LEGITIMIDADE PARA RECORRER
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Sumário

I- O assistente, em relação ao crime de que foi vitima, tem direito de recorrer da decisão final, ainda que o Ministério Público não o faça, mesmo quanto ao doseamento da pena.
II Em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, quando subordinada à condição de reparar os danos causados ao lesado. Se tal acontecer, permite a alínea a) do nº1, do artigo 51º, do Código Penal, a imposição do dever do condenando, pagar, em certo prazo, o todo ou parte da indemnização devida ao ofendido.
III- Porém, estes deveres não podem, em caso algum, representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, como o estatui o nº 2, do citado artigo 51º.
IV -O princípio da razoabilidade se, por um lado, impõe que não se exija mais do que o necessário para atingir o fim que se pretende, por outro lado, obriga também a que se não estabeleçam condições desmesuradas em relação à capacidade do condenado.
V - A condição de pagar à assistente a quantia de 2 000,00€, em 4 anos, constitui uma condição razoável para a suspensão da execução da pena, quando o arguido, para além, das prestações sociais que recebe, aufere, ainda, rendimentos como jornaleiro, na actividade agrícola.
VI - Para a determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, aponta a lei aponta para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil).
VII - O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença .Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano do princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. Por acórdão proferido pelo Colectivo da Instância Central de Guimarães foi Agostinho F. condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, e 144º, al. d), ambos do Código Penal, na pena de três anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de: a) no mesmo período, entregar a Z. Costa a quantia de 2 000,00€, relativa a parte do valor do pedido cível em que foi condenado.

Tal suspensão seria acompanhada de regime de prova e regras de conduta que resultarem do mesmo regime, a implementar segundo plano a elaborar posteriormente.

2. Z. Costa constitui-se e foi admitida a intervir nos autos como assistente, tendo deduzido acusação e acção cível contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste último a pagar-lhe a quantia global de 15 101,40€, correspondente à indemnização por todos os danos causados.

Este pedido foi julgado parcialmente procedente, sendo o demandado condenado a pagar à demandante as quantias de 6 000,00€ e 101,40€, respectivamente, pelos prejuízos não patrimoniais e patrimoniais que sofreu com a conduta do arguido.

3. Inconformadas com esta decisão, dela recorrem a Assistente e o Arguido, formulando as seguintes conclusões.

3.1. Recurso da Assistente

I. O arguido vinha acusado da prática de, em autoria material e sob a forma consumada, ter praticado um crime de ofensa á integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 e 144.º al. d), ambos do Código de Processo Penal.

II. A Recorrente, aqui ofendida, constitui-se assistente, teve atitude activa no decurso do inquérito e deduziu acusação particular pelos factos constantes da acusação pública, não obstante entender que se tratava de um crime de homicídio na forma tentada.

III. A recorrente deduziu também pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando o valor de 101,40 e por danos patrimoniais e 15.000,00 € por danos não patrimoniais, acrescido de juros vincendos desde a notificação do PIC até efectivo e integral pagamento.

IV. Face à factualidade dada como provada e à própria fundamentação aduzida, tudo nos fazia crer que os autos tivessem um outro desfecho, mais punitivo para o arguido e compensador para a ofendida.

V. É indubitável – o que até se atesta no relatório médico-legal – que dos factos resultou manifesto perigo parta a vida da ofendida/assistente.

VI. O arguido, munido de uma sachola, vibrou com a parte metálica desta diversas pancadas na cabeça da arguida e outras partes do corpo (porque protegeu a cabeça), nomeadamente membros superiores, tórax e costas.

VII. O arguido deixou a ofendida fechada à chave dentro de um campo, de forma a não poder pedir auxílio.

VIII. Fruto da actuação do arguido, a ofendida teve traumatismo do crânio, da face, do membro superior direito, da região dorso lombar e da grade costal, com feridas incisas contusas na região frontal e occipital, fractura do décimo arco costal esquerdo.

IX. Os actos praticados pelo arguido provocaram ainda na ofendida pneumotórax de pequeno volume á esquerda e pneumomediastino.

X. A ofendida foi assistida no dia 08 de Maio de 2013 no Hospital de Guimarães, onde ficou internada até dia 14 de Maio de 2013, após o que andou em consultas durante mais de 6 meses.

XI. Resultaram ainda para a ofendida uma cicatriz vertical localizada na região occipital, com 4 cm, hipercrómica e uma cicatriz com 3 cm de comprimento, com zona de afundamento arredondada com 1 cm de diâmetro localizada na região frontal á esquerda (um buraco em plena testa).

XII. A ofendida sentiu fortes dores e sentiu um forte abalo emocional, vendo-se numa situação aflitiva para a qual estava completamente impotente.

XIII. A ofendida ficou aterrorizada, pressentindo a sua morte, mantendo constante receio que os factos se possam repetir.

XIV. A ofendida sente-se desgostosa com a cicatriz com 3 cm de comprimento, localizada na região frontal esquerda com zona de afundamento, que ainda hoje perdura.

XV. O arguido, não satisfeito com as agressões que infligiu à ofendida, fechou-a no terreno onde os factos ocorreram, para que a mesma não conseguisse dali sair.

XVI. O arguido não mostrou qualquer arrependimento.

XVII. O arguido apresentou uma versão na audiência de discussão e julgamento, tentando justificar o injustificável.

XVIII. As exigências de prevenção geral são enormes, dado tratar-se de um fenómeno recorrente no concelho de Fafe, nomeadamente nas zonas mais rurais e nos conselhos limítrofes.

XIX. O arguido actuou com elevado grau de ilicitude e as consequências da sua acção foram de gravidade extrema.

XX. O arguido actuou com dolo directo de intensidade elevada, mostrando uma personalidade reveladora de alheamento da necessidade de respeito pela dignidade e integridade física de terceiros.

XXI. Ainda no que toca à prevenção especial, estamos perante um caso em que a ofendida mantém receio de que os factos se possam repetir, o que não é de se excluir.

XXII. Ao arguido deverá ser aplicada uma pena concordante com o seu acto criminoso, de 5 anos de prisão.

XXIII. A pena de prisão não deverá ser suspensa atentos os considerandos já referidos.

XXIV. Ainda que se admita a suspensão da pena de prisão, esta apenas poderá ocorrer no caso de reparação integral à ofendida e não mediante o pagamento de uma verba irrisória.

XXV. Face á gravidade dos factos e das consequências do acto criminoso do arguido, deverá fixar-se a indemnização na quantia peticionada de 15.000,00 €.

XXVI. Mais do que Mais do que um direito afectado pela decisão, quer a pena de prisão de 3 anos e 3 meses, quer a suspensão da pena mediante o pagamento de 2.000,00 € (parte da indemnização) são decisões que contra a assistente foram proferidas.

XXVII. O acórdão não realiza justiça.

XXVIII. A assistente te legitimidade para o presente recurso, quer na parte crime quer na parte cível».

3.2 . Do recurso do arguido

1) Por forma a obstar ao cumprimento de pena de prisão, o arguido/recorrente terá de no prazo de três (3) anos e três (3) meses pagar à Assistente, a quantia de € 2.000,00.

2) Entendemos que a simples ameaça e demais penas acessórias aplicadas bastariam para afastar o recorrente da criminalidade, e condicionar a sua suspensão ao pagamento da indemnização civil acaba por ser um fardo extremamente pesado e excessivo tendo em conta a sua actual condição socioeconómica.

3) Ora, ao ler-se a matéria de facto recolhida na sentença recorrida, pouco ou nada se fica sabendo para o efeito de satisfazer o pagamento condicionante da suspensão da pena que lhe foi imposto, enfim da exigibilidade ou não da imposição de tal condição.

4) Para além de não ter esclarecido este ponto fundamental, o tribunal também não indagou e devia tê-lo feito, tal como emerge do disposto no artigo 71°, n° 2 ai. d) do C.P. a situar, sempre a indagação da condição socioeconómica do arguido, mormente a eventual existência de bens, o seu calor e outros rendimentos que possa auferir, para além daqueles que eventualmente lhe possam advir do seu trabalho.

5) O certo é com acervo fáctico com que o Tribunal se baseou, se torna impossível ajuizar da exigibilidade ou inexigibilidade concreta da condição de pagamento imposta pela sentença recorrida.

6) Entendemos por isso, que, por insuficiência da matéria de facto, deverá ser anulado o julgamento no segmento em que decidiu do condicionamento da suspensão da pena, pois o acórdão recorrido não comporta factos capazes de fundarem um juízo adequado sobre as possibilidades de o arguido satisfazer a condição imposta.

Não obstante, e se assim não se considerar

7) Considera o Recorrente que a condição imposta é objectivamente impossível de cumprir por excessiva;

8) Considera-se, no caso, exagerado o montante de indemnização total fixado no acórdão – cujo pagamento, aliás, já se encontra civilmente assegurado acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento – e, como tal, desadequado ao cumprimento das finalidades da pena, uma vez que se apresenta como uma obrigação pecuniária difícil de cumprir.

9) Esta decisão viola o principio da culpa, do direito à liberdade, igualdade de proporcionalidade, devendo por isso, a decisão recorrida ser substituída por outra que não condicione a pena de prisão ao dever de pagamento, ou então por outra que fixe ao recorrente a prestação de um dever compatível com as suas possibilidades económicas.

10) Pelo que a sentença recorrida viola, entre outros, o disposto no artigo 13º, nº 1 da CRP e o nº 2 do artigo 51º e nº 2, do artigo 71º, ambos do C.P; assim, como também violou os princípios da proporcionalidade e adequação das penas.

4. O Ministério Público em primeira instância respondeu à motivação dos recursos, suscitando como questão prévia, a ilegitimidade da Assistente para impugnar a decisão recorrida na parte respeitante à medida da pena e condição da suspensão da execução da mesma.

Por outro lado, defende a manutenção do Acórdão sindicado.

5. A Digna Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, pronunciou-se pela legitimidade da assistente para recorrer e pela improcedência de ambos os recursos.

6. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.

II. QUESTÕES A DECIDIR

Aceite que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que o Recorrente extrai da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso cf. art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in BMJ 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271., as questões a decidir consiste em saber se:

1) A assistente tem legitimidade para recorrer;

2) A medida concreta da pena de prisão se mostra ajustada aos fins;

3) Estão verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão;

4) Existe insuficiência da matéria de facto para ajuizar da possibilidade económica do arguido satisfazer a condição a que ficou subordinada a suspensão de execução da pena: entregar à assistente quantia de 2 000,00€;

5) A condição referida em 4) se mostra adequada e proporcional às finalidades da punição;

6) A indemnização de 6 000,00€ se ajusta aos danos não patrimoniais sofridos pela assistente.

III. A DECISÃO RECORRIDA

A primeira instância deu como provados os seguintes factos:

«1. No dia 8 de maio de 2013, por volta das 9 horas e 30 minutos, na …, Fafe, Z. Costa seguiu no encalço do arguido Agostinho F. até junto da entrada de um campo agrícola onde aquele se encontrava, para conversar com ele acerca de umas videiras de um seu terreno que andavam a ser cortadas.

2. O campo agrícola onde o arguido se encontrava, era vedado por uma rede com cerca de dois metros de altura, com acesso através de uma cancela com a mesma altura, e que naquele momento estava trancada à chave.

3. O arguido, que levava consigo uma sachola, veio abrir a cancela, e virou-se para Z. Costa vibrando com a sachola várias pancadas com a respetiva parte metálica, atingindo-a na cabeça, nos membros superiores, no tórax e nas costas.

4. Na sequência da atuação do arguido, Z. Costa caiu no chão, dentro do campo agrícola, tendo aquele saído daquele local, trancando a cancela à chave.

5. Z. Costa conseguiu sair pelos seus próprios meios daquele local, tendo para o efeito subido a um tanque que se encontrava numa extremidade do campo agrícola e passado por um silvado que naquela zona delimitava essa propriedade.

6. Na sequência dos atos descritos no ponto 3., o arguido provocou em Z. Costa traumatismo do crânio da face, do membro superior direito, da região do dorso lombar e da grade costal, com feridas incisas contusas na região frontal e occipital, fratura do décimo arco costal esquerdo.

7. Entre o dia 8.05.2013 e o dia 9.05.2013, os mesmos atos perpetrados pelo arguido ainda provocaram em Z. Costa pneumotórax de pequeno volume à esquerda e pneumomediastino.

8. Z. Costa foi assistida no dia 8 de maio de 2013 no Hospital de Guimarães onde ficou internada desde essa data até ao dia 14 de maio de 2013, data em que teve alta, após o que andou em consultas de cirurgia grupo 3 até outubro de 2013.

9. Como sequelas de tais lesões, resultou para Z. Costa uma cicatriz vertical localizada na região occipital, com 4 cm, hipercrómica, e uma cicatriz com 3 cm de comprimento, com zona de afundamento arredondada, com um centímetro de diâmetro, localizada na região frontal à esquerda.

10. O arguido ao atuar nos termos descritos em 3., atento o instrumento utilizado, a forma como o utilizou, o potencial de tal instrumento e ao atingir a assistente na cabeça, na face e no tórax, provocando nesta as lesões supra referidas, causou perigo para a vida de Z. Costa.

11. O arguido previu e quis atuar do modo acima referido, sabendo que, com a sua atuação, ofendia a saúde e a integridade física de Z. Costa.

12. O arguido também sabia que, com a sua atuação, causaria a Z. Costa lesões graves que, por si só, eram idóneas a provocar-lhe perigo para a vida, o que aconteceu, o que também quis e previu.

13. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida.

14. Agostinho F. provém de uma família natural de …, Felgueiras, sendo o terceiro de uma fratria de cinco, cujos pais mantinham atividade laboral no setor agrícola, com a qual foram proporcionando aos filhos as condições básicas de subsistência, com um relacionamento adequado entre os membros da família.

15. O agregado de Agostinho F. mantinha uma condição socioeconómica bastante humilde, o que parece ter potenciado a sua condição de iliteracia, nunca tendo frequentado o sistema de ensino, e iniciou atividade laboral como jornaleiro agrícola em tenra idade.

16. O percurso laboral de Agostinho F. aparece associado ao desempenho desta atividade agrícola durante grande parte da sua vida adulta ativa.

17. Agostinho F. regista uma experiência laboral como operário em estamparia têxtil, durante cerca de sete anos, até ao encerramento daquela há dois anos atrás.

18. Agostinho F. contraiu casamento com vinte e dois anos de idade, relação da qual resultaram dois filhos, atualmente adultos.

19. O relacionamento de Agostinho F. com os irmãos foi-se deteriorando, constituindo a mulher e filhos as principais suas fontes de suporte.

20. Agostinho F. reside com a mulher, com .. anos de idade, reformada por invalidez, sendo esta a principal fonte de suporte ao arguido.

21. Agostinho F. encontra-se em situação de pré-reforma, desenvolvendo alguns trabalhos como jornaleiro agrícola, que lhe permitem equilibrar a situação financeira do casal, que tem como rendimentos as pensões sociais, no valor aproximado de €570 mensais.

22. As despesas de Agostinho F. relacionam-se com os encargos com a habitação, as despesas inerentes à manutenção do quotidiano e com medicação para ambos os elementos do casal.

23. O agregado familiar de Agostinho F. reside em imóvel arrendado, uma habitação com um terreno agrícola, com condições mínimas de habitabilidade, localizado na periferia da cidade de Fafe.

24. Nesta localidade, Agostinho F. é descrito como um indivíduo globalmente bem integrado, com uma presença pacata e discreta.

25. Agostinho F. não é conotado com um comportamento ou atitudes conflituosas, nem lhe são associados conflitos com outros elementos da comunidade.

26. As rotinas de Agostinho F. são centradas no desempenho de atividade como jornaleiro agrícola, ainda que com caráter ocasional, e na permanência na habitação e não desempenha qualquer atividade de lazer com caráter estruturado, frequentando os locais recreativos na comunidade onde reside, sobretudo com familiares.

27. No contacto com o Serviço de Reinserção, Agostinho F. manteve uma postura adequada ao contexto de entrevista, prestando todas as informações que lhe foram solicitadas, apesar de demonstrar dificuldades de foro cognitivo, podendo as mesmas serem potenciadas pela sua condição de iliteracia, condicionando a análise de situações em abstrato.

28. No que diz respeito o processo atual não nos é referido impacto do mesmo ao nível pessoal, familiar, social ou outro.

29. Este processo e os alegados factos que nele constam são do conhecimento geral por parte dos elementos da comunidade, sendo o impacto do mesmo diminuto atualmente.

30. Agostinho F. demonstra dificuldade em analisar, em abstrato, situações semelhantes às dos autos, evidenciando um distanciamento perante a mesma e alguma minimização da ilicitude do comportamento em causa.

31. Paralelamente, Agostinho F. revela estar disponível para colaborar com as estruturas judiciais com vista à resolução do processo.

32. Agostinho F. foi condenado por sentença proferida em 8.09.2010, transitada em julgado em 30.08.2010, no processo sumário n.º255/10.2GACBC do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, pela prática em 8.08.2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, declarada extinta por despacho proferido no dia 9.08.2010.

33. Z. Costa despendeu tempo em consultas de cirurgia, no Centro Hospitalar do Alto Ave, em Guimarães e no Hospital de Braga, para onde se teve de deslocar nos dias 17.09.2013, 1.10.2013, 27.02.2014, 6.03.2014, 10.03.2014, 18.03.2014.

34. Z. Costa teve de se deslocar ao Posto Territorial da GNR de … no dia 21.05.2014 e ao Gabinete Médico Legal de … nos dias 22.05.2013 e 23.08.2014.

35. Z. Costa despendeu em medicamentos, analgésicos e produtos curativos a quantia de €17,39.

36. Z. Costa despendeu em transportes (gasóleo, portagens e parque de estacionamento) a quantia de, pelo menos, €84,01.

37. Z. Costa sentiu fortes dores e sentiu um forte abalo emocional, vendo-se numa situação aflitiva para qual estava completamente impotente.

38. Z. Costa ficou aterrorizada, pressentindo a sua morte, mantendo constante receio que os factos se possam repetir.

39. Z. Costa sente-se desgostosa com a cicatriz com 3 cm de comprimento, localizada na região frontal esquerda com zona de afundamento, que ainda hoje perdura.

E, não provados:

i.) O terreno agrícola referido em 1. dos factos provados era pertença do arguido.

ii.) Z. Costa teve que se deslocar à Unidade de Saúde de .., pelo menos seis vezes para fazer curativos e acompanhamento do seu estado.

iii) Z. Costa viu-se vexada, humilhada e envergonhada com a atuação do arguido.

IV. FUNDAMENTAÇÃO

1. Legitimidade e interesse em agir da Assistente para recorrer

De acordo com o disposto no art. 401º, nº1, al. b) do Código de Processo Penal Diploma a que, de ora em diante, nos referiremos sem menção do contrário., o arguido e o assistente podem impugnar as decisões contra eles proferidas.

Não pode, porém, recorrer quem não tiver interesse em agir (cf. nº 2, do mesmo preceito).

«Enfatiza este preceito dois pressupostos processuais em matéria de recursos penais: a legitimidade e o interesse em agir. Trata-se, em suma, de, por esta via, assegurar uma ligação do recorrente ao objecto do processo por forma a permitir que o desfecho do litígio satisfaça um interesse concreto assente ou relacionado directamente com o concreto objecto da causa. No fundo uma garantia de economia processual de modo a impedir, nomeadamente, que o tribunal seja chamado a pronunciar-se sobre questões académicas, para mais, ao sabor de quem quer que, arbitrariamente, entendesse dever desencadear o processo António Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado (2014), anotação ao artigo 401º, pág. 1283.».

No caso dos autos, a questão a dirimir consiste em saber se a assistente, quando o Ministério Público não interpõe recurso, tem legitimidade e interesse em agir para impugnar a medida da prisão concretamente aplicada ao arguido e a respectiva suspensão da execução.

A questão não é nova, tem vindo a dividir a jurisprudência dos tribunais superiores, originando a fixação da seguinte Jurisprudência Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/99, publicado no Diário da República I, Série-A de 10/8/99:

«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhando do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».

Mais tarde, em 2011, e, embora por uma questão diferente, mas com fundamentos que tocam a sub judice, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011, de 11 de Março Publicado no Diário da República nº 50, Série I, de 11 de Março de 2011., decidiu:

«Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público».

Para o efeito, esgrimiram-se argumentos, que pela relevância e actualidade que merecem para a decisão, os transcrevemos:

Os assistentes, no processo penal, são configurados como «colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei», nos termos do n.º 1 do artigo 69.º do Código de Processo Penal. Como se vê, previne desde logo esta norma, ao ressalvar excepções, que nem sempre os assistentes subordinam a sua actuação no processo à actividade do Ministério Público, a significar que, na prática de determinados actos processuais, detêm poderes autónomos, poderes esses que, permitindo–lhes «co-determinar, dentro de certos limites e circunstâncias, a decisão final do processo», sustentam o seu estatuto de sujeitos processuais (cf. Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Processo Penal, 1988, p. 11). Um desses poderes dos assistentes, e que importa aqui analisar por se lhe referir a divergência a dirimir, é o previsto na alínea c) do n.º 2 daquele preceito: o de «interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito».

Mas mesmo nos casos em que actua autonomamente, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua actuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, a quem em conformidade, com o disposto no artigo 53º, nº1, do código citado, compete, no processo penal, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito.

Valem neste ponto as palavras de Damião da Cunha:

«O conceito de colaboração e de subordinação não significa obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em directo conflito com as decisões do MP. O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da ‘acção penal’). O que significa, pois, que colaboração e subordinação se referem aos ‘interesses’ em jogo» (RPCC, 1998, p. 638).

É a esta luz que deve definir -se o alcance do poder do assistente de interpor recurso das decisões que o «afectem», previsto no artigo 69.º, n.º 2, alínea c), que se identifica com a legitimidade para recorrer das decisões «contra ele proferidas», conferida pelo artigo 401.º, n.º 1, alínea b).

O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo -lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal.

O assistente só tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, mas dessas decisões pode sempre recorrer, haja ou não recurso do Ministério Público. A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não aumenta nem diminui as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência feita pela lei ao assistente para poder recorrer de uma decisão é que esta seja proferida contra ele. Não há que procurar outras a coberto do chamado interesse em agir, a que alude o n.º 2 do artigo 401.º

De facto, sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar -se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973 -1974, p. 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit.,pág. 646).

Já o interesse em agir do assistente, em sede de recurso, remete para a necessidade que ele tem de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, a significar que ele só pode recorrer de uma decisão com esse alcance, de acordo com Figueiredo Dias, que conclui, citando Roxin: «Aquele a quem a decisão não inflige uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, qualquer possibilidade de recurso»(RLJ, ano 128, p. 348).

Sendo assim, deve concluir -se que o texto da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º já abrange o interesse em agir, ao exigir, para além da qualidade de assistente, que a decisão seja proferida contra ele, ou seja, que lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legítimos. O assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas. Parece ser este o pensamento do mesmo autor, quando afirma, referindo–se ao artigo 401.º: «ao demarcar nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 a legitimidade dos sujeitos e participantes processuais para além do Ministério Público, aquele preceito legal deixa já no essencial consignado o sentido e alcance do respectivo interesse em agir» (ob. cit., p. 349).

Deste modo, repete -se, para o assistente poder recorrer, não há que fazer -lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, alínea b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constituiu assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir)».

O recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2015, chamando à colação e comparando fundamentos exarados nos dois Acórdãos de fixação de Jurisprudência já referenciados, concluiu que o assistente tem legitimidade para recorrer da medida da pena, devendo «apresentar elementos que permitam concluir que aquela pena em que o arguido foi condenado lesa de forma não insignificante o seu interesse na atribuição de uma justa pena».

Aí se afirma:

«(…) o assistente, que viu os seus bens jurídicos lesados com a prática do crime, tem também um interesse próprio na resposta punitiva dada pelo Estado.

Se podemos dizer, por um lado, que há um interesse da coletividade na resposta ao crime, há, por outro lado, um interesse concreto do assistente em uma resposta punitiva que entenda como justa tendo em conta os bens jurídicos que foram ofendidos. Na verdade, “enquanto assistente, ele tem o poder de procurar conformar a resposta à questão penal, que engloba quer a questão da culpa, quer a questão da pena. Logo, se através da operação de determinação da medida da pena em sentido amplo o Tribunal chegar a uma decisão contrária à pretensão manifestada pelo assistente no processo e que ofenda o seu concreto interesse na justeza da punição (...), dessa decisão deverá o assistente ter a faculdade de recorrer de forma autónoma” (Cláudia Santos, ob. cit., p. 165). Considerando-se que existe legitimidade e interesse em agir sempre que a decisão seja contra “pretensões fundadamente manifestadas pelo assistente durante o processo e quando essa resposta [ofenda] de forma não insignificante o seu interesse na determinação de uma sanção para o agente que considere justa” (idem)».

Vale isto para dizer que os argumentos aduzidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9 de Abril de 1997 Colectânea de Jurisprudência, ano 1997, Tomo II, pág. 172 a 174. para sustentar a legitimidade do assistente para recorrer da agravação da pena em relação aos crimes de que é vitima, se têm vindo a reforçar.

Já ali se decidiu:

«O assistente, face ao Código vigente, é ofendido, enquanto que a parte civil é lesada, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos com a prática do crime, ainda que não se tenha constituído ou possa constituir assistente (…).

Assim, o interesse do ofendido-assistente é um interesse meramente penal, está relacionado com o objecto da tutela penal, com o bem jurídico do tipo penal, pelo que a sua intervenção no processo penal se conexiona directamente com matérias especificas penais, sendo, pois, um colaborador na “declaração do direito ao caso concreto”, na qualidade da “realização da justiça do caso por meios processualmente admissíveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos “cidadãos.

Isto tudo para significar que, pelos princípios antes aludidos, a autonomia do assistente no recurso se impõe e que a sua legitimidade para o recurso não pode ser vista de fora do quadro do instituto da assistência, participante do interesse público, razão da atribuição dos poderes que a lei confere ao assistente, ao contrário da parte civil que desenvolve actividade meramente privada com a finalidade de conseguir a reparação do dano sofrido segundo as regras do direito civil.

(...)

O assistente está no processo penal em atenção ao bem jurídico protegido pelo tipo legal em causa, em atenção ao seu interesse, que o é, também da comunidade, na defesa do objecto jurídico da tutela penal.

Assim, não há em tal aspecto, quando se desrespeita a norma penal, em que se contém o bem jurídico protegido, lesão em sentido naturalístico, como causa de um dano a um determinado objecto de acção, mas “contradição do valor ideal que deve ser produzido pela norma jurídica (lesão ao bem jurídico)”, lesão do bem jurídico que supõe um dano na comunidade.

Do desrespeito ou violação do objecto da acção, do concreto objecto em que se realiza a acção típica, deriva ou pode derivar um dano a ressarcia segundo as regras do direito civil.

Como assistente, como co-participante na administração da justiça penal, na determinação dos “pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena”, com a concorrente determinação do conteúdo desta, realiza o ofendido (titular do interesse com a lei que a lei especialmente quis proteger com a incriminação), um interesse público, tendo por finalidade a busca da solução justa, do direito concreto ao caso.

(…)

Assim, a legitimidade para o recurso por parte do assistente, na medida em que ele é um sujeito processual principal (parte principal), na circunstância de ter ficado vencido, ou seja, afectado com a decisão, por não haver obtido a decisão mais favorável aos interesses que a lei quis proteger com a incriminação e de que ele também é titular ou portador, por nele se incorporar o bem jurídico, objecto de tutela penal. (…)

O assistente assume no processo uma determinada posição em relação à tutela do bem jurídico protegido, manifesta-se no sentido de o tribunal exercer os seus poderes e de com ele colaborar na determinação do “direito do caso” e, portanto, também, da consequência jurídica derivada da lei para a situação de vida apurada»

Ou seja, o assistente em relação ao crime de que foi vitima, tem direito de recorrer da decisão final, mesmo se o Ministério Público não o fizer, pedindo «a agravação da pena aplicada, por ainda assim estar a colaborar na administração da justiça submetendo a decisão a exame por um tribunal superior, por a mesma não realizar o direito segundo o seu entendimento, seja em que aspecto for, mesmo no doseamento da pena Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/4/97, in Colectânea de Jurisprudência, ano 1997, Tomo II, pág. 172 e Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Dezembro de 2011, proferido no processo 305/08.2GBPBL.C1, citando aquele.».

«Desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, em que ele, como ofendido, é interessado directo, então também não pode colocar-se em dúvida o seu “interesse em agir” o seu “interesse processual”, a sua necessidade do processo ou do recurso, pois que a sua pretensão só pode ser resolvida através do processo penal, no caso, através do recurso, tendo este por objecto um interesse material na reapreciação da decisão que, segundo ele, não fez aplicação ajustada do direito ao caso submetido a julgamento Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Dezembro de 2011, proferido no processo 305/08.2GBPBL.C1.».

É neste contexto que deve ser entendido o dever a que alude o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/99, fazendo recair sobre o assistente, o ónus de demonstrar que tem um interesse concreto e próprio em agir no recurso da decisão penal com a qual não concorda.

Registe-se, por último, que o legislador tem vindo a alargar os actos de intervenção processual do assistente, de que é exemplo, a possibilidade daquela intervenção poder vir a ser requerida no prazo para interposição do recurso, nos termos da alínea c), do nº 3, do artigo 68º, introduzida pela Lei n.º 130/2015, de 04/09.

Percorremos este caminho para justificar os motivos pelos quais, aderimos, actualmente, a esta posição.

Volvendo ao caso concreto, entendemos que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, o assistente demonstrou possuir aquele concreto e interesse próprio em impugnar a medida da pena de prisão, suspensa na sua execução.

Com efeito, a assistente assumiu, desde que se constituiu como tal, um papel activo de intervenção revelador da sua intenção de levar até ao fim a acção criminal contra o arguido.

Não se limitou a aderir à acusação deduzida pelo Ministério Público, tendo deduzido, também ela, a acusação, nos termos que constam a fls. 116 a 119, indicando meios de prova para demonstração dos factos constantes do libelo acusatório, o que demonstra o seu interesse no prosseguimento dos autos para a condenação do arguido pela prática do crime de ofensas à integridade física previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 e 144º, alínea d) do Código Penal.

Por outro lado, para questionar a medida concreta da pena e a suspensão da prisão, invoca factos que directamente lhe interessam e lhe dizem respeito: o receio de que arguido, em liberdade, venha a repetir os actos que justificaram a sua condenação.

Tal receio, segundo invoca, obrigou-a a deixar de residir, de forma permanente, na sua freguesia.

A tudo acresce que a assistente é, no caso dos autos, a ofendida directa com a actuação do arguido, melhor dizendo a vitima deste crime, se considerássemos já o artigo 67º A, do Código de Processo Penal, introduzido pelo legislador de 2015.

Do que precede, demonstrado está o interesse da assistente em impugnar a decisão recorrida, seja para questionar a medida da pena, seja a suspensão da sua execução.

Tem, por isso, legitimidade e interesse em agir para recorrer.

2. Medida Concreta da Pena (Recurso da Assistente)

É sabido que a medida concreta da pena se há-de determinar em ordem a atingir as finalidades expressamente consagradas no artigo 40º do Código Penal: 1) a protecção de bens jurídicos e 2) a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Sobre a finalidade das penas, escreveu-se, entre outros, no Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Março de 2012:

«Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de politica criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador definir e que, em consequência devem ser respeitadas pelo juiz.

A norma do artigo 40º condensa, assim, em três preposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção dos bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento (…)».

«O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 ss».

A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está assim, na moldura penal correspondente ao crime.

Ou seja, como ensina Anabela Rodrigues O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12º, nº2, Abril/Junho 2002, pág. 147 e seguintes.

«A medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e definida e concretamente estabelecida em função das exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa (…).

É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção dos bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada – o que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende como necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade da prevenção geral».

Concluindo e sintetizando, continua a mesma autora, a medida da pena, há-de assentar em três proposições: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo, estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas».

E, termina, dizendo: «É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e a não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade de pessoa do delinquente».

Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, pois, nos termos do artigo 71º, nº1, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente.

As várias alíneas do nº 2 deste preceito elencam, a título exemplificativo, as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – devem ser atendidas pelo tribunal na concretização da pena.

São elas:

a) o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como a violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou os motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Assim,

«As circunstância e critérios do art. 71º, do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau da ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases de coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que a assente a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados Acórdão desta Relação de 7 de Março de 2012».

Também o Supremo Tribunal de Justiça Entre outros, o Acórdão de 4 de Junho de 2014. tem vindo a entender que a «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada caso aquela pena que se afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto principio da necessidade da pena a que o artigo 18º, nº2, da Constituição da República consagra».

Definidos os critérios legais que hão-de presidir ao cálculo da medida concreta da pena, resta apurar, se o tribunal a quo, na condenação do arguido na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física grave, prevista e punida pelo artigo 143º, nº 1 e pelo artigo 144º, al. d), viola aqueles princípios.

Confrontados os argumentos aduzidos no Acórdão recorrido e os motivos de discordância invocados pela assistente, podemos adiantar que a razão está parcialmente do lado desta última.

Com efeito, partindo da moldura penal abstractamente aplicável ao crime cometido pelo arguido - previsto e punido pelo artigo 144.º do Código Penal – de 2 a 10 anos de prisão, temos:

Em desfavor do arguido, releva um elevado grau de ilicitude dos factos manifestada na forma como os executou e nas consequências deles decorrentes.

O arguido vibrou com a sachola várias pancadas com a parte metálica, atingindo a assistente na cabeça, nos membros superiores, no tórax e nas costas, fazendo-a cair ao chão dentro do campo.

Sofreu vários traumatismos, no crânio da face, no membro superior direito, na região dorso lombar, na grade costal, com feridas incisivas e contusas na região frontal e occipital, fracturando, ainda, o décimo arco costal esquerdo.

Além de que, entre os dias 8 e 9 de Maio de 2013, a assistente sofreu, por causa da conduta do arguido, pneumotórax de pequeno volume á esquerda e pneumomediastino.

Estas lesões deixaram na assistente sequelas consubstanciadas numa cicatriz localizada na região occipital, com 4 cm de comprimento, hipercrómica e um cicatriz com 3 cm de comprimento, com zona de afundamento arredondado, com um cm de diâmetro, localizada na região frontal esquerda.

De igual modo, é elevado o dolo com que o arguido agiu. Actuou com a modalidade de culpa mais intensa – dolo directo - , revelando, também, uma forte determinação na sua conduta, uma vez que atingiu a assistente várias vezes em partes do corpo vulneráveis, como o são a cabeça e o tórax.

Em desfavor do arguido, milita, ainda, a sua conduta anterior e posterior ao facto: a condenação do arguido em pena de multa, por crime condução de veículo em estado de embriaguez, não o motivou a nortear a nortear a sua vida em conformidade com o Direito.

Acresce que, após a agressão da assistente, o arguido deixou-a caída no campo, com a cancela trancada à chave. Desta forma, não só impediu que fosse socorrida de imediato, como a obrigou, ferida e lesionada, a realizar um esforço doloroso, para sair do local com os seus próprios meios: A vitima teve que se deslocar até a um tanque que se encontrava numa extremidade do campo agrícola, subindo ao mesmo e passar por um silvado.

Por outro lado, a diminuta capacidade autocrítica relativamente aos factos perpetrados do arguido e a ausência de qualquer acto de reparação ou ressarcimentos dos danos provocados constituem uma circunstância agravante.

A tudo, e como se diz, na sentença recorrida, somam-se, com carácter agravante, as exigências de prevenção geral, que são muito elevadas, considerando a natureza do bem jurídico em causa, a importância do crime em causa para a ordem jurídica violada e a extensão da lesão causada pela conduta do arguido, aferida pela gravidade dos factos e das consequências para a vítima, tendo ainda em consideração que continua a verificar-se uma elevada taxa de criminalidade, quer nesta área quer por todo o país, que conduz a um incremento da insegurança, reclamando e justificando uma resposta punitiva firme.

No que toca à prevenção especial, são mais ténues as exigências: O arguido tem sessenta e quatro anos de idade, e, não obstante o antecedente criminal que regista, tem hábitos de trabalho, é descrito como um indivíduo globalmente bem integrado, com uma presença pacata e discreta, não sendo conotado com um comportamento ou atitudes conflituosas, nem lhe sendo associados conflitos com outros elementos da comunidade, encontrando-se bem inserido familiarmente, é de modesta condição social, tudo revestindo eficácia atenuante, na medida em que mitigam as exigências de prevenção especial.

Sopesando todas estas circunstâncias global e conjugadamente, maxime a forma de actuação do arguido e as consequências, sem esquecer as exigências de prevenção geral, aferidas pela necessidade sentida pela comunidade em ver restabelecida a confiança na norma violada (crimes desta natureza são frequentes nesta e noutras zonas do país) e as exigências atenuadas de prevenção especial, entendemos como adequada uma pena de quatro anos de prisão.

2. Suspensão da execução da pena

Insurge-se a assistente contra a suspensão da execução da prisão, porquanto, em seu entender, a factualidade provada não permite inferir que esta sanção substitutiva satisfaça o escopo das penas.

Vejamos, se assim é:

Tendo em atenção as especificidades de que são dotadas, Figueiredo Dias Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime (1993), pág. 335. classifica as penas de substituição em duas espécies: as penas de substituição em sentido próprio e as penas de substituição detentivas.

As primeiras «devem responder a duplo requisito: terem, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade (no sentido extramuros) correspondendo deste modo, pelo melhor, aos propósitos político-criminais do movimento de luta contra a pena de prisão; e pressuporem, por outro, a prévia determinação da medida da pena de prisão, para serem aplicadas em vez desta, correspondendo deste modo, pelo melhor, ao perfil dogmático das penas de substituição. Aqui se agruparão, por conseguinte – sem as distinguir, segundo o seu conteúdo ou a sua estrutura próprias – as penas de suspensão da execução da prisão, de multa, de substituição, de prestação de trabalho a favor da comunidade e de admoestação (…).

As penas de substituição à prisão têm como fundamento considerações de prevenção geral e especial, sendo afastadas «quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial da socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente, mais conveniente».

Não sendo este o caso, a pena de substituição só não será aplicada se a «execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias Figueiredo Dias; (1993), Direito Penal Português – As consequências do Crime, pág. 333. ».

Assim, verificados que estejam os pressupostos formais da aplicação das penas de substituição em sentido próprio Que dizem respeito à medida de prisão concretamente aplicada ao arguido (não superior a 5 anos, para a suspensão da execução – art. 50º - não superior a 2 anos, para a pena de prestação a trabalho a favor da comunidade, todos do Código Penal)., há que indagar, se, em concreto, satisfazem as finalidades da punição: a prevenção especial, sobretudo a prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

Com é sabido, nos termos do art. 50º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, pode ser suspensa, se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Trata-se, como refere Manuel Lopes Maia Gonçalves – Código Penal Português, 2004, página 202 – de «uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico», que pressupõe a esperança de que o condenado, mediante a mera censura do facto e a ameaça da pena, se afastará da criminalidade.

Para tanto, torna-se necessária a ponderação de todas as circunstâncias concretas que permitam antecipar um juízo sobre o comportamento futuro do arguido, de forma a salvaguardar as finalidades da punição previstas no art. 40º do Código Penal: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Assim, e como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2008, «para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade».

A primeira finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, mas não é a única Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 331 e seguintes .

A suspensão da execução da pena de prisão tem de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Se as não realizar, a suspensão não deve ser decretada.

Se os fins de defesa do ordenamento jurídico, cuja prossecução a norma penal demanda, forem postos em causa pela suspensão da execução da pena, ela não deverá ser decretada, ainda que o tribunal conclua por um prognostico favorável ao arguido no que concerne à eficácia desta pena de substituição para o afastar da prática de novos crimes Ob. citada, pág. 344.

Em idêntico sentido se pronunciou Anabela Rodrigues Estudo publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 12, nº 2, pág. 182. salientando, a este propósito, que embora como pressuposto e limite da culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela dos bens jurídicos e, só na medida do possível a reinserção do agente na comunidade.

No caso concreto, inexistem dúvidas que a conduta do arguido é grave, atenta a forma como actuou, o resultado que obteve e a determinação com que agiu.

Da conduta posterior ao facto não resulta que o arguido tenha mostrado qualquer arrependimento pelos actos que praticou, sendo certo que os minimiza.

Não obstante estas circunstâncias a contrariarem a suspensão da execução da pena, há que considerar que o arguido conta com 64 anos de idade, tem uma modesta condição de vida, está inserido social e familiarmente na comunidade e possui hábitos de trabalho que manteve ao longo da sua vida.

Esta factualidade permite, assim, formular um juízo de prognose positivo em relação à suspensão da execução da pena, ainda que subordinada a certas condições: a simples censura do facto e a ameaça de execução da prisão mostram-se suficientes para afastar o recorrente da prática de novos ilícitos, sendo que, o sentimento da comunidade não exige, in casu, a prisão efectiva do recorrente para repor a norma violada.

A suspensão da execução da prisão satisfaz, pois, os fins que visa atingir, o que leva à improcedência deste segmento do recurso da assistente.

3. A condição do arguido entregar 2 000,00€ à ofendida para suspender a execução da pena de prisão (Recurso da assistente e do arguido)

Suscitam esta questão o arguido e assistente. Aquele invoca a insuficiência da matéria de facto para a fixação da condição, que considera excessivamente oneroso, enquanto que esta a tem por manifestamente insuficiente para acautelar os fins das penas.

3.1. Recurso do Arguido

3.1.1. Insuficiência da matéria de facto

A este propósito, diz o arguido:

«Com o acervo fáctico com que o tribunal se baseou, torna-se impossível ajuizar da exigibilidade ou inexigibilidade concreta da condição de pagamento imposta pela sentença recorrida», verificando-se, por isso, insuficiência de matéria de facto.

Vejamos se assim é.

Dispõe o artigo 410, nº 2, do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

Resulta expressis verbis deste preceito que os vícios referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade – do texto da decisão recorrida – sem recurso a quaisquer outros elementos que lhe são externos.

A insuficiência da matéria de facto dá-se, quando o tribunal não tiver considerado os factos relevantes para a decisão que foram alegados na acusação ou na defesa ou de que deles possa e deva conhecer, nos termos do artigo 358º, nº 1 do Código de Processo Penal, ou dito de outro modo, quando a factualidade apurada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não tenha investigado toda a matéria com interesse para a decisão.

Quando o texto da decisão recorrida não contém, na factualidade que elenca, factos que, podendo e devendo ter sido indagados, são necessários para a formulação de um juízo seguro de condenação ou absolvição, compromete-se a própria decisão de direito. Os factos julgados pelo tribunal recorrido – provados e não provados – não chegam, são insuficientes para a tomada de posição sobre a absolvição ou condenação do arguido.

É necessário, como refere o Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, III, pág. 339.,
«que a matéria de facto dado como provada permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

Recorde-se que, aqui, estamos perante a ausência de factos essenciais para apoiar a decisão de direito e não já a insuficiência de prova para sustentar as respostas positivas ou negativas que foram dadas aos factos que foram submetidos a instrução e discussão, na audiência de julgamento.

A insuficiência para a matéria de facto provada, afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2013, «nada tem a ver com a eventual insuficiência de prova para a decisão proferida (questão do no âmbito do principio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, sendo que o vicio em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final».

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não corresponde, assim, a uma insuficiência de prova para sustentar a factualidade dada como provada.

Dito isto e escalpelizado o Acórdão recorrido, não se vislumbra qualquer insuficiência de factos para a fixação do montante de 2 000,00€, que o arguido deve entregar à assistente, como condição de suspensão da execução da prisão.

De facto, conhece-se a situação económica, social e familiar do arguido.

Este provém de uma família natural de …, sendo o terceiro de uma frataria de cinco, cujos os pais mantinham actividade laboral no sector agrícola, com a qual foram proporcionando aos filhos, as condições básicas de subsistência, com um relacionamento desadequado entre os membros da família.

O agregado de Agostinho F. mantinha uma condição socioeconómica bastante humilde, o que parece ter potenciado a sua condição de iliteracia, nunca tendo frequentado o sistema de ensino, e iniciou actividade laboral como jornaleiro em tenra idade.

O seu percurso laboral aparece associado ao desempenho desta actividade agrícola, durante grande parte da sua vida adulta activa.

Agostinho F. regista uma experiência laboral em estamparia têxtil, durante cerca de 7 anos, até ao encerramento daquela há dois anos atrás.

Contraiu casamento com 22 anos de idade, relação da qual resultaram dois filhos, já adultos.

O arguido reside com a mulher, de 67 anos de idade, reformada por invalidez, sendo esta a principal fonte de suporte ao arguido.

Este encontra-se numa situação de pré-reforma, desenvolvendo alguns trabalhos como jornaleiro agrícola, que lhe permitem equilibrar a situação financeira do casal, que tem como rendimentos as pensões sociais, no valor aproximado de 570,00€ mensais.

As despesas de Agostinho F. relacionam-se com os encargos com a habitação, as despesas inerentes à manutenção do quotidiano e com a medicação para ambos os elementos do casal.

O agregado familiar reside em casa arrendada, uma habitação com um terreno agrícola, com condições mínimas de habitabilidade, localizado na periferia da cidade de ….

Esta factualidade é suficiente para equacionar a possibilidade do arguido entregar à assistente, a quantia de 2 000,00€, no período da suspensão, não havendo, por isso, qualquer insuficiência de factos para a decisão.

Questão diversa é a de saber se é exigível ou não ao arguido impor ao arguido aquela mesma condição, questão, que, também este suscita, e que apreciaremos de seguida.

3.1.2. Exigibilidade da condição

A discordância do arguido em relação ao segmento da decisão que fixou como condição de suspensão de execução da pena de prisão, a entrega à assistente, da quantia de 2 000,00€, assenta em duas ordens de razões:

1) Estando o montante de indemnização civil assegurado na sentença, aquela imposição mostra-se desadequada às finalidades da punição.

2) A sua situação económica, familiar e social colocam-no na impossibilidade de cumprir aquela condição;

Sobre a primeira, diremos:

A propósito dos deveres e regras de conduta que podem condicionar a suspensão de execução da pena de prisão, defende, Figueiredo Dias – in As Consequências Jurídicas do crime, 1993, página 353 – que «do que se trata em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade de punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime, que o art. 128º quis postergar».

«A quantia cujo pagamento pelo arguido ao lesado é condição da suspensão da pena não constitui aqui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias» – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1997 – Colectânea de Jurisprudência 1997, tomo II, página 226.

No mesmo sentido, decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 29/10/97 – acessível em www.dgsi.pt – onde se lê:

«I – A suspensão da execução da pena com o dever económico de reparar o mal do crime não importa uma obrigação de indemnização em sentido estrito. Esse dever (ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do instituto da suspensão da execução da pena, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução.

II – Quando se suspende uma pena sob condição do pagamento de uma indemnização por perdas e danos ao ofendido, nem o Estado nem o beneficiário da reparação ou indemnização ficam, por virtude da imposição do dever, na situação de credores e, por consequência também o arguido não fica adstrito ao cumprimento de uma prestação, com todas as consequências jurídicas civis derivadas do incumprimento pontual».

Este entendimento jurisprudencial teve acolhimento constitucional, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 596/99, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Fevereiro que apreciou a constitucionalidade da norma constante do artigo 51º, nº. 1, alínea a) do Código Penal, no sentido de que do que se trata é da «(...) consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.

Não é, por isso, inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27º, nº. 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51º, nº. 1, alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido».

A injunção do dever de entregar certa quantia ao lesado, como condição de suspensão da execução da pena, reforça a sanção penal, bem distinta do cumprimento da obrigação indemnizatória civil declarada na sentença.

Com efeito, a condição da reparação do prejuízo causado ao recorrente para a suspensão da execução da pena apresenta-se como via adequada e indispensável para a satisfação das exigências punitivas e não para assegurar o direito da demandante ao recebimento da indemnização ou qualquer outra garantia do cumprimento daquela obrigação.

O mesmo é dizer, que a condenação do arguido no pedido cível e respectivos juros não impede a fixação da condição da suspensão da execução da pena, nos termos em que o fez a primeira instância.

Falece, pois, esta primeira das razões invocadas.

Quando à segunda: a impossibilidade por parte do arguido de cumprir a condição

Em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, quando acompanhada da condição de reparar os danos causados ao lesado, traduzindo-se esta no dever a que alude a alínea a) do nº1, do artigo 51º, do Código Penal, qual seja, o pagamento, em certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, da indemnização devida ao lesado, ou garantia do seu pagamento por caução idónea.

Porém, estes deveres não podem, em caso algum, representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, como o estatui o nº 2, do mesmo preceito e diploma.

Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 11 de Maio de 2011 Processo nº 728/08.7PDVNG.P1.:

« (…) a suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição impossível, fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição irrazoável.

Mas se limites impossíveis não podem ser estabelecidos como contrapartidas à suspensão, a suspensão também não pode ficar dependente de uma condição que, embora possível, justa, adequada, não seja razoável de exigir por se afigurar de satisfação impossível.

É evidente que não se pode limitar a suspensão da execução da pena ao pagamento de uma indemnização de 100 quando os danos provocados se cifram em 10: trata-se de uma condição manifestamente desproporcionada às consequências provocadas pelo facto.

Mas será que o mesmo sucede quando os danos provocados foram de 100 e a indemnização fixada se cifrou nesses 100, embora o seu pagamento, possível face aos elementos disponíveis, exija esforço por parte do agente? Será que para obviar ao esforço se deve baixar o montante da condição, atendendo apenas à situação do agente e desconsiderando a do ofendido?

Conforme se vê, o juízo de razoabilidade da condição só pode fazer-se perante o caso concreto. (…)

Conforme referem as actas da Comissão de Revisão do Código Penal, foi acolhida neste diploma a ideia de que o agente do crime deve proceder ao pagamento segundo aquilo que puder e de acordo com as suas forças.

Mas isto não significa que a condição tenha que se restringir ao que for confortável ao agente, isto é, àquilo que ele puder cumprir sem sacrifício, sob pena de não se poder impor como condição de suspensão da execução da pena o pagamento de indemnização ao lesado quando o agente seja pobre (…).

Assim, e citando o decidido pelo S.T.J. do acórdão de 13-12-2006, proferido no processo 06P3116, diremos que o nº 2 do art. 51º do Código Penal consagra o princípio da razoabilidade, que significa que a imposição de deveres deve atender às forças do destinatário, o agente do crime, para não frustrar, logo à partida, o efeito reeducativo e pedagógico que se pretende extrair da medida, mas cuidando de não cair no extremo de fixar uma condição atendendo apenas às possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado, sob pena de se inviabilizar, na maioria dos casos, o propósito que lhe está subjacente, qual seja o de dar ao arguido margem de manobra suficiente para desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição.

Uma pena, qualquer pena, para ser eficaz, deve ser sentida pelo agente e no caso de pena suspensa muitas vezes a única coisa que o agente sente é, precisamente, a condição fixada».

No caso dos autos, ficou assente que o arguido se encontra numa situação de pré-reforma, desenvolvendo alguns trabalhos como jornaleiro agrícola, que lhe permitem equilibrar a situação financeira do casal, que tem como rendimentos as pensões sociais, no valor aproximado de 570,00€ mensais, sendo certo que as despesas mensais respeitam aos encargos com a habitação, as despesas inerentes à manutenção do quotidiano e com a medicação para ambos os elementos do casal.

Nos termos do Acórdão recorrido, a suspensão da execução da pena de prisão foi condicionada ao pagamento da quantia de 2 000,00€ à ofendida, no prazo da suspensão da execução da pena.

Ora, se é verdade, que este valor corresponde a menos metade das pensões anuais auferidos pelo agregado familiar arguido (constituído por si e pela esposa), não é menos verdade, que o arguido possui outra fonte de rendimentos, como sejam, os decorrentes dos trabalhos agrícolas que vai realizando.

Assim, não podendo esquecer, que o dever fixado visa reparar o mal do crime e reconhecendo-se, que a satisfação daquele pagamento significa um sacrifício para o arguido, só podemos concluir, que o pagamento de 2 000,00€ à assistente, não se mostra, de todo, incomportável, irrazoável ou excessivo.

3.2. Recurso do Assistente

Decidido que a condenação do arguido no pagamento da quantia de 2 000,00€ ao ofendido, não constitui para aquele um sacrifício irrazoável, vejamos, agora, se, como pretende a assistente, só a subordinação da suspensão da execução da prisão à condição do pagamento integral da indemnização, logra satisfazer as finalidades da punição.

A suspensão da execução da pena, depende, como é sabido, além do mais, de um pressuposto material: Se, perante a personalidade do agente e as circunstâncias do facto, se possa formular, um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente: «que a simples censura do facto e a ameaça da pena — acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta — «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 342 -343.».

Para a formulação «desse juízo — ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto —, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto (…)

Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável — à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização —, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime Figueiredo Dias, ibidem, pág. 344.».

Contudo, em certos casos, já o dissemos, a suspensão da execução da pena de prisão só realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, quando subordinada à condição de reparar os danos causados ao lesado.

Se tal acontecer, permite a alínea a) do nº1, do artigo 51º, do Código Penal, a imposição do dever do condenando, pagar, em certo prazo, o todo ou parte da indemnização devida ao ofendido.

Contudo e como se lê, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2012 Publicado no Diário da República, nº 206, Série I, de 24 de Outubro de 2012. :

«De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, os deveres impostos para a suspensão não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. Este n.º 2 corresponde a uma inovação, que foi introduzida pela reforma de 1995 — cf. artigo 3.º, n.º 15), alínea e), da lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15 de Setembro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto -Lei n.º 48/95, de 15 de Março (3.ª alteração ao Código Penal), muito embora, já na vigência do Código Penal de 1982, se entendesse que no n.º 2 do artigo 49.º estava inscrito o princípio.

Consagra-se no n.º 2 o princípio da razoabilidade, a que tem de obedecer a imposição dos deveres.

Comentando -o, dizia Maia Gonçalves no Código Penal Anotado, (…)

«O texto tem um conteúdo algo vago, e nem poderia ser de outro modo, dada a amplitude dos deveres que podem ser impostos.

Trata -se de exprimir um princípio de orientação para o tribunal, de modo a habilitá-lo a delimitar o domínio em que há -de mover -se na sua faculdade de determinação dos deveres a cumprir pelo condenado em vista da reparação do mal causado pelo crime.» (Fazendo aplicação concreta deste princípio, vejam -se, i. a., os acórdãos do STJ de 11 de Fevereiro de 1999, CJSTJ 1999, t. 1, p. 212, de 1 de Março de 2001, processo n.º 3904/00, e de 30 de Abril de 2008, processo n.º 687/08 -3.ª, CJSTJ 2008, t. 2, p. 217.).

Ao impor a condição de pagamento de quantia ou outra, o juiz deve averiguar da possibilidade de cumprimento dos deveres impostos, ainda que, posteriormente, no caso de incumprimento, deva apreciar da alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a revogação da suspensão. Não devem ser impostos ao arguido deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres.

Como pondera Germano Marques da Silva, (…), prática contrária significaria apenas adiar a execução da pena de prisão.

Figueiredo Dias (…) observava que a imposição de deveres e regras de conduta haveria forçosamente de sofrer uma dupla limitação: «(…) de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto.» Acrescentava, (…) «Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir -se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar -se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados.»

O princípio da razoabilidade se, por um lado, impõe que não se exija mais do que o necessário para atingir o fim que se pretende, por outro lado, obriga também a que se não estabeleçam condições desmesuradas em relação à capacidade do condenado.

Recordando-se, que o arguido vivencia uma situação de pré-reforma, e, para além, das prestações sociais que recebe, ainda, aufere rendimentos como jornaleiro, na actividade agrícola, já concluímos que o pagamento do montante de 2 000,00€ à assistente, constitui uma condição razoável para a suspensão da execução da pena, satisfazendo-se, assim, as apontadas finalidades da punição.

O mesmo é dizer que, in casu, a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena podem realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde que, o arguido, repare parcialmente o dano que causou, ainda que, com um custo pessoal e económico razoável, custo esse que se cifra em 2 000,00€.

Fixar-se a imposição de pagar o valor integral da indemnização (6 000,00€ fixada em primeira instância), como condição para suspender a execução da prisão, equivale para o agregado familiar do arguido, um encargo económico mensal, de cerca de 63€ dos 570,00€ auferidos, também pela esposa.

É certo que o arguido se encontra em situação de pré-reforma, prevendo-se que, no futuro, venha a auferir alguma pensão de reforma. Também é certo que trabalha como jornaleiro, na actividade agrícola. Contudo, não é menos certo, que não se apurou, quais os rendimentos que o arguido auferia ou poderiam vir a auferir. Ora, como se sabe, as condições da suspensão da execução da pena terão de ser ponderadas em função das circunstâncias existentes e conhecidas à data de decisão e não supervenientes ou hipotéticas.

Em conformidade, mantém-se o dever condicionante da suspensão da execução da prisão, tal como foi decidido pela primeira instância.

4. A indemnização civil

Do que precede, é manifesto que a conduta ilícita e culposa do arguido causou na assistente lesões.

Partindo das mesmas premissas, assistente e arguido, retiram conclusões distintas, sobre o quantum indemnizatório fixado pela primeira instância, a título de danos não patrimoniais. Para a primeira, a quantia de 6 000,00€ é diminuta (reclama 15 000€); para o segundo, é excessiva.

Apreciando:

De acordo com disposto no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Não definindo o legislador o que deve entender-se por dano não patrimonial, tem a doutrina recortado este conceito, pela negativa.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Setembro de 2014 Proferido no processo nº 597/11.0TBTNV.C1.

:

«O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual (…); o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral (…); é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro (…); é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária (…).

A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta, portanto, na natureza do bem ou do interesse afectado. É, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.

A indemnização visa reparar danos não patrimoniais quando tem por objecto um interesse não patrimonial, i.e., um interesse não avaliável em dinheiro (…). Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação (…). Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.

Na verdade, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade, imprestável (…). Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.

A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente (artº 496 nº 3, 1ª parte do Código Civil). Neste contexto, a equidade visa determinar aspectos quantitativos de uma prestação: a indemnização. Mas seria errado pensar-se que a fixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz; a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deve atender.

A actividade do juiz na determinação do montante da indemnização, não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção - dado que o obriga a converter a sua valoração de critérios jurídicos de determinação numa quantificação numérica; trata-se, porém, de uma actividade juridicamente vinculada que constitui estruturalmente autêntica aplicação do direito. Desta constatação faz-se, naturalmente, decorrer a consequência da controlabilidade por via de recurso do procedimento de determinação da indemnização.

No tocante ao processo de determinação do valor da indemnização não se deve reconhecer um espaço de discricionariedade diverso daquele que sempre se encontra presente em qualquer decisão verdadeiramente jurídica, antes se devendo qualificar a actividade correspondente como aplicação do direito, susceptível de controlo por via do recurso.

Mas também aqui se deve reconhecer que os instrumentos dispostos para orientação e racionalização da decisão judicial cobrem apenas parte das variáveis de que o juiz é portador. Se se introduzirem conceitos como basic rules ou second codes, aludindo ao complexo de regras e de mecanismos reguladores que determinam efectivamente a aplicação que o juiz faz da lei, pode dizer-se que os princípios regulativos de determinação do valor da indemnização cobrem apenas uma parte do processo decisório.

Esta constatação decorre da circunstância de a lei se limitar disponibilizar proposições indeterminadas que apenas se materializam no caso concreto. A indeterminação é de resto dupla: ela resulta quer da possibilidade de introduzir, na aplicação, novos factores atendíveis quer da intermutabilidade dos especificados na lei, cujo peso relativo, também se não encontra determinado. Existe, portanto, uma ilimitada variedade dos factores relevantes para o processo de individualização da medida da indemnização, a que soma a ausência de explicitação do seu peso relativo, tudo apontando para uma valoração casuística infindável, que vinca, também por esta via, a natureza móvel ou aberta do sistema.

Tudo inculca, pois, a conclusão de que a determinação da prestação da indemnização não está na dependência de um liberum arbitrium indifferantiae, de uma discricionariedade livre ou desvinculada do juiz – que implicaria conferir a nota de irrecorribilidade à decisão correspondente – e, consequentemente, que o processo de determinação do quantum da indemnização deve, em concreto, ser reconduzível a critérios objectivos, e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo. Mas seria imprudente não reconhecer a importância de elementos racionalmente não explicitáveis e mesmo puramente emocionais, e, portanto, uma margem inescapável de subjectividade.

Serve isto para dizer que a remissão no caso para a equidade é aparente, visto que esta só ocorre, não quando haja uma qualquer indeterminação que o juiz tenha de resolver no caso concreto – mas quando se verifique uma decisão tomada à revelia do ius strictum, no sentido de sistemático (…). De resto, um modelo de decisão ex aequo e bono tem ainda a particularidade de não ter preocupações generalizantes, característica que é abertamente contrariada por um dos parâmetros sob cujo signo deve decorrer a actividade de fixação da indemnização: o da uniformização ou padronização do seu valor (artº 8, nº 3 do Código Civil).

Seja como for, a verdade é que o sistema de ressarcimento do dano não patrimonial é móvel ou aberto, indicando a lei, de forma inteiramente exemplificativa, para determinar o dano de cálculo – i.e., a expressão monetária do dano não patrimonial real – o grau de culpa do lesante a situação económica do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso (artº 494 do Código Civil) (…).

O parâmetro representado pela culpa do agente – melhor se diria a forma dolosa ou negligente da imputação - mostra a permeabilidade da lei à ideia de que a indemnização do dano não patrimonial reveste uma certa função punitiva ou sancionatória, à semelhança, de resto, de qualquer indemnização (…).

O critério relativo à situação económica do lesante e do lesado pode, com vantagem, ser reconduzido a uma ideia de proporcionalidade, funcionado como factor da correcção da extensão indemnizatória que se mostre concretamente desproporcionada em face da situação patrimonial dos sujeitos, passivo e activo, da indemnização. No caso de existir seguro da responsabilidade, maxime, tratando-se de seguro obrigatório, fica, no entanto, sem sentido a consideração da situação económica do lesante (…)».

E, mais adiante,

«A definição e a valoração do dano não patrimonial são, portanto, tarefas irremediavelmente carecidas de concretização jurisprudencial. O modo como essa actividade concretizadora tem sido desempenhada pela jurisprudência, mesmo no tocante ao dano de natureza máxima – o dano morte - tem merecido, por parte da doutrina, um juízo severo. Em face da exiguidade do valor das indemnizações por danos não patrimoniais comummente fixadas, fala-se, com acrimónia, em página negra da nossa jurisprudência (…), em indemnizações de miséria (…) e em extrema parcimónia (…).

O reparo é justo. Mas seria injusto, de um aspecto, não partilhar a censura com o legislador, que se mostra mais sensível aos danos patrimoniais que aos danos não patrimoniais (…) e aos termos um tanto deprimidos (…) com que se consagrou a ressarcibilidade dos danos desta última espécie e, de outro, não admitir uma clara evolução no reforço das indemnizações desse tipo de dano, consequente ao reconhecimento da sua especificidade e alteralidade relativamente ao dano patrimonial e à consciência da necessidade de uma tutela acrescida dos direitos de personalidade (…).

A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas (…).

É irrecusável que toda a pessoa titula um fundamental direito à integridade pessoal, que abrange as duas componentes fundamentais da sua pessoa: a integridade física e a integridade moral (artº 25 nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

Qualquer facto que atente contra essa integridade pessoal deve, portanto, ser considerado um dano, não constituindo obstáculo a essa consideração a circunstância de, no tocante à reparação da violação do corpo humano, a restitutio in integrum se mostrar impossível (…)..

Parâmetro diferenciado do dano corporal, objecto de progressiva autonomia e de nítida vocação expansiva é o dano da afirmação pessoal (…) – dano esistenziale, loss of amenities of life, perte de joie de vivre – que se inclui igualmente entre as consequências não pecuniárias resultantes de lesões não mortais à integridade física ou à saúde. A categoria tem directamente em vista certas lesões que, pela sua gravidade, são susceptíveis de provocar a quem as sofre especialíssimas disfunções relacionais, desenquadramentos situacionais ou alterações comportamentais – na sua forma de estar e de ser com os outros – que se repercutem negativamente sobre o trajecto existencial do lesado, quer retirando-lhe a possibilidade de se dedicar a pequenos prazeres ou gratificações ou privando-o, por exemplo, de interagir com o seu corpo. Neste sentido, o dano à afirmação pessoal é a lesão do conjunto competências sociais, relacionais, que se expressam na capacidade de a pessoa desenvolver, transformando em acto, uma vida com momentos mais ou mais intensos de satisfação ou compensação estética, física, social ou outra (…)».

Ou seja, mais do que reconhecer os aludidos direitos, impera, aqui, a dificuldade no cálculo da indemnização a arbitrar, em concreto, sendo que o apelo à equidade encontra justificação na procura da justiça material do caso, em contraponto com a justiça meramente formal.

Recorde-se que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vindo a lembrar a necessidade de abandonar as indemnizações «miserabilistas», devendo atribuir-se-lhe um significado real e efectivo e não apenas simbólico.

No caso dos autos, a sentença sindicada fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais, em 6 000,00€, sendo este valor questionado por ambos os recorrentes, como acima já se referiu.

Os factos materiais a considerar para a fixação da indemnização são apenas e só os que foram alegados pela assistente e comprovados em julgamento, não podendo ser atendidos, outros que, eventualmente poderiam auxiliar, no cômputo da indemnização, como por exemplo, os referenciados pela assistente ao médico que procedeu à perícia médico-legal (entre outros, medo de sair de casa, perturbações de sono, pesadelos e dificuldades em dormir, o maior quantum doloris no hemitórax, quando, por exemplo tossia).

Donde, a matéria de facto apurada e a relevar para o montante indemnizatório traduz-se nas lesões sofridas pela assistente, quais sejam:

Traumatismo do crânio da face, do membro superior direito, da região do dorso lombar e da grade costal, com feridas incisivas contusas na região frontal e occipital, fractura do décimo arco costal esquerdo (ponto de facto nº 6) e pneumotórax de pequeno volume à esquerda e peneumomediastino (ponto de facto nº 7).

Destas lesões resultaram para a assistente sequelas correspondentes uma cicatriz vertical localizada na região occipital, com 4 cm, hipercrómica e uma cicatriz de cm de comprimento, com zona de afundamento arredondada, com um cm de diâmetro, localizada na região frontal à esquerda (ponto de facto nº 9).

Z. Costa foi assistida no dia 8 de Maio de 2013, no Hospital de Guimarães onde ficou internada desde essa data até ao dia 14 de Maio do mesmo ano, após o que andou em consultas de cirurgia grupo 3 até Outubro de 2013 (ponto de facto nº 8).

A assistente sentiu fortes dores e forte abalo emocional, vendo-se numa situação aflitiva para a qual estava completamente impotente (ponto de facto nº 37).

Ficou aterrorizada, pressentido a sua morte, mantendo constante receio que os factos se voltem a repetir (ponto de facto nº 38).

Sente-se desgostosa com a cicatriz com 3 cm de comprimento, localizada na região frontal esquerda com zona de afundamento, que ainda hoje perdura (ponto de facto nº 39).

Neste contexto, é manifesto o sofrimento passado e actual da assistente, prevendo-se permaneça no futuro, já que a cicatriz com zona de afundamento com 1 cm de diâmetro na região frontal (vulgarmente conhecida por buraco na testa) constitui uma sequela permanente a causar-lhe desgosto.

Tendo em conta a natureza e a gravidade dos danos sofridos pela vítima nos termos provados, a capacidade económica do demandado e da demandante e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes, consideramos justo e equitativo fixar em sete mil e quinhentos euros, o valor da indemnização por todos os danos não patrimoniais sofridos pela vítima.

V. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Penal da Relação de Guimarães:

a) Julgar totalmente improcedente o recurso do arguido;
b) Conceder parcial provimento ao recurso da assistente, na vertente penal. Consequentemente, condena-se Agostinho F., pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 143º, nº1, e 144º, al. d), do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período.
c) A suspensão da pena fica condicionada aos deveres, regime de prova e regras de condutas fixadas pela primeira instância.
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar a demandado Agostinho F. a pagar à demandante Z. Costa, a quantia de sete mil e quinhentos euros.
e) Manter, em tudo o mais a sentença recorrida.
f) Pelo decaimento do recurso do arguido, suportará este as custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCS.
g) Sem tributação o recurso penal da assistente.
h) Custas do pedido cível pelo assistente e arguido, na proporção do decaimento.

Processado por computador e revisto pela primeira signatária (art. 94º nº 2 CPP).

Guimarães, 5 de Outubro de 2015