RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHORA
HIPOTECA
DESPACHO
SUSTAÇÃO
Sumário

I - Se em sede executiva um credor com garantia real, citado pessoalmente, reclama créditos com base numa hipoteca e numa penhora, garantias reais registadas a seu favor sobre bens do executado, tendo a penhora sido efectuada noutra execução, não pode deixar de ser reconhecido e graduado o crédito garantido pela penhora, com o fundamento de que não havia sido junta certidão comprovativa da sustação da execução onde ocorreu a penhora.
II - O despacho de sustação a que alude o artº 871, n.2 do Código de Processo Civil não é título executivo.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1- RELATÓRIO

A B.........., S.A., com sede em Lisboa, no apenso respectivo do processo de execução ordinária nº .../2000, da .. Vara Cível, .. secção, do Porto, movida pela exequente B.........., Lda., contra o executado C.........., veio reclamar um seu crédito, no valor de € 108.576,92, proveniente de um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, celebrado entre o Banco X.........., S.A. e o executado e mulher, formalizado por Instrumento Notarial Avulso, conforme documentação que juntou. Alegou, ainda, a existência de uma penhora, registada, efectuada numa acção executiva sobre o imóvel penhorado na presente execução, para garantia da dívida.

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Admitida a reclamação, ordenou-se o cumprimento do disposto no artº 866º, n.º 2, do CPC, não tendo sido deduzida qualquer impugnação relevante.
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Proferida, oportunamente, a sentença (artº 868º, nº 2, do CPC), decidiu-se julgar verificado e reconhecido o crédito reclamado, com a seguinte graduação:
“1°.) O crédito reclamado pelo Banco X.........., S.A., garantido por hipoteca.
2°.) O crédito da exequente B.........., Lda.
As custas correm pelo executado/reclamado, precípuas - art°. 455°., do C.P.Civil”.
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Inconformada, a reclamante apelou da referida decisão, tendo, nas suas alegações, concluído:

1. Nos Autos de Execução Ordinária que a B.........., Lda., move contra C.........., foi a ora Recorrente citada na qualidade de Credora com garantia real, nos termos do disposto no art. 864º do C.P.C..
2. A ora Recorrente reclamou o seu crédito no valor de 108.576,92 €, juros vincendos e eventuais despesas, com base em título exequível e garantias reais registadas a seu favor sobre o bem penhorado na presente execução, nomeadamente, uma hipoteca e uma penhora.
3. Em Fevereiro de 2003 foi a Credora Reclamante, ora Recorrente notificada da Douta sentença de verificação e graduação de créditos que reconheceu o crédito reclamado e o graduou em primeiro lugar, porém apenas o crédito garantido por hipoteca, ou seja, o capital acrescido de três anos de juros.
4. Quanto ao remanescente, ou seja, os juros vencidos e vincendos, após os três anos, garantidos por penhora entendeu o MM Juiz "a quo" este crédito "só poderá ser reclamado noutro processo executivo onde avulte tal penhora e - então - por despacho a ser aí proferido por atenção ao configurado no art. 871º do C.P.C.".
5. O Douto Julgador não verificou nem graduou o crédito da Recorrente, garantido pela penhora que à data de 09/06/03 ascendiam já a 6.967,31 €, correspondente aos juros posteriores a três anos, estes garantidos pela hipoteca.
6. Salvo o devido respeito, que muito é, pelo Ilustre Julgador "a quo" entendemos que lhe fenece a razão.
7. Determina o artigo 865° nºs 1 e 2, do C.P.C., que só pode reclamar o seu crédito o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados e que disponha de título exequível.
8. A ora Recorrente, credora com garantia real, nomeadamente, uma hipoteca e uma penhora, devidamente registadas, conforme consta da certidão de encargos junta aos autos, reclamou o seu crédito com base em título exequível, ou seja, um contrato de mútuo incumprido, igualmente junto aos autos.
9. O título exequível que serviu de base à reclamação de créditos apresentada pela ora Recorrente, foi o contrato de mútuo celebrado entre o Banco X.........., S.A. e os executados, formalizado por Instrumento Notarial Avulso. O referido contrato de mútuo incumprido pelos executados, constitui título executivo nos termo do art. 46° al. b) do C.P.C..
10. Com base no contrato de mútuo incumprido e duas garantias reais registadas, uma hipoteca e uma penhora, reclamou a ora Recorrente o seu crédito no valor de 108.576,92 € acrescido de juros vincendos e eventuais despesas.
11. O Mº Juiz "a quo" graduou apenas a parte do crédito garantido pela hipoteca, deixando de "fora" a parte do crédito garantido pela penhora, por não ter sido junto certidão de despacho de sustação, nos termos do art. 871º nº 2 do C.P.C..
12. Salvo melhor opinião, o despacho de sustação a que se refere o art. 871º nº 2 do C.P.C. não é título executivo, ele apenas se torna necessário para legitimar a apresentação de uma reclamação de créditos fora do prazo facultado para a dedução de créditos.
13. Dispõe o art. 871º n° 2 do C.P.C., se o reclamante tiver sido citado pessoalmente nos termos do art. 864° do mesmo diploma, é nessa altura que deverá reclamar os seus créditos.
14. Apenas se não tiver sido citado pessoalmente poderá deduzir a sua reclamação de créditos nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de sustação. Nesse caso necessita o reclamante, naturalmente de com a reclamação de créditos juntar certidão do despacho de sustação, para justificar e legitimar a reclamação de créditos apresentada fora do prazo facultado para a dedução de direitos de créditos nos termos do art. 865º do C.P.C..
15. No presente caso, a Recorrente, foi citada pessoalmente nos termos do art. 865º do C.P.C. e dentro do prazo aí facultado para a dedução dos direitos de crédito, apresentou a sua reclamação de créditos.
16. Entendeu o MM Juiz "a quo" que a ora Reclamante apenas poderia reclamar o crédito garantido pela hipoteca, tendo apenas este sido graduado em primeiro lugar, e em segundo lugar o crédito exequendo.
17. O crédito da ora Recorrente garantido pela penhora deveria e deverá ser graduado em terceiro lugar.

Não houve resposta às alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL ÀS QUESTÕES SUSCITADAS NO RECURSO

Os factos a considerar são os que acima se deixaram relatados, sendo de considerar que:
- Nos Autos de Execução Ordinária que a B.........., Lda., move contra C........., foi o Banco X.........., S.A., citada na qualidade de credora com garantia real, nos termos do disposto no art. 864º, do C.P.C. (redacção anterior à dada pelo DL nº 38/2003, de 08/03, Dec. Rect. nº 5-C/2003, de 30/04);
- Nessa execução foi convertido em penhora o arresto das fracções autónomas designadas pelas letras “AO” e “E”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artº 5182 e descrito na Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº 00843/08/11/89, freguesia de .......... (descrições nºs 00843/081190-AO e 00843/081190-E), arresto e penhora esses inscritos no registo predial, tal como a referida hipoteca voluntária a favor do Banco X.........., S.A. (Ap. 57/050301, Ap.26/231101 e Ap.69/281098, respectivamente);
- existe, ainda, a inscrição no registo predial, com data posterior (Ap. 38/140302), de uma penhora, de 06/12/2001, relativamente à descrição nº 00843/081190-E, numa acção executiva movida pelo Banco X.........., S.A..
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O objecto do recurso é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do CPC).
O apelante insurge-se contra a não graduação do seu crédito (juros vincendos) garantido pela penhora.
Vejamos.
A hipoteca e a penhora constituem garantias reais de obrigações, conferindo aos credores o direito de serem pagos pelo valor da coisa imóvel sobre que incidam, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artsº 686º, nº 1, e 822º, nº 1, do CC).
Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos (nº 2, do artº 693º, do CC).
De acordo com o estatuído no artº 865º, do CPC, os pressupostos específicos da reclamação de créditos são:
- a existência de garantia real sobre os bens penhorados;
- a existência de título executivo;
- a certeza e a liquidez da obrigação.
Estabelece o artº 871º, nº 1, do CPC (redacção anterior à dada pelo DL nº 38/2003, de 08/03, Dec. Rect. nº 5-C/2003, de 30/04) que pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina.
Dispõe o nº 2, desse normativo, que se o reclamante tiver sido citado pessoalmente nos termos do art. 864°, do mesmo diploma, deverá reclamar os seus créditos dentro do prazo facultado para a dedução dos direitos de crédito. Se não tiver sido citado pessoalmente, poderá deduzir a sua reclamação de créditos nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de sustação.
Concluiu a apelante que somente no caso de o credor reclamante não tiver sido citado pessoalmente é que necessita de, com a reclamação de créditos, juntar certidão do despacho de sustação, para justificar e legitimar a reclamação de créditos apresentada fora do prazo facultado para a dedução de direitos de créditos nos termos do art. 865º, do CPC.
A nosso ver, assiste razão à apelante.
A reclamante provou que os créditos reclamados, além de se basearem em título exequível (artº 46º, al. b), do CPC) e serem certos e líquidos, gozam de garantia real (hipoteca e penhora - arts. 686º e 822º, do CC).
Atentos os factos apurados, mostrando-se reconhecidos os créditos reclamados (artº 868º, n.º 4, do CPC), nada obstava, a nosso ver, a que se atendesse à totalidade desses créditos.
Conclui, e bem, a apelante que o despacho de sustação a que se refere o art. 871º, n.º 2, do CPC, não é título executivo.
Porém, a lei processual civil não permite a pendência de mais do que uma execução sobre os mesmos bens (artº 871º, n.º 1, do CPC).
A execução em que ocorre a segunda penhora terá sempre que ser sustada, oficiosamente ou a requerimento de exequente ou executado.
No entanto, no caso em apreço, a recorrente foi citada pessoalmente, nos termos do art. 864º, do CPC, e dentro do prazo aí facultado para a dedução dos direitos de crédito, apresentou a sua reclamação de créditos, protestando juntar certidão do ónus e encargos do imóvel penhorado comprovativa da existência de uma penhora registada posteriormente ao registo da penhora realizada na execução apensa.
Em face do teor da reclamação, documentação junta com a mesma e a constante da acção executiva (certidão de ónus e encargos), nada impedia, a nosso ver, que fossem verificados, reconhecidos, como foram, e graduados os créditos do Banco X.........., S.A., nos termos pretendidos pela reclamante, na medida em que gozam de garantia real.
De todo o modo, se o julgador a quo entendia que se mostrava necessário juntar certidão do despacho de sustação proferido na execução (artº 871º, n.º 1, do CPC) onde a penhora sobre o mesmo imóvel foi efectuada posteriormente, deveria, em face do teor da certidão de ónus e encargos junta na execução, ter convidado (despacho de aperfeiçoamento) a reclamante a fazê-lo (arts. 265º, n.º 2, 866º, n.º 1, do CPC, J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., p. 136, e A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I, 2ª ed., p. 278-279).
Assim, o julgador da 1ª instância, ao não graduar os créditos abrangidos pela garantia da penhora registada posteriormente, não respeitou, a nosso ver, o estatuído nos arts. 693º, 822º, do CC, 865º e 868º, n.ºs 2 e 4, do CPC.
Deste modo, a sentença que graduou os créditos não pode manter-se na íntegra.
Procedem, nos termos expostos, as conclusões da recorrente, cujos créditos devem ser graduados de acordo com o sugerido pela apelante.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que se procede à graduação de créditos e, consequentemente, em graduar os créditos pela ordem seguinte:
Sobre o produto da venda do bem imóvel correspondente às fracções autónomas designadas pelas letras “AO” e “E”, integradas no prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua .........., nºs .., .. e .., da freguesia de .........., .........., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00843/081189:
1°- O crédito reclamado pelo Banco X.........., S.A., garantido por hipoteca (capital, despesas e juros até três anos);
2°- O crédito da exequente B.........., Lda;
3°- O crédito reclamado pelo Banco X.........., S.A. (juros vincendos, com mais de três anos), garantido por penhora de 06/12/2001, registada na Conservatória através da Ap. 38/140302.
Custas pelos reclamados, saindo precípuas as custas da execução.
Porto, 7 de Março de 2005
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
Orlando dos Santos Nascimento