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CONTRATO PROMESSA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
SINAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
SOCIEDADE COMERCIAL
REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE
Sumário
1 – Os negócios praticados pelos gerentes em nome da sociedade, apresentando-se estes perante terceiros como representantes da sociedade – que materialmente será a parte no negócio – vinculam a sociedade, não obstante quaisquer limitações constantes do contrato social, limitações essas criadas pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro.
2 – A execução específica pressupõe uma situação de mora ou retardamento de cumprimento pelo obrigado a contratar.
3 - Se tiver havido sinal e se o promitente-vendedor entrar em incumprimento, o promitente-comprador tem direito à restituição do sinal em dobro. A lei, reconhecendo ao sinal uma função de compensação da parte a quem o incumprimento não é imputável, fixa antecipadamente o correspondente montante e o risco que o faltoso corre se decidir não cumprir.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Manuel e mulher Maria deduziram ação declarativa contra “Empresa A, Lda.” pedindo que se declare que a ré incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e venda do lote de terreno identificado em 14.º da petição, que se declare, por sentença, a transmissão do direito de propriedade desse lote de terreno, descrito no registo predial sob o n.º …, Barcelos, a favor dos autores ou, caso assim não se entenda, que se condene a ré a pagar aos autores a quantia de € 102.700,00, a título de sinal em dobro.
Contestou a ré excecionando a falta de poderes de representação do gerente na assinatura do contrato promessa e a falta de recebimento do preço. A título subsidiário, em reconvenção pede que se decida que o contrato promessa de compra e venda não produz qualquer efeito sendo ineficaz relativamente à ré, uma vez que foi assinado sem poderes de representação para o efeito e que a ré não recebeu qualquer montante a título de preço, sendo falsa a declaração de quitação aposta em tal contrato pelo gerente sem poderes de representação, o que determina a sua nulidade.
Replicaram os autores para manterem o já alegado na petição inicial.
Após audiência prévia, com suspensão da instância para acordo, que se frustrou, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Tendo sido interposto recurso por parte dos autores, foi proferido acórdão que anulou a decisão proferida, a fim de ser ampliada a matéria de facto.
Em cumprimento de tal acórdão, foi definido o objeto do litígio e fixados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.
Discordando da sentença, dela interpuseram recurso os autores, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
1.ª - A pretensão dos autores tem por base não um acordo de partilha do património da ré, mas antes um acordo entre o autor e o seu irmão, enquanto únicos sócios da ré, através do qual o autor saía da sociedade, mediante contrapartidas - vd. Ac. TRG de fls. 119 2.ª - No âmbito da sua liberdade contratual, o autor e o seu irmão, acordaram que a contrapartida para o autor sair da sociedade seria, além do preço da cessão da sua quota, as máquinas e o terreno objeto do contrato promessa em questão - vd. artº 405.° CC - vd. Ac. TRG de fls. 119 e 120 3.ª - A ré não põe em causa o contrato promessa de compra e venda de fls. 22 v. e 23, pretendendo, apenas, evitar os efeitos do mesmo, com a invocação de que o seu sócio gerente não obteve previamente autorização da assembleia geral 4.ª - O gerente vincula a ré sociedade em todos os atos que pratica nessa qualidade, não obstante as limitações do pacto social ou resultantes das deliberações dos sócios, sendo por isso válido o "contrato promessa" de fls.22v. e 23 - vd. n.ºs 1 e 4 art.º 260.° CSC - vd. Ac. STJ de 23.09.2008, processo n.º 08A2239, em www.dgsi.pt 5.ª - Os autores comunicaram à ré a data e local para a outorga da escritura de compra e venda, com a advertência de que se não o fizesse se concluiria pelo incumprimento definitivo - vd. n.º 1 art.º 808.° CC 6.ª - A ré recusou-se a outorgar essa escritura, assistindo por isso aos autores o direito a obter sentença que declare a transferência para eles do direito de propriedade sobre o referido lote de terreno - vd. art.º 830.° CC 7.ª - Subsidiariamente, considerando que a quantia de € 51 350,00 relativa ao preço do terreno era parte da contrapartida acordada em 30.11.2012 para que o autor saísse da sociedade ré, tem a mesma caráter de sinal, podendo os autores exigir da ré o dobro desse valor - vd. art.º 441.° e n.º 2 art.º 442.° CC 8.ª - A ré foi e é representada pelo seu sócio gerente, José, atuando sempre através deste seu gerente, pelo que, ao pretender desvincular-se do contrato promessa por este firmado, excede manifestamente os limites da boa-fé - vd. art.º 334.º CC
Em conformidade com as razões expostas deve conceder-se provimento à apelação, revogando-se a douta sentença e deliberar-se:
- declarar que a ré incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e venda do lote de terreno e, em consequência, julgar transmitido o direito de propriedade desse lote de terreno a favor dos autores
- ou, subsidiariamente, condenar a ré a pagar aos autores o montante de € 102 700,00, a título de sinal em dobro
ASSIM, ESTE TRIBUNAL SUPERIOR FARÁ JUSTIÇA
A ré contra alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver prendem-se com a validade do contrato promessa, poderes do gerente como representante da sociedade, incumprimento do contrato promessa, execução específica do mesmo ou aplicação das normas relativas ao sinal.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Com interesse para a decisão a proferir estão provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de Contrato de Sociedade outorgada em 26 de Agosto de 2005, junta a fls. 52 a 53 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Autor e seu irmão José constituíram a sociedade à data designada “Empresa A Lda.” a qual tinha por objecto o fabrico de malhas e aviamentos têxteis e sede no …, freguesia de …, Barcelos que correspondia ao rés-do-chão da casa de morada do sócio José. 2. A sociedade desenvolvia a sua actividade nesse rés-do-chão e ainda no rés-do-chão da casa de morada dos Autores. 3. O prédio urbano, lote 4, sito em …, da freguesia de …, Barcelos, destinado a construção urbana e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/… foi registado em nome da sociedade “Empresa A Lda” pela Ap. 3824 de 2010/07/21 por compra. 4. Os Autores e José e MS subscreveram o documento denominado “Contrato” junto a fls. 20 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde consta “contrato elaborado pelos sócios da firma Empresa A Lda para divisão do património da mesma empresa”. 5. Por documento escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 02 de Janeiro de 2013, junto a fls. 20 vº a 21 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, José na qualidade de sócio gerente e representante da primeira outorgante Empresa A Lda declarou prometer vender ao segundo outorgante Manuel, que declarou prometer comprar, as máquinas aí identificadas que já se encontravam no poder do segundo outorgante. 6. Do contrato referido no número anterior consta que “o pagamento foi feito com a divisão do património, Contrato elaborado pelos sócios da firma Empresa A Lda em 30/11/2012,que se anexa a este contrato, o qual já está pago, da qual se dá a competente quitação”. 7. Por documento escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 02 de Janeiro de 2013, junto a fls. 22 vº a 23 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, José na qualidade de sócio gerente e representante da primeira outorgante Empresa A Lda declarou prometer vender ao segundo outorgante Manuel, que declarou prometer comprar, o lote de terreno com o nº 4 para construção urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/…, sito em …, da freguesia de Arcozelo, Barcelos, pelo preço de € 51.350,00. 8. Do contrato referido no número anterior consta que o preço já está pago e é dada a respectiva quitação. 9. A Ré remeteu ao autor a carta datada de 23 de Junho de 2014 junta a fls. 24 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 10. O Autor remeteu à Ré carta datada de 06 de Outubro de 2014 junta a fls. 25 a 26 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 11. Do certificado emitido pelo notário PC em 27 de Outubro de 2014, junto a fls. 27 vº a 28 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta que naquela data se encontrava marcada uma escritura de compra e venda em que figurariam como vendedora a aqui Ré e como comprador o aqui Autor, sendo objecto da venda o imóvel referido em 3) e que tendo comparecido o gerente da vendedora e o aqui Autor a escritura não chegou a ser outorgada com o argumento por parte do representante da promitente vendedora que a mesma não conseguiu colher da respectiva Assembleia Geral consentimento/autorização para a prometida alienação. 12. A fls. 298 vº a 299 vº consta um documento denominado “Cessão dos Contratos de Promessa de Compra e Venda celebrado em 24 de Março de 2011 e do Aditamento ao contrato celebrado em 31 de Março de 2011”, assinado em 04/12/2012 pelos aqui Autores Maria e Manuel, ai designados por “Promitentes-Vendedores” e por José, ai designado por “Promitente-Comprador”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 13. A fls. 29 vº a 33 dos presentes autos consta uma escritura de Divisão de Quota, Cessões, Unificação, Renúncia e Alteração do Pacto social outorgada em 10 de Dezembro de 2012 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 14. Na escritura referida no número anterior o Autor declarou dividir a quota de que era titular na sociedade Empresa A Lda em cinco que declarou ceder: uma de quinhentos euros a José por preço igual ao indicado valor nominal, uma de quinhentos euros a MS por preço igual ao indicado valor nominal, uma de quinhentos euros a JL, por preço igual ao indicado valor nominal, uma de quinhentos euros a FM, por preço igual ao indicado valor nominal e uma de quinhentos euros a GG por preço igual ao indicado valor nominal. 15. Na escritura referida em 12) foi deliberado “modificar o contrato social alterando-se os números 1 e 2 do artigo 1º (firma e sede), o artigo 3º (capital), os números 1 e 2 do artigo 5º (gerência e forma de obrigar) e aditando-se um nº 2 ao artigo 6º e o artigo 7º que passa 8º pacto) na íntegra a ter a seguinte redacção (…) Artigo 5º (…) 2- Para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos é necessário apenas a assinatura dum gerente. 3- Nos poderes de gerência estão incluídos os de comprar, vender, permutar e alugar veículos automóveis e quaisquer outros bens móveis, celebrar contratos de locação financeira ou de leasing para a sua aquisição, tomar de trespasse ou de arrendamento quaisquer locais, bem como alterar ou rescindir os respectivos contratos. 16. Na sequência do acordado entre os Autores e José e mulher MS e da assinatura do documento indicado em 4) o referido José apareceu novamente em casa dos Autores apresentando-lhes os documentos referidos em 5) e 7). 17. O documento referido em 7) foi assinado na sequência do acordo plasmado no documento indicado em 4) e da assinatura do documento indicado em 5). 18. No dia 17 de Janeiro de 2014 foi outorgada escritura pública de compra e venda tendo os primeiros outorgantes MM e marido AM declarado vender pelo preço de €80.000,00 a fracção designada pela letra “L”, correspondente a armazém industrial, à sociedade Empresa A Lda, representada por José na qualidade de gerente, que declarou aceitar a compra para a sociedade sua representada, conforme consta do documento de fls. 287 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Factos não provados
Com interesse para a decisão a proferir não ficou provado: 1. Que os Autores pagaram à Ré a quantia de €51.350,00 respeitante ao preço de compra do prédio referido em 3) dos factos provados.
Analisemos, então, as questões suscitadas no recurso.
Em primeiro lugar, deve dizer-se – e já tínhamos alertado para isso no primeiro acórdão proferido nestes autos – que a sentença recorrida, salvo o devido respeito, constrói uma ficção, quando estrutura a decisão nas normas atinentes à liquidação de sociedades, pois o que está aqui em causa não é a liquidação da sociedade que era constituída apenas pelo autor e seu irmão, mas sim a cessão de quotas do autor (ao irmão e mulher e filhos deste, após divisão da sua própria quota em cinco), mediante uma contrapartida. É certo que a contrapartida iria ser paga com património da sociedade – que se dividia pelos dois sócios - e não com património dos cessionários. Tal confusão entre sociedade e sócios deve-se ao facto de, ao tempo em que tais negócios foram realizados, a sociedade só ter como sócios os dois irmãos que resolveram seguir cada um o seu caminho, tendo acordado que o autor saía da sociedade, cedendo a sua quota, e que, em contrapartida recebia as máquinas e o terreno objetos dos contratos promessa aqui em discussão. Os referidos contratos promessa foram, assim, o modo de ultrapassar a dificuldade supra referida de a contrapartida para a saída do autor ser paga com património da sociedade.
Não pode, portanto, falar-se de dissolução e liquidação da sociedade, nos termos dos artigos 141.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, tendo em conta que a sociedade prosseguiu a sua atividade, após a saída do autor.
Vejamos a sequência dos factos:
A sociedade ré era constituída apenas pelo autor e seu irmão;
O autor pretendia sair da sociedade, ficando esta para o irmão e recebendo o autor o valor correspondente à sua parte na sociedade;
O irmão do autor propôs ao autor ficar com várias máquinas, móveis, equipamentos, uma carrinha e o pavilhão (armazém) onde a sociedade laborava, ficando o autor com outras máquinas e um terreno de que a sociedade era proprietária;
Este acordo foi reduzido a escrito pelo irmão do autor e assinado, em 30/11/2012, pelo autor e sua mulher e pelo irmão do autor e sua mulher;
Em 02/01/2013 foram assinados, pelo autor e seu irmão, este enquanto sócio gerente e representante da sociedade ré, os contratos promessa que davam corpo ao acordo celebrado em 30/11/2012;
Em 10/12/2012, o autor dividiu a sua quota em 5 novas quotas, cada uma no valor de € 500,00, que cedeu ao irmão, à mulher deste e a cada um dos seus três filhos, tendo sido alterado o contrato social, passando a ficar estabelecido que, para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos é necessário apenas a assinatura de um gerente e que, nos poderes de gerência estão incluídos os de comprar, vender, permutar e alugar veículos automóveis e quaisquer outros bens móveis;
Quando o autor pretendeu celebrar a escritura pública concretizadora do contrato promessa relativo ao imóvel, o seu irmão recusou-se a outorgar com o argumento de que a sociedade promitente vendedora não conseguiu colher da respetiva Assembleia Geral consentimento/autorização para a prometida alienação;
Entretanto, o autor e sua mulher cederam ao irmão e sua mulher a posição de promitentes-compradores do armazém que haviam prometido comprar juntamente com estes, na proporção de 50% para cada casal, tendo, posteriormente, sido celebrada escritura em que a sociedade assumiu a posição de compradora da totalidade do armazém.
Estes são os factos e deles decorre, salvo o devido respeito pela opinião contrária sufragada em 1.ª instância, um claro abuso de direito por parte da ré, representada pelo seu sócio gerente, irmão do autor, ao decidir não outorgar a escritura pública de compra e venda do terreno que havia prometido vender ao autor.
Repare-se que o autor cumpriu a sua parte no negócio: dividiu e cedeu a quota ao irmão, cunhada e sobrinhos, saindo, assim, da sociedade e passando para o irmão e mulher a posição que detinha com a sua mulher no contrato-promessa de aquisição do armazém onde laborava a sociedade, permitindo que esta adquirisse o mesmo. Igualmente, retirou as máquinas que lhe couberam, deixando ficar as que, de acordo com a divisão pré-estabelecida, cabiam ao irmão, bem como os demais equipamentos e viatura.
Ou seja, o acordo firmado entre os irmãos, em novembro de 2012, foi integralmente cumprido, com exceção da formalização da venda do terreno, sendo certo que ficou provado que o contrato promessa de compra e venda do mesmo foi assinado na sequência daquele acordo e da assinatura do contrato promessa relativo às máquinas (este integralmente cumprido).
Não pode daqui concluir-se, como se fez na sentença, que o contrato promessa é inválido porque traduz um negócio de partilha dos bens societários que não poderia ser realizada por essa forma.
Este contrato promessa era apenas uma peça de um negócio maior, que envolveu, como dissemos, a saída do autor da sociedade ré, através de contrapartidas recíprocas (para o autor e para o outro sócio da sociedade, irmão daquele).
O negócio foi acordado e transposto para documento escrito assinado por ambos os sócios da sociedade e suas mulheres, numa altura em que a sociedade era apenas constituída por estes dois sócios e, como ficou provado, os contratos promessa foram assinados na sequência desse acordo, de modo a enquadrá-lo juridicamente.
Vir agora a sociedade – que, após a cessão de quota do autor, passou a ser constituída, também, pela cunhada e sobrinhos deste – dizer que não pode celebrar a escritura de compra e venda do terreno, porque o seu sócio gerente assinou o contrato promessa sem estar autorizado ou ter obtido consentimento para a prometida alienação, faz incorrer esta num claro abuso de direito.
Deve, aliás, dizer-se que esta invocação de falta de poderes esbarra, hoje, numa “forte corrente doutrinal e jurisprudencial no sentido de atribuir primazia aos interesses de terceiros de boa-fé, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras de representatividade constantes do pacto social. Aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital social sobrepõem-se os de terceiros que com a sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade apenas por um dos gerentes, ainda que sem a intervenção conjunta dos demais” - Acórdão do STJ de 23/09/2008 (Conselheiro Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.
Isto mesmo decorre da melhor interpretação do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais, pois daí decorre que os negócios celebrados pelos gerentes vinculam a sociedade mesmo que não pertençam ao objeto social, salvo se se provar que os terceiros conheciam ou deviam conhecer esse facto, sendo que a publicidade legal do contrato de sociedade não basta para constituir essa prova (no nosso caso o contrato de sociedade só foi alterado neste sentido depois da saída do autor, pelo que não há qualquer indício de que ele conheceria tal alteração).
Como refere Raúl Ventura, “Sociedade por Quotas”, vol. III, Almedina, pág. 173: “Uma vez que os gerentes se apresentem perante terceiros como representantes da sociedade – que materialmente será a parte no negócio – evita-se, pela ilimitação dos poderes representativos, que aqueles fiquem sujeitos a restrições da representação, criadas pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro”.
Decorre do que acabamos de dizer que a sociedade não podia recusar-se a outorgar a escritura pública relativa ao contrato promessa subscrito pelo seu sócio gerente em representação da sociedade, com base no argumento de que o contrato social não incluía nos poderes de gerência os de vender bens imóveis e que os sócios, reunidos em Assembleia Geral, não deram a sua autorização/consentimento para tal acto.
Ainda que assim não fosse, estaria a sociedade a incorrer em claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, face aos contornos do negócio já supra esclarecidos.
Segundo o artigo 334º do C. Civil, «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito, não se exige, por parte do titular do direito, a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que, objectivamente, esses limites tenham sido excedidos de forma manifesta e grave – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2010, in www.dgsi.pt/jtrg.
O abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” consiste, na lição Prof. António Meneses Cordeiro, em Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, Livraria Almedina, pág. 239 a 346, no exercício duma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente ostensivamente violador da boa-fé ou da tutela da confiança da contraparte.
Ou seja, não está justificada a atuação da sociedade ré, ao recusar-se a outorgar na escritura pública de venda ao autor do terreno prometido vender pelo seu sócio gerente em sua representação, e na sequência dos acordos que conduziram à saída do autor da sociedade mediante contrapartidas que incluíam a transmissão deste terreno, quando, por parte do autor, estava já cumprida a sua contrapartida no negócio.
Aqui chegados, cabe averiguar das consequências de tal incumprimento por parte da ré sociedade.
O autor peticionou, a título principal, a execução específica do contrato e, a título subsidiário, a condenação da ré no pagamento da quantia de € 102.700,00, a título de sinal em dobro.
Contudo, conforme o próprio autor alega – artigos 39.º e 61.º da petição inicial – a ré incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e venda celebrado a 02/01/2013. Em face da mora da ré em outorgar a escritura pública de compra e venda, o autor remeteu-lhe carta registada, designando dia, hora e local para a realização da escritura, com a cominação de que, caso não comparecesse, consideraria para todos os efeitos legais, não cumprido o contrato promessa. Trata-se de interpelação admonitória destinada a converter a mora em incumprimento definitivo, nos termos do disposto no artigo 808.º, n.º 1, 2.ª parte do Código Civil (“A interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida” – Ac. do STJ de 05/05/2005, in www.dgsi.pt)
Ora, um dos pressupostos da execução específica é, precisamente, a mora.
A execução específica é o cumprimento forçado do contrato, na produção dos efeitos tidos em vista pelas partes, em que, mediante requerimento de um dos contraentes, o tribunal se substitui ao faltoso na manifestação de vontade por ele não tempestivamente emitida, ou seja, supre a sua omissão na obrigação de contratar.
Pressupõe, pois, uma situação de mora ou retardamento de cumprimento pelo obrigado a contratar, sendo que perante um incumprimento definitivo nada mais resta que extrair as consequências da destruição do contrato, nomeadamente da resolução e seus efeitos indemnizatórios – cfr. Acórdão do STJ de 17/05/2011, processo n.º 2766/03.7TBPTM.E1.S1 Conselheiro Alves Velho, in www.dgsi.pt.
Assim, perante o incumprimento da promessa, arredada a possibilidade de execução específica, sobra para o promitente-comprador o regime da responsabilidade contratual cujo regime é o do art. 442º, n.ºs 1, 2 e 4 do C. Civil.
E aqui, uma vez mais, divergimos da solução encontrada em 1.ª instância.
Se é certo que no momento da celebração do contrato promessa não houve qualquer pagamento por parte do autor à sociedade ré, a verdade é que o valor que aí ficou a constar como preço do terreno era parte da contrapartida acordada entre o autor e seu irmão para a saída daquele da sociedade ré. Daí que a sociedade tenha dado quitação do mesmo, uma vez que, nessa data, o autor havia já cedido a sua quota por aquele preço, não tendo ainda recebido a contrapartida fixada por acordo (não é plausível dizer-se, como na sentença, que o preço era o valor nominal da quota de € 2.500,00, não só porque tal não corresponde à realidade das sociedades por quotas, como porque, no caso concreto, foram as partes a estipular, por acordo, os valores em causa).
Assim, considerando-se que o valor estava já pago à data em que foi celebrado o contrato promessa e que a promitente vendedora deu quitação do mesmo, não pode deixar de se considerar que aquele valor de € 51.350,00 tem caráter de sinal – cfr. artigo 441.º do Código Civil.
Ora, se tiver havido sinal e se o promitente-vendedor entrar em incumprimento, o promitente-comprador tem direito à restituição do sinal em dobro; (nº 2 do artigo 442º do Código Civil).
No fundo, a lei, reconhecendo ao sinal uma função de compensação da parte a quem o incumprimento não é imputável, fixa antecipadamente o correspondente montante (e o risco que o faltoso corre se decidir não cumprir) – cfr. Acórdão do STJ de 31/01/2012, processo n.º 1358/08.9TBILH.C1.S1 (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
E é esse o montante a que os autores têm direito em face do incumprimento da ré.
Pelo que, verificados os seus pressupostos, terá que proceder o pedido subsidiário formulado pelos autores, sendo a ré condenada a pagar-lhes a quantia de € 102.700,00, a título de sinal em dobro.
Com o que procede a apelação.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré a pagar aos autores a quantia de € 102.700,00, a título de sinal em dobro.
Custas por apelantes e apelada, na proporção de 1/4 para aqueles e 3/4 para esta.
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Guimarães, 18 de dezembro de 2017
Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro