DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
USO DE PODER DISCRICIONÁRIO
CONTRATO DE MANDATO
ALOJAMENTO HOTELEIRO
EMISSÃO DE VOUCHERS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - A de decisão do juiz de, nas acções de processo comum de valor não superior a metade da alçada da Relação, finda a fase dos articulados, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato e ao fim do processo, não convocar a audiência prévia, identificar o objecto do litigio e enunciar os temas da prova é tomada no uso de um poder discricionário, sendo irrecorrível, desde que se verifique, no caso, o fundamento do se exercício e o juiz tenha optado por uma das alternativas que a lei lhe concede;

II- Se uma empresa emite vouchers para alojamento hoteleiro invocando, expressamente, que o prestador daquele serviço não é ele, mas o detentor do estabelecimento hoteleiro, deve assentar-se que a emissão daqueles vouchers ocorreu na execução de um contrato de mandato – e de mandato representativo – concluído entre o prestador do serviço e o emissor dos vouchers;

III - Age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio, o prestador do serviço que, depois de confirmar as reservas de alojamento relativas a dois vouchers, envia o terceiro para pagamento ao seu emissor e negoceia com ele o pagamento, recusa ao portador dos vouchers – a quem anteriormente já tinha prestado o serviço de alojamento com base em vouchers emitidos pela mesma empresa – a prestação desse mesmo serviço;

IV - A violação dos deveres de prestação pelo devedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual, são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais do credor, podendo o lesado escolher um dos títulos de aquisição da prestação concorrentes;

V- A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não se limita ao perímetro da responsabilidade extracontratual ou ex-aquilia, estendendo-se à responsabilidade contratual;

-Decisivo, em qualquer caso, para se sustentar a reparação, no contexto de uma responsabilidade contratual, do dano não patrimonial é a gravidade desse dano, visto que é ela e só ela que, em último termo, justifica a tutela do direito.

Texto Integral


Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunta: Cristina Neves
2ª Adjunta: Teresa Albuquerque


Apelações em processo comum e especial (2013)
Proc. n.° 1560/20.5T8CLD.C1
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
AA propôs, no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra H..., SA, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da última a pagar-lhe a quantia de € 5 051,31, sendo € 2 051,31 referentes a danos patrimoniais, e € 3 000,00, relativos a danos não patrimoniais.
Fundamentou esta pretensão no facto de ter adquirido no dia 5 de Janeiro de 2017, no e-bay através da empresa C..., sedeada na Alemanha, parceira comercial da ré, 3 vouchers, emitidos por aquela, com os n.°s ...09, ...65 e ...12, para reservas de quartos no Hotel ..., explorado pela ré, tendo pago o valor contratualizado de € 1 400,48, de a ré ter confirmado a reserva relativa aos dois primeiros vouchers, de, no dia 23 de Agosto de 2017 ter solicitado a reserva com o último daqueles vouchers, mas esta ter respondido que não estava autorizada a aceitar os vouchers e, no dia 7 de Setembro, informado que estava em negociações com a C... para que esta regularizasse as contas, mas que esta não lhe efectuou qualquer pagamento, motivo pelo qual deixou de considerar válidos os vouchers, sugerindo que fizesse a reserva directamente, mantendo o preço e as condições acordadas com a C..., não aceitando as reservas feitas através dos vouchers se não voltasse a efectuar o pagamento, e de ter adquirido bilhetes de avião, não reembolsáveis, no valor de € 600,83, e gasto € 50,00 em correio postal e internet, tendo visto, com a sua família, a expectativa de gozar 7 dias de férias completamente gorada.
A ré defendeu-se por impugnação, alegando a falsidade de parte dos factos alegados pelo autor e o desconhecimento de outros, por excepção dilatória, invocando a excepção da nulidade de todo o processo por ineptidão, por ausência de causa de pedir, da petição inicial, e a sua ilegitimidade processual, e por excepção peremptória, invocando a prescrição do direito alegado pelo autor.
Por despacho de 27 de Abril de 2021, determinou-se a notificação do autor para se pronunciar quanto à excepção alegada, e oferecido por este o articulado de réplica, o despacho saneador declarou dispensada a realização da audiência prévia, julgou improcedentes as excepções opostas pela ré e, com fundamento na simplicidade da causa, não obstante o processo não apresentar todos os elementos necessários para decisão da causa, declarou que não se procederá à identificação do objecto do litígio nem á enunciação dos temas da prova.
Realizada, no dia 22 de Setembro de 2022, a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa, com fundamento em que o autor não logrou provar a celebração do contrato de alojamento com a ré e que não se vislumbra qualquer incumprimento contratual causalmente imputável á ré - absolveu-a do pedido.
É esta sentença que o autor impugna no recurso - no qual pede a sua substituição, por outra que considere que não deve ser fixada nenhuma pensão de alimentos a favor do menor a pagar por um progenitor ao outro [1]- tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:
A- No processo aqui em causa, foi dispensada a Audiência Prévia por “Não obstante as excepções invocadas, estas foram já foi amplamente debatidas na fase dos articulados, revestindo-se a sua apreciação de alguma simplicidade, pelo que, e não se revestindo a matéria de facto de especial complexidade, nos termos do art. 597^, n°1 do Código de Processo Civil, dispensa-se a realização de audiência prévia.” e através do Despacho Saneador foi ainda dispensada a fixação do Objeto do Litígio e a enunciação dos Temas da Prova, por “face à simplicidade da matéria controvertida não se procederá à identificação do objeto do litígio , nem à enunciação dos temas da prova”.
B- Só em sede de Sentença foi fixada a Questão a Decidir, que se considerou ser “se o Autor conseguiu provar os pressupostos determinativos da obrigação de indemnizar atribuída à Ré e, na afirmativa, determinar o conteúdo da indemnização, com base na alegada celebração de um contrato de alojamento.”
C- Por não terem sido fixados, no despacho saneador, o objeto do litígio e os temas da prova, levou a que, por um lado, as Partes não tivessem tido oportunidade de ter debatido estas questões clarificando as suas posições e não pudessem reclamar, nessa altura, desse despacho e, por outro lado, levou a que cada uma das Partes juntasse a documentação e produzisse prova testemunhal, que considerou necessárias, o Autor à prova dos factos que, de acordo com o enquadramento jurídico que entendeu ser o correto, seriam os suficientes, e a Ré fez o mesmo em relação aos factos que, de acordo com o enquadramento jurídico que entendeu ser o acertado, seriam os adequados.
D- A ordem pela qual são apresentadas as questões a decidir, no nosso modesto entender, está invertida, já que se começa pela questão de se saber se o Autor logrou provar que tem direito a uma indemnização e só depois, e se a resposta à primeira questão for positiva é que se coloca a questão de qual o conteúdo da indemnização com base numa alegada celebração de um contrato de alojamento.
E- Pelo contrário, verificamos que, como supra demonstrado nenhuma das partes o admitiu, o Autor não fundamenta a responsabilidade da Ré num incumprimento de um contrato de alojamento celebrado entre Autor e Ré, e a Ré, por seu lado, rejeita expressamente a celebração de qualquer contrato com o Autor.
F- O Objeto do Litígio deveria sim o de se saber se por a Ré ao ter confirmado as reservas de alojamento com base em vouchers adquiridos pelo Autor antecipadamente a uma outra empresa, com quem a Ré teria, na altura, uma relação comercial, ficava constituída na obrigação de indemnização. Ou dito de maneira diferente, se existiu uma relação contratual tripartida, em que o Hotel seria responsável por fornecer alojamento adquirido através de um voucher emitido por si, mas num sistema eletrónico da C... e o pagamento do serviço de alojamento ter sido pago à C....
G- Mas, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, andou mal ao ter decidido que a questão que opunha as Partes era a celebração, ou não, de um contrato entre elas, questão essa que, nem sequer, era matéria controvertida.
H- Independentemente de a Meritíssima Juiz fixar o objeto do litígio ou a questão a decidir em sede de audiência prévia, em sede de despacho saneador, ou mesmo na sentença, sempre teria que o fazer de modo a contemplar as várias soluções plausíveis de direito a aplicar aquele caso concreto que lhe é colocado, mas limitou-se a considerar unicamente a posição que viria a fundamentar a decisão que proferiu, não tendo sido considerada a possibilidade de o direito do Autor advir de um contrato de compra de um título (voucher) a um terceiro de onde resultavam obrigações para a Ré, numa das suas muitas modalidades.
I- O Tribunal tinha obrigação de, ao fixar a questão a decidir, ter contemplado as várias soluções plausíveis de direito, o que manifestamente não fez, dado que fixou à priori que, a eventual indemnização a que o Autor teria direito, resultava da existência de um contrato de alojamento celebrado entre Autor e Ré, condicionando assim, todo o raciocínio subsequente e levando a uma decisão incorreta.
J- De qualquer modo, mesmo não considerando que a questão a decidir foi identificada de forma incorreta, tendo em conta os factos considerados provados e o facto considerado não provado por sentença, a decisão deveria ser outra e, só não foi porque, aquando da aplicação do Direitos aos factos, a maior parte dos factos não foi considerada e, a decisão reflete isso mesmo.
K- Encontrando-se provado que a Ré e a C... eram parceiras de negócio, que a Ré colocava reservas de quartos do seu hotel no serviço/plataforma criada pela C..., que a C... tinha crédito e, ainda que o Autor adquiriu alojamento em quartos no hotel da Ré através do serviço que a C... prestava à Ré, e pagou integralmente o preço pelo qual licitou as reservas, só pode concluir-se que existia um acordo de vontades tripartido, um contrato que advinha do facto de a C... prestar um serviço, em nome ou por conta da Ré, receber os pagamentos, incluindo o pagamento referente ao alojamento fornecido pela Ré, a decisão final teria que ser diametralmente oposta à proferida no Tribunal de 1g Instância.
L- Em sede de fundamentação da decisão, a Meritíssima Juiz diz que “formou a sua convicção à luz das regras legais da repartição do ónus da prova” para depois acrescentar que “ ... nos termos da lei “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, sendo certo que “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita” - cfr. art.° 342.°, n.° 1 do CC e art.° 414.° do CPC.”
M- Atendendo à posição que as Partes tomaram no presente processo, quem invoca a falta de uma relação contratual entre o Autor e a Ré, como forma de afastar a obrigação de indemnizar, é a Recorrida, é aliás a Esta que aproveitaria o facto de se provar que não existiu nenhuma relação contratual com o ora Recorrente, e que não poderia existir um incumprimento contratual pela Sua parte e, portanto nunca existiria obrigação de a Ré indemnizar o Autor.
N- Este facto a ser provado é facto extintivo do direito reclamado pelo Autor, pelo que é a Ré que tem a obrigação de provar a inexistência dessa relação contratual.
O- Esta posição é a que reflete o que ocorreu nos presentes autos, não existindo sequer a possibilidade de invocar a presunção legal de que na dúvida sobre se um facto é constitutivo do direito do Autor ou extintivo desse direito se deve considerar que é um facto constitutivo do direito.
P- A sentença recorrida violou o disposto nos art°s 591° al. c), 592° e 593° todos do CPC, por não ter sido permitido às Partes a discussão sobre as posições assumidas por cada uma com vista à delimitação dos termos do litígio, nomeadamente ao dispensar a audiência prévia e ainda o art° 596° do CPC, por impedir as partes de terem desde logo a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, evitando- se deste modo decisões surpresa.
Q- Violou ainda o disposto no art.° 596° do CPC, quando a jurisprudência e a doutrina dominantes interpretam que a fixação do objeto do litígio e dos temas da prova devem ser realizados, de forma a considerar as várias soluções de direito aplicáveis ao caso.
R- O disposto no art° 607° foi violado ao se ter omitido em fundamentação e na decisão provas relevantes que foram dadas como provadas, e que se fossem consideradas levariam a uma decisão diametralmente oposta à que foi tomada.
S- E, por último o disposto no art° 341° do CC por se ter considerado que a inexistência de um contrato entre Autor e Ré, era um facto constitutivo do direito do Autor, quando na verdade é um facto impeditivo do direito alegado pelo Autor, e assim deveria caber na previsão do n° 2 do mencionado artigo, não sendo necessário recorrer à regra do art° 414 do CPC.
Na resposta a apelada - depois de observar que o apelante tomou conhecimento em 27 de Abril de 2021 da decisão dispensa de realização da audiência prévia, de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova só agora decidiu colocá-la em causa e que só na mente do recorrente é que estamos perante uma decisão-surpresa - concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.
O relator, notando que a decisão de dispensar a audiência prévia, a identificação dos temas do litígio e a enunciação dos temas da prova é irrecorrível, por ter sido tomada no uso de um poder discricionário, determinou a audição das partes sobre a questão.
A apelada nada declarou. O apelante, concordando que aquele despacho foi proferido no âmbito de um poder discricionário e não admite recurso, esclareceu, todavia, que não recorreu daquele despacho, mas, exclusivamente, da sentença final e do objecto do litígio fixado, nunca tendo sido sua intenção recorrer de tal despacho.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:
2.1. Factos provados.
1. AA adquiriu no ebay, através da empresa C..., com sede na Alemanha, três vouchers com os n.°s ...09, ...65 e ...12, para reservar quartos duplos no Hotel ..., explorado pela ré;
2. No dia 5 de janeiro de 2017, a empresa C... emitiu os vouchers com os n.°s ...09 e ...65 e no dia 11 de janeiro emitiu o voucher n.° ...12;
3. Os dois primeiros vouchers foram emitidos para o período de 5 a 11 de outubro de 2017 e o último desses vouchers foi emitido sem data de utilização fixada, mas devia ser utilizado no prazo de um ano;
4. AA pagou à C... pelos 3 vouchers supra referidos em 1. o valor global de € 1.400,48;
5. No dia 5 de janeiro de 2017, AA recebeu um e-mail da secção de reservas da Hotel ..., a agradecer a escolha daquela unidade hoteleira e a confirmar as duas reservas de alojamento que já tinham data certa agendada;
6. No e-mail referido em 5. a ré confirma a reserva n.° ...76 referente ao voucher n.° ...65 e a reserva n.° ...77 referente ao voucher n.° ...09, ambas em nome de AA, cada uma referente a alojamento em quarto duplo com vista jardim/campo de golf, de dia 5 a 11 de outubro de 2017;
7. No e-mail referido em 5. a ré confirma também a reserva n.° ...76;
8. No dia 10 de julho de 2017, o autor envia um e-mail para os serviços da ré mais concretamente para o mesmo endereço de email do qual tinha recebido a confirmação das reservas, a solicitar a alteração dos dias em que pretendia alojamento naquela unidade hoteleira;
9. No e-mail referido em 8. o autor solicita à ré que a estadia ao invés de ser de 5 a 11 de outubro passe a ser de 2 a 8 de outubro e solicita ainda que os quartos fossem com vista mar em vez dos quartos anteriormente reservados que eram de vista jardim / campo de golf;
10. A ré a partir do mesmo endereço de correio electrónico “reservations Praia D'Rey” envia um novo e-mail ao autor, a confirmar o solicitado, alterando as datas das reservas dos dois quartos duplos quanto às datas, passando a data de chegada a ser no dia 2 de outubro de 2017 e a data de saída no dia 8 de outubro de 2017;
11. A ré manteve a vista dos quartos reservados;
12. No dia 23 de agosto de 2017, o autor envia um e-mail para o hotel explorado pela ré, no sentido de fazer uma terceira reserva com o voucher ...12, também para o período de 2 a 8 de outubro;
13. No mesmo dia, a ré responde informando que de momento não estão autorizados a aceitar aqueles vouchers informando ainda que era uma ordem do diretor financeiro;
14. Como na resposta do hotel aconselhavam a contatar diretamente a C..., o autor assim fez, enviando um e-mail a esta empresa;
15. O autor não obteve qualquer resposta ao e-mail enviado para a C...;
16. No dia 6 de setembro de 2017, o autor envia um e-mail para o diretor geral da ré, descrevendo a situação e comunicando que, entretanto, soube que a C... declarou insolvência em Junho ou julho de 2017, mas que fez o pagamento do voucher em questão no dia 10 de janeiro e, portanto, o hotel já deveria há muito tempo ter recebido o montante devido por essa reserva;
17. No dia 7 de setembro de 2017, a ré informa o autor através do gerente residente BB que esteve em negociações com a C... para que esta regularizasse as contas com eles mas que a C... não lhes efetuou qualquer pagamento e que por esse motivo deixaram de considerar válidos os vouchers emitidos por aquela empresa e sugere ainda que o autor faça a reserva diretamente com o departamento de reservas do hotel, que excecionalmente manterá o mesmo preço e as mesmas condições contratadas com a C...;
18. O autor respondeu ao e-mail referido em 17. referindo que à data da aquisição dos vouchers, o hotel constava como parceiro da plataforma Ebay e que desde que o hotel abriu já tinha adquirido vários vouchers daquela forma à C... sem que existisse qualquer problema e que não está disposto a pagar duas vezes a estadia no hotel aproveitando ainda para chamar a atenção que além daquele voucher, tem mais duas reservas efetuadas igualmente com vouchers emitidos pela C..., mas que foram confirmadas pelo hotel, pelo que supõe não estejam em causa;
19. O gerente residente da ré respondeu que lamenta a situação e recomendou ao autor que apresente uma queixa na Alemanha contra a C... e disponibiliza o hotel para ser testemunha a favor dele, desde que tal não implique qualquer custo para o hotel porque afirma que já sofreram um enorme prejuízo com a situação, reafirmando que se não existir um pagamento válido não podem aceitar a estadia no hotel explorado pela ré;
20. O autor, em resposta, volta a referir as outras duas reservas, afirmando que essas tinham sido confirmadas e reconfirmadas pelo próprio hotel solicitando que voltassem a confirmar essas reservas para que a situação ficasse clarificada quanto a esse ponto;
21. Em resposta o Sr. BB só diz que o voucher n.° ...12 “foi enviado pelo nosso departamento de reservas numa altura em que, para nós, todos os vouchers da C... eram válidos e em que a C... tinha crédito” e volta a afirmar que para garantir a reserva deve voltar a efetuar o pagamento junto do hotel;
22. No dia 1 de outubro de 2017, o ora Autor envia um email para os serviços da ré, referindo que de acordo com as últimas comunicações, aparentemente a ré não aceita nem os vouchers anteriormente confirmados pelo próprio hotel nem o outro que não chegou a ser confirmado e pede o pagamento do montante referente ao valor dos 3 vouchers e às viagens aéreas que já tinham sido adquiridas e que não são reembolsáveis, indicando os dados da conta bancária para onde aquela quantia devia ser transferida;
23. Em resposta, o representante da ré lamenta o facto de o autor ter ignorado as últimas comunicações;
24. Apesar das insistências do autor para que a ré se pronunciasse sobre as duas reservas que tinham sido confirmadas pelo hotel, não houve qualquer resposta sobre este assunto;
25. Aquando da aquisição dos vouchers o autor adquiriu ainda as passagens aéreas para se deslocar, juntamente com a família, para Portugal, tendo despendido a esse título a quantia de € 600,83;
26. A aquisição das viagens aéreas referida em 25. foi feita na modalidade de não reembolsável;
27. O autor era cliente habitual da ré tendo recorrido à compra de vouchers através da C...;
28. Aquando da aquisição dos 3 vouchers no ebay, através da C..., a ré era parceira comercial daquela empresa;
29. O autor não pode usufruir do alojamento que pagou no hotel explorado pela ré;
30. O autor despendeu dinheiro nas viagens aéreas para o alojamento no hotel da ré que não utilizou;
31. Esta situação causou ansiedade ao autor;
32. O autor perdeu horas a enviar e-mails e cartas para o hotel da ré e ainda para uma série de outras entidades de forma a desbloquear a situação, diligências que se vieram a revelar infrutíferas.
2.2. Factos não provados:
Não se provou:
a. Que a C... pagou o valor dos vouchers supra referidos em 1. à ré.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ainda ser restringido, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.° 635.° n.°s 2, 1.9 parte, 3 e 5 do CPC).
A sentença impugnada, assentando em que o autor não provou, como era seu ónus, a conclusão com a ré de um contrato de hospedagem ou de alojamento em estabelecimento hoteleiro[2], desamparou  o pedido daquele de vinculação da apelada ao dever de lhe reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais que suportou por aquela, em violação das obrigações que emergem daquele contrato, o não o ter alojado no estabelecimento hoteleiro que explora.
O apelante mostra-se hostil a este julgamento, desde logo, porque, no seu ver, a Sra. Juíza de Direito, ao dispensar a audiência prévia, não ter sido permitido às partes a discussão sobre as posições assumidas por cada uma com vista à delimitação dos termos do litígio e não terem sido fixados, no despacho saneador, o objeto do litígio e os temas da prova, não lhes tendo dado oportunidade de ter debatido estas questões clarificando as suas posições e não pudessem reclamar, nessa altura, desse despacho, evitando-se, assim, decisões surpresa, se ter equivocado na enunciação da questão concreta controversa dado que nenhuma das partes invocou a conclusão, entre ambas, de um contrato de alojamento, antes gravitando o litígio em torno da questão de saber se existiu uma relação contratual tripartida, em que o Hotel seria responsável por fornecer alojamento adquirido através de vouchers[3] emitidos por si, se adquiriu alojamento em quartos no hotel da Ré através do serviço que a C... prestava à Ré, e se existia um acordo de vontades tripartido, um contrato que advinha do facto de a C... prestar um serviço, em nome ou por conta da Ré, receber os pagamentos e quanto à distribuição do ónus da prova, dado que era a ré que tinha obrigação de provar a inexistência dessa relação contratual. Segundo o apelante a sentença recorrida omitiu na fundamentação e na decisão provas relevantes que foram dadas como provadas, e que se fossem consideradas levariam a uma decisão diametralmente oposta à que foi tomada e, em qualquer caso, incorreu num error in iudicando por erro na subsunção, i.e., no juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão da norma aplicável ao caso, já que encontrando-se provado que a Ré e a C... eram parceiras de negócio, que a Ré colocava reservas de quartos do seu hotel no serviço/plataforma criada pela C..., que a C... tinha crédito e, ainda que o Autor adquiriu alojamento em quartos no hotel da Ré através do serviço que a C... prestava à Ré, e pagou integralmente o preço pelo qual licitou as reservas, deveria ter concluído que existia um acordo de vontades tripartido, um contrato que advinha do facto de a C... prestar um serviço, em nome ou por conta da Ré.
Em face da alegação do apelante era nítida a sua discordância no tocante à decisão de julgar dispensada a audiência prévia, a identificação dos termos do litígio e a enunciação dos temas da prova, discordância que fazia assentar em dois fundamentos diferentes: por ter impedido as partes de debater estas questões clarificando as suas posições e de reclamar contra despacho; por constituir uma decisão surpresa. A discordância quanto à decisão de dispensar a realização da audiência prévia e a enunciação da questão controversa e dos temas da prova colocava, logo, um problema prévio: o da recorribilidade dessa decisão.
A alegação de que uma tal decisão constitui uma decisão surpresa resolve-se na arguição de uma nulidade. É verdade que a apelante não qualificou como tal a patologia processual que invocou. Mas não se julga necessário que o fizesse. Não pode razoavelmente atribuir-se ao legislador o pensamento de impor à arguição de nulidade uma fórmula sacramental e imprescindível: o que importava e importa é a substância e não a forma. Por outras palavras, o que se torna necessário é que a parte exprima a vontade de reagir contra certa infracção processual, contanto que seja suficiente para manifestar a vontade de protestar contra determinada nulidade, i.e., contra determinada infracção que se cometeu.
O mesmo sucede com a alegação da apelante de que a sentença omitiu na fundamentação e na decisão provas relevantes que foram dadas como provadas que se resolve na alegação da nulidade daquele pronúncia, dado que quando se assaca a uma decisão judicial essa omissão, outra coisa não se faz do que arguir a nulidade substancial, por essa causa, dessa mesma decisão (art.° 615.°, n.° 1, 1.9 parte, do CPC).
O impugnante dedicou um largo segmento da sua alegação e das conclusões com que a rematou à decisão da Sra. Juíza de Direito de dispensa da realização da audiência prévia, de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova, queixando-se designadamente de que essa dispensa levou a que as partes não tivessem oportunidade de debater essas questões e, na sentença final, a uma inversão das questões a decidir e de que se tratou de uma decisão surpresa.
O relator atribuiu a esta discordância do apelante relativamente aquele despacho o sentido de impugnação da decisão nele contida, razão pela qual, notando que foi proferida no uso de um poder discricionário, sendo, portanto, irrecorrível, e ordenado pela finalidade de prevenir o proferimento de uma decisão-surpresa, auscultou sobre o ponto ambas as partes.
No exercício do seu direito de audiência, o apelante, depois de exprimir a sua concordância com o ponto de vista do relator sobre a natureza discricionária do poder utilizado no proferimento daquela decisão e a consequente irrecorribilidade, esclareceu, porém, que não recorreu de tal despacho - mas apenas da sentença final, designadamente do passo em que nela se fixou o objecto do litígio.
À interpretação dos actos das partes são aplicáveis os critérios definidos para o negócio jurídico, aplicáveis também aos actos não negociais (art.° 236.°, ex-vi art.° 295° do Código Civil). Dado que os actos das partes têm por destinatários o tribunal e a contraparte, o acto deve ser interpretado de acordo com o sentido que um destinatário normal colocado na posição do real declaratário - o tribunal e a contraparte - possa deduzir do comportamento da parte (art.° 236.°, n.° 1, do Código Civil). Pois bem: um operador judiciário normal - i.e., medianamente informado e diligente - colocado perante alegação do recurso do apelante e as conclusões que dela extraiu, e perguntado se aquela alegação e estas conclusões deviam ser interpretadas no sentido de que impugna a decisão que julgou dispensada a realização da audiência prévia, de fixação dos objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova e de arguição da nulidade dessa decisão com fundamento no facto de constituir uma decisão-surpresa, daria, seguramente, uma reposta afirmativa. Desde que o apelante reputa de violadas pela decisão recorrida, designadamente as normas reguladoras de uma das finalidades da audiência prévia - art.° 591.°, c) do CPC - da não realização da audiência prévia - art.° 592.° do CPC - e de dispensa dessa audiência - art.° 593.° do CPC - e alega que a decisão de dispensa constituiu uma decisão-surpresa, a única interpretação correcta, por aplicação do apontado critério, da sua alegação e das conclusões com que a encerrou era, efectivamente, a de que a impugnava no recurso a decisão de dispensa e arguia a sua nulidade, com o fundamento de se resolver numa decisão surpresa.
E não foi outro o sentido que a apelada, na resposta ao recurso, deu alegação e às conclusões do apelante, como expressamente decorre daquela resposta.
O apelante declara, no entanto, que, no recurso, não foi seu propósito, impugnar aquela decisão. Pelas razões apontadas, não temos por certo que assim seja. Todavia, como à parte é lícito, em qualquer momento, renunciar, expressa ou tacitamente, é impugnação, v.g. aceitando a decisão ou desistindo dessa mesma impugnação, outra coisa não resta que julgar extinta, no tocante à apontada decisão, essa impugnação e, consequentemente, julgar prejudicada a sua apreciação (art.° 632.° n.°s 1, 2, 3 e 5, do CPC).
De resto - a título de obiter dicta - no tocante a estes objectos, a solução correcta seria sempre a da improcedência da impugnação.
A causa tem, comprovadamente, um valor inferior a metade da alçada desta Relação (art.° 44.°, n.° 1, da LOSJ, aprovada pela Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto).
Nas acções de processo comum de valor não superior a metade da alçada da Relação, finda a fase dos articulados, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato e ao fim do processo, convoca a audiência prévia e identifica o objecto do litigio e enuncia os temas da prova (art.° 597.° b) e e), do CPC). O poder atribuído por esta norma ao juiz é discricionário, dado que o juiz, dado certo condicionalismo - a necessidade de realizar da audiência prévia, de identificar o objecto do litígio e de enunciar os temas da prova - tem uma alternativa de opções: proceder ou não à realização da audiência, à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, alternativa que resolve segundo o seu prudente arbítrio, consoante o que lhe parecer mais adequado para a justa composição do litígio. Neste caso, nenhuma das partes pode, por isso, pedir ao tribunal ad quem que controle se seria melhor realizar a audiência prévia ou enunciar os temas da prova, dado que juiz exerceu um poder discricionário e, nessa medida, a sua decisão é irrecorrível (art.° 630.°, n.° 1, do CPC). Mas já é recorrível com o fundamento de que o condicionalismo de que a lei faz decorrer o poder discricionário não se verificava no caso ou com o fundamento de que o seu exercício é, em si, ilegal, porque o juiz optou por alternativa diversa das que a lei lhe concede.
Na espécie do recurso, a apontada dispensa assentou na simplicidade dos termos da causa e, portanto, na desnecessidade, para a sua decisão, de realizar a audiência prévia, de identificar o objecto do litígio e de enunciar os temas da prova: estão, por isso, preenchidas as condições para o uso do poder discricionário e o juiz extraiu delas as consequências previstas na lei. Neste condicionalismo, há que concluir que o tribunal de que provém o recurso usou o poder discricionário dentro dos parâmetros legais, pelo que nenhuma das partes pode pedir a esta Relação que se sobreponha ao juiz da 1.g instância, ordenando a realização da audiência prévia, o isolamento do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova. A decisão daquele Magistrado não é passível de recurso.
Entre os princípios instrumentais do processo civil, i.e., aqueles que procuram optimizar os resultados do processo, conta-se, seguramente, o princípio da cooperação intersubjectiva, de harmonia com o qual, as partes e o tribunal devem colaborar entre si na resolução do conflito de interesses subjacente ao processo (art.° 7.° n° 1 do CPC).
O tribunal está, portanto, vinculado a um dever de colaboração com as partes, dever que se desdobra, entre outros, no dever de consulta[4]: o tribunal tem o dever de consultar as partes sempre que pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art.° 3.°, n° 3, do CPC). É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é perspectivada pelas partes ou quando, na audiência prévia, pretendendo o juiz conhecer de alguma excepção dilatória ou do mérito da causa, não faculta às partes a discussão, de facto e de direito, relativas à matéria da excepção ou do fundo da causa (art.° 591.°, n.° 1, b), do CPC)
Este dever - que se mantém durante toda a tramitação da causa - tem uma finalidade evidente: evitar as chamadas decisões-surpresa, i.e., decisões, ainda que sobre matéria de conhecimento oficioso, sem a sua prévia discussão pelas partes.
Uma decisão dessa natureza afecta um valor particularmente relevante da decisão judicial - o da previsibilidade: a decisão do tribunal deve corresponder aquilo que é alegado e discutido durante o processo, não devendo as partes ser - desagradavelmente - surpreendidas com uma decisão que, embora baseada numa matéria de conhecimento oficioso, aprecia uma questão que nenhuma das partes alegou ou discutiu.
É objeto de controvérsia saber se a violação do dever de consulta, na vertente considerada, se resolve numa nulidade processual ou antes numa nulidade, por excesso de pronúncia, da decisão, ela mesma (art.°s 195.° e 615.°, n.° 1, d), do CPC)[5].
A jurisprudência mais recente parece orientar-se, maioritariamente, no sentido de que a ofensa do apontado dever integra uma nulidade da decisão[6], embora a fundamentação utilizada para chegar a esta conclusão não seja uniforme, dado que nalguns casos se parte da premissa de que se trata de uma nulidade processual, por omissão de um acto que a lei prescreve, que, todavia, pode ser arguida no recurso, dado que é o conteúdo do acto subsequente, v.g., a decisão, que revela essa omissão - e noutros que a decisão-surpresa é, em si mesma nula, por um excesso de pronúncia relativo, uma vez que o tribunal aprecia uma questão de que só podia conhecer, dada certas condições, i.e., depois de ouvir as partes.
Todavia, na espécie sujeira, seria desinteressante discutir este aspeto do regime da violação do dever de consulta. É que não há qualquer razão, por mais leve que seja, para que se fale em decisão-surpresa.
Realmente, deve entender-se que, nesta acção, dado o seu valor, o juiz não está adstrito a esse dever de consulta, uma vez que existe aqui um poder discricionário, na medida em que a lei concede ao juiz uma alternativa de opção, entre as quais pode escolher no seu prudente arbítrio: realizar ou não a audiência prévia, identificar ou não o objecto do litígio e enunciar ou não os temas da prova, conforme o que lhe parecer mais adequado para a composição da controvérsia objecto do processo. É, de resto, o que se extrai, a contrario, da regra de que tal dever de consulta, nesta forma de processo, apenas ser imposto ao juiz quando determina a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual (art.° 597.° d), do CPC).
Razão que seria mais do que suficiente para julgar inverificada uma tal nulidade.
Maneira que as questões concretas controversas que importa resolver são, assim, as de saber se se a sentença final se encontra ferida com o desvalor da nulidade substancial e incorreu em erro de julgamento por equívoco quanto à distribuição do ónus da prova e na subsunção dos factos materiais adquiridos para o processo na norma jurídica aplicável e se, corrigido um tal erro, a sentença impugnada deve ser revogada e a apelada condenada no pedido.
3.2. Nulidade substancial da sentença final.
O valor jurídico negativo da nulidade por omissão de pronúncia resulta da abstenção de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados.
O tribunal deve, realmente, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.°s 130.° e 608.°, n.° 2, do CPC)[7]. O tribunal deve examinar toda a matéria de facto disponível e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. A nulidade que se examina resulta da infracção desse dever.
No caso, a sentença final, como nela expressamente se escreveu, concluiu que perscrutada a factualidade julgada provada verifica-se que inexiste matéria factual que lhe permitisse vislumbrar um acordo de vontades entre o autor e a ré, que não existe entre o autor e a ré qualquer relação contratual e, nessa medida, não antevia qualquer incumprimento contratual causalmente imputável ao réu - e absolveu a apelada do pedido.
Em face disto, não pode, em boa verdade, dizer-se que a sentença - bem ou mal, para o caso não interessa - omitiu na fundamentação e na decisão quaisquer provas ou factos julgados provados, que não tenha examinado a matéria de facto que, ela mesma, julgou demonstrada.
É certo que a sentença impugnada se pode ter equivocado ao considerar que a questão que tinha que decidir era a da existência ou não de uma qualquer relação contratual entre as partes, que se não provou que as partes se encontravam ligadas por vínculo contratual e que essa prova competia ao apelante. Mas esse equívoco é um puro error in iudicando - que se corrige através da revogação da sentença - e não num error in procedendo como é caracteristicamente aquele em que se resolve a nulidade substancial dessa mesma decisão.
Não há, portanto, razão para que a sentença final se tenha, pelos fundamentos indicados, por nula.
3.3. Objecto material do recurso.
A sentença apelada, no iter que conduziu à improcedência da acção, partiu, declaradamente da premissa de que a prova da existência de uma relação contratual de que ambas as partes seriam sujeitos, competia ao apelante. Este, porém, sustenta que é a recorrida que estava adstrita ao ónus de provar que não existiu, entre ambos, nenhuma relação contratual. Mas não tem razão.
Consabidamente, o nosso direito probatório material orienta-se pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas - de harmonia com a qual a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si - e que, numa formulação simplificada, pode enunciar-se deste modo: cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). A distribuição do ónus da prova é, por sua vez, determinante para estabelecer o ónus da alegação que vincula cada uma das partes: aquele ónus orienta a distribuição do ónus da alegação, dado que a parte apenas tem o ónus de alegar aquilo que terá o ónus de provar, pelo que o ónus da alegação e o ónus da prova são, em regra, coincidentes.
O princípio geral em matéria do ónus da prova apela, pois, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.
Assim, ao autor cabe a prova, não de todos os factos que interessem à existência actual do direito alegado - mas somente dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Assim, se o autor alega a existência de um crédito insatisfeito sobre o demandado, nascido de um contrato, é ele que está adstrito ao ónus de provar os elementos estruturais - constitutivos - do seu direito à prestação: a celebração do contrato entre as partes; inclusão da prestação exigida entre as cláusulas do contrato a cargo do devedor. Feita a prova destes factos pelo autor, cabe ao réu fazer a prova do facto extintivo do direito do demandante, como, por exemplo, o cumprimento ou a invalidade do contrato. Se o autor não demonstrar, v.g., a celebração do contrato com o devedor, o tribunal profere uma decisão contra essa parte, visto que é ela quem está onerada com o ónus da prova do facto correspondente (art.°s 414.° do CPC e 346.°, 2- parte, do Código Civil).
Depois, numa questão de facto de que dependa o julgamento, a lei dá sempre a uma das afirmações alternativas que a compõem o carácter privilegiado de ser tomada como base da decisão em dois casos: se for provada em si ou então em caso de dúvida insanável ou irredutível; a afirmação contrária só será tomada em conta se for provada. Assim, numa acção de condenação - como é justamente o caso do recurso - em que se afirma concluí um contrato, não concluí um contrato, a primeira afirmação só é tomada em conta se for provada; a segunda é tomada em conta se for provada e ainda no caso de dúvida irredutível.
De maneira que se o autor se propõe valer declarar e valer um direito que emirja de um contrato ou da sua violação e se o demandado nega a conclusão desse contrato, a aplicação daquele princípio resolve-se nestas regras: ao primeiro impõe-se o ónus de provar os elementos estruturais - constitutivos - do seu direito à prestação não cumprida - a celebração do contrato entre as partes e a inclusão da prestação exigida entre os efeitos desse acordo de vontades a cargo do devedor; o segundo está apenas adstrito a um simples ónus da contraprova, de tornar incerto o facto alegado pelo autor.
Em tal caso, o demandado não tem de criar no espírito do juiz uma convicção positiva, de persuadir o juiz de que o facto em causa - a conclusão do contrato - não é verdadeiro: é suficiente deixar no ânimo do juiz um estado de dúvida ou incerteza, uma convicção negativa sobre a realidade daquele facto (art.° 346.° do Código Civil). E isto é assim, dado que a dúvida sobre a conclusão do contrato - facto constitutivo favorável ao autor - resolve-se contra ele, visto que é a parte onerada com a prova (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil)
Segundo o apelante, a sentença impugnada errou ao não contemplar as várias soluções plausíveis de direito a aplicar aquele caso concreto que lhe é colocado, mas limitou-se a considerar unicamente a posição que viria a fundamentar a decisão que proferiu, não tendo sido considerada a possibilidade de o direito do

Apelações em processo comum e especial (2013)
Autor advir de um contrato de compra de um título (voucher) a um terceiro de onde resultavam obrigações para a Ré, numa das suas muitas modalidades. A objecção não procede.
A sentença deve, evidentemente, expor os fundamentos de direito, ou seja, a solução da questão ou questões de direito, obtida pelo juiz, por indagação, interpretação e aplicação das normas ou princípios aos factos (art.° 607.°, n.° 3, do CPC). Mas não se lhe exige que exponha todas as soluções plausíveis da questão de direito - mas apenas aquela que, no seu ver, decorre da norma jurídica que julga aplicável aos factos adquiridos para o processo. Na sentença final, o juiz não está vinculado a expor a eventual multiplicidade dos vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da causa - mas apenas a indicar a solução jurídica que decorre da norma que, do seu ponto de vista, é a adequada para enquadrar aquele objecto.
Por último, a apelante acha que, encontrando-se provado que a apelada e a C... eram parceiras de negócio e que a segunda tinha crédito junto da primeira, se pode concluir que existia um contrato entre ambas e que desse contrato decorre a constituição da recorrida no dever de prestar objecto do pedido.
E, quanto a este problema, há que ter em conta um princípio estruturante do processo civil: o da disponibilidade privada sobre o objecto do processo - da acção e do recurso. Por força deste princípio, são, em regra, as partes que livremente suscitam as questões e livremente articulam os factos em que o juiz se baseia para proferir a sentença, sendo-lhes lícito também restringir os fundamentos do recurso cujo conhecimento esteja dependente da sua vontade: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação - embora, de harmonia com o princípio da limitação do conhecimento do tribunal ou da vinculação temática, mas não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, ressalvadas, evidentemente, as que forem de conhecimento oficioso (art.°s 552.°, n.° 1, d), e 608.°, n.° 2, do CPC). São, portanto, as partes como corolário da liberdade e da responsabilidade em processo, que decidem sobre a delimitação da matéria a resolver, o que bem se entende, por uma razão prática: ninguém melhor que os titulares dos direitos e interesses pode saber como estes devem ser cuidados.
O apelante sustenta, de modo repetido, na sua alegação, que não fundamenta a responsabilidade da Ré num incumprimento de um contrato de alojamento celebrado entre Autor e Ré e que a Sra. Juíza de Direito andou mal ao ter decidido que a questão que opunha as Partes era a celebração, ou não, de um contrato entre elas, questão essa que, nem sequer, era matéria controvertida.
Segundo o apelante, ele mesmo, a vinculação da apelada ao dever de prestar não pode fundamentar-se em qualquer relação contratual directamente estabelecida entre ambos. Dito doutro modo: os factos em que o apelante baseia a situação subjectiva alegada, a causa de pedir que invocou, não deve ser subsumida a um qualquer contrato do qual sejam partes, directamente, ele e a recorrida e, portanto, não era essa a questão a decidir pelo tribunal de que provém o recurso - nem é essa a questão que esta Relação deve resolver. Por força desta limitação da competência decisória do tribunal, que é inteiramente livre ao apelante, esta Relação está impedida, por exemplo, de atribuir à confirmação, pela apelada, da reserva n.° ...76 referente ao voucher n.° ...65 e da reserva n.° ...77 referente ao voucher n.° ...09, a conotação ou o significado da conclusão entre as partes de um contrato de hospedagem ou alojamento hoteleiro - embora isso não obstaculize à valoração dessa conduta para dela extrair consequências jurídicas doutra espécie.
Mas essa limitação não exclui, evidentemente - como, aliás, o apelante sustenta na sua alegação - uma qualquer qualificação da causa de pedir apresentada pelo autor e dos factos integrantes dessa causa pedir julgados provados da qual resulte uma relação contratual entre a apelada e a empresa germânica a quem o apelante adquiriu e pagou os vouchers, como, por exemplo, um contrato de mandato, civil ou comercial, representativo, em execução do qual se tenha concluído qualquer contrato de que, por sua vez, derive para a apelada o dever de prestar e de indemnizar o apelado. É justamente isto que sucede, no contrato de mandato, em que os efeitos do acto jurídico praticado pelo mandatário quando o mandato seja representativo, se repercutem na esfera jurídica do mandante nos mesmos termos em que os actos praticados pelo representante se repercutem directamente na esfera do representado; com poderes de representação, o mandatário actua contemp/atio domini, em nome do mandante (art.° 1180.° do Código Civil). Nestes condicionalismos, o contrato é concluído com uma parte, mas por força do mecanismo da representação que lhe é inerente, os seus efeitos jurídicos projectam-se na esfera jurídica de outra.
Considerado o problema nesta perspectiva, que corresponde à lógica da argumentação do apelante, há, portanto, que isolar o vinculo que ligava a empresa alemã e a apelada. E esse vínculo tem, patentemente, uma natureza contratual.
Efectivamente, tem-se por certo que, desde que se julgou provado que a apelada e a empresa alemã que emitiu os vouchers e a quem o apelante pagou o preço do alojamento e serviços conexos, eram parceiras comerciais, que aquela tinha crédito junto daquela - e até que a apelada negociou com ela a regularização das contas entre ambas - bem pode concluir-se que se encontravam ligadas por um qualquer vinculo contratual instituidor de uma relação de colaboração ou cooperação, i.e. que a emissão dos vouchers não surgiu ex-nihilo, quer dizer, sem que tivesse subjacente uma qualquer relação entre o seu emissor e o prestador do serviço.
Há, porém, que qualificar com precisão esse acordo ou vínculo contratual.
A colaboração entre empresas é susceptível de ser prosseguida por uma multiplicidade de contratos de cooperação, entendendo-se como tais, os acordos negociais, típicos ou atípicos, entre duas ou mais empresas, jurídica e economicamente autónomas, com vista ao estabelecimento de relações jurídicas duradouras para a realização de um fim económico comum[8]. Este enunciado mostra que a delimitação dos contratos de cooperação é extremamente complexa, dado que, tratando-se de um domínio de excelência da autonomia privada, a lei e a prática desdobram-se numa multiplicidade insistematizável de figuras contratuais. Abstraindo de acordos negociais puramente atípicos, pense-se, por exemplo, nos contratos de distribuição, também designados por contratos de intermediação ou de colaboração, i.e., aquele conjunto de tipos contratuais destinados a implementar sistemas de distribuição indirecta de bens e serviços, como a agência, a concessão comercial e a franquia. Qualquer destes tipos contratuais desempenham uma função de cooperação, dado que têm como objectivo típico a realização de um fim comum de desenvolvimento do respectivo volume de negócios que, crescendo para uma das partes, cresce necessariamente também para a outra. Este fim comum tem índole lucrativa para ambas as partes, embora o lucro não resulte directamente do contrato - mas de contratos com terceiros, que aquele contrato propicia. Pense-se, por último, no contrato de mandato que, justamente institui uma das mais antigas formas de cooperação.
Dado que tanto a apelada como a empresa a alemã - C... GmbH - são sociedades comerciais e, portanto, comerciantes, devemos convocar para o caso, o mandato comercial (art.° 13.°, 2.°, do Código Comercial).
Designa-se por mandato comercial ou mercantil o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos comerciais por conta da outra, que se contradistingue do mandato civil por virtude do seu objecto: a obrigação do mandatário de praticar um ou mais actos comerciais e não civis art.°s 231.° do Código Comercial e 1157.° do Código Civil).
Mandato comercial que comporta duas modalidades, conforme seja ou não acompanhado da atribuição de poderes representativos ao mandatário. Temos, assim, por um lado, o mandato mercantil stricto sensu, em que o mandatário pratica os actos juscomerciais em nome e por conta do mandante; por outro, temos o mandato mercantil não representativo, autonomizado com o nome de contrato de comissão, em que o mandatário pratica os actos em seu próprio nome, embora por conta do mandante, assumindo directamente, perante terceiros os direitos e obrigações dele emergentes (art.°s 231.°, 266.° e 277.° do Código Comercial).
No caso, extrai-se da matéria de facto incontroversamente adquirida para o processo que a empresa alemã procedeu, como parceira comercial da apelante, à emissão e à venda dos vouchers e ao recebimento do preço por conta da apelada - e em seu nome. É o que linearmente decorre dos documentos que titulam os vouchers no qual se indica, expressamente, que o vendedor é a Hotel ... e da circunstância de o seu emissor ter recebido o preço do alojamento e dos serviços conexos do apelante - para o entregar à apelada, quando esta lhe apresentasse os vouchers, e de a recorrida ter confirmado a reserva no tocante a dois vouchers e remetido o terceiro para pagamento ao seu emissor e ter negociado com este esse pagamento. Realmente, em face do texto dos vouchers é patente, que a empresa alemã actuou com contemplatio domini, portanto em nome da apelada, como é também evidente que esta, num primeiro momento, se julgou vinculada à prestação do alojamento e do serviço conexo adquirido pelo apelante, referido em dois dos vouchers, só tendo recusado a sua prestação, num segundo momento, com alegação de que o seu emissor não lhe entregou o preço ou preços do alojamento e serviços conexos. Ora, desde que a empresa germânica se deve ter mandatária - e mandatária representativa - da apelada, segue-se com naturalidade a conclusão de que o contrato que celebrou com o apelante - que não se resolve numa pura e simples compra e venda, mas logo no contrato de alojamento hoteleiro em torno do qual gravita a controvérsia - se considera fechado, por força do mecanismo da representação, pela apelada, ela mesma. O mesmo é dizer: o contrato de alojamento hoteleiro objecto da causa não foi concluído directamente entre a apelada e o apelante, mas entre este e a empresa estrangeira, na execução de um contrato de mandato - mercantil - representativo, contrato de alojamento turístico que, por força da eficácia representativa do mandato, projecta os seus efeitos na esfera jurídica da apelada.
E à mesma conclusão se chegaria se acaso o vínculo entre a apelada e a empresa se resolvesse na concessão, pela primeira à segunda de uma simples permissão ou autorização para comercializar os seus serviços. Nesta hipótese, sempre se deveria concluir estarmos perante um contrato de autorização gestória, cuja regulação é dada pelo regime do contrato de mandato - representativo - embora sem perder de vista a importância central da autorização[9].
Ora, a apelada recusou, repetidamente, o cumprimento da sua obrigação de facultar o alojamento na sua unidade hoteleira e de prestar os serviços conexos, com um fundamento que releva inteiramente de uma vicissitude da sua relação com o seu parceiro contratual - a falta de entrega por este do preço do alojamento e dos serviços relacionados - sendo certo que, por força do mecanismo da representação, inerente ao mandado, o acto de pagamento daquele preço, realizado pelo apelante à empresa alemã, projecta os seus efeitos jurídicos na esfera da apelada, extinguindo a obrigação correspondente. De resto, nem sequer decorre da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal de 1.9 instância - que ninguém controverte no recurso - que a apelada não tenha recebido daquela empresa o preço dos vouchers que foi satisfeito à última pelo apelante.
De outro aspecto, para além da recusa peremptória e definitiva, pela apelada, do cumprimento da obrigação a que se deve ter por vinculada, essa obrigação - dado que era temporalmente delimitada - sempre se deveria ter por definitivamente não cumprida também pela perda objectiva, pelo apelante, do interesse que tinha no seu cumprimento (art.° 808.° do Código Civil).
A esta luz é claro que a apelada não cumpriu, de modo que se lhe presume imputável, a prestação a que se vinculou relativamente ao apelante, tornando-se, assim, responsável por todos os prejuízos que lhe causou (art.°s 798.°, 799.°, n°s 1 e 2, 801.°, n.°s 1 e 2, e 808.° do Código Civil).
Conclusão que se julga correcta, mesmo que se devesse entender que o vínculo contratual que ligava a apelada se resolve num mandato não representativo, portanto, num contrato de comissão. Nesta hipótese, a apelada sempre estaria vinculada a assumir a obrigação contraída pela empresa alemã, portanto, a realizar a prestação de alojamento e serviços conexos, obrigação cuja violação também importaria a sua constituição no apontado dever de indemnizar (art.°s 595.° e 1182° do Código Civil, ex-vi art.° 3.° do Código Comercial).
Por último, uma outra circunstância, igualmente, decisiva, sempre justificaria a vinculação da apelada ao referido dever de ressarcir os danos suportados pelo apelante.
É controverso se entre nós é ou não admissível a procuração aparente ou tolerada - que se comunicaria ao mandato com representação - e com as quais se visa, noutros quadrantes jurídicos, tutelar a confiança de terceiro, em face da sua inexistência. Mas uma coisa é segura: a tutela da confiança de terceiro é, entre nós, protegida através da boa fé e do abuso do direito. Assim, o terceiro que colocado numa situação em que podia acreditar, justificadamente, na existência de um mandato representativo, poderá sempre ser protegido, desde que, do conjunto da situação resulte que a invocação do mandante da falta desse mandato, constitua um abuso de direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.
Ora, no caso que constitui o universo das nossas preocupações, está assente, sem controvérsia, que o apelante, que pagou o preço dos vouchers, era cliente habitual da apelada, utilizando vouchers emitidos pela C..., que a apelada confirmou as reservas relativas a dois vouchers - e alterou até as datas das reservas - e enviou o terceiro para pagamento à empresa alemã, com quem negociou a regularização das contas entre ambas, pelo que o apelante podia, lícita ou legitimamente confiar, que a apelada lhe facultaria o alojamento e lhe prestaria os serviços correlativos; neste condicionalismo, a recusa da apelante em cumprir a obrigação traduz um inequívoco abuso do direito, na vertente de venire contra facta propria e consequentemente, a sua recusa em cumprir aquela obrigação é ilícita - e juridicamente censurável - e, portanto, sempre a constituiria no dever de indemnizar (art.°s 334.° e 483.° n.° 1, do Código Civil).
Note-se que a conclusão tirada na sentença apelada não se limita a projectar, na situação jurídica das partes, uma consequência inaceitável; ela repercute-se, de modo nocivo, no mercado de aquisição de bens e serviços através do esquema dos vouchers, sempre que estes sejam emitidos por terceiro, dado que destrói ou corrói a confiança no utilizador na prestação do serviço adquirido por esse modo e a consistência do direito que o voucher documenta ou titula, visto que faz correr pelo último o risco de vicissitudes contratuais a que é alheio e que não domina.


Face ao não cumprimento definitivo pela apelada da obrigação que para ela emerge do contrato de hospedaria ou alojamento hoteleiro, ao apelante assiste, não apenas o direito à restituição da sua prestação, mas também à reparação dos danos que a não realização da contraprestação devida lhe causou. Estes danos consistem, no caso, no dano patrimonial relativo à aquisição dos bilhetes de avião, não reembolsáveis - comutado em € 600,83 - e no dano não patrimonial representado pela ansiedade experimentada pelo apelante com a situação.
O concurso da responsabilidade aquiliana com a responsabilidade contratual relativamente a uma mesma pretensão é uma situação frequente na realidade quotidiana.
Uma pluralidade de qualificações do dever de reparação tem muita relevância prática num ordenamento jurídico, como o nosso, no qual os regimes legais de responsabilidade contratual e delitual não são inteiramente coincidentes. A regulamentação dessas responsabilidades diverge em pontos tão importantes como, por exemplo, a determinação do ónus da prova - visto que enquanto na ilicitude delitual a regra é a da prova da culpa pelo lesado e a excepção a presunção da culpa do agente e na ilicitude contratual o princípio é o da presunção de culpa do devedor (art.°s 487.°, n.° 1, 491.°, 492.°, n.° 1, e 493.° do Código Civil), a medida da culpa - porque na responsabilidade aquiliana é suficiente a negligência do infractor e na responsabilidade ex contractu é exigida, nalguns casos, o dolo do devedor remisso (art.°s 487.°, n.° 2, 494.°, 814.°, n.° 1, 915.°, 957.° e 1134.° do Código Civil), no prazo prescricional - que na responsabilidade ex delicto é de três anos e na responsabilidade contratual é, em regra, o prazo ordinário de vinte anos, e na quantificação da prestação indemnizatória, ao menos para quem entenda - contra o que se deve - que apenas na responsabilidade extracontratual a reparação contabiliza os danos não patrimoniais (art.°s 309.°, 494.° e 498.° do Código Civil).
A realização simultânea da responsabilidade contratual e da responsabilidade delitual verifica-se, em regra, nas situações nas quais o incumprimento da prestação também constitui uma ilicitude delitual. Mas sendo uma dimensão mais comum e vulgar dessa eventualidade, a verdade é que as relações entre a ilicitude aquiliana e a responsabilidade contratual são objecto de controvérsia.
Para uma corrente, o problema resolve-se no plano do concurso de normas, considerando-se a responsabilidade contratual como especial perante a ilicitude aquiliana[10]: como a responsabilidade ex contractu é aplicável em exclusivo a uma vinculação contratual, essa aplicação afasta necessariamente a subsunção dessa ilicitude à responsabilidade delitual; para outra, assente na constatação de que as qualificações da ilicitude como contratual e delitual regulam simultaneamente uma mesma pretensão, o problema da dupla realização de uma e outra previsão de ilicitude deve ser deslocado para o plano do concurso de pretensões indemnizatórias, embora se discuta se esse concurso deve ser qualificado como uma pluralidade de pretensões - ou como uma única pretensão, isto, é uma mesma faculdade de exigibilidade plurimamente fundamentada[11].
A violação contratual pode, portanto, conjugar a infracção do dever de cumprimento da prestação com a violação de um dever acessório de preservação ou de protecção da pessoa e do património do credor e atinge, por isso, um interesse contratual e um interesse extracontratual. Esta violação contratual não coincide, por isso, com o âmbito do não cumprimento, dado que na lógica da lei, esse incumprimento é considerado como originando a indemnização de um interesse contratual, normalmente apenas o interesse negativo - o que remete implicitamente a reparação dos eventuais danos extracontratuais para os regimes da culpa in contraendo ou da responsabilidade delitual (art°s 798.°, 801.°, 808.° e 483.°, n.° 1, do Código Civil).
É claro que esta perspectiva supõe resolvido o problema de saber se relativamente aos danos que transcendem o simples interesse da prestação, a responsabilidade é obrigacional ou aquiliana. Admitindo-se a contraposição entre uma e outra responsabilidade, deve ponderar-se qual dos regimes é mais consentâneo com os valores em jogo e, depois, fazer a qualificação[12].
Nessa qualificação deve, porém, ter-se presente que as modalidades de responsabilidade se distribuem em consonância com o interesse atingido pela acção ou omissão ilícita - e não segundo a origem contratual ou extracontratual do acto ilicitamente realizado ou omitido: se o dano afecta o interesse contratual, a responsabilidade é sempre obrigacional (art.° 798.° do Código Civil); se o prejuízo atinge um interesse extracontratual, a responsabilidade é sempre delitual. Contudo, qualquer destas modalidades de responsabilidade é conjugável com a outra dessas formas de ilicitude, quer porque a violação do interesse contratual pode implicar responsabilidade delitual do lesante, quer porque a infracção do interesse extracontratual pode envolver um interesse contratual. Ainda assim, nenhuma destas formas de responsabilidade consome a outra responsabilidade, nem sequer através de uma relação de especialidade, porque, na sistematização legal, a cada uma dessas responsabilidades corresponde um interesse atingido. Isto é especialmente saliente na qualificação delitual da responsabilidade originada pela omissão de um dever contratual e na distinção entre o regime da responsabilidade do comitente pelos actos do comissário e a regulação da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares (art.°s 486.°, 500.° e 800.° do Código Civil).
A violação dos deveres de prestação pelo devedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual, são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais do credor.
Perante uma prestação não satisfeita que cause danos há, portanto, que distinguir, os danos específicos, ligados à violação da obrigação, a que são aplicáveis, tratando-se, v.g., de contrato de alojamento hoteleiro, as regras gerais do não cumprimento, e outros danos a que é aplicável a clausula geral de responsabilidade civil (art° 483.° n.° 1 do Código Civil). Nesta lógica, nada impede, em princípio, que por danos indirectos se possa fazer apelo à responsabilidade delitual ou aquiliana: se com o não cumprimento se causa ao credor danos que transcendem o âmbito do contrato, há, naquilo que ultrapasse o não cumprimento, responsabilidade ex delicto[13].
Se a ilicitude é simultaneamente contratual e delitual, a dúvida que logo ocorre ao espírito do julgador é a de saber se o credor/lesado pode, em tal caso, optar pelo regime da responsabilidade extracontratual, por esta, na situação concreta, melhor o favorecer, apesar do devedor também se mostrar incurso em responsabilidade ex contractu.
Note-se que não se trata de conceder ao credor duas indemnizações, mas antes de arbitrar uma só, embora reconhecendo-lhe o direito de escolher o regime da responsabilidade à luz do qual essa indemnização deve ser arbitrada. Nesta perspectiva, o credor não é titular de várias pretensões - mas de uma única prestação com um fundamentação plural e, portanto, de um concurso de normas que fundamentam a mesma pretensão e não de um concurso de pretensões[14].
O problema não encontra uma resposta jus positivada[15]. Face à lacuna intencional, a solução maioritariamente proposta pela doutrina e jurisprudência portuguesas para a suprir é a do reconhecimento ao credor da faculdade de opção[16].
O apelante pode, portanto, escolher um dos títulos de aquisição da prestação concorrentes, embora, no caso, o reconhecimento dessa faculdade não assuma uma importância primordial, desde que se admita a ressarcibilidade, com fundamento numa ilicitude puramente contratual, do dano não patrimonial.
Todavia, para que a apelada se deva considerar constituída num dever de reparação é necessário, quer no plano contratual quer no domínio extracontratual, a prova da sua culpa. O problema que, nesse contexto, logo se coloca, é o da possibilidade de extensão, à responsabilidade delitual, da presunção de culpa específica da responsabilidade contratual (art.° 799.°, n.° 1, do Código Civil).
O problema não oferece dificuldades de maior se se tiver presente a unidade do objecto da prova da negligência do devedor lesante no concurso de responsabilidades subjectivas, justificada pela referência dessa negligência à inobservância do dever de diligência exigido para o cumprimento da prestação. Assim, como o incumprimento representa uma ilicitude aferida em função da não efectivação da prestação devida, essa própria ilicitude resulta da infracção daquele dever de diligência. Assim, mesmo sem recorrer à presunção de culpa, a negligência do devedor fica estabelecida se o credor provar o incumprimento contratual, pelo que aquela presunção se limita a confirmar no âmbito da negligência, as conclusões definidas pela análise da ilicitude. Daí que, embora a presunção de culpa constitua uma característica da responsabilidade contratual, a dispensa da prova da negligência coincide com a indiciação dessa negligência pela ilicitude traduzida no incumprimento obrigacional. Não há, portanto, qualquer obstáculo à aplicação dessa presunção a uma responsabilidade que provém desse mesmo incumprimento.
De resto, sendo suficiente, na responsabilidade ex delicto, para a demonstração da negligência uma prova prima facie, que assenta numa conexão causal, extraída da normalidade dos acontecimentos naturais, entre a violação ilícita e a inobservância de um dever de diligência, ou, em concreto, do dever de cuidado que, se tivesse sido observado, teria evitado, segundo a probabilidade daqueles acontecimentos, uma infracção ilícita - a prova dessa ilicitude vale como prova prima facie da negligência, o que onera o lesante com a contraprova, por exemplo, da atipicidade causal entre a violação do dever de negligência e o resultado ilícito.
Dito de outra forma: a negligência e, portanto, a censurabilidade do devedor pode ser deduzida da própria violação do dever contratual e, portanto, a própria ilicitude da conduta do devedor indicia a sua culpa. Nestas condições, o cumprimento do ónus da prova relativamente a essa violação é suficiente para que o tribunal conclua, através de uma praesumptio hominis, extraída da tipicidade causal entre os acontecimentos naturais e o resultado típico, pelo carácter negligente da conduta do devedor
Esta constatação mostra a fundamental proximidade da prova da negligência que é pressuposto da responsabilidade ex delicto que corra a par com a responsabilidade obrigacional, o que permite superar quaisquer objecções contra a presunção de culpa do devedor específica da responsabilidade contratual, como pressuposto de uma responsabilidade delitual com ela concorrente.
Estas considerações são suficientes para estabelecer a conclusão que a apelada actuou, ao menos, com uma culpa negligente e, portanto, para a considerar adstrita ao dever de reparar, designadamente, os danos não patrimoniais suportados pelo apelante.
A indemnização visa reparar danos não patrimoniais quando tem por objecto um interesse não patrimonial, i.e., um interesse não avaliável em dinheiro[17]. Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação[18]. Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.
Na verdade, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (art.° 494.°, ex-vi art.° 493.°, 1^ parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade, imprestável[19]. Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.
A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente (art.° 496.°, n.° 3, 1^ parte, do Código Civil). Neste contexto, a equidade visa determinar aspectos quantitativos de uma prestação: a indemnização. Mas seria errado pensar-se que a fixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz; a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deve atender.
A actividade do juiz na determinação do montante da indemnização, não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção - dado que o obriga a converter a sua valoração de critérios jurídicos de determinação numa quantificação numérica; trata-se, porém, de uma actividade juridicamente vinculada que constitui estruturalmente autêntica aplicação do direito. Desta constatação faz-se, naturalmente, decorrer a consequência da controlabilidade por via de recurso do procedimento de determinação da indemnização.
No tocante ao processo de determinação do valor da indemnização não se deve reconhecer um espaço de discricionariedade diverso daquele que sempre se encontra presente em qualquer decisão verdadeiramente jurídica antes se devendo qualificar a actividade correspondente como aplicação do direito, susceptível de controlo por via do recurso.
Mas também aqui se deve reconhecer que os instrumentos dispostos para orientação e racionalização da decisão judicial cobrem apenas parte das variáveis de que o juiz é portador. Se se introduzirem conceitos como basic rules ou second codes, aludindo ao complexo de regras e de mecanismos reguladores que determinam efectivamente a aplicação que o juiz faz da lei, pode dizer-se que os princípios regulativos de determinação do valor da indemnização cobrem apenas uma parte do processo decisório.
Esta constatação decorre da circunstância de a lei se limitar disponibilizar proposições indeterminadas que apenas se materializam no caso concreto. A indeterminação é de resto dupla: ela resulta quer da possibilidade de introduzir, na aplicação, novos factores atendíveis quer da intermutabilidade dos especificados na lei, cujo peso relativo, também se não encontra determinado. Existe, portanto, uma ilimitada variedade dos factores relevantes para o processo de individualização da medida da indemnização, a que soma a ausência de explicitação do seu peso relativo, tudo apontando para uma valoração casuística infindável, que vinca, também por esta via, a natureza móvel ou aberta do sistema.
Tudo inculca, pois, a conclusão de que a determinação da prestação da indemnização não está na dependência de um liberum arbitrium indifferantiae, de uma discricionariedade livre ou desvinculada do juiz - que implicaria conferir a nota de irrecorribilidade à decisão correspondente - e, consequentemente, que o processo de da determinação do quantum da indemnização deve, em concreto, ser reconduzível a critérios objectivos, e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo. Mas seria imprudente não reconhecer a importância de elementos racionalmente não explicitáveis e mesmo puramente emocionais, e, portanto, uma margem inescapável de subjectividade.
Serve isto para dizer que a remissão no caso para a equidade é aparente, visto que esta só ocorre não quando haja uma qualquer indeterminação que o juiz tenha de resolver no caso concreto - mas quando se verifique uma decisão tomada à revelia do ius strictum, no sentido de sistemático[20]. De resto, um modelo de decisão ex aequo e bono tem ainda a particularidade de não ter preocupações generalizantes, característica que é abertamente contrariada por um dos parâmetros sob cujo signo deve decorrer a actividade de fixação da indemnização: o da uniformização ou padronização do seu valor.
Seja como for, a verdade é que o sistema de ressarcimento do dano não patrimonial é móvel ou aberto, indicando a lei, de forma inteiramente exemplificativa, para determinar o dano de cálculo - i.e., a expressão monetária do dano não patrimonial real - o grau de culpa do lesante a situação económica do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso (art.° 494.° do Código Civil).
O parâmetro representado pela culpa do agente - melhor se diria a forma dolosa ou negligente da imputação - mostra a permeabilidade da lei à ideia de que a indemnização do dano não patrimonial reveste uma certa função punitiva ou sancionatória, à semelhança, de resto, de qualquer indemnização[21].
O critério relativo à situação económica do lesante e do lesado pode, com vantagem, ser reconduzido a uma ideia de proporcionalidade, funcionado como factor da correcção da extensão indemnizatória que se mostre concretamente desproporcionada em face da situação patrimonial dos sujeitos, passivo e activo, da indemnização. Entre as outras circunstâncias do caso, devem indicar-se o carácter do bem jurídico atingido e a natureza e a intensidade do dano causado[22], o género e a idade do lesado - etc. Em qualquer caso, a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade - de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa - e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (art.° 8.°, n.° 3, do Código Civil)[23].
A definição e a valoração do dano não patrimonial são, portanto, tarefas irremediavelmente carecidas de concretização jurisprudencial. O modo como essa actividade concretizadora tem sido desempenhada pela jurisprudência, mesmo no tocante ao dano de natureza máxima - o dano morte - tem merecido, por parte da doutrina, um juízo severo. Em face da exiguidade do valor das indemnizações por danos não patrimoniais comummente fixadas, fala-se, com acrimónia, em página negra da nossa jurisprudência[24], em indemnizações de miséria[25] e em extrema parcimónia[26].
O reparo é justo. Mas seria injusto, de um aspecto, não partilhar a censura com o legislador, que se mostra mais sensível aos danos patrimoniais que aos danos não patrimoniais[27] e aos termos um tanto deprimidos[28] com que se consagrou a ressarcibilidade dos danos desta última espécie e, de outro, não admitir uma evolução, ainda que paulatina, no reforço das indemnizações desse tipo de dano, consequente ao reconhecimento da sua especificidade e alteralidade relativamente ao dano patrimonial e à consciência da necessidade de uma tutela acrescida dos direitos de personalidade[29].
A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (art° 496 n° 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas[30].
É irrecusável que toda a pessoa titula um fundamental direito à integridade pessoal, que abrange as duas componentes fundamentais da sua pessoa - a integridade física e a integridade moral - e à saúde (art.°s 25.°, n.° 1, e 64.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa).
Qualquer facto que atente contra essa integridade da pessoa deve, portanto, ser considerado um dano, não constituindo obstáculo a essa consideração a circunstância de, no tocante à reparação da violação do corpo humano, a restitutio in integrum se mostrar impossível[31].
A lesão da integridade psíquica é um verdadeiro dano, que deve ser reparado de per se, independentemente das concretas repercussões funcionais ou laborais que da sua verificação possam decorrer para o lesado; em caso de coexistência, como sucede às vezes, de uma e de outra espécie de dano, cada um dele deve ser objecto, por aplicação dos respectivos parâmetros de determinação, de reparação autónoma[32].
Na espécie do recurso, o dano não patrimonial que deve ser objecto de adequada reparação é um só: ansiedade que a conduta da apelada, com o não cumprimento da prestação de alojamento e serviços correlativos, causou ao apelante.
Como se notou à pretensão indemnizatória formulada pelo apelante pode ser assinalada uma dupla fundamentação: a responsabilidade contratual e a responsabilidade aquilina. Mas ainda que aquela pretensão relevasse em exclusivo de um delito contratual, nenhuma razão impediria a reparação do dano não patrimonial sofrido por aquela recorrida.
É, na verdade, objecto de controvérsia a questão de saber se a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais se limita ao perímetro da responsabilidade extracontratual ou ex-aquilia, ou deve estender-se à responsabilidade contratual[33].
As razões adiantadas para negar a reparação do dano não patrimonial no contexto da responsabilidade contratual podem cristalizar-se nas proposições seguintes: de um aspecto, o facto de a indemnização dessa espécie de dano se encontrar prescrita na área da responsabilidade delitual; de outro, a preocupação de não introduzir no capítulo da responsabilidade ex-contractu um factor de perturbação da certeza e segurança do comércio jurídico.
Ao argumento assente na colocação sistemática do preceito que contém a previsão da reparação do dano não patrimonial pode replicar-se, com tranquilidade, que aquele preceito se aplica analogicamente[34] à responsabilidade contratual, e ao reparo de que não procedem, no tocante a esse tipo de responsabilidade, as razões justificativas da previsão da ressarcimento desse dano, poderá responder-se que àquela previsão subjaz um princípio de alcance geral, não havendo razão para o não tornar extensível à responsabilidade contratual.
Mais ponderosa é a razão fundada na preocupação de evitar os perigos da extensão dessa indemnização e na insegurança que a reparação do dano não patrimonial, no contexto da responsabilidade contratual, pode aportar para o comércio jurídico[35].
Mas a verdade é que quando a ofensa a bens não patrimoniais ocorra no âmbito de uma relação contratual, não há motivo sério para que se recuse ao credor a reparação do dano correspondente. É exacto que esses danos têm a sua fonte na violação ilícita de bens e direitos de personalidade - v.g. a integridade física ou moral - geradora, portanto, de responsabilidade extracontratual. Porém, como essa infracção ocorre no desenvolvimento de deveres de prestar emergentes de um contrato, esses danos passam a assumir natureza contratual ou, pelo menos, são absorvidos para o perímetro da responsabilidade contratual. A responsabilidade funda-se, então, na violação de deveres laterais de protecção e cuidado para com a pessoa da outra parte[36].
Estando em causa a lesão de direitos ou bens de personalidade do credor, é indiscutível a ressarcibilidade do dano não patrimonial correspondente, por se tratar da violação de direitos absolutos (art.° 70.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). O facto dessa violação se verificar no não cumprimento de um contrato, não deve constituir obstáculo à reparação daquele dano nem deve remeter, necessariamente, o credor para a tutela extracontratual.
Note-se, porém, que o simples não cumprimento do contrato não justifica, de per se, a ressarcibilidade do dano não patrimonial, a menos que a especial natureza da prestação o exija ou quando as circunstâncias envolventes da violação do contrato hajam contribuído, de forma essencial, para uma lesão grave de bens ou valores não patrimoniais.
Decisivo, em qualquer caso, para se sustentar, nas condições apontadas, a reparação do dano não patrimonial é a gravidade desse dano, visto que é ela e só ela que, em último termo, justifica a tutela do direito (art.° 496.°, n.° 1, do Código Civil)[37]. A exigência da gravidade do dano não patrimonial para que se deva afirmar a reparabilidade dele, esconjura, de resto, o perigo da excessiva extensão da obrigação de indemnizar e diminui, para limites socialmente toleráveis, as perturbações do tráfico jurídico.
A gravidade do dano é, portanto, a única condição de ressarcibilidade dele. Essa gravidade deve, decerto, medir-se por um padrão essencialmente objectivo[38]. Porém, ao estimar-se ou mensurar-se esse dano seria erróneo não ponderar uma componente subjectiva, quer dizer, ligada à sensibilidade do lesado ou que releve das especiais características deste[39]: a exigência da gravidade do dano visou única e nitidamente recusar pretensões que convertam simples incómodos e pequenas contrariedades em danos juridicamente relevantes[40].
No caso julga-se, de um aspecto, que o dano não patrimonial suportado pelo apelante se situa num patamar de gravidade suficiente para merecer ressarcimento e, de outro, que é adequado - na ignorância, designadamente, da situação económica do apelante e da apelada - fixar, equitativamente, a compensação correspondente em € 300,00.
O recurso deve, pois, nestes termos, proceder.
Expostos todos os argumentos, afirma-se em síntese estreita que:
- A de decisão do juiz de, nas acções de processo comum de valor não superior a metade da alçada da Relação, finda a fase dos articulados, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato e ao fim do processo, não convocar a audiência prévia, identificar o objecto do litigio e enunciar os temas da prova é tomada no uso de um poder discricionário, sendo irrecorrível, desde que se verifique, no caso, o fundamento do se exercício e o juiz tenha optado por uma das alternativas que a lei lhe concede;
- Esta decisão de dispensa da audiência prévia, de identificação dos termos do litígio e de não enunciação dos temas da prova não tem de ser precedida pela audição das partes;
- Se uma empresa emite vouchers para alojamento hoteleiro invocando, expressamente, que o prestador daquele serviço não é ele, mas o detentor do estabelecimento hoteleiro, deve assentar-se que a emissão daqueles vouchers ocorreu na execução de um contrato de mandato - e de mandato representativo - concluído entre o prestador do serviço e o emissor dos vouchers;
- Age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprio, o prestador do serviço que, depois de confirmar as reservas de alojamento relativas a dois vouchers, envia o terceiro para pagamento ao seu emissor e negoceia com ele o pagamento, recusa ao portador dos vouchers - a quem anteriormente já tinha prestado o serviço de alojamento com base em vouchers emitidos pela mesma empresa - a prestação desse mesmo serviço;
- A violação dos deveres de prestação pelo devedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual, são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais do credor, podendo o lesado escolher um dos títulos de aquisição da prestação concorrentes;
- A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não se limita ao perímetro da responsabilidade extracontratual ou ex-aquilia, estendendo-se à responsabilidade contratual;
- Decisivo, em qualquer caso, para se sustentar a reparação, no contexto de uma responsabilidade contratual, do dano não patrimonial é a gravidade desse dano, visto que é ela e só ela que, em último termo, justifica a tutela do direito.
O apelante e a apelada deverão suportar, dado que sucumbem reciprocamente, no recurso, e na medida dessa sucumbência, as respectivas custas (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e condena-se a apelada, H..., SA, a pagar ao apelante AA a quantia de € 2 302,31.
Custas - da acção e do recurso - pelo apelante e pela apelada, na proporção do respectivo decaimento.
2023.04.12






[1] Trata-se, notoriamente, de lapso, que, porém, se tem por irrelevante. O objecto do recurso é, necessariamente, constituído por um pedido e um fundamento, consistindo o pedido na solicitação da revogação impugnada e o fundamento na invocação de um vício no procedimento - error in procedendo - ou no julgamento - error in iudicando. E, no caso, apesar daquele lapsus calammi, o apelante especifica, com clareza, tanto o pedido de revogação da decisão impugnada, como os erros de procedimento e de julgamento que lhe assaca.
2 O contrato de hospedagem é hoje - no Código de Seabra era um contrato típico, denominado contrato de albergaria ou pousada e com previsão nos art.° 1419° a 1423°. Sobre este tipo contratual vide Cunha Gonçalves, em “Dos contratos em especial”, pág. 181-188, da ed. s.d., das Edições Ática, e em “Tratado de direito civil”, vol. VII, pág. 727­750, da ed. de 1933, da Coimbra Editora, e Pinto Loureiro, em “Tratado de locação”, vol. I, pág. 303-304, da ed. de 1946, da Coimbra Editora - um contrato atípico misto, que integra prestações dos contratos de locação e prestação de serviços, obrigando-se a entidade hospedeira ou hoteleira a ceder o gozo de um determinado espaço, durante um determinado período, e a prestar um determinado número de serviços, contra o pagamento duma retribuição. Cfr. Januário Gomes, em “Constituição da relação de arrendamento urbano”, pág. 146-147, da ed. de 1980, da Coimbra Editora, Pinto Furtado,
em “Manual do arrendamento urbano”, pág. 70-72, da ed. de 1996, da Livraria Almedina, e Galvão Telles, em “Direito das obrigações”, pág. 87, da 7 ed., da Coimbra Editora. Cfr. o art.° 2, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 39/2008, de 7 de Março, na sua redacção actual, que qualifica como empreendimento turístico os estabelecimentos que se destinem a prestar serviços de alojamento, mediante remuneração, e que disponham, para o seu funcionamento, de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares.
[3] Voucher é um vocábulo da língua inglesa que significa título ou comprovativo e que, na acepção de título, representa uma determinada quantia pecuniária que pode ser gasta na aquisição de bens ou serviços específicos, não sendo, porém, remível por dinheiro. Os vouchers conhecem uma latitudinária utilização no sector do turismo, como comprovativo do direito do cliente a um serviço, v.g., de alojamento, numa data e local pré-determinados. Nos casos em que o voucher foi emitido por terceiro, o prestador do serviço recebe do utilizador o voucher e apresenta-o ao emitente para provar que o serviço foi prestado e para receber dele a respectiva remuneração, antecipadamente cobrada, pelo emitente, ao utilizador. Enquanto incorpora uma dada quantia pecuniária, o voucher é um título de crédito impróprio, em regra nominativo, que pode consistir num simples comprovativo de legitimação, se estiver vedada, em absoluto, a sua própria circulação, caso em que tem por função exclusiva legitimar o portador, ou num título de legitimação, se tiver por função primordial legitimar o seu portador a exercer um determinado direito nele contido, mas não a fazer circular ou transmitir tal direito, embora não o impeçam.
João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, págs.97 e 98.
[5]   Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.^ edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 26 e 27, Miguel Teixeira de Sousa, https://blogspot.com/search?q=Decisão+surpresa e João de Castro Mendes, Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, cit., pág. 102, e - por todos - Luís Correia de Mendonça, O Contraditório e a Proibição de Decisões-Surpresa, disponível em portal.oa.pt., que conclui que a sentença proferida com falta de atuação do contraditório se encontra ferida com uma nulidade extraformal e que, tratando-se de um vício da sentença, deve ser feito valer em sede de recurso (pág. 236).
[6]      Acs. STJ de 23.06.2016 (1937/15.0TBCL.S1) e da RL de 10.09.2020 (12841/19.08T8LSB.1.2-6), 09.05.2019 (8764/16.3T8LSB.L1-6) e 26.09.2019 (6141/17.8T8ALM.L1-6).
[7]   Ac. da RL de 23.03.1995, CJ, 95, II, pág. 95, e do STJ de 26.9.1995 e 16.01.1996, CJ, 95, III, pág. 22 e 96, I, pág. 43.
J. A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pág. 389.
Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Autorização, Coimbra Editora, 2012, pág. 327.
[10]    Mário Júlio de Almeida e Costa, O Concurso da Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual, Ab Uno
Ad Omnes, 75 anos da Coimbra Editora, 1998, págs. 555 e ss. e Direito das Obrigações, 7^ edição, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 477 e 478.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, Almedina, Coimbra, 1988, págs. 150 a 159.
[12]                         António Menezes Cordeiro, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, Parecer, CJ, XII, IV, págs. 39 e ss.
[13]   António Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 134.
[14]   Cfr., neste sentido, no contexto dos contratos de compra e venda e de empreitada Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, (parte especial), Contratos, Compra e venda, Locação e Empreitada, 2^ edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 140 - ao ponderar que quando a prestação defeituosa causa, em simultâneo, danos circa rem e extra rem, o comprador ou o dono da obra têm direito a uma prestação indemnizatória, mas há concurso de normas. O concurso não é entre responsabilidades, mas entre normas específicas que estabelecem regimes diversos.
[15]      Apesar de Vaz Serra o ter equacionado nos trabalhos preparatórios do Código Civil, propondo o reconhecimento ao credor a faculdade de optar por um outro regime ou até de cumular regras de uma e outra forma de responsabilidade. Cfr. Responsabilidade Contratual, BMJ n° 85, págs. 208, 230 e 239 e 239.
[16]    Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pág. 209, Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970 pág. 411, Mota Pinto e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1980, págs. 148 e 149, Vaz Serra, RLJ Ano 102, pág. 313, António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 429 a 431 e Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 713 e 714 e os Ac. do STJ de 26.11.90 e 22.10.87, BMJ n°s 301, pág. 404 e 370, pág. 529, respectivamente.
[17]   Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ n.° 83, págs. 65 e ss.
[18]   Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5^ ed. Almedina, Coimbra, 1986, pág. 566.
[19]   Ac. do STJ de 26.02.2004, www.dgsi.pt.
[20]    António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 1984, pág. 1202 e 1203, e A Decisão Segundo a Equidade, O Direito, Ano 122, II, 1990, pág. 261 e ss.
[21]  António Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, 1992, Ano 1°, I, pág. 21 e Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2005, pág. 251 e ss. e Ac. da RL de 15.12.94, CJ, 94, V, pág. 135 e José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 167.
[22]    Vaz Serra, RLJ Ano 103, pág. 179 e Ac. da RP de 20.04.06, www.dgsi.pt.
[23]   Maria Manuel Veloso, Danos não Patrimoniais, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, 2007, págs. 543 e 544 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 629; Acs. do STJ de 27.09.2007, www.dgsi.pt. e de 30.10.1996, BMJ n.° 460, pág. 444.
[24]    António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, 2^ ed., 2007, Almedina Coimbra, pág. 169 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, II, volume, indemnização dos danos reflexos, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 23.
[25]     João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 357, nota 795.
[26]   Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2^ edição, Coimbra, Almedina, pág. 318, nota 660.
[27]   O paradigma da responsabilidade civil é o da patrimonialidade do dano, e, por isso, a reparação do dano não patrimonial, escapa, em larga medida, às coordenadas daquele sistema: cfr. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 376.
[28]   António Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedade Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pág. 478.
[29]    Cfr., v.g., Ac. do STJ de 05.07.2007, www.dgsi.pt.
[30]     Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11.
[31]   Cfr. Luísa Neto, O Direito Fundamental à Disposição sobre o Próprio Corpo (A Relevância da Vontade na Configuração do Seu Regime), FDUP, Coimbra Editora, 2004, págs. 436 e ss.
[32]   João Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 376 a 386 e Consequências não pecuniárias de Lesões não Letais, Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCE, 2002, págs. 763 a 773.
[33]    No primeiro sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5^ edição, vol. I, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 565 e nota (3), e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol., 4^ edição, Coimbra, 1987, pág. 501; no segundo sentido - que corresponde à doutrina e jurisprudência maioritárias - Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ n° 83, pág. 102 e RLJ Ano 108, pág. 122, Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, vol. I, Lisboa, 1975, pág. 576, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4^ ed., Coimbra, 1984, pág. 396 e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6^ edição, Coimbra, 1989, pág. 383. Rui de Alarcão - Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pág. 278 - sustenta que uma compensação por danos morais só pode, em princípio ser feita valer no terreno delitual, e Ribeiro de Faria - Direito das Obrigações, vol. I, Porto, 1987, pág. 493 - julga ser duvidoso que o art.° 496.° do Código Civil, pela sua inserção sistemática, seja aplicável á responsabilidade contratual; Acs. do STJ de 04.06.1974, 18.11.1975, 02.12.1976, 30.01.1981, BMJ n.°s 238, pág. 204, 251, pág. 148, 262 pág. 142 e 303, pág. 212 e www.dgsi.pt.
[34]    Vaz Serra, RLJ Ano 108, e Ac. do STJ de 30.01.1981, citados.
[35]    Cfr. Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pág. 84 e ss.
[36]                         Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada. Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, págs. 55 e ss., 240 e ss. e 274 e ss.
[37]   Maria Manuel Veloso, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, págs. 501 a 508.
[38]    Dano grave não é, porém, apenas o dano excepcional: cfr. Ac. do STJ de 04.03.2008, www.dgsi.pt.
[39]    Assim, v.g. Ac. da RC de 06.02.1990, CJ, I, pág. 92.
[40]     Acs. do STJ de 02.10.1973, BMJ n.° 230, pág. 107, de 26.06.1991, BMJ n.° 408, pág. 438 e de 10.11.2003, CJ, STJ, I,
III, pág. 132.