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REPARAÇÃO DE DEFEITOS
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário
I - Alguns entraves se têm colocado à interpretação do art.º 917º do CC. Na verdade, atendendo a que o mesmo refere um prazo de caducidade para a “ação de anulação por simples erro”, e sabendo-se que o objetivo duma ação de anulação é o de destruir o contrato, ficaria por apurar qual o prazo a ter em conta quando se pretende, não a anulação do contrato, mas a simples reparação dos defeitos. II - A esta dificuldade, a jurisprudência do STJ tem sido unânime em considerar que o prazo de 6 meses consignado no art.º 917º do CC, é também aplicável às ações em que o pedido se refere à reparação dos defeitos, ainda que não se pretenda anulabilidade do contrato de compra e venda. III - O art.º 5º da Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril, só é aplicável aos prazos que já tivessem iniciado a contagem. IV - Tendo a denúncia ocorrido em 28/01/2021, o prazo de caducidade de 6 meses do art.º 917º, só iniciou a contagem em 06 de abril de 2021, por força da conjugação do art.º 4º da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, do aditamento do art.º 6º-B à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e do art.º 6º da Lei nº 13-B/2021, de 05.04.
Texto Integral
Apelação nº 1499/21.7T8PVZ.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha histórica do processo 1. AA e BB intentaram ação contra CC e DD, pedindo a sua condenação a:
a) a procederem à realização das obras necessárias à remoção dos defeitos existentes na moradia dos autores e necessárias à reparação dos danos resultantes da infiltração de águas, designadamente, do pavimento exterior da moradia, dos tetos das casas de banho, das chaminés, do chão interior (soalho flutuante) do piso inferior (cave), das paredes e rodapés do interior do piso inferior (cave);
b) a pagarem aos autores a quantia de €3.700,00 correspondente aos custos das obras urgentes, já realizadas e custeadas pelos autores;
c) a pagarem aos autores a quantia de € 8.577,44, correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelos autores, em mobiliário, equipamentos eletrodomésticos, resultantes dos defeitos existentes na moradia, que deram origem à infiltração de água, em consequência de omissão de comunicação da existência dos mesmos pelos réus, em momento anterior à venda;
d) a pagarem aos autores a quantia corresponde a €45,00 por cada dia que estes ficaram privados do gozo da totalidade do prédio urbano que adquiriram aos réus, desde 28 de janeiro de 2021 até ao final das obras peticionadas em a);
e) a pagarem aos autores a quantia de € 3.000,00, correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos autores em consequência da conduta dos réus;
f) ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 por cada dia de atraso na realização das obras prevista no ponto a).
Fundamentaram tais pedidos alegando terem comprado aos Réus o prédio urbano em questão, para sua habitação, nele tendo depois efetuado obras de remodelação e melhoramentos; sucede que logo no ano seguinte se verificaram graves infiltrações, tendo então vindo a saber que esse problema já era comum enquanto os Réus foram proprietários; na verdade, os danos existentes na moradia, que deram origem às infiltrações de água, são defeitos no isolamento da fachada, na canalização existente no solo e nas caixas de escoamento de águas pluviais, bem como nas chaminés, defeitos que eram do conhecimento dos Réus, e não lhes foram comunicados. Interpelados para a realização da remoção dos defeitos, os Réus declinaram.
Em contestação, os Réus impugnaram a factualidade alegada e excecionaram com a caducidade da ação.
Foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da exceção de caducidade, fixado o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou os Réus:
Na realização das obras necessárias à reparação do piso exterior;
No pagamento da quantia de 3.700,00 €, correspondente ao custo das obras urgentes já realizadas e custeadas pelos Autores.
No pagamento da quantia de 7.388,45 € correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelos Autores, em mobiliário, equipamentos e eletrodomésticos, resultante dos defeitos existentes na moradia, que deram origem à infiltração de água, em consequência da omissão de comunicação da sua existência em momento anterior à venda;
No pagamento da quantia de 3.000,00 €, correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores;
Absolver os Réus do demais peticionado.
2. OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados na douta sentença:
«Factos provados
1. Os Autores compraram aos Réus, em 15 de Outubro de 2020, a moradia sita na Rua ..., ..., na Póvoa de Varzim, registada na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da União das Freguesias ..., ... e ....
2. Os Autores adquiriram a referida moradia para sua habitação própria e permanente, para lá residirem ambos e os filhos respetivos de cada um dos Autores.
3. Os Autores adquiram a propriedade da referida moradia, usada, em bom estado de conservação, com exceção do portão de acesso à garagem.
4. Os Autores efetuaram obras de remodelação e melhoramento da moradia, designadamente, procederam à colocação de chãos, paredes, tetos novos e casa de banho nova, no piso inferior (cave), com o intuito de lá instalar os aposentos privativos dos filhos do Autor.
5. Os Autores gastaram a quantia de 2.209,45 € em mobiliário para o quarto dos filhos do Autor.
6. Por volta do final do mês de Janeiro de 2021, em dia que os Autores não conseguem precisar, numa altura de grande pluviosidade, após chuvas intensas, os Autores detetaram diversas infiltrações de água dentro da moradia.
7. A água infiltrou-se nos tetos das casas de banho, pela zona das chaminés.
8. A água infiltrou-se no piso inferior, na cave, pelas paredes.
9. O piso inferior da moradia dos Autores ficou inundado com água pela altura de 20 cm acima do piso.
10. Por e-mail de 28 de Janeiro de 2021, os Autores comunicaram a existência dos defeitos existentes na moradia e das consequentes infiltrações de água aos Réus.
11. Os Réus responderam aos Autores no dia seguinte, alegando que não os enganaram e que inexistem defeitos na moradia.
12. Tendo obtido a resposta, nos termos do documento junto a fls. 67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. Confrontados com as infiltrações, os Autores recorreram aos serviços de empresa especializada em engenharia e construção civil, com o intuito de detetar a origem das infiltrações e obter solução para a reparação das mesmas.
15. Foi efetuada perícia técnica de engenharia civil à moradia dos Autores, no dia 7 de Fevereiro de 2021, tendo-se obtido as seguintes conclusões:
- Que a inundação não se deveu a pluviosidade excecional, nem a falha das bombas de drenagem de água existentes na moradia;
- Que existiam danos profundos na caixa de escoamento de águas pluviais, permitindo a infiltração de água no interior da moradia dos autores.
16. Os danos existentes na moradia dos Autores, que deram origem às infiltrações de água, são defeitos no isolamento da fachada, na canalização existente no solo e nas caixas de escoamento de águas pluviais, bem como nas chaminés.
17. Sempre que chovesse abundantemente, a cave da moradia teria infiltrações de água pluvial, dado o grau de deterioração dos isolamentos de fachada, pavimento e caixas de escoamento, bem como das chaminés, no telhado.
18. Os defeitos e os danos agravar-se-iam ainda mais se não fosse realizada uma intervenção imediata, procedendo-se às reparações necessárias aos defeitos que estavam a permitir a infiltração de água na cave.
19. Em momento anterior à venda do prédio aos Autores a moradia teve outras inundações.
20. No momento da compra da moradia aos Réus os Autores não tinham conhecimento dos defeitos existentes na moradia, que deram origem às infiltrações e consequentes danos.
21. Perante a inação dos Réus, os Autores foram confrontados com a necessidade de proceder à reparação imediata de alguns dos defeitos existentes na moradia, de forma a impedir que a água pluvial se continuasse a infiltrar no interior da moradia, agravando ainda mais os danos.
22. A expensas dos Autores, foram realizadas obras de pichelaria e alvenaria, consistentes na substituição e reparação de canalizações e caixas de escoamento de águas pluviais, bem como a impermeabilização da fachada e solos, no valor total de 3.710,00 €.
23. É necessária, ainda, a realização de obras para reparação e substituição do chão exterior.
24. Por carta registada, com aviso de receção, datada de 26 de Abril de 2021 os Autores interpelaram os Réus, no sentido de que estes procedessem à realização das obras necessárias à reparação dos defeitos, bem como ao seu ressarcimento, na quantia paga pelas obras urgentes cuja realização e custo estes suportaram, na quantia correspondente aos danos em mobiliário, equipamentos e eletrodomésticos que foram destruídos com a infiltração de água.
25. Os Réus responderam alegando que as infiltrações se deveram à falta de manutenção dos equipamentos de drenagem, pelos Autores.
26. A inundação da cave provocou danos em equipamentos, eletrodomésticos e mobiliário existentes no piso inferior da moradia, a saber:
- Aquecedores elétricos HJM: 1.679,00 €;
- Televisor Sony 65”: 3.500,00 €;
- Mobiliário IKEA, quarto 1 da cave: 1.163,49 €;
- Mobiliário IKEA, quarto 2 da cave: 1.045,96 €.
27. O piso inferior da moradia encontra-se com humidade e marcas de infiltração nas paredes.
28. No exterior, o jardim e quintal do prédio tem buracos abertos, encontra-se em terra batida e sem acabamento o que impede a sua fruição.
29. Os Autores, durante e após a inundação da moradia, viveram momentos de sofrimento.
30. Os Autores tiveram de reorganizar a sua família, tendo os filhos do Autor ficado com os seus quartos inundados.
31. Os Autores perderam várias horas do seu tempo de trabalho e de descanso a procurar drenar toda a água existente no piso inferior da moradia, em pleno inverno, com temperaturas baixas.
32. Em consequência, a Autora BB contraiu doença que a impossibilitou de trabalhar durante 10 dias.
33. A acrescer que os Autores viram os seus pertences ser destruídos pela inundação.
34. Os Autores viram o piso inferior da sua casa de morada de família, que tinha sido completamente remodelado meses antes, ficar destruído pela inundação.
35. Os Autores, fruto da inundação, tiveram de retirar os filhos do Autor dos seus quartos, colocando-os a pernoitar noutras divisões.
36. Os Réus adquiriram o imóvel objeto dos presentes autos no ano de 2010.
37. No decurso de utilização do imóvel pelos Réus, num momento de grande pluviosidade, veio a ocorrer uma inundação na zona da garagem da referida moradia.
38. Esta situação veio a ser comunicada ao promotor imobiliário que procedeu à remoção parcial do piso da garagem, colocou tubos de drenagem das águas do piso a escoar para o poço das águas pluviais e reforçou o sistema de bombagem para o sistema público das águas pluviais.
39. Em 5 de Agosto de 2020, os Autores celebraram com os Réus um contrato promessa de compra e venda, sob o qual os Réus prometiam vender aos Autores, que por sua vez prometiam comprar, o imóvel objeto dos autos, livre de quaisquer ónus, encargos, pessoas e bens, pelo preço de 260.000,00 €.
40. À data, os Réus tiveram a cautela de transmitir aos Autores que existiam poços, ao nível da cave da moradia, nos quais se encontravam instaladas bombas de extração de água para manter os níveis freáticos da água sempre inferiores à quota da cave.
41. Alertando, inclusive, da absoluta essencialidade de manter as bombas de extração de água em bom funcionamento por forma a evitar alagamentos na zona da garagem (que se encontra a uma cota inferior às águas pluviais públicas e a sua extração encontra-se preconizada através do sistema de bombagem).
42. Os Réus providenciaram no sentido de os Autores averiguarem pelo estado de conservação do imóvel, tendo estes declarado, no referido contrato, que conheciam o estado físico e jurídico em que o imóvel se encontrava e que aceitavam comprar nesse mesmo estado.
43. Por solicitação dos Autores, os Réus, em 21 de Agosto de 2020, com efeito a 24 de Agosto de 2020, autorizaram os Autores a realizar no imóvel “pinturas interiores, exteriores, eventuais arranjos no chão, entre outros” passando a ter a posse do imóvel.
44. Os Autores, por seu turno, declararam prescindir de todo o direito a exigir qualquer indemnização ou retenção das benfeitorias que efetuassem no imóvel.
45. À data da inundação pelo menos uma bomba encontrava-se avariada.
46. No e-mail de 29.01.2021 os Autores alegaram que “as infiltrações não são nas paredes vêm do chão”.
Factos não provados:
1. Os defeitos no isolamento da fachada, na canalização existente no solo e nas caixas de escoamento de águas pluviais, bem como nas chaminés eram do conhecimento dos réus que, deliberadamente, os ocultaram aos Autores.
2. É necessária, ainda, a realização de obras para reparação e substituição de:
- Tetos;
- Chaminés;
- Chão interior (soalho flutuante) do piso inferior (cave);
- Paredes e rodapés do interior do piso inferior (cave).
3. A inundação da cave provocou danos em equipamentos, eletrodomésticos e mobiliário existentes no piso inferior da moradia, a saber:
- Ferro de Caldeira Bosch: 239,99 €;
- Sofá: 949,00 €.
4. O piso inferior da moradia encontra-se com o chão de madeira levantado de que resulta a impossibilidade do seu uso.
5. O referido imóvel encontrava-se em conformidade com o projeto aprovado pela Câmara Municipal e de acordo com as normas construtivas em vigor.
6. Desde a referida intervenção, até ao momento em que venderam o imóvel, nunca mais os Réus tiveram qualquer problema similar ao inicialmente ocorrido uma vez que sempre diligenciaram por manter as bombas de extração de água em perfeito estado de funcionamento.
7. Durante os anos de 2017 a 2020 o imóvel esteve por alguns períodos arrendado e nunca o inquilino denunciou qualquer problema com o imóvel, tendo usufruído e conservado o mesmo na sua plenitude.
8. A inundação da cave deveu-se ao facto de as bombas dos poços encontrarem-se desativadas, por falta de eletricidade ou avaria.
9. Num dia de pluviosidade acentuada um dos equipamentos não é bastante para a extração de água.
10. A zona da cave encontra-se licenciada para garagem e zona de arrumos não sendo previsível a sua afetação a outras finalidades nomeadamente instalação de um quarto ou sala de estar.»
3. Inconformados com a sentença, dela vêm os Réus apelar, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Encontra-se assente que a denúncia dos defeitos pelos AA aos RR ocorreu a 28 de janeiro de 2021, sem que em algum momento estes tivessem assumido qualquer responsabilidade quanto aos mesmos.
2. Que a propositura da presente ação ocorreu a 25.10.2021.
3. Que o prazo de exercício do direito de eliminação dos defeitos é de seis meses a contar da denúncia atempada, nos termos do artigo 917.º do Código Civil.
4. Que, “O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (que suspendeu os prazos de prescrição e caducidade), produz efeitos a 22 de janeiro de 2021 (…)” – artigo 4º da Lei nº 4º-B/2021, de 1 de fevereiro.
5. Que, por sua vez, a Lei 13º-B/2021, de 5 de abril “(…) entra em vigor no dia 6 de abril de 2021” (art. 7º do diploma);
6. Conclui-se que o período de aplicação da norma prevista no artigo 6º-B decorreu desde 22 de janeiro a 6 de abril de 2021 (contrariamente à referência feita na sentença ora colocada em crise de que iria até 26 de abril de 2021).
7. Não se aplica à situação em apreço o disposto no art.º 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04, quanto ao alargamento dos prazos de caducidade ou prescrição, pelo facto deste concreto prazo nunca se ter iniciado antes do termo do período de vigência do normativo que suspendeu os prazos.
8. Pois, “O alargamento referido na norma só se aplica, porém, aos prazos que hajam sido suspensos por força da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02.
9. III - Tendo o autor sido notificado durante o período de suspensão dos prazos processuais, o prazo (de caducidade) para a propositura da ação apenas começou a contar na data de entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021 (06-04-2021), o que significa que não lhe é aplicável o disposto naquele art. 5.º” – ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2022, processo nº 16/21.3YFLSB, votado por unanimidade.
10. Neste enquadramento, sendo o prazo de caducidade de 6 meses, o mesmo findou a 5 de outubro de 2021, ou seja, a ação foi interposta em momento posterior, quando já havia caducado o direito de ação.
11. Atento o exposto, deve ser julgada procedente por provada a exceção de caducidade alegada em sede de contestação.
12. Da análise contextualizada do peticionado nos autos, assim como da defesa apresentada, o objeto dos presentes autos circunscreve-se à conclusão de qual foi o motivo da inundação: se esta se deveu a danos existentes nas caixas das águas pluviais conforme deu por assente o Tribunal a quo ou se se deveu ao facto de uma das bombas se encontrar avariada, num dia de grande pluviosidade, em que o terreno confinante estava com um nível de água cerca 2 metros mais alto que o pavimento da garagem do imóvel dos AA, sendo a capacidade da única bomba em funcionamento insuficiente para bombear o excesso de água existente.
13. Uma vez que existem versões contraditórias, é relevante iniciar por compreender o contexto cronológico em que a inundação ocorreu, escrutinando se a mesma teve início em outubro e verificou-se durante um período de 3 meses (versão do depoimento dos AA) ou se a inundação apenas ocorreu no final de janeiro (versão da petição dos AA).
14. Não é verosímil que tenham ocorrido inundações na moradia dos AA desde outubro de 2020 até final de janeiro de 2021, sem que estes apresentassem de imediato reclamação aos RR, sem que tivessem ido lá os técnicos validar o sucedido, sem que a intervenção de reparação se tivesse iniciado mais cedo e sem que os AA de imediato tivessem retirado os bens da zona da cave (que lá se encontravam em final de janeiro).
15. A contradição não se circunscreve à divergência entre o depoimento e o articulado, também se afere na confusão manifestada ao referirem que de imediato comunicaram a inundação através do e-mail junto aos autos, ou seja, a mesma apenas poderá ter ocorrido por volta de 28 de janeiro de 2021.
16. Não obstante encontrar-se assente o momento da inundação, não deixa de ser relevante esta análise para se poder concluir que, por não serem verdadeiros, devem os depoimentos prestados pelos AA ser desconsiderados para a decisão da factualidade relevante.
17. O Tribunal a quo sustentou – e dizemos que erradamente – que a ocorrência da inundação da cave da casa dos AA se ficou a dever ao facto de o fundo das caixas das águas pluviais se encontrar partido;
18. É para as referidas caixas que as bombas de extração de água da zona da cave expelem a água, a qual depois segue para o sistema público e, segundo a tese da sentença a quo, foi em resultado do estado das caixas pluviais que ocorreu a entrada de água pelo tardoz das paredes da garagem provocando a inundação na cave;
19. Sucede que, a ser correto o raciocínio vertido na decisão em crise, então fica por explicar qual o racional para compreender que esta inundação não tenha ocorrido em momento anterior a janeiro de 2021, nos meses de novembro e dezembro, e apenas ter ocorrido no final de janeiro já que no temor de um período de elevada pluviosidade (tanto que nesse ano o inverno foi rigoroso).
20. Cai logo à partida essa conclusão.
21. Cremos inclusive que é exatamente por causa desta perspetiva que terá “nascido” a nova versão dos AA, adornada a jeito, quanto ao início da inundação em outubro e durante o período e 3 meses, para colmatar este raciocínio.
22. Após demonstrar a falta de adesão à realidade da versão acolhida pela sentença quanto às causas e forma como decorreu a inundação objeto dos autos, incumbe ora aos RR demonstrar factualmente o que realmente sucedeu, o que se faz da seguinte forma:
23. Resultou de modo inequívoco, quer do depoimento das testemunhas, nomeadamente o Eng. EE indicado pelos AA, quer da alegação vertida pelos AA na petição inicial, que a inundação ocorreu no final do mês de janeiro, numa altura de grande pluviosidade.
24. Sendo inequívoco da prova produzida que no poço de onde se procede à extração da água existente na zona da cave e garagem para a caixa das águas pluviais, que por sua vez expele por gravidade para o sistema publico de águas pluviais, encontravam-se instaladas duas bombas de extração de água.
25. Ficou provado que as aludidas bombas se encontravam instaladas em níveis diferentes, motivo pelo qual era possível que começassem a trabalhar em simultâneo se o nível da água atingisse a quota daquela que se encontrava instalada no nível superior.
26. No momento da inundação uma das referidas bombas encontrava-se avariada, tal como resultou da prova, nomeadamente da fatura de substituição e confissão dos AA.
27. Ficou demonstrado que, as paredes da casa encostadas ao solo foram executadas em betão, encontrando-se devidamente impermeabilizadas, tendo sido executado um geodreno que tem por função recolher as águas que porventura descessem pelas paredes, reencaminhando as mesmas para o poço das águas pluviais.
28. Se porventura ocorresse descida de água pelas rachadelas do fundo da caixa das águas pluviais, junto às paredes da casa, sempre as mesmas seriam recolhidas pelo referido geodreno.
29. Sendo que várias testemunhas, nomeadamente o Eng. EE, apesar de não saberem se tal teria sido executado (conforme demonstrou o Eng. FF no seu depoimento), fizeram menção de que se o geodreno existisse no fundo das paredes e chão da cave não teria ocorrido a inundação – ver também depoimento de GG.
30. Deveremos ainda conjugar com esta factualidade o facto de ter sido feita prova de que o terreno (sem qualquer edificação) que confinava com o imóvel dos AA, aquando da inundação tinha água a um nível de água superior ao nível do chão da garagem em cerca de dois metros; sendo que,
31. Tal facto resultou, de forma clara, firme e esclarecedora, do depoimento prestado pela testemunha GG, amigo do A e por este indicado, que esteve na moradia logo após a inundação e executou alguns dos trabalhos de reparação.
32. O mesmo teve o cuidado de contextualizar que inclusive não verificou a existência de quaisquer cabos para ligar eventual bomba existente no imóvel, nem tao pouco uma bomba em funcionamento naquela altura.
33. Concluindo que o nível já havia reduzido numa segunda visita quando era ainda possível verificar-se as marcas da cheia que tinha ocorrido.
34. A ocorrer um nível de água dessa dimensão no terreno confinante com a moradia dos AA, não há impermeabilização que possa evitar uma inundação dentro de casa (a uma quota inferior a 2 metros) pois os pisos das moradias não são impermeabilizados e, de acordo com o princípio dos vasos comunicantes, a água acaba por passar para os terrenos mais baixos e com menos pressão.
35. A própria testemunha reconheceu que o aparecimento de água na cave se pode dever a esse elevado nível de água no terreno do vizinho
36. Feita esta a análise critica da prova produzida, nunca poderemos concluir, como erradamente concluiu a douta sentença, que a inundação se ficou a dever aos danos existentes na caixa das águas pluviais. Caso contrário, repita-se, já teria ocorrido inundação em momento anterior ao dia 28 de janeiro de 2021, uma vez que ocorreram chuvas nos dias e meses antecedentes, tanto mais que o aquele mês de janeiro de 2021, em que ocorreu a inundação, foi marcado por chuvas intensas.
37. Dúvidas não podem restar de que a entrada de água pela cave da casa se deveu à conjugação de diversos eventos, mais concretamente à ocorrência de um dia de pluviosidade anormalmente alta, em que o nível freático do terreno confinante subiu até 2 metros acima da quota da garagem e o sistema de extração de água da garagem não teve capacidade de resposta pelo facto de ter uma das bombas avariadas.
38. Por mera cautela de patrocínio, estranha-se que os AA para prova das despesas que tiveram apenas juntem aos autos uma fatura da compra dos bens, assim como um orçamento da suposta reparação.
39. Se efetivamente tivessem avariado os referidos equipamentos era expetável existir a fatura de aquisição dos novos equipamentos ou, já na expetativa de vir a demandar judicialmente no pagamento dos referidos danos, um registo fotográfico, assim como documento comprovativo de entrega para destruição, o que não existe, ou pelo menos não foi junto aos autos.
40. Apenas foi feita prova desses bens através do depoimento dos AA que já se verificou serem parciais nos depoimentos que prestaram e não dizerem a verdade factual do ocorrido, não obstante a isso estarem obrigados.
41. De igual forma, não se compreende como com referência aos móveis Ikea, que supostamente ficaram danificados, não tenham sido junto aos autos fotografias a demonstrar os danos causados nos referidos móveis.
42. Cremos que não é verosímil que os bens tenham ficado estragados e não tenham sido reparados ou substituídos, nem que tenha sido junto aos autos algum eventual relatório de reparação ou intervenção nos equipamentos, motivo pelo qual não podem ser considerados provados esses danos.
43. Quanto aos trabalhos de reparação das caixas das águas pluviais, o Eng. EE considerou que com a reparação das duas das caixas, com o custo de EUR 800,00 cada (para ficarem novas), seria bastante para garantir, com 98% de certeza, que não voltava a ocorrer reparação.
44. Neste contexto, o custo do suposto orçamento de EUR 3.710,00, com a abertura de valas, substituição de tubos, etc, compreendem trabalhos que, a terem sido efetuados, correspondem a mais valias que não podem ser assumidas pelos RR, aos quais, a terem alguma responsabilidade, apenas pode ser exigida a eliminação dos defeitos.
45. Acresce ainda que nenhum documento de recibo de quitação, que comprove o suposto pagamento dos trabalhos executados, foi junto aos autos, tendo apenas sido junto um orçamento elaborado por uma das testemunhas.
46. Já quanto aos buracos no jardim, nenhuma prova foi feita em sede de julgamento da existência dos mesmos, sendo certo que na presente data se encontrarão tapados, tanto mais que a casa se encontra a ser comercializada em imobiliária e, nessa circunstância, não é crível que o fosse com se os buracos lá existissem.
47. Conjugada toda a prova documental junta aos autos, com a prova testemunhal feita em sede de audiência de julgamento entendemos que a matéria de facto dada por assente deve ser alterada por se encontrar incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto:
a. Os pontos 7, 8, 9, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33 e 34 dos factos dados por assentes que devem ser retirados e considerados como não provados;
b. Devem ser considerados como provados os seguintes pontos:
● Em momento anterior à venda do imóvel aos AA o prédio teve apenas uma inundação poucos anos após a aquisição pelos RR a construtor, sendo que este efetuou intervenções para colmatar os problemas que a motivaram, nomeadamente com colocação de geodreno no piso da cave e bomba no terreno confinante.
● Aquando da ocorrência da inundação descrita em 6º da petição o terreno confinante, que não tem qualquer edificação encontrando-se em estado de escavação prévia à edificação, que se encontra separado pelo imóvel objeto dos autos por um muro, encontrava-se repleto de água a um nível 2 metros superior ao fundo da cave dos AA;
● As paredes da casa dos AA na parte encostada ao solo foram executadas em muro de betão, tendo sido aplicada a respetiva impermeabilização, assim como edificado um geodreno capaz de aglutinar as águas que existissem no encosto ao muro, encaminhando-as para o poço das águas pluviais da rampa.
● O sistema de bombagem para retirar águas pluviais da cave e parte exterior da casa dos AA, preconizado para trabalhar com duas bombas que podiam trabalhar em simultâneo se o nível de água assim subisse, tinha apenas uma em funcionamento pelo facto da outra encontrar-se avariada.
● O extraordinário nível de pluviosidade que ocorreu naquele dia, que associado ao elevado nível de água no terreno confinante, assim como à falha de uma das bombas do sistema de extração de águas pluviais provocou inundação parcial da cave dos AA.
● Caso o sistema de bombas de extração de água estivesse a funcionar em pleno não teria ocorrido entrada de água na zona da cave dos AA.
48. A alteração da matéria dada por prova, assim como a prova dos novos factos que se pretende que sejam considerados como provados decorre da análise dos depoimentos das partes e testemunhas melhor identificados supra, devidamente conjugados com a prova documental elencada.
49. Conclui-se assim que ocorreu erro de julgamento motivado por uma errada representação da realidade.
Termos em que, com o douto suprimento de V.as exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, reconhecida a exceção de caducidade e, sem prescindir, modificada a decisão de facto como referido e sempre ser a sentença revogada e substituída por outra que, julgando totalmente improcedente a ação, absolva os réus integralmente do pedido; tudo com as legais consequências.»
4. Os Autores contra-alegaram, invocando a rejeição do recurso por não se mostrarem cumpridos os ónus de alegação relativamente à matéria de facto e sustentando a sua improcedência.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR [1]:
● Se operou a caducidade do direito de ação
● Se é de rejeitar o recurso da matéria de facto
● Em caso negativo, proceder à respetiva reapreciação
● Em conformidade com o decidido, verificar se existiu erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito.
5.1. Caducidade do direito de ação
Os Réus consideram aplicável ao caso o art.º 917º do Código Civil (CC), que impõe um prazo de 6 meses. Na sua resposta, os Autores entenderam que o prazo era de um ano. Na sentença, a M.mª Juíza considerou improcedente a exceção, por não se ter completado o prazo do art.º 917º, em virtude das leis em vigor na sequência da pandemia Covid-19. [2] Caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo. [3]
Nos termos do art.º 329º do CC, o prazo de caducidade, (...), começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.
Os Réus invocaram ainda o acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) nº 2/97 [4], que reza assim: «A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil.»
Inexiste hoje qualquer preceito legal que atribua aos acórdãos uniformizadores de jurisprudência força obrigatória geral ou, sequer, força vinculativa para os tribunais.
Não obstante, perante a evidência de que decisões diversas, proferidas em idêntico quadro legal e sobre a mesma questão de direito, comportam a incerteza do Direito e o próprio desprestígio da jurisprudência perante o cidadão e perante todos os operadores judiciários, não há como ignorar que «(...) a lei não deixou de atribuir às súmulas uniformizadoras um especial relevo, atribuindo-lhe implicitamente força persuasiva.» [5]
Posto é que se esteja no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Ora, a nossa constatação é que não ocorre essa circunstância. Efetivamente, não se verifica a mesma questão fundamental de direito, já que a decisão desse AUJ versou sobre dilucidar se era aplicável o prazo de caducidade do art.º 917º ou o prazo geral de prescrição de 20 anos (diversa questão fundamental de direito) e, ainda assim, para situações reportadas ao regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25.10, que procedeu à alteração dos artigos 916º e 1225º do CC (diversa legislação).
Igualmente se considera não ser aqui aplicável o regime do Decreto-Lei nº 67/2003, de 08.04 (venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), na medida em que o mesmo apenas é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, e não há qualquer menção de os Réus terem essa qualidade de profissionais: cf. art.º 1º-A e 1º-B al. c).
Qual, então, o prazo de caducidade aqui aplicável?
Em nosso entender, considerando estar-se perante um contrato de compra e venda, tem de respeitar-se o respetivo regime especial, com a sua disciplina jurídica própria ─ artigos 913º a 922º e 874º a 886 do CC ─, só sendo de recorrer a outros preceitos naquilo que aí não estiver previsto.
Assim, será de aplicar o art.º 917º do CC.
Alguns entraves se têm colocado à interpretação deste preceito. Na verdade, atendendo a que o mesmo refere um prazo de caducidade para a “ação de anulação por simples erro”, e sabendo-se que o objetivo duma ação de anulação é o de destruir o contrato, ficaria por apurar qual o prazo a ter em conta quando se pretende, não a anulação do contrato, mas a simples reparação dos defeitos.
A esta dificuldade, a jurisprudência do STJ tem sido unânime em considerar que o prazo de 6 meses consignado no art.º 917º do CC, é também aplicável às ações em que o pedido se refere à reparação dos defeitos, ainda que não se pretenda anulabilidade do contrato de compra e venda. Assim:
«1. Os prazos fixados nos artigos 916º e 917º do Código Civil para a caducidade das acções de anulação por simples erro na venda de coisas defeituosa são extensivos às acções em que se peça a reparação de defeitos da coisa vendida.» [6]
«Justifica-se a aplicação extensiva da norma do art. 917º do Código Civil que refere, tão só, a acção de anulação, mesmo no caso de dolo do vendedor (hipótese esta em que o comprador não tem o ónus de denunciar o defeito - art. 9l6º nº l, "in fine", do CC-), às acções através das quais se fazem valer outras pretensões (de redução de preço, de reparação ou substituição da coisa, de resolução e indemnização) porque e na medida em que são recursos contratuais por vícios da coisa.» [7]
Decorre então do art.º 917º, em conjugação com o 916º, que a ação a peticionar a reparação dos defeitos, e/ou indemnização, caduca se não for interposta no prazo de 6 meses, contados desde a denúncia dos defeitos.
Sabemos que denúncia dos defeitos ocorreu em 28/01/2021, tendo a ação sido proposta em 25/10/2021.
O prazo para o exercício de um direito de ação é um prazo substantivo [8], sujeito às regras de contagem do CC, pelo que não está sujeito às regras da suspensão/interrupção da prescrição, a não ser que a lei o determine (art.º 328º do CC).
Tratando-se da contagem de um prazo substantivo, há que atender ao art.º 279º do CC; assim, por força da sua alínea c) o prazo terminaria no dia 28 de julho de 2021 (quarta feira).
Sucede que, entretanto, houve leis a determinar de forma diferente (art.º 328º CC, in fine), as leis relativas à situação epidemiológica do Covid 19, que determinaram a suspensão do decurso dos prazos, incluindo os prazos de caducidade.
Tendo em conta a data da denúncia (28/01/2021), vejamos as leis que determinaram a suspensão. Releva a Lei nº 4-B/2021 [9], em vigor desde 02/02/2021, e que vigorou até à publicação da Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril.
O art.º 4º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, determinou: O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.
Ora, esse art.º 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020 (com a redação agora dada pela Lei 4-B/2021) prescrevia que: 3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1. 4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
A Lei nº 4-B/2021 vigorou até à publicação da Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril, a qual determinou a cessação da suspensão dos prazos de caducidade a partir de 06 de abril de 2021. Artigo 6.º (Norma revogatória) São revogados os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual. Aplicando ao caso concreto:
Sendo assim, a 22 de janeiro de 2021 iniciou-se um prazo de suspensão por determinação legal.
Como a data da denúncia ocorreu em 28/01/2021, isso significa que o prazo nem sequer começou a contar (pois ocorreu em período de suspensão).
Assim sendo, o início da contagem aconteceu no dia 06 de abril de 2021 (final dos prazos de suspensão determinados pela Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril).
Contando os 6 meses, nos termos do art.º 279º al. c) do CC, temos que o prazo terminou às 24 horas do dia 06 de outubro de 2021.
Efetivamente, como defendem os Recorrentes, neste caso não é aplicável o art.º 5º da Lei nº 13-B/2021 ─ (“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”) ─, dado que o prazo de suspensão aqui em causa nem sequer tinha ainda começado a sua contagem.
E esse art.º 5º da Lei nº 13-B/2021 só é aplicável aos prazos que já tivessem iniciado a contagem.
Neste sentido, o acórdão do STJ: «Quanto ao invocado artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, é manifesto que ele não tem aqui aplicação. Com o alargamento dos prazos que aí se contempla, o legislador terá pretendido assegurar, e justificadamente, a transição (mais) gradual para a retoma da contagem dos prazos que estavam suspensos, evitando o esgotamento abrupto dos que estivessem na iminência de terminar aquando da suspensão. Sublinha-se: naquele artigo 5.º estão apenas em causa os prazos que, encontrando-se em curso à data da suspensão generalizada dos prazos, tenham sido suspensos por via da Lei n.º 1-A/2020 tal como alterada pela Lei n.º 4-B/2021 e, portanto, impedidos de correr na sua totalidade. Ora, antes do início da vigência da Lei n.º 13-B/2021, o prazo para a propositura da presente acção não havia sequer começado a correr, pelo que não era susceptível de ser suspenso nem, consequentemente, retomado, não fazendo sentido falar em alargamento “pelo período correspondente à vigência da suspensão”.» [10]
Concluindo, o direito de ação dos Autores caducou no dia 06 de outubro de 2021 pelo que, tendo a ação sido proposta em 25/10/2021, foi-o extemporaneamente.
Dado que a caducidade opera a extinção do direito, ela integra uma exceção perentória extintiva e determina a absolvição dos Réus do pedido: art.º 576º nº 3 do CPC.
III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, no provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, julgar procedente a exceção de caducidade do direito dos Autores e absolver os Réus dos pedidos contra eles formulados.
Custas do recurso a cargo dos Autores, pelo decaimento.
Porto, 23 de março de 2023
Isabel Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
_________________ [1] Na ordem da apreciação das questões tem-se em conta que a decisão de cada uma delas pode tornar prejudicado o conhecimento da(s) seguinte(s): art.º 608º nº 2, ex vi do art.º 663º nº 2 do CPC. Por norma, a caducidade importa matéria de facto, pelo que se deveria iniciar pela reapreciação da matéria de facto. Sucede que as datas que relevam para o conhecimento da exceção estão firmadas nos autos e não são questionadas neste recurso. Assim sendo, e dado que, a vingar a caducidade, ficaria prejudicado o conhecimento de todas as demais questões (por importar a absolvição dos Réus do pedido, art.º 576º nº 3 do CPC), por ela se iniciará. [2] «Ora, nos termos do artigo 4º, da Lei nº 4-B/2021 e 7º, da Lei 13-B/2021, a suspensão dos prazos de caducidade ocorreu entre 22 de Janeiro de 2021 e 26 de Abril de 2021. Assim, o prazo de caducidade de seis meses para a propositura da presente acção judicial, iniciou no dia 26 de Abril de 2021 e terminava em 26 de Outubro de 2021. A acção foi proposta no dia 25 de Outubro de 2021, ou seja, dentro do referido prazo. Acresce que a tal prazo acrescia, ainda, o prazo de suspensão, de 94 dias. Improcede, assim, a invocada excepção de caducidade do direito de acção.» [3] Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II vol., Coimbra, 6ª reimpressão, 1983, pág. 463. [4] Proferido no processo nº 85875, do STJ, e publicado no Diário da República nº 25/1997, Série I-A, de 30/01/1997. [5] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, novo regime”, Almedina, pág. 425. No mesmo sentido, acórdão do STJ, em uniformização de jurisprudência, proferido em 14.05.2009 (processo 218/09.OYFLSB). [6] Acórdão do STJ, de 13/10/2011, processo nº 1127/07.3TCSNT.C1.S1, Relator Oliveira Vasconcelos, disponível em www.dgsi.pt, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. [7] Acórdão de 09/03/2006, processo nº 06B066, Relator Pereira da Silva. No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 13/02/2014, processo nº 1115/05.4TCGMR.G1.S1, Relator Salazar Casanova; de 05/05/2022, processo nº 1608/20.3T8AMT-A.P1.S1, Relatora Catarina Serra; de 01/07/2021, processo nº 3655/06.9TVLSB.L2.S1, Relator Fernando Baptista. Do Tribunal da Relação do Porto (TRP), acórdão de 11/09/2014, processo nº 6637/13.0TBMAI-A.P1, Relator Araújo de Barros. Em termos doutrinais, partilhando do entendimento, João Calvão da Silva, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 4ª edição, Almedina, 2006, pág. 76-80; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª edição, 1986, Coimbra Editora, pág. 218, nota 3; Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada”, 2001, Almedina, pág. 367. [8] Segundo Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 56-58: «O prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material. (…) A função deste prazo não é regular a distância entre quaisquer actos do processo; é determinar o período de tempo dentro do qual pode exercer-se o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material. (…) o prazo para a propositura duma acção não pode, indiferentemente, ser fixado pela lei ou pelo juiz; tem de ser fixado pela lei, uma vez que se trata de prazo preprocessual, de prazo anterior à organização do processo.» No mesmo sentido, Aníbal de Castro, “A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência”, 3.ª edição, pág. 74: «Os prazos de propositura das acções são de direito substantivo, não apenas por funcionarem antes do ingresso da acção, mas por regularem a eficácia do direito material (…). Tais prazos (…) não respeitam ainda ao processo, mas à própria relação de fundo.» [9] Que aditou à Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, um artigo 6.º-B, determinando a suspensão do prazo de caducidade. [10] Acórdão de 19/05/2022, processo nº 16/21.3YFLSB, Relatora Catarina Serra.