MARCA
REGISTO
MÁ-FÉ
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Sumário

Marca nacional – Requisitos do registo de má-fé – Artigo 231.º n.º 6 do Código da Propriedade Industrial – Conceito autónomo de má fé – Artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436 – Concorrência desleal preventiva – Artigos 232.º n.º 1-h) e 311.º do Código da Propriedade Industrial

Texto Integral

Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 3 do Código da Propriedade Industrial (CPI), apresentou junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI), um pedido de modificação da decisão que concedeu o registo da marca nacional n.º 618593, Madero, pedindo que fosse recusada essa marca (cf. referência citius 92917 /Doc. 23).  
2. Por despacho de 5.4.2021, o INPI indeferiu o pedido de modificação mencionado no parágrafo anterior (cf. referência citius 92917 /Doc. 47).
3. Do despacho do INPI mencionado no parágrafo anterior, a recorrente interpôs recurso de impugnação judicial junto ao Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), pedindo a sua revogação e substituição por decisão de recusa do registo da marca nacional n.º 618593, Madero.
4. Citada, a recorrida respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
5. O Tribunal da Propriedade Intelectual, proferiu sentença em 18.1.2022 (cf. referência citius 468303) que manteve a decisão do INPI acima mencionada, sentença essa que foi anulada por decisão sumária de 6.8.2022, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (referência citius 18449782).
6. O Tribunal a quo proferiu nova sentença, a sentença agora recorrida, em 10.10.2022 (cf. referência citius 502136), pela qual julgou improcedente o recurso mencionado no parágrafo 3.
7. Da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a anulação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que recuse o registo da marca nacional n.º 618593, Madero.
8. A recorrente invocou, em síntese, que:
- A recorrente é titular das marcas registadas brasileiras


e


que assinalam os mesmos produtos que assinala a marca nacional portuguesa

concedida ao recorrido;
- O recorrida usa a mesma grafia “Century Schoolbook Regula” usada na marca da recorrente;
- O recorrido é natural do Brasil e conhece as marcas da recorrente, por ser seu cliente;
- As marcas da recorrente são muito conhecidas no Brasil, onde a recorrente tem centenas de estabelecimentos espalhados pelo país;
- O recorrido, ao registar a marca em crise, quis beneficiar da notoriedade da marca da recorrente;
- Nestas circunstâncias, o pedido de registo da marca nacional n.º 618593, MADERO foi efectuado de má-fé, o que constitui motivo de recusa do registo previsto no artigo 231.º n.º 6 do Código da Propriedade Industrial (CPI) e propicia a concorrência desleal, o que constitui motivo adicional de recusa previsto nos artigos 232.º n.º 1 – h) e 311.º n.º 1 – a) e c) do CPI.
9. A recorrida não contra-alegou.
Delimitação do âmbito dos recurso
10. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:
A. Requisitos do registo de má-fé
B. Concorrência desleal preventiva
Factos provados
11. Nota: será a seguir mencionada entre parêntesis a numeração dada aos factos provados pela sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
12. (1) A recorrente é titular dos seguintes registos de marcas:

marca brasileira nº 90468755, solicitad[a] em 9.04.2012 e concedid[a] em 14.04.2015 para assinalar Carne; almôndega; carne fresca; hambúrguer de carne” na classe 29 da Classificação de Nice, cf. doc. 2 junto ao pedido de modificação de decisão apresentado em sede administrativa que se dá por reproduzido;


marca brasileira nº 908823690, solicitad[a] em 30.12.2014 e concedid[a] em 17.07.2018 para assinalar “Bar (serviços de -); cafés (bares); cafeterias; restaurantes; assessoria, consultoria e informações sobre restaurantes” na classe 43, cf. doc. 3 junto ao pedido de modificação de decisão apresentado em sede administrativa, que se dá por reproduzido.
13. (2) Em 9.02.2019, o recorrido solicitou o registo da marca nacional (mista)

nº 618593 para assinalar produtos “carnes; hamburgueres” na classe 29 e “Vinhos e outras bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas)” na classe 33 da Classificação de Nice, com reivindicação das cores “preto e branco” nos termos constantes de fls. 44-45 dos autos, que se dão por reproduzidos.
14. (3) Em 26.04.2019, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o mencionado pedido de registo (ponto 2 do presente enunciado de factos), alegando designadamente imitação de marcas da União Europeia de que é titular para assinalar ‘vinhos, bebidas alcoólicas e licores’, bem como possibilidade de concorrência desleal, nos termos constantes da reclamação da recorrente constante do processo administrativo junto, que se dão por reproduzidos.
15. (4) Por decisão de 16.10.2019, publicada no BPI de 7.11.2019, o INPI deu parcial provimento à reclamação da recorrente, recusando os produtos peticionados na classe 33, e concedeu o mencionado pedido de registo de marca nº 618593

ponto 2 do presente enunciado de factos) para os produtos peticionados na classe 29 (“Carnes; hambúrgueres”), nos termos constantes de fls. 46-49v dos autos, que se dão por reproduzidos.

16. (5) Em 7.01.2020, a recorrente apresentou junto do INPI pedido de modificação da referida decisão de concessão parcial do registo (ponto 4 do presente enunciado de factos), invocando possibilidade de concorrência desleal e má-fé do recorrido na obtenção do registo, por ser a marca MADERO notoriamente conhecida no Brasil, como o recorrido bem sabe já que aí é residente, tendo decidido antecipar-se à recorrente ao aperceber-se que não se encontrava ainda registada em Portugal e assim tirar dividendos futuros quando a recorrente decidir estender a sua actividade a Portugal, nos termos constantes de fls. 59-77v dos autos, que se dão por reproduzidos.
17. (6) Por decisão de 5.04.2021, publicada em 13.04.2021, o INPI indeferiu o referido pedido de modificação da sua anterior decisão (ponto 5 do presente enunciado de factos), atenta designadamente o distinto âmbito territorial dos registos e actividades em causa e insuficiência de prova da alegada má-fé do recorrido no momento do registo, nos termos constantes de fls. 78-86v dos autos, que se dão por reproduzidos.
18. (7) A marca MADERO está bem implantada no Brasil, onde a recorrente explora uma rede de mais de duas centenas de hamburguerias, sendo bem conhecida do recorrido enquanto cliente e frequentador dos restaurantes MADERO da recorrente.
19. (8) A recorrente dispõe de uma frota própria de camiões, circulando por todo o Brasil para abastecer os restaurantes da rede MADERO, nos quais é aposta a marca MADERO, cf. imagem inserida no artigo 18º da petição de recurso, que aqui se dá por reproduzida.
20. (9) As aludidas marcas da recorrente (ponto 1 do presente enunciado de factos) são grafadas na fonte gráfica designada “Century Schoolbook Regula”, cfr. doc. 4 da petição de recurso, que se dá por reproduzido.
21. (10) As marcas e actividade da recorrente são referidas em blogs, páginas web e versões digitais de meios de comunicação social brasileiros cfr. docs. 5 a 10 da petição de recurso, que se dão por reproduzidos.
Factos não provados na sentença recorrida
22. Não há.
Quadro legal relevante
23. Afigura-se ter relevo para a decisão de mérito o seguinte quadro legal:
Directiva 2015/2426 (aproxima as legislações dos Estados Membros em matéria de marcas)
Considerando (14)
Além disso, os motivos de recusa ou de nulidade relativos à própria marca, incluindo a ausência de caráter distintivo, ou relativos aos conflitos entre a marca e direitos anteriores, deverão ser enumerados de modo exaustivo, mesmo que alguns desses motivos sejam enumerados a título facultativo para os Estados-Membros, que podem assim mantê-los ou introduzi-los na sua legislação.
Artigo 4.º
Motivos absolutos de recusa ou de nulidade
1.   É recusado o registo, ou são passíveis de serem declarados nulos, se efetuados, os registos relativos:
a) a sinais que não podem constituir uma marca;
b) a marcas desprovidas de caráter distintivo;
c) a marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção dos produtos ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d) a marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
e) a sinais constituídos exclusivamente:
i) pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza dos produtos,
ii) pela forma ou por outra característica dos produtos necessária à obtenção de um resultado técnico,
iii) por uma forma ou por outra característica que confira um valor substancial aos produtos;
f) a marcas contrárias à ordem pública ou aos bons costumes;
g) a marcas que sejam suscetíveis de enganar o público, por exemplo no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço;
h) a marcas que, não tendo sido autorizadas pelas autoridades competentes, sejam de recusar ou invalidar por força do artigo 6.o ter da Convenção de Paris;
i) a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União, com o direito nacional do Estado-Membro em causa, ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas;
j) a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a menções tradicionais para o vinho;
k) a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a especialidades tradicionais garantidas;
l) a marcas constituídas por uma denominação de variedade vegetal anterior, registada em conformidade com a legislação da União ou com o direito nacional do Estado-Membro em causa, ou com acordos internacionais de que a União ou o Estado-Membro em causa seja parte, que confere a proteção dos direitos das variedades vegetais, ou a marcas que reproduzam essa denominação nos seus elementos essenciais, e que digam respeito a variedades vegetais da mesma espécie ou de espécies estreitamente relacionadas.
2.   As marcas devem ser declaradas nulas se o pedido de registo for feito de má-fé pelo requerente. Qualquer Estado-Membro pode também estabelecer que essa marca não seja registada.
3.   Qualquer Estado-Membro pode prever que seja recusado o registo de uma marca ou que o seu registo, se efetuado, fique sujeito a ser declarado nulo quando e na medida em que:
a) a utilização dessa marca possa ser proibida por força de legislação que não seja a legislação em matéria de direito de marcas do Estado-Membro em causa ou da União;
b) a marca inclua um sinal de elevado valor simbólico e, nomeadamente, um símbolo religioso;
c) a marca inclua emblemas, distintivos e escudos diferentes dos referidos no artigo 6.o ter da Convenção de Paris e que apresentem interesse público, salvo se o seu registo tiver sido autorizado em conformidade com o direito do Estado-Membro pela autoridade competente.
4.   Não será recusado o registo de uma marca nos termos do n.º 1, alíneas b), c) ou d), se, antes da data do pedido de registo, na sequência do uso que dela for feito, a marca tiver adquirido caráter distintivo. Pelos mesmos motivos, a marca não será declarada nula se, antes da data do pedido de declaração de nulidade, na sequência do uso que dela for feito a marca tiver adquirido caráter distintivo.
5.   Os Estados-Membros podem prever que o n.º 4 se aplica também no caso em que o caráter distintivo tiver sido adquirido após a data do pedido de registo mas antes da data do registo.
Código da Propriedade Industrial ou CPI
Artigo 4.º
Efeitos
1 - Os direitos conferidos por patentes, modelos de utilidade e registos abrangem todo o território nacional.
2 - Sem prejuízo do que se dispõe no número seguinte, a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão.
3 - O registo das recompensas garante a veracidade e autenticidade dos títulos da sua concessão e assegura aos titulares o seu uso exclusivo por tempo indefinido.
4 - Os registos de marcas, de logótipos e de denominações de origem e de indicações geográficas constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo.
5 - As ações de anulação dos atos decorrentes do disposto no número anterior só são admissíveis no prazo de 10 anos a contar da publicação no Diário da República da constituição ou de alteração da denominação social ou firma da pessoa coletiva, salvo se forem propostas pelo Ministério Público.
Artigo 231.º
Fundamentos de recusa do registo
1 - Para além do que se dispõe no artigo 23.º, o registo de uma marca é recusado quando esta:
a) Seja constituída por sinais que não possam ser representados graficamente ou de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular;
b) Seja constituída por sinais desprovidos de qualquer caráter distintivo;
c) Seja constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 209.º;
d) Contrarie o disposto nos artigos 208.º, 211.º e 224.º
2 - Não é recusado o registo de uma marca constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 209.º se, antes da data do pedido de registo e na sequência do uso que dela for feito, esta tiver adquirido caráter distintivo.
3 - É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos:
a) Símbolos, brasões, emblemas ou distinções do Estado, dos municípios ou de outras entidades públicas ou particulares, nacionais ou estrangeiras, o emblema e a denominação da Cruz Vermelha, ou de outros organismos semelhantes, bem como quaisquer sinais abrangidos pelo artigo 6.º-ter da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, salvo autorização;
b) Sinais com elevado valor simbólico, nomeadamente símbolos religiosos, salvo autorização, quando aplicável, e exceto quando os mesmos sejam usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais do comércio dos produtos ou serviços a que a marca se destina e surjam acompanhados de elementos que lhe confiram caráter distintivo;
c) Expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons costumes;
d) Sinais que sejam suscetíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
e) Sinais ou indicações que contrariem o disposto na legislação nacional, na legislação da União Europeia ou em acordos internacionais de que a União Europeia seja parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas;
f) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, menções tradicionais para o vinho que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte;
g) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, especialidades tradicionais garantidas que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte;
h) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, denominações de variedades vegetais que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte.
4 - É também recusado o registo de uma marca que seja constituída, exclusivamente, pela Bandeira Nacional da República Portuguesa ou por alguns dos seus elementos.
5 - É ainda recusado o registo de uma marca que contenha, entre outros elementos, a Bandeira Nacional nos casos em que seja suscetível de:
a) Induzir o público em erro sobre a proveniência geográfica dos produtos ou serviços a que se destina;
b) Levar o consumidor a supor, erradamente, que os produtos ou serviços provêm de uma entidade oficial;
c) Produzir o desrespeito ou o desprestígio da Bandeira Nacional ou de algum dos seus elementos.
6 - Quando invocado por um interessado, constitui também fundamento de recusa o reconhecimento de que o pedido de registo foi efetuado de má-fé.
Artigo 232.º
Outros fundamentos de recusa
1 - Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
a) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos;
b) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) A reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica aos produtos ou serviços a que a marca se destina;
d) A reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina ou a imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
e) A reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de denominação de origem ou de indicação geográfica que mereça proteção nos termos do presente Código, de legislação da União Europeia ou de acordos internacionais de que a União Europeia seja parte, e cujo pedido tenha sido apresentado antes da data de apresentação do pedido de registo de marca ou, sendo o caso, antes da data da respetiva prioridade reivindicada, sob reserva do seu registo posterior;
f) A infração de outros direitos de propriedade industrial;
g) O emprego de nomes, retratos ou quaisquer expressões ou figurações, sem que tenha sido obtida autorização das pessoas a que respeitem e, sendo já falecidos, dos seus herdeiros ou parentes até ao 4.º grau ou, ainda que obtida, se produzir o desrespeito ou desprestígio daquelas pessoas;
h) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
2 - Quando invocado por um interessado, constitui também fundamento de recusa:
a) A reprodução ou imitação de firma, de denominação social e de outros sinais distintivos, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
b) A infração de direitos de autor;
c) A infração do disposto no artigo 212.º
3 - No caso previsto na alínea c) do número anterior, em vez da recusa do registo pode ser concedida a sua transmissão, total ou parcial, a favor do titular, se este a tiver pedido.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo e nos artigos seguintes, por marca anteriormente registada entende-se qualquer registo de marca nacional, da União Europeia ou internacional que produza efeitos em Portugal.
5 - O disposto nas alíneas a) a d) do n.º 1 abrange os pedidos dos registos aí mencionados, sob reserva do seu registo posterior.
Artigo 311.º
Concorrência desleal
1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:
a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado;
f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.
2 - São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 345.º
Apreciação das questões suscitadas pelo recurso
A. Requisitos do registo de má fé
24. O Tribunal recorrido julgou que o facto de o recorrido conhecer a reputação das marcas da recorrente no Brasil não é suficiente para concluir pela má fé do registo, uma vez que os mercados são geograficamente diferentes, as marcas da recorrente não gozam de protecção em Portugal e a recorrente não fez qualquer prova sobre a intenção do recorrido.
25. A recorrente discorda da sentença recorrida nessa parte. Segundo defende, a circunstância de os sinais serem semelhantes, os produtos idênticos e o facto de o recorrido conhecer bem a reputação das marcas da recorrente no Brasil e ser até cliente da recorrente, bastam para concluir que o registo da marca nacional aqui em crise foi de má-fé. A recorrente alega ainda que o recorrido pretende tirar dividendos no futuro quando a recorrente decidir estender a sua actividade a Portugal.
26. Para resolver a controvérsia o Tribunal começa por analisar o conceito de má-fé consagrado no artigo 231.º n.º 6 do CPI, que aqui será interpretado à luz do artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436 e em conformidade com a jurisprudência do TJUE a seguir mencionada. Isto, para depois apreciar se os factos provados são suficientes para concluir que houve má-fé do recorrido.
27. Assim, antes de mais, convém recordar que registo de má fé previsto no artigo 231.º n.º 6 do CPI é um motivo absoluto de recusa do registo que tem de ser invocado pelo interessado. Este preceito transpôs para a ordem jurídica nacional o artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436 (directiva das marcas reformulada) segundo o qual “As marcas devem ser declaradas nulas se o pedido de registo for feito de má-fé pelo requerente. Qualquer Estado-Membro pode também estabelecer que essa marca não seja registada”.
28. Neste contexto, o conceito de má-fé é um conceito autónomo do direito da União, devendo ser objecto de uma interpretação uniforme pelos Tribunais nacionais dos Estados Membros (cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), C- 320/12, parágrafo 29, que interpreta a disposição semelhante constante do artigo 4.º n.º 4 – g) da Directiva 2008/95 e cuja jurisprudência se mantém válida).
29. O momento relevante para apreciar a má-fé é o do pedido do registo da marca aqui em crise. A este propósito importa sublinhar que a má-fé é uma falta inerente ao pedido de registo e não à marca e, por isso, pressupõe que o requerente do registo apresente o pedido com a intenção de afectar o interesse de terceiros de maneira não conforme com os usos honestos, ou com a intenção de obter um direito exclusivo para fins diferentes do fim essencial da marca, que é a indicação da origem dos produtos (cf. Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 9.ª Edição, Almedina, página 252).
30. A intenção do requerente no momento do registo é, assim, um elemento subjectivo que deve ser determinado por referência às circunstâncias objectivas do caso concreto que compreendem: o facto de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza, pelo menos noutro Estado Membro um sinal idêntico; a intenção de o requerente impedir esse terceiro de continuar a utilizar o sinal; o grau de protecção jurídica de que gozam o sinal do terceiro e o sinal cujo registo é pedido – cf. C-529/07, parágrafo 40, 43 e 51 e Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, 2.ª Edição, Almedina, páginas 262 a 264.
31. As circunstâncias objectivas das quais deriva a má-fé do pedido de registo têm, assim, de ser alegadas e podem ser, entre outras, as seguintes (Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 9.ª Edição, Almedina, páginas 253 a 254):
§ O facto de um terceiro utilizar há um tempo razoável uma marca (eg. uma marca livre/não registada) para um produto idêntico ou semelhante, que goza de boa aceitação no mercado e é susceptível de gerar confusão, pois nessa circunstância o requerente do registo pode aproveitar da reputação já granjeada pela marca
§ O requerente não ter intenção de usar a marca que registou, mas apenas o intuito de obstruir a entrada no mercado de um terceiro, pois nesse caso a marca não cumpre a sua função essencial que é indicar ao consumidor a origem do produto ou serviço e distingui-lo de outros com diversa proveniência (cf. C- 529/07, parágrafos 46 a 48);
- O pedido de registo, atendendo à natureza do produto e à tipologia da marca, poder constituir uma limitação desproporcionada a que os concorrentes possam usar sinais idênticos ou afins, na falta de prova sobre distintividade adquirida (secondary meaning);
- A notoriedade do sinal do terceiro, não protegido, ser substancialmente maior do que a do sinal confundível cujo registo é pedido, sendo o objecivo do requerente o aproveitamento parasitário da reputação da marca do terceiro;
- O pedido de registo reiterado da mesma marca ou de marca semelhante para evitar a caducidade resultante a falta de uso sério (cf. T-136/11, parágrafo 27);
- O pedido de registo com a finalidade essencial de comercializar a notoriedade de um nome ou sinal pertencente a outra pessoa ou empresa de forma parasitária (cf. T-795/17, parágrafos 33 e 39);
- O registo de marca nominativa que constitui um acrónimo de uma designação descritiva idêntica anterior pertencente a terceiro (cf. C-20/14, parágrafos 42 a 44);
32. A nulidade do registo de má-fé pode ainda ser parcial quando a má-fé só disser respeito a certos produtos ou serviços objecto do pedido de marca (cf. C-371/18, parágrafo 81).
33. No caso em análise provou-se que as marcas da recorrente gozam de boa aceitação no Brasil, onde a recorrente explora mais de duas centenas de hamburguerias, sendo os restaurantes Madero e, por conseguinte, as marcas da recorrente, conhecidos do recorrido no momento em que este requereu o registo da marca nacional conflituante (cf. factos provados constantes dos parágrafos 18 a 21). As marcas da recorrente, estando registadas no Brasil, não gozam, porém, de protecção jurídica em Portugal, ao abrigo da legislação nacional portuguesa, nem na União Europeia, ao abrigo do Regulamento 2017/2001. Por seu lado, a marca Madero concedida ao recorrido, sendo uma marca nacional, goza de protecção apenas em Portugal (cf. artigo 4.º n.º 1 do CPI). A identidade ou semelhança quer das marcas em conflito, quer dos produtos que elas assinalam foram reconhecidos pela sentença recorrida, que nessa parte não foi impugnada.
34. Feito este enquadramento, o problema que importa aqui resolver à luz do quadro legal e dos princípios interpretativos acima enunciados prende-se com saber se o conhecimento pelo recorrido, das marcas da recorrente utilizadas no estrangeiro (no Brasil) no momento da apresentação do seu pedido de registo de uma marca nacional que pode ser confundida com aquelas, é suficiente para concluir que há má‑fé do recorrido ou se é necessário provar outras circunstâncias objectivas das quais resulte a intenção do recorrido, que é o elemento subjectivo da má-fé.
35. Esta questão já foi colocada, a título prejudicial, ao TJUE (cf. C-320/12, parágrafos 2, 8 e 30) num caso análogo, de marcas conflituantes e confundíveis, registadas em países terceiros diversos (respectivamente Japão e Malásia) e posteriormente em Estados Membros diferentes da União Europeia.
36. O TJUE respondeu da seguinte forma, nos parágrafos 36 e 37 do acórdão C- 320/12, a seguir citados:
(36) (...)Todavia, a circunstância de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza um tal sinal não é suficiente, por si só, para demonstrar a sua máfé. Importa, além disso, tomar em consideração a intenção do referido requerente no momento da apresentação do pedido de registo de uma marca, elemento subjetivo que deve ser determinado com referência às circunstâncias objetivas do caso concreto (...)
(37) Com base nas considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 4. °, n.º 4, alínea g), da Diretiva 2008/95 deve ser interpretado no sentido de que, para demonstrar a existência da máfé do requerente na aceção desta disposição, importa tomar em consideração todos os fatores relevantes próprios do caso concreto e existentes no momento da apresentação do pedido de registo. A circunstância de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza uma marca no estrangeiro no momento da apresentação do seu pedido, que pode ser confundida com a marca cujo registo é pedido, não é, por si só, suficiente para demonstrar a existência da máfé do requerente, na aceção da referida disposição.”
37. Afigura-se que a interpretação feita pela jurisprudência do TJUE enunciada no parágrafo anterior se mantém válida para interpretar o artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436 (atualmente em vigor) transposto para o artigo 231.º n.º 6 do CPI.
38. Por tal motivo, não merece censura a sentença recorrida na parte em que julgou que o conhecimento das marcas estrangeiras da recorrente pelo recorrido, no momento em que apresentou o registo da marca nacional que podia ser confundida com aquelas, por si só não basta para concluir que houve má-fé.
39. Com efeito, resulta da jurisprudência do TJUE mencionada no parágrafo 36 que além do conhecimento das marcas estrangeiras da recorrente, pelo recorrido, no momento da apresentação do registo nacional de um sinal confundível, é necessário provar as circunstâncias objectivas, de entre as enunciadas no parágrafo 31 ou outras equivalentes, que demonstrem a intenção do recorrido. A esse propósito, importa sublinhar que impende sobre a recorrente o ónus de provar circunstâncias objectivas do caso concreto, das quais resulte o elemento subjectivo da má fé. Só depois de provada alguma dessas circunstâncias objectivas é que passa então a recair sobre o recorrido o ónus de alegar e provar uma explicação plausível para o registo, capaz de afastar a sua má-fé (cf. T-663/19, parágrafos 42 a 44).
40. Para saber se o segundo requisito do registo de má-fé se verifica – a intenção do recorrido – o Tribunal não tem de averiguar às cegas todas as circunstâncias enunciadas no parágrafo 31 mas apenas as que estão disponíveis nos autos por resultarem das alegações da recorrente, pois, como já foi explicado, é sobre a recorrente que impende o ónus de alegar a intenção do recorrido e de provar as circunstâncias objectivas das quais resulta essa intenção.
41. Neste contexto, no artigo 12 do pedido de modificação da decisão do INPI, a recorrente invocou o seguinte argumento: “Ou seja, por se ter apercebido de que a marca Madero é conhecida no Brasil e ainda não estava registada em Portugal, o Requerente decidiu “antecipar-se”, para desse modo vir a tirar dividendos no futuro, quando a requerente pretender estender a sua actividade a Portugal” (cf. parágrafo 16 supra e artigo 12, acima citado, do pedido de modificação junto com a referência citius 92917 Doc. 23 rectificado pelo Doc.36).
42. Do facto mencionado parágrafo 16 resulta que, o que ficou provado foi um acto processual – a junção pela recorrente da peça processual mencionada no parágrafo anterior com o conteúdo que dela consta – mas não se provou que a recorrente pretende estender a sua actividade a Portugal, nem ela o alega pois apenas refere “quando a requerente pretender estender a sua actividade a Portugal”. Assim, o que resulta da argumentação da recorrente, constante da peça processual mencionada no parágrafo 16 é que, com base no registo das suas marcas no Brasil, a recorrente pede que seja recusado o registo da marca do recorrido em Portugal para o caso de a recorrente, no futuro, pretender estender a sua actividade a Portugal, mas não alega nem prova factos capazes de convencer o Tribunal de que decidiu ou sequer equacionou seriamente vir a fazê-lo.
43. Neste contexto, afigura-se que a alegação da recorrente mencionada na peça processual que foi dada por assente no parágrafo 16, na falta de outros elementos que a completem e comprovem, não é suficiente para o Tribunal presumir, à luz do disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, que a recorrente demonstrou um interesse real e objectivo em alargar a sua actividade a Portugal. Isso teria de resultar da prova de uma decisão já tomada nesse sentido ou de factos que demonstrassem que a recorrente equacionou essa possibilidade ou fez diligências nesse sentido (eg. estabeleceu contactos no mercado nacional, fez prospeção do mercado nacional), que aqui não foi feita. Na falta de demonstração de circunstâncias objectivas – a saber, que a recorrente decidiu ou tem concretamente em perspectiva alargar a exploração das suas marcas ao mercado português – não é possível concluir que a intenção do recorrido foi impedir a recorrente de alargar a exploração comercial das suas marcas a Portugal ou dai retirar dividendos.
44. Adicionalmente, a recorrente, alega a reputação das suas marcas no mercado brasileiro, como aliás ficou provado (cf. factos constantes dos parágrafos 18, 19 e 21 supra).  Mas não alega nem prova que as suas marcas registadas no Brasil sejam conhecidas internacionalmente ou em Portugal, circunstância objectiva que se mostra essencial para demonstrar a intenção do recorrido de aproveitar uma tal reputação em Portugal.
45. Com efeito, de acordo com a interpretação feita no acórdão T-795/17, parágrafos 33 e 39, o Tribunal Geral levou em conta, como circunstância objectiva da qual resulta o elemento subjectivo da má-fé, o facto de o nome do jogador brasileiro Neymar já ser conhecido na Europa e o seu talento internacionalmente reconhecido, apesar de ainda não ter sido transferido para um clube europeu, no momento em que um cidadão português pediu o registo da marca Neymar para vestuário, chapéus e calçado; a notoriedade internacional e europeia do jogador, tendo sido alegadas e provadas, levaram o Tribunal Geral a concluir que o requerente do registo, não só conhecia essa reputação como teve intenção aproveitar-se dela de forma parasitária. Ora nada disso sucedeu no caso em análise em que, na falta de alegação e prova sobre a notoriedade internacional ou em Portugal, das marcas da recorrente, não é possível concluir que a intenção do recorrido foi comercializar a reputação dessas marcas em Portugal (onde não se apurou que sejam conhecidas) de forma parasitária.
46. Assim, da análise feita supra conjugada com a matéria de facto provada enunciada nos parágrafos 12 a 21, resulta que a recorrente não alega de modo suficiente, nem prova, circunstâncias objectivas das quais resulte que a intenção do recorrido foi contraria aos usos honestos ou que aquele visou afectar negativamente os interesses da recorrente.
47. Das restantes circunstâncias apuradas, nomeadamente, a diversidade geográfica dos mercados e a falta de protecção jurídica, em Portugal, das marcas da recorrente, também não é possível concluir que a intenção do recorrido foi afectar os interesses da recorrente de modo desconforme aos usos honestos ou obter um direito exclusivo para fins diferentes dos incluídos nas funções das marcas.
48. Tal como já foi explicado supra, contrariamente ao que que defende a recorrente, não é possível fazer uma interpretação do artigo 231.º n.º 6 do CPI, de modo a abranger os casos em que apenas fica provado o conhecimento das marcas estrangeiras no momento da apresentação de um pedido de registo de um sinal confundível.
49. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do TJUE, o artigo 4.º n.º 4 - g) da Directiva 2008/95 deve ser interpretado no sentido de que não permite aos Estados Membros introduzir um regime de proteção específica de marcas estrangeiras, distinto do estabelecido nessa disposição, baseado no facto de o requerente conhecer ou dever conhecer uma marca estrangeira (cf. C-320/12, parágrafos 38 a 43). Ora, como já foi mencionado supra, esta jurisprudência mantém-se válida para a interpretação do artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436 atualmente em vigor, que se encontra transposto no artigo 231.º n.º 6 do CPI. É o que resulta do considerando (8) da Directiva 2008/95 que serve de base à interpretação do TJUE como é referido no parágrafo 42 do acórdão C-320/12 e do considerando (14) da Directiva 2015/2436 que, sobre esta questão, prevê idêntica solução.
50. A esse respeito, convém citar o parágrafo 43 do acórdão C-320/12:
(43) Por conseguinte, importa responder à terceira questão que o artigo 4. °, n.º 4, alínea g), da Diretiva 2008/95 deve ser interpretado no sentido de que não permite aos Estados-Membros introduzir um regime de proteção específica de marcas estrangeiras, distinto do estabelecido nessa disposição, baseado no facto de o requerente conhecer ou dever conhecer uma marca estrangeira.
51. Pelo que, perante a alegação insuficiente e a falta de prova, de circunstâncias objectivas das quais resulte o elemento subjectivo da má-fé do recorrido, não merece censura a sentença do Tribunal de primeira instância na parte em que julgou não estarem preenchidos todos os requisitos do registo de má-fé previsto no artigo 231.º n.º 6 do CPI.
52. Enfim, a protecção conferida pelo artigo 234.º do CPI à condição factual das marcas notórias, ou seja, daquelas cuja notoriedade existe antes do registo, aplica-se quando os seus titulares invocam e provam a anterioridade da marca de facto (não registada) para beneficiarem da respectiva tutela. O fundamento autónomo de recusa de registo de um sinal posterior, constante do artigo 234.º n.º 1 do CPI, decorre das obrigações impostas pelos artigos 6.º bis da Convenção da União de Paris para a protecção da propriedade industrial (CUP) e 16.º n.ºs 2 e 3 do Acordo TRIPS (World Trade Organization Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), devendo, para esse efeito, o registo da marca notória ser solicitado quando se pretende opor a anterioridade de facto (cf. artigo 234.º n.º 2). 
53. Ora, no caso em análise, não se verificam estes pressupostos, porque, por um lado, a recorrente não provou a existência de notoriedade da sua marca em Portugal antes do registo da marca da apelada, por outro, não requereu o registo da sua marca em Portugal como exige o artigo 234.º n.º 2 do CPI.
54. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
B. Concorrência desleal preventiva
55. O Tribunal a quo julgou que o registo da marca do recorrido não acarreta a possibilidade de concorrência desleal (cf. artigo 232.º n.º 1 – h) do CPI). A recorrente discorda e defende que se verificam os requisitos da concorrência desleal previstos no artigo 311.º n.º 1-a) e c) do CPI.
56. A tutela da concorrência desleal aqui em causa, é preventiva e, caso existisse, constituiria um motivo relativo de recusa de registo da marca do recorrido, previsto no artigo 232.º n.º 1 – h) do CPI. Esta tutela preventiva aplica-se quer exista intenção de deslealdade comercial, quer se verifique apenas que, objectivamente, o registo do novo sinal potencia a concorrência desleal (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, página 931).
57. Ao contrário dos direitos de propriedade intelectual, que são direitos absolutos de carácter exclusivo, a concorrência desleal, consagrada no artigo 311.º n.º 1 do CPI, abrange apenas deveres de comportamento de natureza profissional/corporativa que, quando violados durante o processo de concorrência, podem fundamentar uma pretensão indemnizatória e/ou a cessação da conduta.
58. Os requisitos para que haja concorrência desleal à luz do disposto no artigo 311.º n.º 1 do CPI são assim três e, em regra, devem verificar-se cumulativamente: (i) a existência de uma relação de concorrência; (ii) a deslealdade que consiste na contrariedade às normas ou usos honestos da actividade económica, (iii) e a culpa.
59. Porém, tal como já foi explicado, a natureza preventiva da tutela concorrencial prevista no artigo 232.º n.º 1 – h) do CPI prescinde do elemento intencional e, portanto, da culpa.
60. Assim, basta que, no caso em análise, fiquem demonstrados os outros dois requisitos da concorrência desleal, a saber, relação de concorrência e a deslealdade, para que a recorrida beneficie da tutela preventiva prevista no artigo 232.º n.º 1-h) do CPI.
61. Quanto ao primeiro requisito, para existir uma relação de concorrência é necessário que exista sobreposição de mercados, quer devido à identidade/afinidade de parte dos produtos comercializados e serviços prestados, quer devido ao âmbito geográfico de protecção das marcas em conflito, de modo a que, o acto praticado por um dos concorrentes produza efeitos no mercado em relação à mesma clientela e possa (contra) afectar o outro concorrente em mercados geograficamente sobrepostos. 
62. No que respeita ao segundo requisito, a deslealdade da conduta, o artigo 311.º n.º 1 do CPI contém uma cláusula geral, seguida de uma enumeração exemplificativa. De acordo com este preceito, os actos de concorrência desleal podem ser agrupados em três categorias essenciais: actos de confusão ou indução em erro; actos de agressão; e actos de aproveitamento (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, páginas 1171 a 1181). Tendo em conta que a recorrente invocou apenas os actos de deslealdade previstos no artigo 311.º nº 1 – a) e c), convém sublinhar que os previstos na alínea a) pertencem à categoria dos actos de confusão ou indução em erro enquanto os previstos na alínea c) pertencem à categoria dos actos de aproveitamento.
63. Dito isto, o Tribunal começa por verificar se existe o primeiro requisito da concorrência desleal, a saber, a relação de concorrência. A esse propósito resulta dos factos provados que, embora exista identidade/afinidade de produtos ou serviços comercializados, o âmbito geográfico de protecção das marcas em conflito é diverso e não se sobrepõe. Com efeito, as marcas da recorrente encontram-se registadas no Brasil, não em Portugal, nem são marcas da União Europeia (cf. Regulamento 2017/2001). Apurou-se que as marcas da recorrente são conhecidas no Brasil, mas não se apurou que sejam conhecidas, usadas ou que gozem de notoriedade em Portugal. Ao passo que a marca do recorrido é uma marca nacional que goza de protecção apenas no território português (cf. artigo 4.º n.º 1 do CPI).
64. Daqui resulta que, não havendo sobreposição geográfica de mercados, o registo da marca do recorrido não potencia actos que possam (contra) afectar a recorrente. Pelo que, não existe uma relação de concorrência.
65. Em consequência, não existindo relação de concorrência, que é o primeiro requisito da concorrência desleal, fica prejudicada a apreciação do segundo requisito, a deslealdade, pois sendo tais requistos cumulativos, a falta de um deles leva a excluir a existência de concorrência desleal preventiva, como motivo relativo de recusa do registo previsto no artigo 232.º n.º 1 – h) do CPI.
66. Motivos pelos quais, não merece censura a sentença recorrida que julgou não se verificaram os pressupostos da concorrência desleal preventiva.
Em síntese
67. O registo de má fé previsto no artigo 231.º n.º 6 do CPI, que transpõe para a ordem jurídica nacional o artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436, é um motivo absoluto de recusa do registo da marca que tem de ser invocado pelo interessado.
68. Neste contexto, o conceito de má-fé é um conceito autónomo do direito da União, devendo ser objecto de uma interpretação uniforme pelos Tribunais nacionais dos Estados Membros
69. Resulta da jurisprudência do TJUE acima citada que o conhecimento, pelo recorrido, das marcas da recorrente que gozam de protecção jurídica no estrangeiro (Brasil), no momento em que o recorrido apresentou o registo de uma marca nacional que pode ser confundida com aquelas, por si só não basta para concluir que o pedido de registo foi efectuado de má-fé nos termos previstos no artigo 231.º n.º 6 do CPI. Além disso, é necessário provar circunstâncias objectivas do caso concreto das quais resulte a intenção do recorrido, uma vez que essa intenção é o elemento subjectivo da má fé.
70. O ónus da prova das circunstâncias objectivas das quais resulte o elemento subjectivo da má fé impende sobre a recorrente. Só depois de provada alguma dessas circunstâncias objectivas é que passa então a recair sobre o recorrido o ónus de provar que existe uma explicação plausível para o registo, capaz de afastar a sua má-fé. Perante a alegação insuficiente e a falta de prova, de circunstâncias objectivas das quais resulte o elemento subjectivo da má-fé do recorrido, não estão preenchidos todos os requisitos do registo de má-fé exigidos para que possa aplicar-se artigo 231.º n.º 6 do CPI.
71. De acordo com a jurisprudência do TJUE acima citada, o artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2015/2436 é aqui interpretado no sentido de que não permite aos Estados Membros introduzir um regime de proteção específica de marcas estrangeiras, distinto do estabelecido nessa disposição, baseado apenas no facto de o requerente do registo conhecer ou dever conhecer uma marca estrangeira.
72. A concorrência desleal preventiva prevista no artigo 232.º n.º 1 – h) do CPI é um motivo relativo de recusa do registo que prescinde da culpa do requerente, bastando a prova dos dois requisitos restantes: a relação de concorrência e a deslealdade.
73. Não havendo sobreposição geográfica de mercados, o registo da marca do recorrido não permite a prática actos que possam (contra) afectar a recorrente, não existindo, assim, uma relação de concorrência.
74. Em consequência, não existindo relação de concorrência, que é o primeiro, dos dois requisitos da concorrência desleal preventiva prevista no artigo 232.º n.º 1 – h) conjugado com o artigo 311.º n.º 1 do CPI, fica prejudicada a apreciação do segundo requisito, a deslealdade, pois sendo tais requisitos cumulativos, a falta de um deles leva a excluir a existência de concorrência desleal preventiva, como motivo relativo de recusa do registo.
75. Motivos pelos quais, não estando provados todos os pressupostos do registo de má-fé e da concorrência desleal preventiva, como motivos de recusa do registo da marca nacional do recorrido, aqui em crise, improcede o presente recurso e deve ser confirmada a sentença recorrida

Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
II. Condenar em custas a recorrente – artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
III. Ordenar, após trânsito e baixa dos autos, o cumprimento do disposto no artigo 46.º do Código da Propriedade Industrial.

Lisboa, 10 de Maio de 2023

Paula Pott
Eleonora Viegas
Ana  Mónica Pavão