EXECUÇÃO
PENHORA DE IMÓVEL
ADEQUAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
LEVANTAMENTO DA PENHORA
Sumário

Perante o valor diminuto da quantia exequenda, acrescida das despesas da execução, em resultado de penhora de créditos (rendas), encontrando-se o imóvel penhorado onerado com hipotecas e penhoras registadas anteriormente, sendo a quantia exequenda no montante de € 383.741,31 num dos processos executivos, a sua penhora nos presentes autos é desproporcional, pelo que deve ser levantada, dada a previsibilidade de o exequente nada vir a receber, em caso de venda executiva do imóvel, atenta a prioridade de que goza o credor hipotecário, com penhora anterior registada, no confronto com o crédito da exequente.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


C, S.A., intentou, em 21/07/2015, ação executiva contra LV, visando o pagamento da quantia exequenda de € 12.494,90, acrescida de juros.
O executado deduziu oposição à penhora, alegando, em síntese que o imóvel penhorado tem o valor patrimonial de 196.798,90€. No dia 07/07/2022, o Executado havia sido informado (pelo Sr. Agente de Execução) que o valor recebido até àquela data, por força da penhora de rendas, seria de 17.000,25 €, encontrando-se então em dívida o valor de 9.966,41€. O valor da quantia exequenda indicada no auto de penhora, datado de 24.06.2022, é de € 14.764,46, ao qual acresce o valor, a título de despesas prováveis, de 2.013,40€. No processo ocorreu a amortização regular da dívida exequenda pelo executado tendo até ao momento liquidado 17.000,25 € (mediante penhora de rendas), representando cerca de 70% do valor devido a final que contabiliza em 24.749,17€. A penhora do imóvel, de valor substancialmente superior, é manifestamente excessiva, desproporcional, violando o n.º 3 do art. 735.º e o n.º 2 do art. 751.º, ambos do Código de Processo Civil e ainda o n.º 2 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa. O executado tem outros bens, designadamente, detém uma quota no valor nominal de 200.000,00€ (duzentos mil euros) na Sociedade … pretendendo, nos termos das alíneas a) e c) do n.º 5 do art. 751.º do Código de Processo Civil, que seja esta penhorada em substituição do imóvel. Sobre o imóvel penhorado, incide uma garantia real (hipoteca) e penhoras anteriores.
Conclui pela procedência do incidente e em consequência:
a)- Seja decretada a inadmissibilidade da penhora de imóvel, por manifestamente excessiva e desproporcional e ser ordenado o respetivo levantamento junto do registo predial;
b)- Seja aceite a requerida substituição do imóvel penhorado pela penhora da quota detida pelo Executado na sociedade ...
A exequente apresentou contestação. Alegou, em síntese, que o imóvel penhorado não é a habitação própria permanente do executado, e não permitindo a penhora de outros bens a satisfação integral da exequente no prazo de seis meses, por força disposto na alínea c), do artigo 751.º, n.º 3, e artº 735.º, n.º 1 do CPC, não se encontrando preenchida qualquer alínea do n.º 1, do artigo 784.º, do CPC, é admissível a penhora do imóvel em questão, já tendo a exequente, dado existirem penhoras anteriores sobre o dito imóvel, reclamado créditos junto do processo em que ocorreu a primitiva penhora. A referida sociedade não tem qualquer atividade, sendo que o último ano em que houve apresentação de contas foi 2019, relativamente ao ano de 2018. Opõe-se à substituição da penhora do imóvel pela penhora da quota detida pelo oponente na sociedade supra indicada, pelo que a mesma não é admissível (artigo 751.º, n.º 4, alínea a), do CPC).
Conclui pela improcedência do incidente.
Em 16/01/2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Em face dos factos alegados e dos fundamentos de direito aplicáveis considera-se estar o Tribunal na posse de todos os elementos que lhe permitem proferir decisão final.
Deste modo, nos termos e para os efeitos do artigo 295.º ex vi artigo 785.º n.º 2 do CPC notifique-se as partes para, querendo, apresentar breves alegações por escrito.
Prazo: 10 dias.”
O executado/opoente pronunciou-se em termos idênticos aos contantes do requerimento de oposição à penhora. Mais acrescentou não ser “verdade a alegação da exequente de que a mencionada sociedade não tem qualquer atividade. A mesma encontra-se ativa e a laborar no seu objeto social e o facto de não ter as contas registadas desde 2019 (tarefa normalmente efetuada pelo contabilista técnico de contas e cuja não realização poderá ter resultado de um mero esquecimento), não quer dizer que não tem atividade e que não as possa vir a registar.”
A exequente/oposta requereu “… considerando o alegado na Contestação, se digne a) julgar improcedente a Oposição à Penhora, e b) indeferir a requerida substituição da penhora do imóvel pela penhora da quota detida pelo Oponente na sociedade ….
De seguida foi proferida decisão, que julgou improcedente a oposição à penhora.
O executado recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
I.– Ora, atendendo à factualidade dada por provada, não parece ser de aderir, salvo o devido respeito, à sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto a penhora de imóvel não se pode ter como necessária, adequada ou proporcional.
II.– Esta factualidade, em conjugação com a fundamentação nela vertida, peca, salvo melhor entendimento, por defeito, porquanto não são tidos em consideração, para a decisão, elementos de extrema importância.
III.– Atendendo à liquidação, por parte do Recorrente de sensivelmente 70% do valor em dívida, não foi a este facto atribuída a relevância necessária, por forma a compreender a desnecessidade da penhora e da dimensão com que a mesma foi efetuada.
IV.– Não se pode conceder que para satisfação de um crédito com o valor em dívida de aproximadamente 9.000,00€ (nove mil euros) se penhore um bem imóvel com valor patrimonial aproximado de 200.000,00€ (duzentos mil euros).
V.– Considerando que o Tribunal a quo tem conhecimento da sentença proferida no âmbito do apenso B do presente processo, nos termos supra melhor expostos, na qual se concordou a posição do aqui Recorrente com fundamentação semelhante, não se pode conceder, salvo o devido respeito, o sentido da sentença ora recorrida.
VI.– Ou seja, o Tribunal a quo já concedeu no passado que se deveriam entender por desnecessárias, desadequadas ou desproporcionais quaisquer penhoras adicionais no âmbito do presente processo.
VII.– Ora, e permitindo-se a coloquialidade, “quem não pode o menos, não pode o mais”, não se afigura viável que entendendo-se em 2022 que o Recorrente necessitava das rendas para efeitos da sua subsistência, se entenda agora que este poderá subsistir sem um imóvel, lesando o seu direito de propriedade.
VIII.– É ainda de relevar a cristalina (e desmesurada) agressão ao património do Recorrente, sem que tivesse o Tribunal a quo realizado a “indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património”, conforme ensina Teixeira de Sousa.
IX.– Ademais, e atendendo à circunstância de o bem imóvel não se encontrar livre de ónus ou encargos, pendendo sobre si outras penhoras anteriores, têm de ser tidos em consideração relevados os interesses dos credores anteriores. Sempre se dirá que não se pronunciou o Tribunal a quo sobre o concurso de penhoras existente no bem imóvel, sem prejuízo de ter essa factualidade sido dada como provada.
X.–Pronúncia essa, salvo o devido respeito, indispensável, atentos os ditames legais que regulam estas matérias.
XI.– Assim, havendo cumulação de execuções – o que, in casu, se verifica—a posterior (que é a do processo vertente) deverá ser suspensa até satisfação integral do crédito de outras, que tenham prioridade temporal face a esta.
XII.– Destarte, deverá ser tida por inadmissível a penhora efetivada sobre um bem imóvel com garantia real – hipoteca – executada e penhorada em processo de execução anterior.
XIII.– Por último, e quanto à inadmissibilidade da indicação de bem alternativo à penhora, decidiu o douto Tribunal que a quota de 200.000,00€ (duzentos mil euros) na sociedade unipessoal por quotas detida pelo Executado identificada na oposição deduzida, não constitui garantia patrimonial bastante para a satisfação do crédito do Exequente, ora Recorrido, o que não se pode aceitar.
XIV.–A sobredita sociedade está ativa, tendo o seu capital social plenamente realizado.
XV.–Resulta evidente que não se poderá dar por provada qualquer falta de atividade decorrente da falta de prestação de contas sendo possível, tal como sucede in casu, que uma sociedade se mantenha ativa, ainda que não se verifique qualquer prestação de contas.
XVI.–O Tribunal fez operar, de facto, uma presunção judicial, presumindo e dando por provada a não satisfação do crédito pela falta de prestação de contas desde 2019.
XVII.–Assim se conclui que a presunção de que, por não ter efetuado prestação de contas desde 2019, “a quota em sociedade (…) não constitui bem patrimonial suficiente e garante da satisfação do direito do credor”, não poderá ter cabimento, porquanto – salvo o devido respeito – não dispõe o Tribunal de meios que lhe permitam, com caráter de certeza, dar tal facto por provado.
XVIII.–Não nos resta se não concluir que, na esteira do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso a esta específica presunção judicial não poderá operar por, sempre se dirá, não ser possível ficcionar a decorrência lógica pretendida.
XIX.–Por tudo o exposto, deve a oposição à penhora ser considerada procedente, devendo a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue verificada a mesma.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o Doutro suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência:
a)- Ser a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue verificada a oposição à penhora deduzida;
b)- Ser decretada a inadmissibilidade da penhora do bem imóvel, por manifestamente excessiva e desproporcional e ser ordenado o respetivo levantamento junto do registo predial;
c)- Ser a quota detida pelo Recorrente na Sociedade … decretada bastante para satisfazer o crédito do credor e nesse sentido, penhorada.”
A exequente apresentou contra-alegação, tendo formulado as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.– O imóvel penhorado não é a habitação própria permanente do Executado.
2.– A penhora de outros bens não permite a satisfação integral da Exequente, ora Recorrida, no prazo de seis meses.
3.– Assim sendo, por força disposto na alínea c), do n.º 3, do artigo 751.º, do CPC, ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora do imóvel em questão, não se encontrando preenchida qualquer alínea do n.º 1, do artigo 784.º, do CPC, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente a invocada ilegalidade da extensão da penhora, bem como a Oposição à Penhora.
4.– No que concerne à pretensão do Recorrente de que fosse penhorada uma quota por si detida na sociedade …, em substituição do imóvel penhorado, conforme refere o Tribunal a quo e reconhece o próprio Recorrente, está em causa uma sociedade sem qualquer actividade, sendo que o último ano em que houve apresentação de contas foi 2019.
5.– Dispõe o artigo 751.º, n.º 4, alínea a), do CPC, que a penhora pode ser substituída pelo agente de execução “Quando o executado requeira ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha a exequente;” (sublinhado nosso).
6.–Ora, a Recorrida opôs-se à substituição da penhora do imóvel pela penhora da quota detida pelo Recorrente na sociedade supra indicada, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente a requerida substituição.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. SUPRIRÃO:
Deverá o recurso ser julgado improcedente por não provado, sendo confirmada a sentença recorrida.
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A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos, que se enumeram por facilidade de exposição:
1.–O Executado é dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à moradia sita na Rua…, com um valor patrimonial de 196.798,90€ (cento e noventa e seis mil, setecentos e noventa e oito euros e noventa cêntimos), conforme demonstrado pela Caderneta Predial Urbana e Certidão do Registo Predial por si juntas ao processo (documento 1 da petição de oposição).
2.–O imóvel penhorado no processo de execução encontrava-se arrendado por contrato de arrendamento para fins habitacionais datado de 18/06/2015, que cessou, por resolução do senhorio executado, encontrando-se pendente uma ação de despejo, que corre termos neste Tribunal Judicial, no Juízo Local Cível …, sob o processo n.º 000.
3.–No processo de execução foi penhorada parte da renda que era devida ao Executado, no valor de 166,66€ (cento e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), sendo que, sobre aquela mesma renda, incidia uma outra penhora anterior, no valor de 333,33€ (trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), no âmbito do processo n.º 111, que tem igualmente, como Exequente, a C., e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de ….
4.–No passado dia 07.07.2022, o Executado havia sido informado (pelo Sr. Agente de Execução) que o valor recebido até àquela data, por força da penhora de rendas, seria de 17.000,25 € (dezassete mil euros e vinte cinco cêntimos) e que o valor em divida seria de 9.966,41€ (nove mil, novecentos e sessenta e seis euros e quarenta e um cêntimos), conforme demonstrado pelo Documento 2 junto com a petição de oposição.
5.–No entanto, o valor da quantia exequenda indicada no auto de penhora, datado de 24.06.2022, é de € 14.764,46 (catorze mil, setecentos e sessenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), ao qual acresce o valor, a título de despesas prováveis, de 2.013,40€ (dois mil e treze euros e quarenta cêntimos), perfazendo assim, o total de 16.777,86€ (dezasseis mil, setecentos e setenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos), em clara contradição com o anteriormente comunicado ao Executado.
6.–Por conta da amortização regular da dívida exequenda pelo Executado, até ao momento foi pelo mesmo liquidado o valor de 17.000,25 € (dezassete mil euros e vinte cinco cêntimos), representando cerca de 70% do valor devido a final que se contabiliza em 24.749,17€ (vinte e quatro mil e setecentos e quarenta e nove euros e dezassete cêntimos), cf. página 2/9 do doc. 2 já junto.
7.–Acresce ainda que, sobre o imóvel penhorado, incide uma garantia real (hipoteca) e penhoras anteriores, nomeadamente para execução de garantia hipotecária no âmbito do processo n.º 888, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de…, no qual é Exequente o Banco….
8.–Conforme se pode comprovar pela Certidão de Registo Predial já junta ao processo, o Exequente Banco … efetuou uma penhora sobre o bem imóvel em causa, registada no dia 07.01.2016 e, portanto, anterior ao presente processo.
9.–O Executado detém uma quota no valor nominal de 200.000,00€ (duzentos mil euros) na Sociedade …, , que indicou à penhora no seu requerimento de oposição, em substituição do imóvel.
10.–Trata-se de uma sociedade sem actividade, sendo que o último ano em que houve apresentação de contas foi 2019.”
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A decisão recorrida consignou não se terem provado quaisquer outros factos com relevo para a causa.
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Importa, ainda, considerar a seguinte factualidade, com relevo para a decisão:
A)–Conforme requerimento executivo o valor da quantia exequenda (capital) é de € 12.494,90, a que acrescem juros moratórios, no valor de € 1.999,12 e juros compulsórios no valor de € 270,44 (perfazendo 14.764,46).  
B)–No extrato de conta corrente da execução elaborado em 07/07/2022 pela AE, consta o montante de € 17.000,25 pago ao exequente (valor que corresponde à soma dos valores penhorados a título de rendas); a quantia a pagar pelo executado (9.966,41) mencionada em 4 supra, inclui juros moratórios vincendos no valor de € 5.891,74 e juros compulsórios vincendos no valor de € 2.217,49.
C)–A penhora de rendas iniciou-se em setembro de 2015.
D)–Em 24/06/2022 a AE comunicou a decisão de sustação da execução quanto ao imóvel penhorado, ao abrigo do disposto no artº 794º do CPC (existência de penhora anterior).
E)–No processo executivo mencionado no ponto 8 supra a quantia exequenda ascende a € 383.741,31.
F)–O imóvel identificado no ponto 1 supra mostra-se onerado com o registo de duas hipotecas (em 04/10/2006, uma delas mencionada no facto provado nº 7) e duas penhoras (em 21/06/2013 e 07/01/2016, esta última mencionada no facto provado nº 8).
G)–Depois da penhora do imóvel e da conta corrente mencionada em B), foi emitida pela AE, em 16/02/2023, conta corrente da execução, da qual consta: i) o montante de € 18.166,94 pago ao exequente; ii) a quantia a pagar pelo executado (€ 9.440,60), incluindo esta juros moratórios vincendos no valor de € 6.264,74 e juros compulsórios vincendos no valor de € 2.341,69.
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1.–Da impugnação da decisão de facto
2.–Apurar se a penhora do imóvel é excessiva, desproporcional e se deve ser substituída pela penhora de quota social.
1.–Da impugnação da decisão de facto
Defende o apelante que não se pode dar por provada a falta de atividade da sociedade onde detém uma quota, decorrente da falta de prestação de contas, sendo possível que uma sociedade se mantenha ativa, ainda que não se verifique qualquer prestação de contas, pelo que a presunção judicial não pode operar por não dispor o Tribunal de meios que lhe permitam, com caráter de certeza, dar tal facto por provado.
Dispõe o artigo 349.º do Código Civil que “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, acrescentando-se no artigo 351.º do Código Civil que “as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
“A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência (…)” – Ac. STJ de 10/01/2017, proc. nº 841/12.6TBMGR.C1.S1, in dgsi.pt
A 1ª instância fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:
“Na fundamentação da sentença, após analisar os factos que considera provados e não provados, o Juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria da facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência (cf. artigo 607.º, n.º 4, aplicável ex vi artigo 732.º, ambos do Código de Processo Civil).
A convicção sobre a matéria de facto provada, supra discriminada, baseou-se no acordo das partes, na prova documental oferecida pelas mesmas, bem como nas regras de plausibilidade e experiência comum.”
Não foi com recurso a presunção judicial que o facto impugnado foi considerado provado. Nem o mesmo assenta em documento junto aos autos. Com efeito, pese embora a exequente/oposta tenha alegado a falta de atividade da sociedade na contestação, e tenha requerido no artº 9º desta peça processual, a notificação do opoente para juntar aos autos certidão permanente da referida sociedade, tal não foi ordenado. Assim, e por exclusão de partes, o facto apenas pode ter sido dado como provado por admitido por acordo.
Estabelece o artº 785º, nº 2 do CPC que “o incidente de oposição à penhora segue os termos dos artigos 293.º a 295.º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 732.º”
O incidente apenas prevê dois articulados: requerimento de oposição à penhora e contestação, nos quais devem ser requeridos os meios de prova.
A falta de atividade da sociedade foi alegada pela oposta em articulado que não admite resposta (as denominadas “alegações por escrito” não constituem articulado processualmente previsto e apenas se destinaram a substituir alegações orais, sendo certo que nelas o opoente afirma ter a sociedade atividade), pelo que tal facto não pode ser considerado provado.
Pelo exposto, julga-se procedente a impugnação da decisão de facto e, em consequência, determina-se a eliminação desse facto do ponto 10 do elenco dos provados, passando este a ter a seguinte redação:
10.– O último ano em que a referida sociedade apresentou contas foi em 2019.”
2.–Apurar se a penhora do imóvel é excessiva, desproporcional e se deve ser substituída pela penhora de quota social.
O incidente de oposição à penhora é o meio de reação à penhora objetivamente ilegal, cujos fundamentos estão taxativamente previstos no artº 784º do C.P.C.
O executado invocou a inadmissibilidade da penhora do imóvel, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 784º, por considerar ser a penhora do imóvel excessiva e desproporcional.
Nos termos do disposto no artº 735º do CPC “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda” (nº 1); e “a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja, superior a este último valor” (nº 3).
Consagra o nº 3 o princípio da proporcionalidade.
Também o artº 751º contém afloração deste princípio. Depois de enunciar a regra de que “a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente” (nº 1), estabelece o nº 2, que “o agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior.”
Dispõe o nº 3 deste preceito que “ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.”
A quantia exequenda ascende a € 14.764,46, pelo que as despesas previsíveis da execução presumem-se ser de € 1.476,44 (artº 735º, nº 3).
A penhora deve, pois, incidir sobre bens suficientes para assegurar o pagamento da quantia global de € 16.240,90.
Por um lado, o valor global penhorado (rendas), em 07/07/2022, já havia ultrapassado este montante, sendo certo que a penhora de rendas continuou a ser efetuada e o respetivo valor a ser entregue ao exequente. Na data mais próxima da decisão recorrida o valor entregue ao exequente, em 16/02/2023, provindo de penhora de rendas, ascendia a € 18.166,94, a quantia a pagar pelo executado era de € 9.440,60 e incluía juros moratórios vincendos no valor de € 6.264,74 e juros compulsórios vincendos no valor de € 2.341,69.
Por outro lado, os juros continuaram a vencer-se desde aquela data.
A penhora do imóvel, sete anos depois de se ter iniciado a penhora das rendas, constitui reforço desta.
Estabelece o artº 751º, nº 5:
“A penhora pode ser reforçada ou substituída pelo agente de execução nos seguintes casos:
a)-Quando o executado requeira ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha o exequente;
b)-Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados;
c)-Quando os bens penhorados não sejam livres e desembaraçados e o executado tenha outros que o sejam;
d)-Quando sejam recebidos embargos de terceiro contra a penhora, ou seja a execução sobre os bens suspensa por oposição a esta deduzida pelo executado;
e)-Quando o exequente desista da penhora, por sobre os bens penhorados incidir penhora anterior;
f)-Quando o devedor subsidiário, não previamente citado, invoque o benefício da excussão prévia.”
O reforço da penhora determinado pelo AE apenas pode ter sido ditado pela situação prevista na alínea b), dado que as demais alíneas são manifestamente inaplicáveis ao caso.
Referindo-se à insuficiência manifesta inicial ou superveniente, dos bens penhorados, Rui Pinto[1] afirma, “se o exequente, para obter o seu crédito, tem de aguardar vários anos pela acumulação de desconto de quantias extraídas de créditos do executado, não se pode afirmar que os bens penhorados satisfaçam plenamente o escopo da execução e, nessa aceção, sejam eficientes, isto é, dispensem a penhora de outros bens com possibilidade de mais célere realização de valor. Não há excesso de penhora quando é penhorado um imóvel, não obstante já estarem a ser efetuados descontos da pensão do executado que, a manter-se, faça prolongar a realização do crédito por tempo excessivo”.  
O preenchimento da alínea b) do nº 5 do artº 751º, não prescinde do juízo de adequação e proporcionalidade.
No caso dos autos importa atentar que sobre o imóvel penhorado, com o valor patrimonial de € 196.798,90, incidem duas hipotecas e duas penhoras registadas anteriormente, o que fundou a sustação da execução relativamente ao imóvel, nos termos do disposto no artº 784º do CPC. Num dos processos executivos a quantia exequenda ascende a € 383.741,31.
Afigura-se-nos impossível, ou pelo menos muito difícil, a obtenção de satisfação do crédito da exequente, em caso de venda executiva do imóvel, dada a prioridade de que goza o credor hipotecário, com penhora anterior registada, no confronto com o crédito da exequente.
Admitindo que tal venda e pagamento se processará no prazo de seis meses (cfr. artº 751º, nº 3 do CPC) o valor do crédito da exequente, aquando da venda, será muito inferior ao montante de € 9.666,41, constante da conta corrente da execução, já que este contempla juros moratórios e compulsórios vincendos na quantia global de € 8.108,63, certamente calculados na previsão do tempo necessário para penhora mensal das rendas.
Neste contexto, não obstante assistir à exequente o direito à penhora de outros bens do executado – resulta dos autos que o executado detém quotas em duas sociedades, relativamente às quais não foi junto qualquer meio probatório que permita aferir da sua adequação  ou não para satisfação do crédito exequendo -, que lhe permitam mais célere realização do valor ainda em dívida (que se tem por diminuto, se deduzido apenas o valor dos juros moratórios vincendos), encontrando-se o imóvel onerado com hipotecas e penhoras registadas anteriormente, sendo a quantia exequenda no montante de € 383.741,31 num dos processos executivos, a sua penhora é desproporcional, pelo que deve ser levantada (artº 785º, nº 6 do CPC).
“… é tida por desproporcional, desadequada e inútil à realização do direito à execução uma penhora que, num juízo de prognose, nada vai, previsivelmente, permitir obter para satisfazer o direito do exequente; ou, dito doutra forma, nada justifica a apreensão de bens de devedor a solicitação de determinado credor quando, à partida, lícito é antever com segurança que da referida agressão do património do executado não resultará qualquer possibilidade de a pretensão do exequente ser satisfeita (total ou parcialmente). [2] 
“Apesar de nas circunstâncias do caso reforço da penhora (cfr. nº5, do art.751º) não poder deixar de se justificar, pois que se constata que a importância penhorada e a que está a ser descontada no vencimento da executada é diminuta em face do montante da quantia exequenda, juros e custas prováveis, verificando-se insuficiência de penhora, levando a efetuada ao arrastar, por longos anos, da execução, certo é que, apesar do valor do imóvel, sobre ele incidem duas hipotecas, sendo, ainda, que as custas gozam de precipuidade (art. 541º, do CPC), e sendo os créditos hipotecários, de montante muito superior ao valor patrimonial do imóvel, tal leva a que, no caso, a concreta penhora do imóvel, por razões de adequação, de proporcionalidade e de proibição da prática de atos inúteis, se não possa manter, pois que nenhum interesse tem o exequente, nas circunstâncias atuais do caso, no prosseguimento da execução quanto a tal bem, daí lhe não advindo vantagem ou utilidade para o fim que prossegue na execução, antes a venda executiva do imóvel, habitação própria e permanente da executada, implicaria o desmoronar da existente estabilidade social e económica da executada e nenhuma vantagem de tal penhora advindo para o exequente, pois que o produto da venda do imóvel, esta com custos, nunca reverteria para si, atentos os créditos graduados e a obter pagamento á frente do seu, incluindo o de custas, certo sendo, ainda, que a executada, até, vem a demonstrar esforço, frutífero, no sentido do pagamento de tais créditos.” [3]
*
O executado requereu a substituição da penhora do imóvel pela penhora da quota de que é titular na sociedade …, invocando para o efeito o artº 751º, nº 5, al. a) e b) do CPC.
Perante a procedência da oposição fica prejudicada a apreciação da substituição da penhora. Sempre se dirá que a substituição da penhora, a requerimento do executado, está apenas prevista na al. a) do nº 5 do artº 751º do CPC, e depende da verificação de dois pressupostos cumulativos: que os novos bens assegurem os fins da execução e que o exequente não se oponha à substituição. Perante a oposição manifestada pela exequente, sempre seria de indeferir a requerida substituição.
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a oposição à penhora, pelo que se determina o levantamento da penhora sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à moradia sita na Rua …
Custas pela apelada.


Lisboa, 25 de maio de 2023


Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço


[1]A Ação Executiva, AAFDL, pág. 634
[2]Ac. RC 08/03/2022 586/16.8T8PBL-C.C1. in www.dgsi.pt
[3]Ac. RP de 12/07/2021, proc. nº 9758/15.1T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt