CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONTRATOS CELEBRADOS FORA DO ESTABELECIMENTO
CONSUMIDOR
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário

I - O contrato de mediação imobiliária celebrado na habitação do consumidor está sujeito ao regime jurídico dos contratos celebrados fora do estabelecimento do DL n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, independentemente das razões pelas quais a celebração ocorreu aí e da demonstração de que por esse facto o consumidor foi influenciado ou manipulado pelo profissional.
II - Nos contratos celebrados fora do estabelecimento o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem necessidade de indicar o motivo, razão pela qual a invocação de um motivo é juridicamente irrelevante, mesmo que o motivo seja inexistente ou improcedente.
III - Para excluir esse direito não basta que no momento da resolução já os serviços tenham sido integralmente prestados, é ainda necessário que o consumidor haja consentido expressamente no início da prestação dos serviços e reconhecido que nessa situação perde o direito de livre resolução se o contrato tiver sido plenamente executado pelo profissional.

Texto Integral

RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2023:7118.21.4T8VNG.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
A..., Lda., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede em Vila Nova de Gaia, instaurou acção judicial contra AA, titular do cartão de cidadão nº ..., contribuinte fiscal nº ..., e BB, titular do cartão de cidadão nº ..., contribuinte fiscal nº ..., residentes em Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação dos réus a pagar à autora a quantia de €7.380,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária para venda de uma fracção urbana dos réus, que no cumprimento das suas obrigações obteve um interessado e promoveu várias diligências para a concretização do negócio, que os réus com argumentos falsos resolveram aquele contrato, vindo a vender a fracção ao interessado angariado pela autora.
Os réus foram citados e apresentaram contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito que até terem comunicado a resolução do contrato nunca lhes foi dada a oportunidade de lerem o contrato nem entregue cópia do mesmo, que não foi em resultado da actuação da autora, mas por conhecimento pessoal dos réus que o comprador da fracção se interessou pelo negócio; mais impugnam parte dos factos alegados pela autora.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada totalmente procedente e os réus condenados no pedido.
Do assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1- In casu, a douta sentença recorrida não conhece de todas as questões submetidas à apreciação do Tribunal pelo que deverá ser declarada a omissão de pronúncia e a consequente nulidade.
2- A autora e os réus carregaram para os autos questões que eram essenciais para a decisão da causa e com fundamento na alínea d. do artigo 615º Código de Processo Civil a douta sentença deveria ter-se pronunciado como era seu dever.
3- A sentença recorrida dá como provados os factos B), C), E), G. e I), onde no dia 03 de Setembro de 2020, o vendedor da autora CC e o réu AA combinaram que no dia 05 (Setembro de 2020. CC deslocar-se-ia ao imóvel a fim de o conhecer, (…. onde formalizaram (facto provado C. e assinaram o contrato de mediação imobiliária, (facto provado E), em regime de exclusividade tendo por objecto a promoção de venda de um imóvel sito na Rua ..., ..., 1º andar esquerdo, em ..., Vila Nova de Gaia (facto provado G).
4- E dá como provado o facto I), que; “A A. recebeu, no dia 21 de Setembro de 2020, uma carta remetida pelos réus cujo assunto mencionava “Resolução contratual de mediação/angariação imobiliária”.
5- No dia 5 de Setembro de 2020, no imóvel sito na Rua ... a autora através do seu vendedor CC celebrou um contrato de mediação imobiliária com os réus, que foi objecto de Resolução contratual por carta enviada por correio registado com A/R. (cfr. documentos juntos aos Autos a fls.. no dia 18 de Setembro de 2020 pelos réus à autora e por esta recebida no dia 21 de Setembro de 2020, mas também por mail datado de 18 de Setembro de 2020 (releva-se a cópia do email que os réus juntaram aos autos a fls. com a contestação.), tendo sido utilizado o endereço de correio electrónico da testemunha DD, filha dos réus.
6- A sentença recorrida na sua motivação e fundamentação em nada se pronunciou relativamente a estes factos, não efectuou uma análise crítica e rigorosa desta prova, concretamente não retirou como era sua obrigação legal, todos os efeitos ou consequências do correio electrónico e da carta de resolução contratual, desvalorizando assim incompreensível e injustificadamente a prova documental oferecida e produzida pelos réus constante dos autos, e a prova testemunhal nomeadamente o depoimento da testemunha DD.
7- A sentença recorrida violou o artigo 608º n.º 2 do C.P.C., pois “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação …”.
8- Do que resultou provado em audiência de julgamento a sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1 alínea d), pois deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente as consequências que podiam ser retiradas do correio electrónico e da carta de Resolução contratual comprovadamente enviada pelos réus à autora no dia 18 de Setembro de 2020.
9- O tribunal recorrido deu como provado o facto I. mas não se pronunciou sobre essa carta de resolução do contrato de mediação imobiliária enviada pelos réus, quanto às consequências e efeitos que a carta de resolução contratual de 18 de Setembro de 2022, produziu no contrato de mediação imobiliária celebrado a 05 de Setembro de 2020.
10- Pese embora essa carta tenha sido junta e articulada por ambas as partes nas suas peças processuais, na decisão recorrida em nada discorreu sobre esta problemática.
11- O contrato de mediação imobiliária é um contrato de prestação de serviços que, “consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que têm por objecto bens imóveis…” conforme se define no artigo 2º, n.º 1 da Lei 15/2013 de 08 de Fevereiro, não é um contrato que tem por objecto a compra e venda de bens imóveis.
12- E tendo sido o contrato em causa de prestação de serviços e celebrado na residência dos réus (pessoas singulares. é aplicável o regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial da autora, previsto no Decreto-lei n.º 24/2014 e 14 de Fevereiro.
13- Não é de aplicar o sentido da exclusão previsto na alínea d. do n.º 2 do artigo 2º do Decreto-lei n.º 24/2014 de 14 de Fevereiro aos contratos de mediação imobiliária, então a sentença recorrida deveria analisar o direito de livre resolução operado pelos réus.
14- De acordo com o disposto no artigo 10º, n.º 1, alínea a. do Decreto-lei n.º 24/2014 de 14 de Fevereiros, no caso da prestação de serviços, o consumidor tem direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para além dos estabelecidos no n.º 3 do artigo 12º e artigo 13º quando for caso disso, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias a contar do dia da celebração do contrato.
15- O disposto no artigo 10º, n.º 1, alínea a. do Decreto-lei n.º 24/2014 de 14 de Fevereiros, estipula que; “o consumidor tem direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para além dos estabelecidos no n.º 3 do artigo 12º e artigo 13º quando for caso disso, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias a contar do dia da celebração do contrato, no caso da prestação de serviços.” (negrito nosso).
16- A sentença recorrida deveria dar como provada a carta assinada pelos réus e enviada no dia 18 de Setembro de 2020 (antes do termo do prazo de 14 dias. com o seguinte conteúdo: “Viemos por este meio proceder à Resolução Contratual do Contrato, assinado no dia 5 de Setembro de 2020, porque nos assiste o direito de resolver o mesmo, encontrando-nos no prazo legal permitido por lei damos o mesmo sem efeito. Apesar de enviar email com data de hoje, a resolução contratual segue por carta registada com aviso de recepção. Consideramos que vossas excelências agiram com má fé, pois nunca nos entregaram a documentação assinada no dia 5 de Setembro, omitindo os deveres de informação e esclarecimentos, não nos permitindo analisar especificamente o contrato assinado, porque se recusam a entregar-nos cópia”. (cfr. documentos que se juntaram com a contestação sob os n.º 06, 07 e aqui se deram como integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos).
17- Pelos elementos constantes dos autos a autora tem sede na Avenida ..., ..., em Vila Nova de Gaia e os réus residiam à data da celebração do contrato na Rua ..., ..., 1º andar esquerdo em ..., Vila Nova de Gaia, local onde foi celebrado o contrato.
18- O registo postal da carta enviada pelos réus foi efectuado a 18 de Setembro de 2020, como de forma inequívoca resulta do documento n.º 07 oferecido pelos réus com a sua contestação.
19- Após esta missiva, onde os réus exerceram o direito potestativo de livremente se desvincularem do contrato celebrado com a autora - revogação unilateral do contrato dentro do prazo legal -, extinguiram-se as obrigações contratuais de execução do contrato, bem como o direito da autora exigir a remuneração nos termos do artigo 19º da Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiros.
20- Ficou provado que, os réus exerceram tempestivamente o seu direito potestativo, juntando prova do envio da carta dentro do prazo para cumprimento do artigo 11º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 24/2014 de 14 de Fevereiros,
21- Mas, mais longe e não se ficaram unicamente pelo direito da livre resolução contratual, alegaram acto importante de que, a autora nunca lhe entregou a documentação assinada no dia 05 de Setembro, sendo um requisito de forma nos termos do artigo 9º, n.º 2 do referido Decreto-lei.
22- O contrato de mediação imobiliária foi assinado fora do estabelecimento comercial (conjugação dos factos provados a C), D), E. e G. os réus na qualidade de consumidores podiam desistir do contrato dentro do prazo dos 14 dias, reconduzindo-se esta desistência a uma revogação unilateral.
23- A sentença recorrida deveria ter concluído e decidido esta matéria, no sentido de que aos réus assistia o direito de resolução contratual, pelo que, tendo-o feito, deveria a autora sujeitar-se às consequências dessa resolução, não tendo a cláusula de exclusividade acordada entre as partes produzido quaisquer efeitos, por força do exercício deste direito.
24- Os recorrentes insurgem-se contra esta falta de pronúncia na sentença quanto ao facto de resultar provado, com interesse para a decisão da causa, o facto I. que demonstra claramente que no dia 21 de Setembro de 2020, a A. recebeu uma carta remetida pelos R.R. cujo assunto mencionava “Resolução contratual de mediação/angariação imobiliária”, e de todos os documentos juntos com a contestação dos réus, nomeadamente o correio electrónico e o registo postal com A/R comprovativo do envio da carta.
25- Da análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, juntamente com os documentos constantes dos autos, relacionados entre si e com recurso a juízos de experiência comum, não poderia a Meritíssima Juíza, deixar de se pronunciar quanto a esta situação decisiva e fundamental para a decisão da causa.
26- Os réus alegaram a litigância de má-fé por parte da autora e sobre a qual a sentença também não se pronunciou.
27- Os réus na sua contestação alegaram que esta acção era puro oportunismo, porque a autora alega factos cuja falsidade não podia deixar de conhecer, com um único intento, ou seja prejudicar os réus, obtendo um enriquecimento à sua custa.
28- Os réus concluíram que a autora por usar expediente legal no sentido de prejudicar os réus, deveria ser condenada como litigante de má fé, em exemplar multa, de valor nunca inferior a €1.000,00 (mil euros. e indemnização aos réus que deveria ter em conta todas as despesas processuais com a presente lide a liquidar em momento oportuno.
29- Os Recorrentes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito, especificando quais os pontos de facto da sentença que consideram incorrectamente julgados, as provas e os pontos de facto dados como provados que impunham decisão diversa da proferida, bem como as normas jurídicas, que no seu entender foram violadas.
30- Foi considerada provada, entre outra, a seguinte matéria de facto que por si já impunham decisão diversa da recorrida:
K- (…)
L- No dia 3 de Setembro de 2020, o R. AA, dirigiu-se às instalações da A. e manifestou ao vendedor CC, o interesse em vender o seu imóvel.
M- Nesse encontro, combinaram que no dia 05 (sábado seguinte. CC deslocar-se-ia ao imóvel a fim de o conhecer, recolher a documentação necessária para a promoção e divulgação e formalizaram o contrato de mediação imobiliária.
N- No dia 5 de Setembro de 2020, o vendedor CC dirigiu-se a casa dos réus, onde por eles lhe foi fornecida a caderneta predial do imóvel.
O- Ainda nesse encontro foram tiradas fotografias ao imóvel com vista à promoção do mesmo e efectuaram a assinatura do contrato de mediação imobiliária por um período de 6 (seis. meses, no qual foi estipulado o valor de venda de €105.000,00
P- (…)
Q- No âmbito da sua actividade a A. celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, o qual tinha por objecto a promoção de venda de um imóvel sito na Rua ..., ... 1º andar esquerdo, em ..., Vila Nova de Gaia, correspondente à fracção A, do prédio registado na 2- CRP de Vila Nova de Gaia sob o nº ....
R- (…).
S- A A. recebeu, no dia 21 de Setembro de 2020, uma carta remetida pelos R.R. cujo assunto mencionava “Resolução contratual de mediação/angariação imobiliária”.
T- (…)
U- O contrato de mediação imobiliária foi enviado aos réus no dia 12 de Outubro de 2020, por correio registado.
31- Entendeu a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo dar como provados tais factos que no nosso entendimento e conjugados com a demais prova documental junta aos autos, nomeadamente o correio electrónico, a carta e o registo postal com A/R, já se revelavam suficientes para fazer operar a resolução contratual unilateral exercida pelos réus dentro do prazo legal de 14 dias conforme lhe é conferido pela alínea a. do n.º 1 do artigo 10ºdo decreto lei 24/2014 de 14 de Fevereiros.
32- A sentença recorrida julgou incorrectamente os seguintes pontos de facto:
“M- Logo após a celebração do contrato de mediação imobiliária a autora iniciou a promoção do referido imóvel em diversas plataformas e meios publicitários de que dispõe. N- Na sequência de tal promoção, CC recebeu no dia 11 de Setembro de 2020, um pedido de visita ao imóvel dos réus de EE. O- A referida visita com EE ficou agendada para esse mesmo dia (11 de Setembro de 2020. ao final da tarde, data em que CC levou EE a visitar o imóvel dos réus, tendo sido, após a conclusão da visita, preenchida e assinada a ficha de visita. Q- Após conversa seguida de visita, os visitantes do imóvel manifestaram interesse na aquisição daquele imóvel.”
33- Resulta que o Tribunal a quo deveria ter valorado a ausência de prova por parte da autora para que tenha considerado provada que logo após a celebração do contrato de mediação imobiliária a autora iniciou a promoção do referido imóvel em diversas plataformas e meios publicitários de que dispõe.
34- Tal prova era facilmente produzida pela junção de documentos, bastava juntar aos autos essa publicidade da venda, e a autora não juntou qualquer documento da divulgação na internet, nem em cartazes, ou folhetos.
35- Foi ainda erradamente dado como provado que, na sequência de tal promoção, CC recebeu no dia 11 de Setembro de 2020., um pedido de visita ao imóvel dos Réus de EE.
36- A autora não logrou provar que após a visita “os visitantes” do imóvel manifestaram interesse na aquisição daquele imóvel, sendo este facto contraditório e incongruente com o facto provado de, “ainda antes da visita, a autora, através do seu gestor de processos de crédito iniciou as diligências de simulação em ordem à obtenção de crédito para aquisição da habitação.”.
37- Se os “visitantes”, que não foram dois, pois resultou provado que FF não visitou o imóvel nesse dia 11 de Setembro, só manifestaram interesse na aquisição do imóvel após a visita, porque é que a gestora de processos de crédito da autora iniciou diligências antes da visita?
38- Absoluta e flagrante incongruência entre a data da visita no dia 11 de Setembro de 2020 ao final da tarde, e os factos provados em P. e Q).
39- Ora aceitar-se que a visita do Sr. EE se realizou no dia 11 de Setembro às 18:00h, porque é que a autora inicia diligências de simulação de crédito anteriormente à visita e à manifestação de interesse na aquisição do imóvel?
40- Não se afigura credível, na medida em que não é verosímil que uma imobiliária encete negociações com vista à obtenção de crédito, mesmo antes da visita por parte do cliente, factos que a sentença recorrida na sua fundamentação de facto não soube ter em conta.
41- Erradamente a sentença recorrida dá como provado que, a visita com EE ficou agendada para esse mesmo dia (11 de Setembro de 2020. ao final da tarde, data em que CC levou EE a visitar o imóvel dos réus, tendo sido, após a conclusão da visita, preenchida e assinada a ficha de visita.
42- Na sua contestação, os réus declararam expressamente que impugnavam os documentos particulares juntos com a petição inicial, nomeadamente a ficha de visita de EE datada de 11.09.2020, às 18h, junta aos autos pela autora com a sua petição inicial.
43- E, impugnaram por desconhecer se o seu conteúdo, letra, assinaturas e reprodução mecânica correspondiam ou não à verdade, ou se tinham alguma relação com os factos, ficando aqui expressamente impugnados, mormente enquanto meios de prova.
44- Entende o Recorrente que não se apurou pela prova produzida, que nos pontos N. e O. da matéria assente, tenha sido o Sr. EE a contactar o vendedor CC no dia 11 de Setembro de 2020, e tenha sido nesse mesmo dia ao final da tarde que se realizou a visita ao imóvel com o preenchimento e assinatura da ficha de visita.
45- Analisada ficha de visita constante dos autos, esse documento não tem qualquer assinatura dos proprietários, ora réus.
46- Não se percebe, nem se alcança segundo os critérios de valoração e lógica, tendo em conta as regras normais de experiencia, com que sentido deu como provado o ponto O. da matéria assente concluindo na fundamentação de facto que está junto aos autos a escritura de compra e venda do imóvel datada e assinada, e que vista a assinatura do comprador EE, a assinatura da ficha de visita não seja sua.
47- Cabia ao Tribunal recorrido após os réus impugnarem a ficha de visita, e após o depoimento da testemunha EE, averiguar da veracidade das declarações e para isso bastava solicitar um exame pericial para identificação da letra manuscrita na ficha de visita e na assinatura de EE, nos termos e para os efeitos do artigo 467º, n.º 1 e 477º, ambos do C.P.C.,
48- O juiz podia e deveria ter ordenado oficiosamente a realização de perícia quando se lhes afigura existir dúvidas sobre determinado facto e este é passível de ser esclarecido por exame pericial.
49- Não cabia ao tribunal o confronto entre a assinatura constante da ficha de visita e a assinatura da escritura de compra e venda do imóvel, tanto que por comparação a mesma além de não ser idêntica, a assinatura na ficha de visita carece do sobre nome GG.
50- A ponderação das particularidades das escritas exige conhecimentos técnicos, a utilização de instrumentos e equipamentos de ampliação e intensidade de luz, para averiguar a autenticidade e autoria dessas escritas, o que só a realização de um exame pericial poderia concluir.
51- Tal matéria não se basta com a comparação efectuada pela Meritíssima Juíza entre duas assinaturas constante em dois documentos diferentes para se concluir que o suposto autor da assinatura está a negar a sua autoria e por isso não se valorou.
52- Só a perícia conduziria a um resultado final que irai indicar o grau de probabilidade da autenticidade e da autoria da assinatura de EE, e só assim se teria o grau de certeza cientifica para que a sentença recorrida pudesse dar como provado que a assinatura constante na ficha de visita era do comprador EE.
53- Com efeito nesse sentido de que não tinha assinado a ficha de visita depôs a testemunha EE, (Declarações prestadas e gravadas da parte da manhã no dia 24 de Janeiro de 2020, constantes do CD entre 01:50 minutos até 03:24 ao minuto dos 10:24 minutos das declarações).
54- Também pela inquirição à testemunha EE quer pela mandatária dos réus, quer pela mandatária da autora, de que quando a testemunha se dirigiu à casa do réu AA estariam todos presentes, (05:35 a 07:14. “foi nesse dia onde estava o Sr. AA, a D. BB…” (09:45 a 09:57. (Declarações prestadas e gravadas da parte da manhã no dia 24 de Janeiro de 2020, constantes do CD entre 05:35 minutos até 09:57 ao minuto dos 10:24 minutos das declarações).
55- Ficou por esclarecer porque é que esta ficha de visita não está assinada pelo proprietário e aqui réu AA.
56- Assim da conjugação do depoimento supratranscrito, com as regras da experiência resulta claramente demonstrado que a ficha de visita constante dos autos não foi preenchida nem assinada pela testemunha EE, devendo contar da matéria dada como provada.
57- A Juíza a quo na sua motivação levou em conta o depoimento da testemunha oferecida pela autora Sr. CC, mas não levou em conta a razão de ciência, para determinar se esta testemunha poderia ter algum beneficio com a procedência desta acção, pois que a testemunha era à data dos factos e à data da audiência de julgamento funcionário da Ré, sendo este quem iria auferir a comissão por regularizar, por isso se impunha atender à sua credibilidade e espontaneidade.
58- Neste circunstancialismo provatório, não se pode dar como provado que “A referida visita com EE ficou agendada para esse mesmo dia (11 de Setembro de 2020. ao final da tarde, data em que CC levou EE a visitar o imóvel dos réus, tendo sido, após a conclusão da visita, preenchida e assinada a ficha de visita, devendo passar a constar dos factos não provados.
59- A Sentença na motivação dos factos provados não pode considerar que “Há trocas de mensagens de telemóvel entre CC e EE…”, quando o único elemento que há nos autos é uma mensagem do dia 11 de Setembro às 10:36 h de CC para o número de telemóvel do EE, sendo que nunca foi junta qualquer resposta a esta mensagem por parte do destinatário.
60- Assim da conjugação do depoimento supratranscrito, com a prova documental junta aos autos, conjugada com as regras da experiência resulta demonstrado erro na apreciação da prova que deverá ser rectificado, devendo ser alterada a factualidade dada como provada nos itens M), N), O), Q), passando a constar como não provados.
61- Analisando o contrato de mediação imobiliária que foi junto aos autos, verifica-se que se trata de um impresso, com clausulas previamente escritas, contendo espaços para se preencher a informação do caso concreto, donde se retira que os réus não tiveram a possibilidade de negociar tal contrato.
62- O contrato que foi celebrado tem cláusulas pré-estabelecidas e os réus limitaram-se aceitar essas cláusulas, incluindo a exclusividade, pois também estava previamente redigida, conforme a cláusula 04 do contrato constante dos autos.
63- A sentença recorrida deveria pelo menos ter enquadrado o contrato no regime das cláusulas contratuais gerais para efeitos do Decreto-lei 446/95 de 25.10.
64- Deveria ter apurado se o contrato foi ou não devidamente comunicado aos réus, pois dar como provado o ponto V. de que os réus na data da celebração do contrato fizeram com o telemóvel uma fotografia do mesmo não chega para preencher o disposto no artigo 5º do Decreto-lei 446/95 de 25.10.
65- A autora teria que demonstrar que comunicou o teor de todas as cláusulas aos réus de modo a estes estarem aptos a terem o seu efectivo conhecimento, mas a sentença recorrida deu como não provado que “a autora forneceu aos réus, no momento da celebração, a cópia do contrato celebrado”.
66- Os réus quando enviaram a carta de resolução contratual alegaram que não tiveram acesso a toda a documentação assinada no dia 5 de Setembro, omitindo os deveres de informação e esclarecimentos, não nos permitindo analisar especificamente o contrato assinado, porque se recusam a entregar-nos cópia”, onde se entrevê a falta de comunicação por parte da autora.
67- Deverá ser dado como provado que; - o contrato de mediação imobiliária foi elaborado pela autora em formulário com recurso a clausulas pré-estabelecidas, cuja cópia não forneceu aos réus no momento da sua assinatura.
68- A sentença recorrida fez uma errada repartição do ónus da prova, pois competia à autora alegar e provar não só os factos tendentes à existência de nexo de causalidade entre a sua actividade e a conclusão do negócio para que se possa concluir pelo direito à remuneração, mas também o facto de que entregou cópia aos réus do contrato de mediação imobiliária assinado no dia 05 de Setembro, e de que assinatura de EE constante da ficha de visita foi efectuada pelo punho deste.
69- Não fundamentou nem de facto nem de direito as consequências da carta de resolução contratual junta aos autos e com que necessidade os réus comunicaram nessa carta de 18 de Setembro de 2020 que, “Consideramos que vossas excelências agiram com má fé, pois nunca nos entregaram a documentação assinada no dia 5 de Setembro, omitindo os deveres de informação e esclarecimentos, não nos permitindo analisar especificamente o contrato assinado, porque se recusam a entregar-nos cópia.”
70- A sentença recorrida sem fundamento nem de facto nem de direito, vem indicar na parte final da sua fundamentação de direito, uma decisão proferida pelo Acórdão da Relação do Porto no “processo 84410/17.2 YIPRT, deste J2 do JLCVNG, em que foi parte a autora destes autos (…).”.
71- A citada decisão do Tribunal da Relação do Porto datada de 22.10.2018, não tem como parte a autora, mas sim B..., Lda. para além de que no referido Acórdão se revogou a decisão recorrida deste J2 e foi dada razão ao requerido e recorrente do pedido contra ele formulado, ao contrário do que nos parece que pretende fazer entender a Meritíssima Juíza com a citação de tal Acórdão.
72- Na ponderação dos interesses das partes, andou mal a sentença recorrida ao dar como provados factos sem sustentação na prova testemunhal e documental, para resumidamente concluir que existe nexo de causalidade entre a actividade da autora e a conclusão do negócio do imóvel dos réus.
73- A sentença recorrida violou, entre outras as normas dos artigos 467º, n.º 1 e 477º, artigo 608º n.º 2 e artigo 615º, n.º 1 alínea d), todos do C.P.C.
74- Violou o disposto no artigo 10º, n.º 1, alínea a. e artigo 11º, n.º 3 do Decreto-lei 24/2014 de 14 de Fevereiros.
75-Violou o disposto no artigo 5º do Decreto-lei 446/95 de 25.10.
76-Violou também o n.º 2 do artigo 374º do C.C. competindo à autora a prova nos termos do artigo 342º do C.C.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, absolver os recorridos, bem como nas demais consequências legais, fazendo-se a reclamada Justiça!
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronuncia.
ii. Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
iii. Se ao contrato em causa se aplica o regime jurídico dos contratos celebrados fora do estabelecimento do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro.
iv. Se os réus procederam valida e eficazmente à resolução do contrato e, na afirmativa, com que consequências relativamente ao contrato.

III. Nulidades da decisão recorrida:
Os recorrentes começam por arguir a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, com o argumento de que nela não foram apreciadas as questões da resolução do contrato por sua iniciativa e da litigância de má fé da autora igualmente arguida na sua contestação.
Pese embora no despacho previsto no n.º 1 do artigo 617.º do Código de Processo Civil a Mma. Juíza a quo se tenha limitado a referir, sem o mínimo de desenvolvimento ou fundamentação, não «crer» que «a decisão recorrida esteja viciada de qualquer nulidade», a apontada nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil) é manifesta.
Fosse para as julgar procedentes, fosse para as julgar improcedentes, a sentença tinha obrigatoriamente de se pronunciar sobre as duas questões enunciadas pelos recorrentes por estas terem sido suscitadas na contestação dos réus.
A questão da resolução do contrato era inclusivamente nuclear para a apreciação do pedido da autora, na medida em que se a resolução tiver sido manifestada de forma válida e eficaz os seus efeitos podem impedir o direito à remuneração reclamado pela autora em relação a um negócio jurídico celebrado já depois da resolução. O que significa que havia que verificar se os recorrentes procederam à resolução do contrato de forma válida e eficaz e, na afirmativa, quais os efeitos da resolução.
A questão da litigância de má fé era também de conhecimento obrigatório por se encontrar suscitada de forma expressa, sendo certo que mesmo a parte vencedora pode litigar de má fé e ser condenada como tal.
De referir que nos termos do n.º 1 do artigo 665.º do Código de Processo Civil e uma vez que estamos perante o recurso de uma decisão que põe termo ao processo (recurso da sentença final), essa nulidade não obsta a que esta Relação se substitua ao tribunal recorrido e conheça do objecto da apelação, o que se fará pois neste Acórdão.
A finalizar, anota-se que o disposto no n.º 3 do artigo 665.º do Código de Processo Civil (prévia auscultação das partes para evitar decisões-surpresa) não se aplica no caso concreto porque as duas questões que não foram conhecidas pela 1.ª instância foram enunciadas e tratadas de modo expresso por ambas as partes nas alegações de recurso e na resposta às mesmas (cf. A. Geraldes, in Recursos em processo civil, 7.ª ed. Actualizada, Almeida, página 388, 2.º §, parte final).

IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Os recorrentes impugnam a decisão de julgar provados os factos dos pontos M., N., O. e Q., defendendo que os mesmos devem ser julgados não provados porque a autora, sobre a qual recaía o respectivo ónus de prova, não produziu prova suficiente de tais factos.
Mostram-se cumpridos de modo satisfatório os requisitos específicos desta impugnação, consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que nada obsta à apreciação da mesma.
Os pontos em causa têm a seguinte redacção:
M. Logo após a celebração do contrato de mediação imobiliária a autora iniciou a promoção do referido imóvel em diversas plataformas e meios publicitários de que dispõe.
N. Na sequência de tal promoção, CC recebeu no dia 11 de Setembro de 2020, um pedido de visita ao imóvel dos réus de EE.
O. A referida visita com EE ficou agendada para esse mesmo dia (11 de Setembro de 2020) ao final da tarde, data em que CC levou EE a visitar o imóvel dos réus, tendo sido, após a conclusão da visita, preenchida e assinada a ficha de visita.
Q. Após conversa seguida da visita os visitantes do imóvel manifestaram interesse na aquisição daquele imóvel.
Em relação ao primeiro ponto, a prova produzida nos autos é manifestamente escassa.
A autora não juntou aos autos um único documento comprovativo das iniciativas que diz ter realizado para promoção do imóvel, sendo certo que o que vem alegado é que tais iniciativas foram feitas em «diversas plataformas e meios publicitários», ou seja, meios cuja utilização deixa registo escrito ou digital a que a autora tem necessariamente acesso e cuja junção podia fazer para demonstrar o que alegou.
Aliás, parece pouco plausível que essa promoção fosse iniciada sem antes a mediadora ter a informação necessária para saber se o negócio projectado podia mesmo ser concretizado. Ora, segundo resulta dos documentos juntos aos autos, os documentos da Conservatória do Registo Predial já estavam em poder da mediadora no dia 9 de Setembro, mas a deslocação do técnico à fracção para a certificação energética só teve lugar no dia 14 e a emissão do certificado energético no dia 15 (dia imediato, o que revela bem o cuidado com que este certificado é emitido e a razão de ciência do mesmo!), da mesma forma que a licença de habitabilidade e a cópia planta do prédio só foram pedidos à Câmara Municipal pelo proprietário no dia 7 de Setembro e entregues ao mesmo no dia 18 desse mês, o que torna mais improvável que antes destas diligências realizadas se tivesse iniciado a promoção do imóvel.
O depoimento de CC é insuficiente para suprir aquela falta. Com efeito, para além de se tratar do próprio angariador imobiliário e, como tal, do beneficiário directo da comissão reclamada na acção, no seu depoimento limitou-se a fazer a este respeito afirmações genéricas, vagas, não especificadas, aludindo ao procedimento comum, mas sem concretizar o que se terá passado neste caso concreto.
Ora sendo possível prova documental não pode ser considerado suficiente um meio de prova frágil como é o depoimento de uma testemunha, em particular quando se trata do principal interessado no resultado da acção. Nesse contexto, afigura-se-nos que a matéria de facto do ponto M. não pode ser julgada provada.
A decisão sobre a matéria de facto do ponto N. encontra-se, desde logo, prejudicada pela decisão sobre o ponto anterior, na medida em que o que nele se afirma é que o pedido de visita ao imóvel apresentado por EE foi feito à autora «na sequência de tal promoção», ou seja, da promoção mencionada no ponto M. que, como já referido, não se provou.
Acresce que, conforme aliás o tribunal a quo reconheceu, foi produzida prova abundante de que este EE era, há vários anos, amigo dos proprietários do imóvel a vender, o que permite considerar plausível que ele tomasse conhecimento da intenção de vender o imóvel através dos amigos e não através de anúncios escritos ou em plataformas digitais que, como também já se referiu, a terem existido, deviam ter sido comprovados documentalmente no processo.
Essa plausibilidade acentua-se levando em conta o muito curto espaço de tempo decorrido entre a assinatura do contrato de mediação e a data dessa visita. Não faz sentido que se tivesse sido através da autora que o EE tomou conhecimento que o imóvel se encontrava à venda, ele tivesse colocado a questão da necessidade de obter um empréstimo para o efeito antes mesmo de visitar o imóvel, questão que qualquer interessado medianamente interessado e diligente só colocaria se viesse a concluir pela observação do imóvel que o mesmo lhe interessava, sendo certo que, verdadeiro ou falso, foi assinalado na escritura de compra e venda do imóvel que o mesmo era para habitação permanente dos compradores. Tudo aponta, portanto, que o EE saberia da intenção de vender o imóvel antes ou à margem da intervenção da autora. A matéria de facto da alínea N. deve por isso ser julgada não provada.
O ponto O. refere-se a uma visita ao imóvel alegadamente feita pela autora com o interessado EE no dia 11 de Setembro de 2020. Tal visita teria ficado registada no documento n.º 5 junto com a petição inicial intitulado «relatório de visita ao imóvel» e alegadamente assinado pelo interessado EE (mas já não pela respectiva mulher que segundo a autora alegou na petição inicial também teria estado nessa visita).
Este foi ouvido como testemunha e, confrontado com o documento, afirmou que não o assinou, que a assinatura no mesmo não é sua. A ré na contestação impugnou o documento e a assinatura do mesmo. Uma vez que a ré impugnou a assinatura, não lhe sendo ela imputada, e a pessoa a quem a assinatura é atribuída nega a sua autoria, cabia à autora, enquanto parte interessada no aproveitamento do documento, fazer a prova da veracidade do documento (artigo 374.º, n.º 2, do Código Civil). Apesar disso não foi realizado qualquer exame de reconhecimento da autoria da assinatura, que é o meio de prova de natureza pericial apto a fazer a demonstração dessa autoria.
A Mma. Juíza a quo entendeu, no entanto, comparar a assinatura aposta no citado documento com a assinatura atribuída à mesma pessoa na escritura pública de compra e venda da fracção e daí retirar, em resultado da sua observação pessoal, a conclusão de que a assinatura daquele documento foi feita pela mesma pessoa. Esta actuação não pode, contudo, ser validada ou acompanhada.
Desde logo porque essa conclusão só pode ser formulada com recurso a meios técnicos que envolvem observações ao microscópio e o acesso a outras fontes de comparação de que o tribunal não dispôs, sendo que o juiz também não possui conhecimento técnicos para se substituir aos peritos da matéria.
Depois porque ao contrário do afirmado pela Mma. Juíza a quo, existem diferenças notórias entre as duas assinaturas. Numa delas observa-se um apelido (“GG”) que não consta da outra, o que carecia de ser explicado por outros meios para detectar se se tratou de uma simplificação comum no autor da assinatura ou é um indício da falsificação. Acresce que à vista desarmada (que, ainda assim, como acabamos de referir pouco vale) o curso da escrita aparenta um ritmo, estabilidade ou segurança na redacção das letras numa assinatura que não se encontra na outra, situação que só os técnicos podiam analisar e interpretar com recurso a outros elementos de comparação.
Nesse sentido o facto do ponto O. não pode ser julgado provado como o foi. De todo o modo, a testemunha EE confirmou que esteve no imóvel com os proprietários e com o angariador da autora, que na ocasião manifestou interesse em adquirir o imóvel se obtivesse crédito bancário para pagar o respectivo preço. A ré, na contestação também aceita esse encontro, residindo a diferença apenas na data em que o mesmo teve lugar e naquilo que motivou a deslocação de EE.
Conjugando todos estes elementos probatórios e sopesando de novo que era sobre a autora que recaía o ónus da prova e que o seu esforço probatório é quase insignificante, decide-se julgar provado apenas o seguinte:
«O. Em data não concretamente apurada estiveram no imóvel, a observá-lo, EE e CC.»
Em relação ao ponto Q. torna-se agora necessário ajustar a sua redacção ao que se afirmou em relação ao facto do ponto O. Com tal objectivo, dá-se-lhe a seguinte redacção que os meios de prova produzidos permitem concluir:
«Q. Em resultado dessa observação do imóvel, o EE mostrou interesse na aquisição do imóvel caso obtivesse um crédito bancário para poder pagar o respectivo preço.»

V. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos[1]:
A. A autora é uma sociedade de mediação imobiliária.
B. No dia 3 de Setembro de 2020, o réu AA, dirigiu-se às instalações da autora e manifestou ao vendedor CC, o interesse em vender o seu imóvel.
C. Nesse encontro, combinaram que no dia 5 (sábado seguinte) CC deslocar-se-ia ao imóvel a fim de o conhecer, recolher a documentação necessária para a promoção e divulgação e formalizarem o contrato de mediação imobiliária.
D. No dia 5 de Setembro de 2020, o vendedor CC dirigiu-se a casa dos réus, onde por eles lhe foi fornecida a caderneta predial do imóvel.
E. Ainda nesse encontro foram tiradas fotografias ao imóvel com vista à promoção do mesmo e efectuaram a assinatura do contrato de mediação imobiliária por um período de 6 (seis) meses, no qual foi estipulado o valor de venda de €105.000,00.
F. Ainda no decurso da visita ao imóvel, o vendedor CC alertou os réus para a necessidade de obterem o certificado energético do imóvel, tendo inclusivamente indicado aos réus o técnico eng. HH para o efeito, e que o veio e efectuar a pedido daqueles o certificado energético no dia 14.09.2020.
G. No âmbito da sua actividade a autora celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, o qual tinha por objecto a promoção de venda de um imóvel sito na Rua ..., ... 1º andar esquerdo, em ..., Vila Nova de Gaia, correspondente à fracção A, do prédio registado na 2ª CRP de Vila Nova de Gaia sob o nº ....
H. A autora por via do contrato celebrado obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra do imóvel dos réus e em contrapartida os réus obrigaram-se a pagar a remuneração contratualizada.
I. A autora recebeu no dia 21 de Setembro de 2020 uma carta remetida pelos réus cujo assunto mencionava “resolução contratual de mediação/angariação imobiliária”.
J. No dia 10 de Novembro de 2020 os réus venderam por escritura pública registada na Conservatória do Registo Predial e pelo valor de €100.000,00 (cem mil euros), o imóvel a EE e sua mulher FF.
K. Após o conhecimento da referida venda a autora emitiu a factura de pagamento da comissão devida estabelecida em contrato.
L. As plantas, a licença de utilização e uma certidão predial foram entregues pela ré à autora nas instalações desta.
O. Em data não concretamente apurada estiveram no imóvel, a observá-lo, EE e CC.
P. Ainda antes da visita, a autora, através do seu gestor de processos de crédito, iniciou as diligências de simulação em ordem à obtenção de crédito para a aquisição de habitação.
Q. Em resultado dessa observação do imóvel, o EE mostrou interesse na aquisição do imóvel caso obtivesse um crédito bancário para poder pagar o respectivo preço.
R. Após esta visita a autora não recebeu mais nenhum contacto de EE.
S. EE é conhecido de longa data do réu.
T. FF não visitou o imóvel na data de 11.09.2020.
U. O contrato de mediação imobiliária foi enviado aos réus no dia 12 de Outubro de 2020 por correio registado.
V. Os réus na data da celebração do contrato fizeram com o telemóvel uma fotografia do mesmo.

VI. Matéria de Direito:
A] Da subordinação ao regime jurídico do contrato celebrado fora do estabelecimento:
Discute-se nos autos se os réus procederam de forma válida e eficaz à resolução do contrato celebrado com a autora. Tal questão encontra-se na dependência da questão de saber se o contrato em causa se encontra subordinado ao regime jurídico do contrato celebrado fora do estabelecimento.
O contrato celebrado entre a autora e os réus é, segundo o respectivo título, mas também de acordo com o seu conteúdo, um contrato de mediação imobiliária.
Tal contrato é aquele que as entidades licenciadas para exercício da actividade de mediação imobiliária celebram com os seus clientes com o objectivo de lhes proporcionar o resultado do serviço que irão desenvolver de «procura, … em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis» (cf. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro).
Trata-se, pois, de um contrato de prestação de serviços em que o prestador se vincula a realizar actos e diligências no sentido de procurar potenciais interessados no negócio que o cliente deseja celebrar. A qualificação jurídica do contrato, aliás, não suscita dúvidas ou controvérsia no processo.
O Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, que transpôs para o direito nacional a Directiva n.º 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, é aplicável aos contratos celebrados à distância e aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, tendo em vista promover a transparência das práticas comerciais e salvaguardar os interesses legítimos dos consumidores (cf. artigo 2.º).
Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), o regime não se aplica aos «contratos relativos à construção, à reconversão substancial, à compra e venda ou a outros direitos respeitantes a imóveis, incluindo o arrendamento».
O contrato de mediação imobiliária é distinto do contrato que constitui o negócio jurídico visado pela mediação, possuindo um objecto próprio que não é influenciado por aquele e é compatível com negócios jurídicos de natureza diversa. Por outro lado, o mediador imobiliário não é parte no contrato de compra e venda que seja alcançado em resultado da sua actividade de mediação, nem intervém na negociação do contrato a título próprio e/ou como mandatário das respectivas partes.
Por tudo isso não se pode interpretar a mencionada norma legal de modo a incluir nela os contratos de mediação imobiliária em que o mediador se vincule a procurar interessado para um negócio de compra e venda de um imóvel (neste sentido Morais Carvalho e Pinto-Ferreira, in Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial, Almedina, 2014, em anotação ao artigo 2º, e Acórdão da Relação do Porto de 12.09.2022, proc. n.º 3099/20.0T8STS.P1, in www.dgsi.pt).
De referir que em sede de interpretação da disposição da Directiva n.º 2011/83/UE que está na origem do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, numa situação paralela de um contrato de prestação de serviços para elaboração de um projecto de arquitectura para construção de uma moradia em que se podia discutir o preenchimento da previsão da primeira parte da norma em causa (“contratos relativos à construção”), no Acórdão de 14.05.2020, processo C‑208/19 [ECLI:EU:C:2020:382] o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu que:
«40. […] quando os termos a interpretar figuram numa disposição que constitui uma derrogação a um princípio ou, mais especificamente, a regras do direito da União que visam proteger os consumidores, esses termos devem ser objecto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de Março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.º 21; de 27 de Março de 2019, Slewo, C‑681/17, EU:C:2019:255, n.º 34; e de 12 de Março de 2020, Verbraucherzentrale Berlin, C‑583/18, EU:C:2020:199, n.º 27).
41. Daqui resulta que o artigo 3.º, n.º 3, alínea f), da Directiva 2011/83, na medida em que exclui do âmbito de aplicação desta directiva os contratos relativos à construção de novos edifícios, deve ser objecto de interpretação estrita.
42. A este respeito, na medida em que o teor desta disposição visa expressamente os contratos relativos à «construção de novos edifícios», o objecto desses contratos deve necessariamente ser a construção de um novo edifício. Resulta do considerando 26 da Directiva 2011/83 que as disposições desta, como os seus artigos 9.º a 16.º, relativos ao direito de retractação, não são adequadas a contratos dessa natureza.
43. Ora, um contrato por força do qual o arquitecto se compromete a elaborar unicamente, a favor do consumidor, um projecto de uma casa individual a construir, projecto que pode nunca ser seguido de uma construção efectiva, situa‑se demasiado a montante do processo de construção de um novo edifício para poder ser abrangido pelo conceito de «contratos relativos à construção de novos edifícios», na acepção do artigo 3.º, n.º 3, alínea f), da Directiva 2011/83.»
Estes considerandos valem por maioria de razão para o contrato de mediação imobiliária e para o contrato de compra e venda objecto dessa mediação.
O diploma citado possui um âmbito objectivo específico, a tutela dos consumidores. Por isso é pressuposto da sua aplicação que o contrato tenha sido celebrado entre um consumidor e um profissional.
O consumidor é a pessoa singular que actue com fins que não se integrem no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. É o caso dos réus uma vez que estes contrataram os serviços da autora para realizar actos de mediação imobiliária para venda da sua casa de habitação, qualidade que determina um fim alheio a qualquer actividade comercial ou equiparada.
Já o profissional é a pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que, num contrato com um consumidor, actue no âmbito da sua actividade profissional, ou através de outro profissional, que actue em seu nome ou por sua conta. É também o caso da autora, por se tratar de uma sociedade comercial cujo objecto social é o exercício da actividade de mediação imobiliária com vista à obtenção do lucro.
Nos termos do artigo 3.º o regime instituído por esse diploma aplica-se ao «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», considerando-se como tal o «contrato que é celebrado na presença física simultânea do fornecedor de bens ou do prestador de serviços e do consumidor em local que não seja o estabelecimento comercial daquele, incluindo os casos em que é o consumidor a fazer uma proposta contratual, incluindo os contratos celebrados no domicílio do consumidor.
No caso, conforme a própria autora alegou nos artigos 2.º a 7.º da petição inicial, o contrato foi celebrado no domicílio dos réus onde o angariador CC se deslocou com essa finalidade. É certo que antes disso o réu marido procurou a autora nas respectivas instalações, manifestando o seu interesse em vender o imóvel. Todavia, este facto não descaracteriza o contrato como tendo sido celebrado fora do estabelecimento comercial, uma vez que, como vimos, é a própria norma que rejeita essa consequência ainda que tenha partido do consumidor a proposta contratual.
Acresce que não foi sequer alegado que a negociação do contrato tenha tido lugar única e exclusivamente nas instalações da autora no decurso da deslocação que o réu marido ali fez, sendo certo que o contrato foi celebrado por marido e mulher e naquela deslocação só esteve o marido.
Por fim, resulta do regime jurídico da actividade de mediação imobiliária consagrado na Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que a empresa de mediação é obrigada, designadamente, a certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover e a certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objecto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes (cf. artigo 17.º).
Por conseguinte, no estrito cumprimento desse regime jurídico, só após o conhecimento do bem que será objecto do negócio a mediar e o acesso a alguma documentação que demonstre a capacidade e legitimidade dos clientes para esse negócio, a mediadora imobiliária poderá assumir a vontade negocial sem a qual não é possível afirmar-se a celebração do negócio.
Recorde-se o que se afirma no Considerando 21 da Directiva n.º 2011/83/EU: «Um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial deverá ser definido como um contrato celebrado na presença física simultânea do profissional e do consumidor, num local que não seja o estabelecimento comercial do profissional, por exemplo, no domicílio ou no local de trabalho do consumidor. Fora do estabelecimento comercial, os consumidores poderão estar sujeitos a uma eventual pressão psicológica ou ser confrontados com um elemento de surpresa, independentemente de os consumidores terem ou não solicitado a visita do profissional.»
Resulta do artigo 1.º desta Directiva, lido à luz dos seus considerandos 3, 4 e 7, que a mesma visa assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores. Tal objectivo impõe-se porque a defesa dos consumidores, colocados que estão numa posição de inferioridade em relação aos profissionais, na medida em que se devem considerar menos informados, economicamente mais fracos e juridicamente menos experientes do que os seus co-contratantes, está consagrada no artigo 169.º TFUE e no artigo 38.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cf. Acórdãos do Tribunal de Justiça de 02.03.2017, proc. C-568/15, EU:C:2017:154, de 4.10.2018, proc. C-105/17, EU:C:2018:808, de 23.01.2019, proc. C-430/17, EU:C:2019:47, de 27.3.2019, proc. C‑681/17, EU:C:2019:255).
O que justifica a tutela legal é esta possibilidade de a decisão do consumidor acabar por não ser tomada em total liberdade e após a informação e reflexão necessárias, não é a demonstração de que tal ocorreu de facto. Daí que não se acompanhe, de todo, o entendimento defendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 25.01.2022, proc. n.º 6047/19.6T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt, no sentido de que «ao contrato de mediação imobiliária assinado no domicílio do consumidor apenas por mera comodidade ou conveniência de ambas as partes ou até do próprio cliente, tal como poderia ter sido assinado no estabelecimento da entidade mediadora, sem que se evidencie que daí possa ter resultado qualquer influência na formação da vontade de contratar por esse mesmo cliente, não é aplicável o DL nº 24/2014, de 14.2».
Tal interpretação obrigaria sempre a apurar as circunstâncias em que o contrato foi celebrado e sujeitaria o consumidor, para poder exercer por exemplo o direito ao arrependimento, à necessidade de demonstrar que não foi por sua própria conveniência que o contrato foi celebrado em sua casa.
Essa consequência eliminaria praticamente a utilidade da protecção legal do consumidor que se baseia essencialmente nos riscos da negociação decorrentes da posição de maior debilidade do consumidor (o profissional pode e deve saber os riscos legais que assume ao contratar nos termos em que o faz, enquanto o consumidor normalmente não terá esse conhecimento), sendo por isso aplicável uma vez verificados os pressupostos formais das normas legais, independentemente da demonstração concreta de que os riscos sopesados pelo legislador ocorreram mesmo no caso.
É, aliás, por essa razão que a tutela do consumidor é aplicável mesmo que o consumidor concreto seja, por exemplo, uma pessoa com ligação profissional à mesma área do profissional com o qual vai contratar e, por isso, conheça e domine as técnicas negociais usadas e possua capacidade pessoal para resistir ao modo como é abordado pelo profissional[2].
Essa interpretação deve ser rejeitada além do mais porque ela parece mesmo afrontar a interpretação do direito europeu estabelecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia uma vez que em relação à Directiva 85/577, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, que foi substituída pela Directiva 2011/83/UE que está na origem do nosso regime legal, já aquele Tribunal manifestava que «para o consumidor beneficiar do direito de renúncia, basta que se encontre numa das situações objectivas descritas no artigo 1.º da referida directiva e, além disso, não é necessário exigir a prova de que o consumidor foi influenciado ou manipulado pelo comerciante» (cf. Acórdão de 22.04.1999, proc. C‑423/97, Colect., p. I-2195, §43).
Feito este percurso podemos concluir que o contrato dos autos se encontra subordinado ao regime jurídico do Decreto-lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro.

B] Da validade e dos efeitos da resolução contratual:
Os réus sustentam a desoneração do pagamento da remuneração devida à mediadora imobiliária na resolução do contrato que realizaram por via extrajudicial através da carta junta aos autos e cujo conteúdo é o seguinte:
«Viemos por este meio proceder à resolução contratual do contrato, assinado no dia 5 de Setembro de 2020, porque nos assiste o direito de resolver o mesmo, encontrando-nos no prazo legal permitido por lei damos o mesmo sem efeito.
Apesar de enviar email com data de hoje, a resolução contratual segue por carta registada com aviso de recepção.
Consideramos que vossas excelências agiram com má fé, pois nunca nos entregaram a documentação assinada no dia 5 de Setembro, omitindo os deveres de informação e esclarecimentos, não nos permitindo analisar especificamente o contrato assinado, porque se recusam a entregar-nos cópia.»
Embora o elenco da matéria de facto não o revele, encontra-se provado documentalmente que a carta em causa foi (enviada por correio electrónico e) expedida por correio registado no dia 18 de Setembro de 2020, tendo sido recepcionada pela autora no dia 21 seguinte, sendo que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado, como vimos, no dia 5 desse mesmo mês.
Os réus podiam resolver o contrato?
Sendo-lhe aplicável o disposto no Decreto-lei n.º 24/2014[3], de 14 de Fevereiro, o contrato encontra-se sujeito ao disposto no artigo 10.º deste diploma, nos termos do qual nos contratos celebrados fora do estabelecimento o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem necessidade de indicar o motivo.
Como se assinala no Acórdão do Tribunal de Justiça atrás citado:
«50. A este espeito, importa recordar que os artigos 9.º a 16.º da Directiva 2011/83 conferem ao consumidor um direito de retractação na sequência, nomeadamente, da celebração de um contrato fora do estabelecimento comercial, na acepção do artigo 2.º, ponto 8, desta directiva, e estabelecem as condições e as modalidades de exercício desse direito (v., neste sentido, Acórdão de 7 de Agosto de 2018, Verbraucherzentrale Berlin, C‑485/17, EU:C:2018:642, n.º 32).
51. O objectivo dessas disposições está exposto, designadamente, no considerando 21 da referida directiva, nos termos do qual, fora do estabelecimento comercial, os consumidores poderão estar sujeitos a uma eventual pressão psicológica ou ser confrontados com um elemento de surpresa, independentemente de os consumidores terem ou não solicitado a visita do profissional (v., neste sentido, Acórdão de 7 de Agosto de 2018, Verbraucherzentrale Berlin, C‑485/17, EU:C:2018:642, n.º 33).
52. Em conformidade com o artigo 9.º, n.º 1, da Directiva 2011/83, ressalvando os casos em que se aplicam as excepções previstas no artigo 16.º desta, o consumidor dispõe, assim, de um prazo de catorze dias para exercer o direito de retractação do contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, sem, nomeadamente, incorrer em quaisquer custos além dos estabelecidos no artigo 13.º, n.º 2, e no artigo 14.º da referida directiva.
53. Resulta do artigo 12.º, alínea a), da Directiva 2011/83 que o exercício do direito de retractação determina a extinção das obrigações das partes de executar o contrato celebrado fora do estabelecimento comercial.»
O artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014 consagra o chamado direito ao arrependimento, isto é, do direito do consumidor de num «prazo determinado e sem contrapartida, se desvincular de um contrato através de declaração unilateral e imotivada» (cf. Carlos Ferreira de Almeida, in Direito do Consumo, 2005, página 105) ou «direito concedido legal ou contratualmente ao consumidor de se desvincular unilateralmente de um contrato, sem necessidade de indicação de um motivo» (cf. Jorge Morais Carvalho, in Manual de Direito do Consumo, 2019, página 185).
A sua característica fundamental é a desnecessidade de o consumidor fundamentar a sua atitude de por termo ao contrato: ele não necessita de ter nem de indicar o motivo pelo qual toma essa atitude, estando a sua decisão unicamente dependente da sua vontade livre e discricionária, razão pela qual da ausência de um motivo relevante ou atendível, que não seja apenas o não querer mais o contrato, não é possível extrair a ilegitimidade ou o abuso da opção do consumidor.
Esta circunstância impõe uma conclusão. Como não é obrigado a ter nem a indicar o motivo pelo qual se desvincula do contrato, então, se o consumidor indicar desnecessariamente um motivo, isso não obriga a apurar o motivo nem, se o motivo apresentado for inexistente ou improcedente, invalida a comunicação de desvinculação. Tal conteúdo da comunicação é somente juridicamente irrelevante, devendo ser tratado como se não tivesse sido apresentado, subsistindo a validade da vontade de desvinculação do consumidor. Logo, no caso concreto, não cabe apreciar ou discutir o teor da carta dos réus para além da manifestação da decisão de pôr termo ao contrato.
Refira-se ainda que o facto de na comunicação os réus não mencionarem o fundamento legal da resolução do contrato comunicada não impede o tribunal de fazer, mesmo oficiosamente, a qualificação jurídica do contrato para efeitos de apurar o respectivo regime jurídico, designadamente ao nível do direito de livre resolução.
O exercício deste direito encontra-se subordinado a um prazo. Concretamente, no caso concreto a comunicação de desvinculação devia ser feita no prazo de 14 dias a contar do dia da celebração do contrato já que se trata de um contrato de prestação de serviços [artigo 10.º, n.º 1, alínea a)].
Nos termos do artigo 11.º essa comunicação só carece de apresentar uma «declaração inequívoca de resolução do contrato» pode ser feita «por qualquer meio susceptível de prova nos termos gerais», o que significa que o envio da comunicação por correio electrónico para um endereço electrónico da contraparte é um meio admissível de transmissão da comunicação.
Acresce que nos termos do n.º 3 deste artigo o direito de livre resolução pelo consumidor se considera exercido dentro do prazo quando a declaração de resolução é enviada antes do termo dos prazos referidos no artigo anterior. Portanto, o que releva para efeitos da contagem do prazo não é a chegada da comunicação ao destinatário, é a expedição da comunicação pelo consumidor.
Em razão disso, o direito de livre resolução do contrato foi, no caso, exercido dentro do prazo uma vez que a comunicação foi feita no 13.º dia posterior à celebração do contrato, nenhuma dúvida se colocando sobre a inequivocidade da declaração.
Assinale-se que nos termos do artigo 10.º, n.º 2, esse prazo é alargado se o prestador de serviços não cumprir o dever de informação pré-contratual da existência do direito de livre resolução do contrato, o respectivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, com entrega do formulário de livre resolução constante da parte B do anexo ao diploma. Nessa situação, o prazo para o exercício do direito de livre resolução é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial de 14 dias.
Ora, no caso, defendendo a autora que ao caso não se aplica o regime jurídico dos contratos celebrados fora do estabelecimento, está implícito na posição da autora a aceitação de que não cumpriu os deveres de informação consagrados nesse regime jurídico. Por isso, se dúvidas houvesse quanto tempestividade do exercício do direito as mesmas seriam ultrapassadas com esse fundamento.
Quais os efeitos dessa declaração?
O artigo 11.º, n.º 6, estabelece que o exercício do direito de livre resolução extingue as obrigações de execução do contrato e toda a eficácia da proposta contratual, quando o consumidor tenha feito tal proposta.
Segundo Morais de Carvalho, loc. cit., página 242, é necessário distinguir entre os efeitos resultantes da celebração do contrato, em especial durante o decurso do prazo em que o consumidor pode exercer o direito de arrependimento, e os efeitos do exercício do direito pelo consumidor. No primeiro caso, se o objecto do contrato for um serviço, como é no caso, «a regra geral constante do artigo 15º-1 do DL 24/2014, interpretado a contrario sensu, é a de que, nos contratos de prestação de serviço, os efeitos do contrato ficam suspensos até ao termo do prazo para o exercício do direito de arrependimento. Os efeitos do contrato não se produzem, portanto, de imediato, só se iniciando a prestação do serviço depois de ter decorrido o prazo para o exercício do direito de arrependimento sem que o consumidor o tenha exercido. Neste modelo, o contrato fica sujeito a condição suspensiva de facto negativo, pelo que o não exercício do direito de arrependimento tem como efeito a produção dos efeitos do contrato. Já o exercício do direito pelo consumidor representa a não verificação da condição suspensiva, pelo que o contrato não chega a produzir efeitos. Neste caso, extinguem-se os direitos e as obrigações decorrentes do contrato com efeitos a partir da sua celebração, tendo o exercício do direito eficácia retroactiva».
Todavia, a lei permite que o consumidor possa ter interesse no início da prestação do serviço, designadamente para o avaliar e apurar se o mesmo lhe interessa efectivamente ou fica aquém das suas expectativas e interesses e deve libertar-se dele. Nos termos do artigo 15.º, o consumidor pode pretender que a prestação do serviço se inicie após a celebração do contrato e, portanto, mesmo antes de se esgotar o prazo para o exercício do direito de livre resolução. Para o efeito, se o contrato for oneroso, o prestador do serviço deve exige ao consumidor a apresentação de um pedido expresso em suporte duradouro. Se não tiver solicitado expressamente o início do serviço durante o prazo de livre resolução o consumidor não suporta quaisquer custos relativos à execução dos serviços durante esse prazo.
Por isso, no que concerne aos efeitos do exercício do direito ao arrependimento nos contratos de prestação de serviços, é necessário distinguir os casos em que a prestação do serviço se iniciou antes de der rido o prazo para o exercício do direito de arrependimento, na sequência de pedido expresso feito pelo consumidor através de suporte duradouro, dos casos em que tal não aconteceu. Segundo Morais de Carvalho, loc. cit., página 252 e seguintes, «Nesta última situação, o exercício do direito obsta à verificação da condição suspensiva de facto negativo (não exercício do direito), pelo que o contrato nunca chega a produzir efeitos. […] O consumidor não tem de pagar qualquer montante pelo exercício do direito de arrependimento depois do início da prestação do serviço nos casos previstos no artigo 15.º- do DL 24/2014. Em primeiro lugar, o consumidor não tem de pagar qualquer valor se não tiver solicitado o início da execução do contrato através de declaração expressa … […] Em segundo lugar, o consumidor não tem de pagar qualquer valor prestador de serviço não lhe comunicar, antes da celebração do contrato existência do direito de arrependimento, do respectivo prazo e do procedimento para o exercício do direito, com entrega do formulário de livre resolução …».
O artigo 17.º consagra diversas excepções ao direito de livre resolução, estabelecendo, designadamente, que salvo acordo das partes em contrário, o consumidor não pode resolver livremente os contratos de prestação de serviços «quando os serviços tenham sido integralmente prestados após o prévio consentimento expresso do consumidor, nos termos do artigo 15.º» e o consumidor tenha reconhecido «que perde o direito de livre resolução se o contrato tiver sido plenamente executado pelo profissional nesse caso».
No caso não se pode questionar a aplicação desta excepção, defendendo que como o interessado que acabou por celebrar o negócio se mostrou interessado no negócio ainda antes de esgotado o prazo para o exercício do direito de livre resolução os serviços da autora se mostravam inteiramente cumpridos, uma vez que, como vimos, é pressuposto da sua aplicação que o consumidor haja pedido expressamente o início da prestação dos serviços antes do fim desse prazo e reconhecido que perdia esse direito no caso de o serviço se mostrar totalmente executado antes desse limite temporal, situações que não foram sequer alegadas nos autos e, como tal, também não se mostram demonstradas.
Podemos, pois concluir agora que os réus procederam validamente à resolução do contrato no prazo legal de que dispunham para o fazer, sem necessidade de apresentar qualquer justificação para o efeito, e que em consequência da resolução, os réus não têm de pagar qualquer valor à autora ao abrigo do contrato resolvido. Nessa medida a acção tem de ser julgada improcedente, dando-se razão aos recorrentes.

C] Da litigância de má fé da autora:
Os réus sustentaram que a autora litiga de má fé por ter alegado factos cuja falsidade conhecia e deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.
O processo não permite concluir pelo preenchimento desses pressupostos da litigância de má fé, na medida em que, conforme se referiu no devido lugar, foi sobretudo em virtude da escassez dos meios de prova produzidos que a matéria de facto veio a ser julgada, havendo pontos em relação aos quais havia dúvidas que apenas foram ultrapassadas com recurso às regras do ónus da prova.
Acresce que a essência da discussão não se encontra nos factos (ou estas não são determinantes para a decisão das questões colocadas), mas verdadeiramente nas questões de direito e nessas a autora tem naturalmente o legítimo direito de defender a sua própria leitura e interpretação das normas legais, assentando nela a pretensão deduzida.
O pedido de condenação da autora como litigante de má fé é por isso improcedente.

VII. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência:
a) Declaram a nulidade da sentença recorrida;
b) Nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, conhecem do objecto da apelação e revogam a sentença recorrida e, em seu lugar, julgam a acção improcedente e absolvem os réus do pedido da autora;
c) Julgam improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.
Custas da acção e do recurso pela recorrida, a qual vai condenado a pagar aos recorrentes, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportaram e eventuais encargos.
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Porto, 4 de Maio de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 745)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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[1] Para facilitar a leitura do Acórdão na parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantém-se a numeração aposta na 1.ª instância.
[2] Precisamente por isso, para efeitos da Directiva 93/13/CEE, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, o Tribunal de Justiça entendeu no Acórdão de 03-09-2015, processo n.º C‑110/14, que deve ser considerado consumidor uma pessoa singular que exerce a profissão de advogado, que «celebra um contrato de crédito com um banco, sem que a finalidade do crédito seja precisada nesse contrato, quando o referido contrato não esteja ligado à actividade profissional desse advogado», acrescentando ser irrelevante para o efeito que o crédito tenha sido «garantido por uma hipoteca constituída por essa pessoa na qualidade de representante do seu escritório de advogados e que tem por objecto bens destinados ao exercício da actividade profissional …, como um imóvel pertencente a esse escritório».
[3] Doravante, sempre que nos referirmos a este diploma estaremos a aplicar não a versão actual, mas a versão com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 78/2018, de 15.10, em vigor à data da celebração do contrato por ser essa a versão aplicável ao contrato.