda de benefícios indevidos de terceiros, daquelas outras em que se pode ainda justificar a expectativa de recuperação da insolvente.
Com efeito, se é normal que uma empresa que não cria riqueza para assegurar o pagamento das responsabilidades naturais ao seu giro tenderá a acumular novas dívidas, «essa não é uma verdade universal (não é, seguramente, um facto notório)», já que «há muitos e bons exemplos de empresas que, parecendo condenadas ao fracasso, ressurgiram por obra das mais variadas circunstâncias» (Ac. da RC, de 23.06.2009, Gonçalves Ferreira, Processo nº 273/07.8TBOHP – C.C1). Entre elas encontrar-se-á o carácter dinâmico que qualquer negócio sempre comporta, a sua necessária indexação aos cenários macro-económicos em que se insere (tal como os seus fornecedores e clientes), a efectiva cobrança de créditos próprios possibilitada pelo desconhecimento de uma situação de insolvência de facto temporária, e o crédito de que a sociedade ainda beneficie (quer junto da Banca, quer dos próprios sócios, como tal - e em derradeira análise - se qualificando os respectivos suprimentos).
Logo, e ainda que se venha, de facto, a confirmar o seu definitivo insucesso, tal poderá não implicar um automático juízo de culpa grave sobre o respectivo administrador.

Reitera-se, porém, que o que resulta do art. 186.º, n.º 3, do CIRE, e actualmente de forma expressa, «é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus [da insolvente] administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do art. 186º, nº 1, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2011, p. 285).
Precisa-se, ainda, que se entende habitualmente por «culpa grave» «a situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria susceptível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma. Ou seja, a que consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio adoptam», apresentando-se «assim como uma situação de negligência grosseira, “nimia” ou “magnata negligentia”» (Ac. da RG, de 06.03.2012, Eduardo Oliveira Azevedo, Processo nº 9041/07.6TBBRG-AB.G1).
O administrador inadimplente poderá, deste modo, não só ilidir a presunção de culpa grave na não adopção do comportamento a que estava obrigado (v.g. oportuna apresentação à insolvência), mediante prova em contrário, nos termos do n.º 2, do art. 350.º, do CC, como poderá demonstrar que aquela omissão em nada contribuiu para criar ou agravar a situação de insolvência [8].
Contudo, no apuramento deste nexo de causalidade - entre a conduta do devedor ou dos seus administradores e a criação ou o agravamento da situação de insolvência -, entende-se habitualmente que não é suficiente o mero decurso da passagem do tempo (v.g. nomeadamente, pelo singelo vencimento de juros e, desse modo, do avolumar das prévias dívidas de capital).
*
4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Falta de oportuna apresentação à insolvência
Concretizando, verifica-se que, tendo P..., Limitada vindo requerer a insolvência de F... - Restauração, Limitada, alegou que em Setembro de 2021 a mesma lhe devia, por conta de um trespasse incumprido, cerca de € 28.146,41, já na altura judicialmente incobráveis, por a mesma não possuir qualquer actividade, e não possuir quaisquer bens ou rendimentos penhoráveis.
Mais alegou que, sendo já então evidente, real e irreversível a sua situação de insolvência, à data em que requereu o reconhecimento judicial da mesma ascendia o seu crédito a, pelo menos, € 34.063,94, mantendo-se as referidas inactividade e inexistência de património ou rendimentos.
Por fim, verifica-se que, citada F... - Restauração, Limitada, com a legal advertência, a mesma não deduziu oposição, sendo por isso proferida sentença, onde se tiveram por confessados os factos alegados pela Credora requerente (P..., Limitada), se considerou que os mesmos demonstravam a sua situação de insolvência e se declarou a mesma.
Ora, lê-se expressamente na sentença falimentar «que, para além de estar em causa créditos de valor elevado, a requerida incumpriu uma obrigação que, pelas circunstâncias do incumprimento, considerando o valor em referência, a data do vencimento e a natureza do crédito, revelam a impossibilidade da mesmo satisfazer pontualmente as suas obrigações, uma vez que, já não labora, não dispõe de património, não provando ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo, não se afigurando existirem elementos que permitam supor que o venha a ter, não tendo contestado o pedido formulado nos presente autos».

Dir-se-á, assim, que, estando F... - Restauração, Limitada em situação de insolvência desde, pelo menos, Setembro de 2021, facto do necessário conhecimento do seu Gerente (AA), não se apresentou à mesma, incumprindo o dever que lhe estava cometido de o fazer dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento que teve daquela situação (arts. 3.º, n.º 1, 18.º, n.º 1 e 19.º, todos do CIRE).
*
4.2.2. Culpa grave (presumida) na não apresentação à insolvência
Dir-se-á ainda que, para além da ilicitude deste comportamento (de não apresentação oportuna à insolvência), a lei presume a culpa grave na respectiva adopção por parte do dito Gerente (art. 186.º, n.º 3, al. a), do CIRE) - tendo o seu autor conhecimento daquela obrigação e de que omitia o respectivo cumprimento -, por isso a tendo como censurável.
Ora, no caso dos autos, o Requerido (AA) não procurou ilidir esta presunção de culpa grave (e a censurabilidade que lhe está associada), tendo antes negado que a insolvência já se verificasse em Setembro de 2021, o que a sentença falimentar proferida (com a confissão ficta dos factos alegados em que assentou) infirmou definitivamente nos autos.

Dir-se-á ainda que, qualquer expectativa do Requerido (AA), assente numa hipotética e futura retoma da actividade de restauração, finda a pandemia de COVID 19, estaria sempre dependente de um facto futuro e incerto, não controlável por ele: a efectiva retoma económica do país em geral e do sector da restauração em particular.
Ora, não «esquecendo os objectivos (também moralizadores) do Código da Insolvência (ver o preâmbulo da lei), neste particular importará assinalar que o gestor médio deve considerar que há um momento para parar, na defesa dos credores, não prosseguindo uma exploração deficitária, até ficar sem nada para apresentar aos credores»: se «a empresa já não é rentável, os seus gerentes não devem acenar com alguma coisa sua e a sua responsabilização pessoal (e que, afinal, é nada), para esconder aquele facto e prosseguir no défice» (Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria da Purificação Carvalho, Processo nº 2127/12.7TBGMR-D.G1, com bold apócrifo).
Enfatiza-se, a propósito, que a «insolvência de uma sociedade é, como todos sabem, susceptível de ocasionar danos diversos, que atingem sócios, credores e trabalhadores. São de facto afectados múltiplos interesses. Os credores, por exemplo, não conseguem amiúde cobrar os seus créditos, pelo menos na íntegra, os sócios são confrontados com a dissolução da sociedade e a liquidação do respectivo património, vendo esfumar-se o valor das suas participações sociais, os trabalhadores perdem, em consequência da extinção da empresa, os seus postos de trabalho e, com eles, o meio de sustento próprio e das suas famílias» (Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos Administradores na Insolvência», R.O.A., Ano 66, Setembro de 2006, Vol. II, in https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/doutrina/manuel-a-carneiro-da-frada-a-responsabilidade-dos-administradores-na-insolvencia/, com bold apócrifo).

Reitera-se, por isso, que nada foi idoneamente alegado nos autos, ou se provou, que permitisse ilidir a presumida culpa grave do Requerido (AA) na não apresentação à insolvência da Sociedade (F... - Restauração, Limitada) por si gerida.
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4.2.3. Nexo de causalidade entre a não apresentação à insolvência com culpa grave por parte do gerente e o agravamento da situação da insolvência da sociedade por si gerida 
Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que a credora Requerente (P..., Limitada) alegou nos autos que a não apresentação de F... - Restauração, Limitada agravou a situação de insolvência em que se encontrava desde Setembro de 2021, uma vez que, em 02 de Março de 2022 (já depois dela própria a ter requerido, no mês anterior) contraiu um novo crédito, de cerca de € 171.000,00, junto da Banco 2..., S.A..
Ora, se são «essencialmente os prejuízos derivados para os credores da diminuição do património resultante da não apresentação (atempada) à insolvência e, portanto, da diminuição daquela quota na massa da insolvência que a cada credor caberia se o dever tivesse sido cumprido», a que a lei pretende aqui obstar, certo é que o aumento do passivo não poderá deixar de ser igualmente ponderado (Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos Administradores na Insolvência», R.O.A., Ano 66, Setembro de 2006, Vol. II, in https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/doutrina/manuel-a-carneiro-da-frada-a-responsabilidade-dos-administradores-na-insolvencia/ ).

Contudo, e tal como já referido supra, tendo quaisquer factos relativos a uma eventual diminuição do património da Insolvente (F... - Restauração, Limitada) ficado definitivamente excluídos do âmbito deste incidente de qualificação da insolvência, certo é igualmente que o Requerido (AA) logrou demonstrar que o financiamento de 02 de Março de 2022 não aumentou o passivo da Sociedade, tendo apenas consubstanciado uma reestruturação do mesmo.
Ficou, deste modo, por demonstrar nos autos o nexo de causalidade entre a actuação culposa do Requerido (AA) - na não apresentação da Sociedade (F... - Restauração, Limitada) por si gerida à insolvência -, e o agravamento da situação de insolvência respectiva; e tanto basta para a improcedência do incidente de qualificação em causa (tal como decidira o Tribunal a quo).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso interposto pela credora P..., Limitada.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela credora P..., Limitada e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida, que qualificou como fortuita a insolvência de F... - Restauração, Limitada.
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Custas da apelação pela Recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 11 de Maio de 2023.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE -, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março.
[2] Lê-se, nomeadamente, no seu requerimento:
«(…)
2. Acontece que gerente da devedora procedeu à entrega dos referidos bens à massa insolvente.
3. Com a entrega voluntária, foi elaborado o respetivo auto de apreensão, encontrando-se já proposta, no respetivo apenso, a determinação da modalidade da venda.
4. Com a entrega dos bens e a sua consequente liquidação, a massa fica devidamente ressarcida, deixando de existir qualquer nexo de causalidade entre o acto praticado e a criação ou o agravamento do estado de insolvência.
5. Igualmente deixará de ter relevância, por deixar de existir neste particular, a diminuição e dissipação do património e consequente prejuízo na satisfação dos credores da insolvência.
6. Em face do exposto, justifica-se que o administrador da insolvência altere o sentido do seu parecer, para fortuito.
(…)»
[3] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[4] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[5] Neste primeiro sentido (considerando que os factos-índices estabelecidos no n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, constituíam apenas presunção ilidível de culpa grave do administrador, a exigir depois a prova do nexo de causalidade exigido pelo n.º 1 do mesmo preceito), e na doutrina: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, Lisboa, 2015, págs. 680-682; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 8.ª edição, Almedina, 2015, págs. 215-6, e Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, págs. 284-5; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, págs. 416, 422 e 423; e, tanto quanto nos apercebemos, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, 2016, págs. 129.
Na jurisprudência: Ac. da RG, de 14.06.2006, Manso Raínho, CJ, Ano XXXI, Tomo III, págs. 288-290; Ac. da RG, de 11.01.2007, Conceição Bucho, Processo n.º 1954/06-2; Ac. da RL, de 22.01.2008, Graça Amaral, Processo n.º 10141/2007-7; Ac. da RG, de 12.03.2009, Manso Raínho, Processo n.º 1621/07.6TBBCL-B.G1; Ac. da RC, de 23.06.2009, Gonçalves Ferreira, Processo n.º 273/07.8TBOHP – C.C1, Ac. da RP, de 15.07.2009, Henrique Araújo, Processo n.º 725/06.7TYVNG-C.P1; Ac. da RP, de 20.10.2009, Guerra Banha, Processo n.º 578/06.5TYVNG-A,.P1; Ac. da RP, de 26.11.2009, Filipe Caroço, Processo n.º 138/09.9TBVCD-M.P1; Ac. da RL, de 09.11.2010, Graça Amaral, Processo nº 168/07.5TBLNH-D.L1-7; Ac. da RP, de 25.11.2010, Pinto de Almeida, Processo n.º 814/08.3TBVFR-F.P1; Ac. da RC, de 08.02.2011, Beça Pereira, Processo n.º 1543/06.8TBPMS-O.C1; Ac. do STJ, de 06.10.2011, Serra Baptista, Processo n.º 46/07.8TBSVC-0.L1.S1; Ac. da RG, de 12.07.2011, Conceição Bucho, Processo n.º 503/10.9TBPTL-H.G1; Ac. da RG, de 06.03.2012, Eduardo Oliveira Azevedo, Processo n.º 9041/07.6TBBRG-AB.G1; Ac. da RL, de 26.04.2012, Esaguy Martins, Processo n.º 2160/10.3TJLSB-B.L1-2; Ac. da RL, de 18.04.2013, Jorge Leal, Processo n.º 1027/10.0TYLSB-A.L1-2; Ac. da RC, de 28.05.2013, Moreira do Carmo, Processo n.º 102/12.0TBFAG-B.C1; Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1; Ac. da RP, de 21.02.2014, Leonel Serôdio, Processo n.º 1595/10.6TBAMT-A.P2; Ac. da RE, de 08.05.2014, Paulo Amaral, Processo n.º 65/11.0TBPSR-B.E1; Ac. da RE, de 08.05.2014, Francisco Xavier, Processo n.º 915/11.0TBENT-I.E1; Ac. da RG, de 05.06.2014, Estelita de Mendonça, Processo n.º 1243/12.80TBGMR-D.G1; Ac. da RP, de 13.01.2015, Anabela Dias da Silva, Processo n.º 376/12.7TYVNG-A.P1; Ac. da RG, de 30.04.2015, Maria Luísa Ramos, Processo n.º 3129/12.9TBBCL-C.G1; Ac. da RE, de 07.01.2016, Elisabete Valente, Processo n.º 583/13.5TBABR-B.E1; Ac. da RG, de 25.02.2016, Cristina Cerdeira, Processo n.º 1857/14.3TBGMR-DG1; Ac. da RP, de 07.07.2016, Carlos Querido, Processo n.º 353/09.5TYVNG-E.P1; Ac. da RP, de 07.12.2016, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 262/15.9T8AMT-D.P1; Ac. da RG, de 01.06.2017, João Peres Coelho, Processo n.º  280/14.4TBPVL-E.G1; Ac. da RG, de 01.06.2017, Maria João Matos, Processo n.º 1617/16.7T8GMR-B.G1; Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo n.º 1255/12.3TBBGC-G.G1; Ac. da RC, de 12.07.2017, Falcão de Magalhães, Processo n.º 370/14.3TJCBR-A.C1; Ac. da RG, de 04.09.2017, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 7165/15.5T8VNF-A.G1; Ac. da RE, de 23.11.2017, Vítor Sequinho, Processo n.º 926/14.4TBTNV-B.E1; Ac. da RG, de 01.02.2018, Maria João Matos, Processo n.º 5091/16.0T8VNF-B.G1 (com detalhada dilucidação das razões pelas quais se optava pelo entendimento dominante na jurisprudência); Ac. da RG, de 31.01.2019, Joaquim Boavida, Processo n.º 3478/16.7T8VNF-D.G1; Ac. da RP, de 21.02.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1733/15.2T8STS-B.P1; Ac. da RG, de 02.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 665/14.6TBEPS-E.G2; Ac. da RL, de 11.06.2019, Maria do Rosário Gonçalves, Processo n.º 2278/17.1T8BRR-B.L1-1; Ac. da RP, de 07.05.2019, Rodrigues Pires, Processo n.º 521/18.9T8AMT-C.P1; Ac. da RG, de 19.09.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 4778/15.9T8VNF-B.G1; ou Ac. do STJ, de 29.10.2019, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 434/14.3T8VFX-C.L1.S1.
[6] Neste segundo sentido (considerando que os factos-índices estabelecidos no n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, constituem igualmente presunção ilidível, não apenas de culpa grave do administrador, mas também do nexo de causalidade exigido pelo n.º 1 do mesmo preceito), na doutrina: Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução, 4.ª edição, Almedina, pág. 122, «Decoctor ergo fraudator ? A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções)», Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março 2008, pág. 69, e Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 301-303; Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos administradores na insolvência», ROA, Ano 66, Setembro de 2006, Volume II, pág. 692; Cassiano Santos, Direito Comercial, Volume I, págs. 241 e seguintes; e Pinto de Oliveira, «A responsabilidade dos administradores pela insolvência culposa», I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, 2015, pág. 207.
Na jurisprudência: Ac. da RP, de 22.05.2007, Mário Cruz, Processo n.º 0722442; Ac. da RP, de 24.09.2007, Sousa Lameira, Processo n.º 0753853; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/2007, de 13.11.2007, Joaquim de Sousa Ribeiro (in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070564.html); Ac. da RP, de 05.02.2009, Luís Espírito Santo, Processo n.º 0837835; Ac. da RC, de 22.05.2012, Barateiro Martins, Processo n.º 1053/10.9TJCBR-K; Ac. da RG, de 21.01.2016, Miguel Baldaia Morais, Processo n.º 442/13.1TBVLN-C.G1; Ac. da RG, de 11.05.2017, Francisca Micaela da Mota Vieira, Processo n.º 1775/15.8T8VNF-A.G1; Ac. da RP, de 23.04.2018, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 523/15.7T8AMT-A.P1; Ac. do STJ, de 23.10.2018, Catarina Serra, Processo n.º 8074/16.6T8CBR-D.C1.S2; Ac. da RP, de 03.06.2019, Jorge Seabra, Processo n.º 607/13.6TYVNG-E.P1; Ac. da RG, de 24.07.2019, Conceição Sampaio, Processo n.º 8502/17.3T8VNG-A.G1; Ac. da RE, de 26.09.2019, Mário Silva, Processo n.º 1966/09.TBFAR.LE1; Ac. da RP, de 09.03.2020, Vieira e Cunha, Processo n.º 1116/13.9TYVNG-B.P1; Ac. da RC, de 07.09.2020, Arlindo Oliveira, Processo n.º 4366/11.9TBLRA-D.C1; ou Ac. da RC, de 06.10.2020, Maria João Areias, Processo n.º 3422/19.0T8VIS-B.C1.
[7] No mesmo sentido, mas apenas para as als. h) e i), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 301, onde se lê que, se «as als. a) a g) do n.º 2 do art. 186.º correspondem indiscutivelmente a presunções (absolutas) de insolvência culposa, as als. h) e i) do n.º 2 do art. 186.º mais parecem ficções legais - dado que a factualidade descrita não é de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade entre o facto e a insolvência, que é, a par da culpa (dolo ou culpa grave), o requisito fundamental da insolvência culposa, segundo a cláusula geral do n.º 1 do art. 186.º».
[8] Neste sentido:
. Ac. da RG, de 14.06.2006, Manso Raínho, CJ, Ano XXXI, Tomo III, págs. 288-290 (com bold apócrifo), onde se lê que não se pode concluir «pela culpa grave» quando se mostra que a insolvência resultou «de factores económicos alheios à vontade dos responsáveis», e que a empresa deixou de ter actividade «por motivo da paralisação forçada dos trabalhos em resultado da falência da empresa com quem mantinha um contrato de empreitada (…), sendo que foi em decorrência do incumprimento do contrato de empreitada por parte desta falida que a sociedade (…) se viu impossibilitada, por arrastamento, de cumprir as suas obrigações de natureza financeira e fiscal, levando-a a uma completa ruptura da sua capacidade económica e financeira».
. Ac. da RP, de 24.09.2007, Sousa Lameira, Processo n.º 0753853 (com bold apócrifo), onde se lê que a «insolvente encontra-se insolvente por razões externas e independentes da sua vontade, por razões – de mercado – que ela não podia controlar», já que, «trabalhando exclusivamente para» um único cliente «desde 2003 se viu em Setembro de 2004 e de um momento para o outro e sem que nada o fizesse prever, com as encomendas canceladas» por ele, «devido à deslocalização de produções», sendo que «ainda tentou assegurar encomendas de outros agentes, mas não foi possível conseguir a angariação de encomendas que permitissem honrar os compromissos assumidos».
. Ac. da RG, de 12.03.2009, Manso Raínho, Processo n.º 1621/07.6TBBCL-B.G1, onde se lê que  não «se pode concluir pela culpa grave quando se mostra que a insolvência resultou de factores económicos alheios à vontade dos responsáveis», tendo-se nomeadamente «por ilidida a presunção de culpa grave» quando se tenha provado «que a insolvente, que se dedicava à confecção têxtil a feitio, estava totalmente dependente de firmas de maior calibre, suas clientes, tendo começado a enfrentar dificuldades pois, para além das dificuldades do sector, clientes de referência decidiram abandonar o mercado, ora porque fecharam, ora porque se decidiram pela importação de produtos cujo preço era inferior mas de qualidade semelhante».