I. Estando a exequente munida de um título com trato sucessivo, ou seja, um título que contempla o cumprimento diferido de prestações ou obrigações, periódicas ou continuadas, como é o caso da decisão em apreço que homologa acordo de prestação de alimentos, e persistindo o executado no incumprimento de prestação alimentícia após a propositura da acção executiva, poderá a mesma exequente deduzir outro pedido executivo que contemple as prestações entretanto vencidas ou mesmo, caso a execução já esteja extinta, requerer a sua renovação (art.º 850º, nº1 do CPC).
II. O procedimento é idêntico ao da cumulação sucessiva de execuções prevista no art.º 711ºdo CPC que regula apenas as fundadas noutro título para lhe estabelecer limitações, v.g. no que tange ao seu limite temporal, o que quanto às fundadas no mesmo título nem sequer sucede.
III. Ademais o próprio art.º 709º, nº1 do CPC contempla ( também) a cumulação de execuções fundadas no mesmo título.
(Sumário elaborado pela Relatora)
1. AA, Executado nos autos à margem identificados, nos quais figura como Exequente BB, foi notificado da decisão que julgou improcedentes os embargos por si deduzidos, e, porque dela discorda, veio interpor recurso, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
“1- A Exequente apresentou aos presentes autos nova execução em 01/09/2022.
2- No seu primeiro pedido executivo apresentado a estes autos, a Exequente delimitou o seu pedido.
3 - Os artigos 704º n.º 6 e 711º, ambos do CPC são claros quanto aos requisitos e possibilidade de cumulação de pedidos.
4 - Nenhum destes se verifica no caso.
5 - No artigo 709º do CPC apenas são visadas execuções que sejam fundadas em títulos diferentes.
6 - O que não é o caso.
7 - No artigo 711º do CPC, por sua vez, são visadas cumulações sucessivas.
8 - O que também não se aplica ao caso em concreto.
9 - Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 704º, 709º e 711º do CPC e o n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil.
10 - Em face do exposto, deverá a decisão do tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que não admita a cumulação dos pedidos.
Termos em que se requer a V. Exas., face a tudo o que ficou supra alegado, que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
2. Contra-alegou a recorrida, defendendo a manutenção do decidido.
3. Considerando que a questão a decidir é simples passa-se a proferir, ao abrigo do disposto art.º 656º do CPC, decisão singular.
4. O recurso foi admitido com o efeito correcto e modo de subida adequado, sendo que o seu objecto- delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se é de admitir a cumulação sucessiva de pedidos executivos fundada no mesmo título.
II. FUNDAMENTAÇÃO
5. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, os seguintes:
5.1. Em 14.1.2021, a exequente apresentou requerimento executivo do qual consta o seguinte:
“1.º - A Exequente e o Executado casaram-se em 08.05.2012, sem convenção antenupcial.
2.º - Este casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado pela Conservadora do Registo Civil em 11.08.2017, tendo a decisão transitado de imediato uma vez que a Exequente e o Executado renunciaram ao prazo do recurso e reclamação, como permite o estabelecido no n.º 1 do art.º 632.º do CPC, conforme consta da respetiva Decisão Homologatória que se junta e que se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (doc. 1).
3.º - Nessa mesma decisão, foram homologados os acordos apresentados quanto ao destino da casa de morada de família e quanto à prestação de alimentos entre os ex-cônjuges (doc. 1).
4.º - Do acordo de prestação de alimentos entre os ex-cônjuges outorgado (doc. 1) consta que o Executado se obrigou, na pendência do processo de divórcio e durante o prazo de 5 anos a contar da data da respetiva homologação, a prover mensalmente: a. a quantia mensal de € 335,00 à Exequente; e b. a garantir os serviços médicos da entidade médica Médis – Companhia de Seguros de Saúde, S.A. (doravante designado por seguro de saúde) à Exequente e ao filho menor desta de nome CC.
5.º - Para cumprimento da obrigação de alimentos relativa ao mês de Agosto de 2020 (doc. 2) o executado entregou à exequente o cheque n.º ...37, sacado sobre a conta n.º ...77 do Millennium BCP, datado de 08 de Agosto, supostamente do ano de 2020, no montante de € 335,00, emitido em Olhão (doc. 3).
6.º - A referência ao ano “2020” encontrava-se rasurada (doc. 3).
7.º - Apresentado a pagamento, veio o referido cheque a ser devolvido em 14.08.2020 com fundamento em “existência de indícios de viciação” (doc. 4).
8.º - Até à presente data o executado não pagou à exequente a prestação de alimentos relativa ao mês de Agosto de 2020.
9.º - Igualmente, o executado não pagou à exequente as demais prestações alimentícias que se venceram até à presente data.
10.º - Encontram-se assim em dívida 6 (seis) prestações alimentícias (Agosto/20 a Janeiro/21).
11.º - O que à razão de € € 335,00 (trezentos e trinta e cinco euros) por mês perfaz a quantia total de € 2.010,00 (dois mil e dez euros);
12.º - Pela presente execução, a exequente pretende:
a. receber as prestações alimentícias vencidas, que perfazem o total nesta data de € 2.010,00 (dois mil e dez euros); e
b. juros moratórios à taxa legal desde o dia 08 de cada um dos meses em que se verificou o incumprimento.”.
5.2. Em 1.9.2022, a Exequente apresentou novo requerimento executivo com o seguinte teor:
1.º - Na execução em curso é apenas peticionado o pagamento das prestações alimentícias devidas pelo executado à exequente no período relativo aos meses de Agosto de 2020 a Janeiro de 2021 e os juros moratórios respetivos.
2.º - Acontece que para além do referido, o executado não mais pagou à exequente as prestações alimentícias devidas a esta, sendo que o período dentro do qual estas eram devidas à exequente terminou em 31.08.2022, tal como resulta do título dado à execução.
3.º - Importa assim ampliar o âmbito da execução para a exequente poder vir a receber a totalidade das prestações alimentícias que lhe são devidas e que se encontram em dívida.
4.º - O título executivo é o mesmo que já foi dado à execução e cuja junção de novo se requer.
5.º - Do acordo de prestação de alimentos outorgado entre os ex-cônjuges consta que o Executado se obrigou a prover à Exequente a quantia mensal de € 335,00 (trezentos e trinta e cinco euros), até Agosto de 2022.
6.º - Pela presente execução, em cumulação, a exequente pretende receber:
a. as prestações alimentícias vencidas entre o dia 01 de Fevereiro de 2021 e seguintes, até ao dia 31 de Agosto de 2022, que (também) não foram pagas pelo obrigado; e
b. os juros moratórios à taxa legal devidos inerentes a este incumprimento.”.
5.3. Na sequência de oposição deduzida pelo executado a esta pretensão da exequente, foi proferida em 290.12.2022 a decisão recorrida com o seguinte teor:
“Veio a Exequente pedir a cumulação sucessiva de execuções relativamente ao valor exequendo de € 6.736,99, alegando, em síntese, corresponder o mesmo às prestações de alimentos vencidas entre 1/1/2021 e 31/8/2022, altura em que tal obrigação alimentícia cessou.
Foi notificado o Executado para, querendo, deduzir oposição à execução no que se refere apenas às prestações de alimentos referidas no novo requerimento executivo.
Tendo a notificação sido efectuada em 6/10/2022, veio o mesmo em 31/10/2022, deduzir oposição à execução em que alega, em síntese, não estarem preenchidos os requisitos da cumulação sucessiva de execuções previstos no artigo 711º do CPC, pese embora tendo no formulário feito constar “oposição à penhora”. Referiu, nesse contexto, que a lei não permitiria a cumulação de execuções quando estas se baseassem no mesmo título executivo, o que seria o caso.
A Exequente respondeu, em sede de contestação, alegando, em síntese, que a oposição à penhora seria intempestiva por não ter sido observado o prazo de 10 dias para o efeito e que, além do mais, a oposição não respeitaria os fundamentos de oposição previstos no artigo 784º do CPC, sendo que, ainda que assim não fosse, o fundamento de oposição em causa seria improcedente, uma vez que seria perfeitamente possível a cumulação de execuções no caso dos autos, uma vez que estariam em causa obrigações periódicas com origem no mesmo título executivo.
Referindo-se os presentes embargos apenas a uma questão jurídica cuja resolução não carece de produção de prova, cumpre apreciar nos termos do artigo 595º nº1 alínea b) do CPC.
Isto post, em primeiro lugar, ainda que, no formulário, o Executado tenha colocado “oposição à penhora”, claro se afigura que pretendeu – conforme referido no texto do articulado – deduzir oposição à execução, tendo-o feito no prazo previsto no artigo 726º nº6 do CPC (20 dias). Dai que também não seja relevante que o fundamento de oposição não respeite o disposto no artigo 784º do CPC, porquanto deveria, sim, respeitar o artigo 729º do mesmo diploma quanto aos fundamentos de oposição à execução em caso de o título executivo ser uma sentença (a tal sendo equiparado um acordo que fixou a obrigação de prestação de alimentos homologado pela Conservatória), o que se verifica no caso em apreço.
Por outro lado, como é evidente, é perfeitamente possível a cumulação de execuções com base no mesmo título (é, aliás, o que acontece relativamente a quotas de condomínio que se vençam posteriormente à instauração da execução), tendo-se o legislador nos artigos 709º e 711º do CPC pronunciado sobre a execução com base em títulos diferentes apenas porquanto seria essa a situação em que dúvidas surgiriam sobre se tal cumulação deveria ou não ser autorizada (cfr., por exemplo, o ac. TRL de 4/6/2020 – relator: Jorge Leal, onde se refere: “A cumulação sucessiva de execução é o meio processual idóneo para a cobrança coerciva de quotas de despesas de condomínio vencidas na pendência de execução instaurada para a cobrança da comparticipação do executado nas despesas aprovadas nos termos da ata que constitui título executivo de ambas as execuções.”, aí se referindo, além do mais, “Assim, a cumulação sucessiva de execução é o meio processualmente idóneo para efetivar o pagamento coercivo de prestações devidas pelo mesmo executado ao mesmo credor, supervenientemente exigíveis, fundadas em título executivo diferente ou no mesmo título executivo.”
Tanto basta para se concluir pela manifesta improcedência dos presentes embargos.
*
Decisão:
Pelo exposto, decide o Tribunal julgar improcedentes os embargos de executado deduzidos pelo Executado, AA, com a consequente admissibilidade da cumulação de execuções pretendida pela Exequente, BB, quanto ao valor de € 6.736,99 referentes às prestações de alimentos vencidas entre 1/1/2021 e 31/8/2022.”
6. Do mérito do recurso
Como se viu, foi dada à presente execução para pagamento de quantia certa, um acordo de prestação de alimentos celebrado entre exequente e executado no âmbito do respectivo divórcio por mútuo consentimento, decretado pela Conservadora do Registo Civil em 11.08.2017, que na mesma data o homologou.
Nos termos desse mesmo acordo, o ora executado/recorrente ficava adstrito a pagar, a título de pensão de alimentos à ora exequente/recorrida, a quantia mensal de € 335,00 (trezentos e trinta e cinco euros), até Agosto de 2022.
A execução em apreço – proposta em 20.1.2021-foi movida para pagamento das prestações em dívida, i.e. vencidas, até então.
Mas o certo é que a exequente está munida de um título com trato sucessivo, ou seja, um título que contempla o cumprimento de diferido de prestações ou obrigações, periódicas ou continuadas, como é o caso da decisão em apreço que homologa acordo de prestação de alimentos.[1]
Persistindo o executado no incumprimento de prestação alimentícia após a propositura da acção executiva, poderá o exequente deduzir outro pedido executivo que contemple as prestações entretanto vencidas ou mesmo, caso a execução já esteja extinta, requerer a sua renovação (art.º 850º, nº1 do CPC).
O procedimento é idêntico ao da cumulação sucessiva de execuções prevista no art.º 711ºdo CPC que regula apenas as fundadas noutro título para lhe estabelecer limitações, v.g. no que tange ao seu limite temporal, o que quanto às fundadas no mesmo título nem sequer sucede.
Ademais, ao contrário do que o recorrente refere, o próprio art.º 709º, nº1 do CPC contempla ( também) a cumulação de execuções fundadas no mesmo título.
Como já Lopes Cardoso[2] referia a propósito do pretérito art.º 53º do CPC, a intercalação das palavras “ainda que” teve por fim tornar claro que a cumulação de pedidos executivos é admissível quer esses pedidos tenham por base títulos diferentes, quer se baseiem em um só título. Teve ainda em vista sujeitar ao mesmo regime as duas espécies de cumulação.
Em suma : a conclusão que se alcança é a de que a decisão recorrida, que admitiu a cumulação doutro pedido executivo fundado no mesmo título, não merece a menor censura.
III. DECISÃO
Por todo o exposto se julga a apelação improcedente e se mantém a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
__________________________________
[1] Assim, A.Geraldes e outros in CPC Anotado, 2ª ed. pag, 280.
[2] Manual da acção executiva , Ed. I.N.C.M., pag. 104.