CITAÇÃO QUASE PESSOAL
TERCEIRO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Sumário

1.–O procedimento previsto no art. 228.º do CPC alusivo à receção da citação por um “terceiro” que se encontra na morada/local de trabalho do citando, regulado com pormenor pelo legislador, tem em vista acautelar a fidedignidade do ato da citação, protegendo a posição do citando – atenta a especial relevância desse ato no âmbito do direito à defesa que assiste ao demandado –, mas não deixando de atender às circunstâncias pessoais do terceiro que, encontrando-se no local da citação, pode não reunir as condições para transmitir a mesma ao destinatário; estabeleceu-se, ainda, uma presunção que a carta foi entregue oportunamente ao destinatário, presunção ilidível, competindo ao destinatário o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes ao afastamento da presunção, como decorre do disposto nos arts. 225.º, nº4 e 230.º, nº1 parte final do CPC, ou seja, que o não conhecimento da citação se ficou a dever a facto que não lhe é imputável.

2.–Resulta do texto da lei (art. 228.º nº1 do CPC) que a citação realizada na pessoa de terceiro pressupõe que estejamos perante local que corresponda à residência/local de trabalho do citando e a presunção de entrega só opera verificado esse condicionalismo de facto.

3.–Quando se constata, a posteriori, que essa citação (quase-pessoal) foi realizada numa morada em que o citando já deixou de residir, mas que (i) corresponde (ainda) ao domicílio constante das bases de dados de diversos serviços do Estado, maxime os serviços de identificação civil e da Autoridade Tributária, indicados no art. 236.º do CPC e (ii) aí continua a residir um familiar seu, mais precisamente, a mãe da citanda, terceiro que recebeu a citação, há que dar aplicação ao disposto no art. 197.º do CPC que impossibilita a arguição da nulidade pela parte “que lhe deu causa” (nº 2) e que é uma manifestação no domínio das invalidades processuais, do princípio geral da proibição de atuação com abuso de direito (art. 334.º do Cód. Civil), na vertente da proibição de venire contra factum proprium, que ocorre quando o exercício do agente contraria uma conduta antes proclamada pelo mesmo.

4.–No nosso sistema legal impende sobre os cidadãos, pessoas singulares, um conjunto de obrigações de natureza declarativa, nomeadamente a obrigação de fornecer ao Estado informação quanto ao local onde residem no território português, obrigação que abarca as alterações que, posteriormente, venham a ocorrer; assim, no âmbito da identificação civil, cfr. a Lei n.º 7/2007, de 05-02, (arts. 3.º, nº1 e 2 e 13.º) e, no âmbito fiscal, a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Dec. Lei n.º 398/98, de 17-12 (art. 19.º) e a Lei n.º 15/2001, de 05-06 (Regime Geral das Infrações Tributárias) (art. 17.º, nº4).

5.–O legislador processual civil não estabeleceu qualquer presunção de que o demandando reside efetivamente no local que indicou, como também não estabeleceu qualquer cominação processual de natureza preclusiva quanto ao direito de apresentar a contestação associada ao eventual desfasamento entre o local efetivo da residência do demandado e o local por si declarado ao Estado (serviços de identificação civil/autoridade tributária, etc.).

6.–Mas o legislador não foi indiferente ao comportamento ou atuação do citando, prevendo expressamente, por via do referido art. 197.º, que está vedada a arguição da nulidade quando de alguma forma a parte contribuiu para a sua ocorrência; se na origem do vício que inquina o ato, está uma atuação ou comportamento do citando, este não pode, depois, por via da arguição da irregularidade, beneficiar com a situação.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
I.–RELATÓRIO



Ação
Insolvência pessoa singular;
Recurso de revisão da sentença que declarou a insolvência.

Insolvente/recorrente/apelante
HP.

Requerimento
Em 06-12- 2021, a insolvente deduziu incidente de “NULIDADE DA CITAÇÃO E FALTA DE CITAÇÃO”, peticionando a anulação de todo “o processado posterior à petição inicial, nos termos do disposto no artigo 187º CPC”, “[d]evendo a Embargada ser novamente citada, requerendo que o seja na pessoa e domicílio profissional do seu mandatário, ora subscritor, para que possa, em prazo, responder ao pedido da O SA”   [ [1] ] [ [2] ].

Alega, para fundamentar a sua pretensão, como segue:
1.º– No último dia 24 de Novembro de 2021, foi a Requerida confrontada com o bloqueio da sua conta bancária nº 2.......0, aberta junto do B SA (vide Doc.4).
2.º– Após contacto com o banco, e através de diligências do seu mandatário, apurou que o bloqueio havido sido originado no âmbito do presente processo.
3.º– Tendo o seu mandatário juntado procuração forense no dia 25 de Novembro de 2021 – referência CITIUS 4437706, 
4.º–E após ter tido acesso ao processo no CITIUS, já no dia 26 de Novembro, apurou o seguinte.
5.º–Com data de 8 de Setembro de 2021, foi apresentada pela O SA requerimento de insolvência contra a ora Requerida – ref CITIUS 4316270.
6.º–A citação subsequente foi enviada em 13 de Setembro de 2021 por carta registada com aviso de recepção com registo CTT RG7.......6PT para Estrada (…), Edifício (…), N.º 241 A, 3, (…), morada indicada pela Requerente O – ref. CITIUS 50483238.
7.º–Tal carta de citação foi devolvida em 29 de Setembro de 2021 – ref. CITIUS 4348227 – com indicação de Endereço insuficiente.
8.º–Tal resultado não espanta, já que a morada da Requerida constante dos Documentos 7 e 9 do requerimento inicial é Estrada (…) nº 241-A, Edifício (…), 3ºA, (…).
9.º–Certamente por lapso, o Requerente indicou erroneamente a morada constante dos contratos que suportam as livranças que invoca.
10.º–A carta de citação seria sempre devolvida, facto que não foi notado por Vexa. e pela secretaria,
11.º–E que não pode ser imputado à Requerida.
12.º–Em face da devolução da citação, foi determinado por Vexa., por despacho de 4 de Outubro de 2021, a busca em base de dados.
13.º–Tendo a bases de dados da AT e da segurança Social devolvido a morada Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…).
14.º–A nova citação foi enviada em 7 de Outubro de 2014, com o Registo CTT RG719153815PT, tendo sido recebida em 14 de Outubro de 2021, por ML – referência CITIUS 4390155.
15.º–Em 28 de Outubro de 2021, com o Registo CTT RG1.......7PT, foi enviada notificação nos termos do artigo 233º CPC para a Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…)– referência CITIUS 50740851.
16.º–De acordo com os CTT, tal notificação foi depositada no receptáculo postal em 2 de Novembro de 2021 – Doc. 1.
17.º–Por sentença de 12 de Novembro de 2021, com a referência CITIUS 50805967, veio Vexa. considerar confessados os factos alegados pela Requerente, declarando, de preceito, a insolvência da ora Requerida.
18.º–Em 12 de Novembro de 2021, com o Registo CTT RG7.......7PT, foi enviada notificação com a sentença para a Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…)– referência CITIUS 50827017.
19.º–A qual foi depositada no receptáculo postal em 17 de Novembro de 2021 – Doc. 2.
20.º–Em 26 de Novembro de 2021 foi afixado edital na Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…)– referência CITIUS 50907711.
21.º–Conforme alegado, em 24 de Novembro de 2021, teve a Requerida conhecimento da existência do presente processo, tendo apenas em 26 de Novembro de 2021 tido conhecimento da sentença de insolvência, através da consulta do processo.
22.º–Nem a citação, nem as duas notificações subsequentes, acima indicadas, chegaram à posse e conhecimento da Requerida.
23.º–Não obstante a Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…) corresponder ao domicílio fiscal da Requerida, a mesma não corresponde à sua residência.
24.º–A Requerida encontra-se, desde, pelo menos, o início de 2020, no continente, a residir na Rua (…) Lisboa.
25.º–Para acompanhamento do marido – Doc. 3 – e filhas.
26.º–Tal resulta, desde logo, da morada constante da ficha bancária respeitante à conta bancária bloqueada – Doc. 4.
27.º–O qual aliás documenta transacções bancárias centradas no continente, nomeadamente no concelho de Évora, onde trabalha o seu marido.
28.º–Conforme resulta do Doc. 5, a Requerida deslocou-se ao (…) em 9 de Julho de 2021, tendo regressado a Lisboa em 12 de Julho de 2021.
29.º–Entre 11 e 26 de Setembro de 2021 deslocou-se a Requerida ao Brasil, tendo regressado a Lisboa – Doc. 6.
30.º–Desde 26 de Setembro de 2021, encontra-se a Requerida no continente, como documenta o extracto bancário junto como Doc. 4.
31.º–Por essa razão, não recebeu a Requerida nem a citação nem as notificações subsequentes, as quais, tendo sido recebidas por terceiros, não lhe foram entregues.
32.º–Vivendo no continente e não se deslocando à (…) desde Julho de 2021, não poderia a Requerida ter acesso à citação e notificações.

a.- Da nulidade da citação
33.º–Do exposto resulta desde logo evidente o incumprimento do disposto no artigo 233º, já que a notificação a que alude este artigo apenas foi expedida em 28 de Outubro de 2021,
34.º– quando já se encontrava esgotado o prazo de 10 dias para a oposição ao pedido de insolvência, prazo esse que se contaria desde o dia 14 de Outubro de 2021.
35.º–Mesmo adicionando a dilação de 5 dias, verifica-se que a notificação prevista no artigo 233º foi depositada em receptáculo postal em 2 de Novembro de 2021, data posterior ao termo do prazo da oposição acrescido da dilação – 29 de Outubro de 2021.
36.º–A ratio da norma constante do artigo 233º CPC fica assim totalmente comprometida por este envio para além dos dois dias úteis nela referidos.
37.º–Por natureza, a falta de envio atempado da notificação a que se refere o artigo 233º CPC prejudica a defesa do citando, porquanto não lhe permite conhecer os seus direitos processuais, nomeadamente o prazo de oposição.
38.º–A arguição desta nulidade só pode ser agora apresentada, e em prazo, porquanto, conforme abaixo alegado, a Requerida só teve conhecimento da citação e notificações subsequentes quando teve acesso ao processo, no último dia 26 de Novembro de 2021. 
39.º–Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 191º CPC, estamos confrontados com uma nulidade da citação, a qual expressamente se invoca.

b.- Da falta de citação
40.º–De todo o modo, a Requerida não teve conhecimento nem da citação, nem da notificação a que alude o artigo 233º CPC, a qual, conforme alegado, não teria qualquer efeito útil.
41.º–De acordo com os que se expôs supra, verifica-se falta de citação, nos termos e para os efeitos dos artigos 187º al. a) e 188º nº 1 al. e) CPC.
42.º–Conforme provado documentalmente, a citação foi recebida por terceiros, tendo as duas notificações subsequentes sido depositadas no receptáculo postal, desconhecendo-se o seu encaminhamento.
43.º–A Requerida, por força de residir no continente, onde de encontra fisicamente, desde Julho de 2021, com uma deslocação ao Brasil, não recebeu a citação e as notificações posteriores.
44.º–Ademais, a frustração da recepção da citação para a morada constante dos contratos invocados é imputável à Requerente, o qual a comunicou erroneamente ao Tribunal.
45.º–Sendo os actos subsequentes, nomeadamente a citação no domicílio fiscal da Requerida, causados pelo erro do Requerente.
46.º–Nos termos do nº 4 do artigo 225º e do nº 1 do 231º CPC, e ainda da al. e) do nº 1 do artigo 188º, todos do CPC, é ilidível a presunção de oportuno conhecimento do citando quando a citação seja recebida por terceiros.
47.º–Acresce que tal presunção apenas opera quando se trate de residência ou local de trabalho do citando, o que não é o caso, conforme se demonstrou, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 Jan. 2020, Processo 399/19, Relator: António Manuel Mendes Coelho.
48.º–Assim, não é a presunção prevista no nº 4 do artigo 225º e nº 1 do 231º CPC aplicável à citação enviada.
49.º–Sem conceder, em face da prova documental carreada e ainda da prova testemunhal abaixo arrolada, encontra-se ilidida tal presunção, pelo que não pode a citação entregue produzir qualquer efeito”.
Arrola prova documental e requer a inquirição de uma testemunha, GC.

Resposta
O, S.A. apresentou resposta alegando, em suma, que a insolvente juntou ao processo, a 26-11- 2021, procuração forense, vindo apenas a invocar a falta e nulidade da citação em momento posterior.
Nesta sequência, considera que com a junção da procuração forense aos autos devem ser consideradas sanadas as nulidades invocadas.
No mais, considera que deverá improceder o invocado pela insolvente.

Decisão recorrida
Na sequência do acórdão proferido por esta Relação em 07-06-2022 [[3]], o tribunal de primeira instância determinou, por despacho de 11-07-2022 a convolação do incidente após o que, proferindo despacho liminar de admissão do recurso extraordinário de revisão, em 14-07-2022, realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida decisão, em 18-10-2022, com o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, julgo o presente recurso extraordinário de revisão totalmente improcedente.
*
Custas pela recorrente, nos termos do art. 527.º do Código de Processo Civil.
*
Registe e Notifique”.

Recurso
Não se conformando, a insolvente apelou, formulando as seguintes conclusões:
A.De acordo com a alegação da Recorrente e ainda considerando as soluções de Direito aplicáveis, impunha-se ao Tribunal uma selecção mais extensa dos factos.
B.Tais factos, ausentes da decisão sobre a matéria de facto, encontram-se ademais provados pela prova testemunhal e documental produzidas.
C.De acordo com alegação da Recorrente e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que convolou o convolação do incidente de nulidade suscitado pela apelante, em recurso extraordinário de revisão, importa determinar se nos encontramos perante uma situação de falta ou nulidade de citação, a qual permitiria, nos termos do disposto no artigo 696º al. e) CPC, a revisão da sentença de insolvência.
D.Em face do disposto no artigo 696º al. e), 188º, e 191º, articulados ainda com os artigos 2228º, 230º e 236º, todos do CPC, e da alegação da Recorrente, vazada no incidente de nulidade da citação e falta de citação e no recurso que o sucedeu, impunha-se que o Tribunal recorrido tivesse seleccionado os factos que importa subsumir aos artigos referidos e ainda que os viesse julgar como provados, de acordo com a prova produzida.

E.–Assim, deveria ter sido seleccionado e julgado provado que:
19 A Recorrente não recebeu a citação referida no nº 6 dos factos provados; nem a notificação de advertência referida no nº 8;
20–A Recorrente encontrava-se no continente, no período entre 14 de Outubro e 12 de Novembro de 2021;
21–Nem a citação referida no nº 6, nem a notificação de advertência referida nº 8 foram entregues por quem as recebeu;
22–A Sra. ML não foi advertida do dever de pronta entrega ao citando;
23–A Sra. ML não declarou encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

F.Os factos provados cujo aditamento se propõe como nº 22 e 23 são factos negativos, não cabendo ónus de prova da Recorrente.
G.Caberia a quem aproveita o facto, in casu ao requerente da insolvência, e ora Recorrido, provar que as formalidades exigidas no artigo 228º CPC foram cumpridas, porquanto apenas perante tal cumprimento se poderá afirmar a regularidade da citação pessoal por via postal na pessoa de terceiro.
H.Por outra banda, os factos provados que se pretende aditar sob os nº 19, 20, e 21 deveriam ter sido aditados e considerados provados com base na prova testemunhal.
I.Tendo sido invocada a falta de citação nos termos do disposto na al. e) do nº 1 do artigo 188º CPC exigir-se-ia constar da matéria de facto seleccionada (porque foi evidentemente invocada) o facto referente ao conhecimento do acto e ainda as razões da falta de conhecimento.
J.De acordo com a testemunha GC, cujo depoimento se encontra gravado entre o minuto 09:36:54 e o minuto 09:50:42, da audiência judicial realizada em 06-10-2022, a Recorrente efectivamente não recebeu a citação, nem a notificação de advertência, por tais citação e notificação não lhe terem sido entregues por quem as recebeu – Sra. ML.
K.Mais acrescentou que a Recorrente se encontrava, no período relevante, no continente, sendo certo que a citação e a notificação foram recebidas na (…).
L.Assim, aos 4’35’’ a testemunha esclarece que a Recorrente não recebeu da Sra. ML a citação e a notificação de advertência, explicando posteriormente, aos 9’15’’, que apenas teve conhecimento do processo de insolvência quando o seu mandatário a ele acedeu após o bloqueio de uma conta bancária.
M.Instando a explicar porque não recebeu a recorrente a citação e a notificação, explicou, aos 6’50’’, a testemunha que a Sra. ML, por falta de conhecimento, e por não ter sido advertida, não conhecia a sua obrigação de avisar a destinatária da citação e notificação, a ora Recorrente.
N.Ainda nesse trecho, a testemunha esclarece que a Sra. ML não avisou da recepção de correspondência, pelo que a Recorrente desconhecia a recepção da citação e notificação.
O.Em face do depoimento da testemunha, que foi considerado pelo Tribunal recorrido como credível, impõe que os referidos pontos 19 a 21 sejam julgados provados.
P.A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, tendo interpretado e aplicado erroneamente o disposto nos artigos 696º al. e), 188º nº 1 al. e), 191º, 228º nº 1 e nº2, 230º e 236º, todos do CPC.
Q.Por um lado, entende o Tribunal recorrido que é imputável à Recorrente a falta de conhecimento da citação, incorrendo em erro de julgamento a respeito dos artigos 696º al.e) e 188º nº 1 al. e).
R.Por outro, o Tribunal recorrido olvida a necessária análise da regularidade da citação na pessoa de terceiro, incorrendo em erro de julgamento a respeito dos artigos 191º, 228º nº 1 e nº 2, 230º e 236º CPC.
S.Em face dos factos provados documentalmente e do direito aplicável, deve-se concluir que a Recorrente não tem qualquer responsabilidade na falta de conhecimento da situação.
T.E por duas ordens de razão.
U.Em primeiro lugar, o Tribunal recorrido não retira quaisquer consequências da circunstância de a citação enviada para a morada indicada pelo requerente da insolvência, ora Recorrida, não ter sido recebida porque a secretaria do Juízo de Comércio da (…) ter escrito erroneamente a morada.
V.O que justificou que tal citação foi devolvida por «endereço insuficiente».
W.O Tribunal desconsidera tal circunstância, ao não a referir, dando a entender que a Recorrente se encontrava na situação prevista no artigo 236º CPC.
X.Ora tal sugestão não corresponde à verdade. A frustração da citação enviada para a morada indicada pelo Recorrido decorreu de erro de escrita pela secretaria, nunca tendo a citação chegado à morada indicada pelo recorrido.
Y.Destarte, não tinha cabimento a aplicação do artigo 236º CPC, porquanto nunca foi atestado que a Recorrente se encontrava ausente em parte incerta.
Z.Decorre de erro da secretaria – e não da Recorrente ou do Recorrido – a necessidade de ter sido oficiosamente enviada a citação para o domicílio fiscal da Recorrente.
AA.Refira-se que a cláusula 15 do contrato de 29 de Abril de 2002, que é documento n.º 5 do requerimento inicial, estipula que qualquer citação deveria ser endereça à morada constante do contrato, estipulação que o recorrido cumpriu mas que a secretaria executou deficientemente.
BB.Em segundo lugar, também não se pode imputar à Recorrente a circunstância de não ter conhecimento da citação por não ter alterado a sua morada junto dos serviços de identificação civil.
CC.A lei processual civil (ao contrário do que sucede, por exemplo, no processo tributário) não estabelece uma coincidência entre a residência, a que se reporta o nº 1 do artigo 228º CPC, e a morada constante de bases de dados públicas, mormente a dos serviços de identificação civil.
DD.Embora já tenha sido ponderado um regime de residência vinculada ou presumida, a verdade é que não se encontra consagrada na lei processual civil, a qual, numa aproximação a esse conceito apenas admite, e dentro de um quadro limitado, o domicílio convencionado (o qual, na realidade, resulta de um dos dois contratos apresentados .
EE.Salvo melhor opinião, o Tribunal recorrido e o acórdão que invoca incorrem numa petição de princípio, ao assumir que a morada constante de bases de dados públicas vincula de alguma forma o citando para efeitos do artigo 228º nº 1 CPC.
FF.Esta norma não o prevê (e mesmo o artigo 236º nº 1 CPC) e a Constituição da República Portuguesa, por corresponder a uma contracção inadmissível do direito Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, não consente uma eventual interpretação extensiva da norma.
GG.Assim, o tribunal recorrido interpreta erroneamente os artigos 228º nº 1, ao identificar a residência com a morada constante de bases de dados públicas, e o artigo 236º, não só porque foi accionado erroneamente, como também porque tal artigo não prevê tal identificação.
HH.Pelas razões aduzidas, e em face da prova produzida, também não se poderá considerar a Recorrente citada nos termos previstos no artigo 230º, porquanto ilidiu a presunção de entrega.
II.Encontra-se provado no processo, que a citação – e a notificação subsequentes foram recebidas mas que não foram entregues ao citando.
JJ.Assim sendo, não houve qualquer dificuldade quanto à recepção da citação, mas sim quanto à sua posterior entrega ao citando pela pessoa que recebeu a citação.
KK.E é neste trecho da realidade que deve incidir a averiguação sobre a responsabilidade da citanda, ora Recorrente, e não sobre a eventual obrigação de actualizar as bases de dados públicas.
LL.Nesta matéria, o depoimento da testemunha, supra identificado, foi totalmente esclarecedor: não resultou de acção ou omissão da Recorrente a falta de entrega oportuna da citação mas sim da omissão de quem recebeu a citação.
MM.Atribuindo a testemunha tal omissão à falta de conhecimento e de advertência sobre a obrigação de entrega imediata.
NN.Tal constatação articula-se com outros factos cujo aditamento e prova se reclamou supra e que respeitam à inexistência de qualquer advertência ao terceiro que recebeu a citação (nos termos do nº 1 do artigo 228º CPC) e à subsequente inexistência da declaração prevista no nº 2 do artigo 228º.
OO.Também aqui se constata um erro de interpretação e aplicação do artigo 228º CPC, porquanto a sentença recorrida olvidou que a regularidade da citação e os efeitos previsto no artigo 230º CPC dependem do cumprimento das formalidades previstas nas partes finais do referidos nº 1 e nº 2.
PP.Concluindo, não só não é imputável à Recorrente a falta de entrega oportuna da citação e notificação como é também evidente que a pessoa que recebeu a citação não se encontrava em condições de entender a relevância e urgência da sua obrigação de entrega.
QQ.O que é, pelos reduzidos prazos aplicáveis, de sobremaneira pertinente em sede processo de insolvência.
RR.Não só estamos perante falta de citação, nos termos e para os efeitos da alínea e) nº 1 do artigo 188º, como é patente a nulidade da citação recebida por terceiro, por incumprimento de formalidades essenciais e que, de forma necessária, impediram a sua oportuna entrega ao citando, prejudicando (rectius, impossibilitando) a sua defesa.
PELO EXPOSTO
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido douto acórdão que revogue a decisão objecto deste recurso.
Assim se fará a costumada Justiça”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1-No dia 8 de setembro de 2021, O, S.A. veio requerer a declaração de insolvência da recorrente, indicando como residência desta: Estrada (…), Edifício (…), n.º 241 A, 3-A, (…).
2-Remetida carta de citação com aviso de receção para a recorrente, para a Estrada (…), Edifício (…), n.º 241 A, 3, (…)esta foi devolvida com a menção “endereço insuficiente.”
3-Por despacho de 4 de outubro de 2021, foi ordenada a averiguação pela secretaria nas bases de dados da morada da recorrente.
4-Na base de dados da segurança social, a 6 de outubro de 2021, constava como morada da recorrente: Rua 1 das Casas(…), 5, (…).
5-Na base de dados dos serviços de identificação civil, a 6 de outubro de 2021, constava como morada da recorrente: Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…).
6-Remetida carta de citação com aviso de receção para a recorrente, para a Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…), esta foi entregue, no dia 14 de outubro de 2021, a ML.
7-No dia 27 de outubro de 2021, foi devolvido o aviso de receção assinado por ML.
8-No dia 28 de outubro de 2021 foi remetida para a recorrente notificação de advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa, para a Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…).
9-No dia 2 de novembro de 2021, a notificação referida em 8) foi depositada na morada aí indicada.
10-Por sentença proferida a 12 de novembro de 2021, foi declarada a insolvência da recorrente.
11-No dia 12 de novembro de 2021 foi remetida carta registada de notificação da sentença para a recorrente, para a Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…).
12-No dia 25 de novembro de 2021, a recorrente juntou procuração ao processo [ [4] ].
13-A recorrente é filha de ML.
14-Em data não concretamente apurada, a recorrente foi confrontada com o bloqueio da sua conta bancária n.º, junto do Banco, S.A.
15-Após contacto com o banco, a recorrente apurou que o bloqueio havia sido originado no âmbito do presente processo de insolvência.
16-Desde há pelo menos 30 anos, a recorrente não reside na Rua 1 das Casas (…), Porta 5,(…).
17-A Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…), corresponde à morada dos pais da recorrente.
18-Desde data não concretamente apurada, a recorrente reside na Rua (…) Lisboa.

III–FUNDAMENTOS DE DIREITO

1.–Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem e aplicável aos autos nos termos do art. 17.º, nº1 do CIRE – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3.
No caso, impõe-se apreciar:
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Da verificação do fundamento do recurso de revisão previsto na alínea e) do art. 696.º, mais precisamente, saber se ocorreu a falta de citação nos termos previstos no art. 188.º, nº1. alínea e) e/ou nulidade da citação nos termos previstos no art. 191.º, relevando analisar, atentas as conclusões de recurso:
a)- Da oportunidade das diligências feitas tendo em vista obter informação sobre o paradeiro da citanda (art. 236.º, nº1);
b)- Dos pressupostos para a realização da citação por via postal e das formalidades associadas à receção da comunicação por um terceiro (art. 228.º);  
c)- Das obrigações de natureza declarativa que impendem sobre o citando, relacionadas com a sua identificação, incluindo o elemento alusivo à morada.  
Salienta-se que, no articulado em que deduziu o incidente, a apelante invocou ainda o cumprimento extemporâneo do disposto no art. 233.º assim motivando a invocada nulidade da citação mas, em sede de recurso, a apelante não questionou esse segmento da decisão [ [5] ].

2.–A apelante impugna o julgamento de facto pretendendo que se adite à factualidade que o tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria:
19–A Recorrente não recebeu a citação referida no nº 6 dos factos provados; nem a notificação de advertência referida no nº 8;
20–A Recorrente encontrava-se no continente, no período entre 14 de Outubro e 12 de Novembro de 2021;
21–Nem a citação referida no nº 6, nem a notificação de advertência referida nº 8 foram entregues por quem as recebeu;
22–A Sra. ML não foi advertida do dever de pronta entrega ao citando;
23–A Sra. ML não declarou encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando”.
A apelante deu cumprimento às exigências a que alude o art. 640.º do CPC pelo que nada obsta à apreciação da impugnação.
(…)
Improcede a impugnação.
*

Em suma, improcede a impugnação do julgamento de facto feita pela apelante, pelo que a valoração jurídica a efetuar tem por base a factualidade que a primeira instância deu por provada e que se confirmou.

3.–O fundamento do recurso extraordinário de revisão que importa aquilatar está previsto na alínea e) do art. 696.º, na redação que lhe foi conferida pela Lei 117/2019 de 13-09, aí se estipulando que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
“e)- Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i)- Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii)- O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii)- O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior”.
É inequívoco que o processo de insolvência correu à revelia da requerida insolvente, no sentido, exclusivamente, de que esta só teve intervenção no processo já depois da prolação da sentença que declarou a insolvência, nos moldes peticionados pela credora requerente, sendo que a primeira intervenção se colocou com a junção de procuração forense ao respetivo mandatário, não relevando apreciar nesta sede da relevância e implicações desse ato processual, ao qual se se aludiu no acórdão anteriormente proferido, que determinou a convolação do incidente de nulidade deduzido em recurso extraordinário de revisão.
Não se equacionando, no caso, a hipótese contemplada em (iii), que nunca foi colocada, há que conjugar o referido preceito com o regime previsto nos artigos alusivos à citação do demandado, nomeadamente o art. 188.º, que dispõe sobre “quando se verifica a falta de citação” e o art. 191.º, alusivo à “nulidade da citação”; efetivamente, a previsão contida em ii) já está abarcada pela previsão da falta de citação. Assim, nos termos da alínea e), do número 1 do art. 188.º, há falta de citação “[q]uando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”, o que é equivalente a dizer-se que “[o] réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável”; saliente-se que também não se equaciona no caso, evidentemente, a hipótese prevista na alínea a) do nº 1 do art. 188.º.
A falta de citação consubstancia uma nulidade principal, de conhecimento oficioso e arguível com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado da causa, enquanto não deva considerar-se sanada e dá azo à anulação de todo o processado posterior à petição inicial (arts. 187.º, alínea a), 196.º e 198, nº2); as chamadas nulidades secundárias, a que se reporta o art. 191.º, nº1, só podem ser arguidas pelo interessado e têm o regime consagrado nos números 2 e 3.

4.–Ponderando as conclusões de recurso (cfr. as conclusões U, V, W, X, Y, Z e AA) tem de equacionar-se se o tribunal recorrido procedeu corretamente quando determinou que a secretaria diligenciasse com vista à obtenção de elementos alusivos à residência da apelante (art. 236.º).  
Não se questiona que, numa primeira fase, a secretaria expediu carta registada com A/R para citação da requerida, pessoa singular, para a morada indicada no número 2 dos factos assentes, em conformidade com o disposto no art. 228.º, nº1 (citação via postal), carta que veio devolvida com indicação de insuficiência de endereço, o que motivou a realização das diligências a que alude o art. 236.º, nº1, tendo em vista “obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais”.
Alega a apelante que a secretaria errou na morada para onde expediu a carta de citação, pelo que decorre de erro da secretaria do tribunal de primeira instância “a necessidade de ter sido oficiosamente enviada a citação para o domicílio fiscal da Recorrente”, ou seja, basicamente, a apelante questiona que o caso configure uma hipótese em que se verificasse uma situação de ausência do citando em parte incerta, hipótese que podia motivar a aplicação do referido preceito (art. 236.º), salientando ainda que “a cláusula 15 do contrato de 29 de Abril de 2002, que é documento n.º 5 do requerimento inicial, estipula que qualquer citação deveria ser endereça à morada constante do contrato, estipulação que o recorrido cumpriu mas que a secretaria executou deficientemente” (conclusão AA).

Vejamos.

É verdade que a primeira carta de citação foi expedida para uma morada que não coincidia inteiramente com a indicada pela requerente no cabeçalho da petição inicial, porquanto a carta foi expedida para a seguinte morada:
“Estrada (…), Edifício (…), n.º 241 A, 3, (…)” (sublinhado nosso)
Quando a indicada no cabeçalho da petição inicial era a seguinte:
“Estrada (…), Edifício (…), n.º 241 A, 3-A, (…).
Acrescente-se, ainda, que se bem que fosse esta a morada indicada no cabeçalho da petição inicial, o certo é que no formulário que antecede a petição inicial, com assinatura eletrónica do respetivo subscritor, que é de preenchimento obrigatório pela parte interveniente (Refª 39744714), isto é, a credora que se arroga a titularidade de um crédito sobre a apelante, e não pela secretaria do tribunal, a credora indicou, relativamente à requerida, como segue:
“Morada: Estrada (…), Edifício (…), n.º 241 A, 3”
(…)” (sublinhado nosso)
Sendo que foi exatamente para esta morada que a carta de citação foi dirigida.
O certo é que, para o efeito que ora interessa, isto é, saber se se justificava, ou não, a realização de diligências tendentes a apurar do paradeiro do citando – foi por essa via que se encontrou a localização onde posteriormente se procedeu à citação da requerida, recebida por um terceiro, seu familiar –, há um elemento determinante que nunca a ora apelante indicou, a saber, que, à data em que foram realizadas as tentativas de citação, tinha efetivamente a sua residência ou o seu domicílio na referida morada, isto é, na Estrada (….), Edifício (…), n.º 241 A, 3-A, (…); resultando, aliás, dos autos que assim não acontecia, tendo a recorrente alegado residir em Lisboa – cfr. a alegação vertida nos arts. 23.º e 24.º do articulado incidental – o que se provou, facilmente se antecipando, num juízo de prognose, que a expedição da carta para a morada constante do cabeçalho da petição inicial redundaria, igualmente, em insucesso; acrescente-se que a requerida nunca forneceu qualquer explicitação quanto a tal morada, nem nunca alegou ter qualquer tipo de ligação à mesma, que pudesse contextualizar a exigência de envio de carta para esse local [ [6] ].
O que nos conduz à segunda linha de argumentação exposta pela recorrente nas conclusões e que se prende com a convenção de domicílio (conclusão AA), entendida como uma cláusula inserida num contrato, pela qual os intervenientes estabelecem e fixam o local onde o(s) contraente(s) se considera domiciliado para efeitos de realização de citação/notificações em caso de litígio.
A recorrente convoca “a cláusula 15 do contrato de 29 de Abril de 2002” sem atentar devidamente nesse documento e (já agora) nos demais que a requerente juntou, laborando em evidente erro.
A credora que requereu a insolvência computou o “valor global” do crédito em 2.002.244,40€ (cfr. o art. 36.º da petição inicial), com base, grosso modo, em três contratos, consubstanciados nos documentos que juntou com a petição inicial apresentada em 08-09-2021.

Compulsados esses documentos, temos que:
- O documento nº 5 reporta-se a um contrato (“contrato de empréstimo”, sendo que o capital mutuado foi de 1.047.476,00€) que foi outorgado em 29-04-2002 entre o B-Banco (…)(1º outorgante), como mutuante, a sociedade M Limitada (2ª outorgante, nesse ato representada pelo referido GC e pela recorrente), como mutuária e por GC e pela apelante (terceiros outorgantes), na “qualidade de avalistas”, constando da cláusula Décima Quinta como segue:
“Para dirimir todas as questões emergentes da interpretação ou da execução deste contrato e suas eventuais alterações, fica estipulado o foro da comarca do (…) e que o domicílio dos outorgantes para efeitos da sua citação judicial, por via postal simples, é o constante deste contrato)”.
Ora, no contrato é indicado que os 3ºs outorgantes são “residentes ao Caminho Dr. Barreto, (…)” (cfr. o doc. 5 junto), morada que não tem qualquer ligação com a indicada na petição inicial da insolvência, como a apelante não pode ignorar.
- O documento nº7 reporta-se a um contrato (“contrato de empréstimo”, sendo que o capital mutuado foi de 667.893,20€) que foi outorgado em 29-08-2008 entre o B-Banco (1º outorgante), como mutuante, a sociedade M Limitada (2ª outorgante, nesse ato representada pelo referido GC), como mutuária e por GC e pela apelante (terceiros outorgantes), na qualidade de “garantes”; nesse contrato foi consignado que os 3ªs outorgantes, “casados sob o regime de separação de bens, ambos residentes na Estrada (…)nº 241, Edifício (…), 3.ºA, (…)”.
- O documento nº9 reporta-se a um contrato (“contrato de empréstimo”, sendo que o capital mutuado foi de 100.000,00€) que foi outorgado em 25-06-2010 entre o B-Banco (1º outorgante), como mutuante, a sociedade M Limitada (2ª outorgante, nesse ato representada pelo referido GC), como mutuária e por GC e pela apelante (terceiros outorgantes), na qualidade de “garantes”; nesse contrato foi consignado que os 3ªs outorgantes, “casados sob o regime de separação de bens, ambos residentes na Estrada (…), nº 241, A, Edifício (…), 3.ºA, (…)”.
Não consta desses dois últimos contratos (de 29-08-2008 e de 25-06-2010) qualquer cláusula alusiva ao local de citação/notificação, ou seja, não há convenção de domicílio e, novamente, as moradas destes contratos não coincidem inteiramente uma com a outra.
Em suma, a recorrente faz apelo a uma convenção de domicílio relativamente à qual, mesmo abstraindo-nos da validade da cláusula [ [7] ], se constata que se reporta a uma morada que não foi a indicada na petição inicial de insolvência, com base num contrato outorgado em 2002 e, com referência à morada cuja identificação se aproxima da indicada no processo de insolvência, fixada nos outros dois (últimos) contratos, não existe qualquer convenção de domicílio, sendo certo que em qualquer dos casos, estamos a reportar-nos a acordos realizados há mais de dez anos ponderando a data de instauração do processo de insolvência.
Ao contrário do que a apelante indica nas alegações de recurso, no contexto dos autos, não temos elementos que possam suportar a afirmação de que “o artigo 236.º” foi “accionado erroneamente (cfr. p. 8 das alegações); ao invés, afigura-se-nos que foi correto o despacho proferido em 04- 10-2021, aludido na factualidade dada por assente e cujos pressupostos base em que assentou, a apelante, em bom rigor, só agora questiona [ [8] ].
Assim sendo, porque a morada encontrada nas bases de dados a que a secretaria acedeu, a coberto do referido despacho, foi aquela para onde foi expedida a citação, que foi recebida por um terceiro – cfr. os números 5 a 7 dos factos provados –, conclui-se que a falta de citação só ocorreria se a recorrente alegasse e demonstrasse o condicionalismo previsto no art. 188.º, nº1, alínea e), nos termos do qual há falta de citação “[q]uando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.
Ora, como resulta da factualidade assente e do julgamento – de improcedência – feito por esta Relação quanto à impugnação do julgamento de facto, não está provado que a mãe da requerida, a quem a carta de citação foi entregue, tenha omitido o dever de comunicação desse ato à requerida, dever para o qual foi advertida aquando da entrega da carta, não resultando dos factos provados que a requerida não tenha tido conhecimento da instauração do processo em ordem a apresentar a sua defesa em tempo oportuno.

5.–Particularizemos, então, os termos da citação de pessoa singular por via postal quando o citando não se encontra na residência (ou local de trabalho) para onde foi remetida a carta, ponderando o disposto nos arts. 228.º e 230.º e considerando a alegação vertida nas conclusões de recurso (cfr. as conclusões NN, OO, PP e QQ).
Estamos perante a chamada citação quase- pessoal, que é equiparada à citação pessoal, nos termos do art. 225.º, nº4; do disposto no art. 228.º decorre que a carta só pode ser entregue ao terceiro se este declarar “encontrar-se em condições de a entregar oportunamente ao citando”(nº2), donde, tem o terceiro a possibilidade de escusar-se a receber a comunicação indicando-o ao agente dos serviços postais que procede à entrega, sendo que, no caso, nada disso está provado - ou sequer foi alegado - pela requerida; daí que o distribuidor do serviço postal deva advertir o terceiro, “expressamente, do dever de pronta entrega ao citando”(nº 4); deve ainda o distribuidor do serviço postal proceder à identificação do terceiro a quem a carta seja entregue, “anotando os elementos constantes do cartão de cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação” (nº 3) antes da assinatura do A/R, o que no caso foi feito; não estando reunidas alguma ou algumas das condições, ou recusando o terceiro a receção da carta e/ou a assinatura do A/R, o distribuidor do serviço postal deve lavrar nota do incidente (nº6) e, no caso, não o fez.
O procedimento aludido, regulado com pormenor pelo legislador, tem em vista acautelar a fidedignidade do ato da citação, protegendo a posição do citando – atenta a especial relevância desse ato no âmbito do direito à defesa que assiste ao demandado –, mas não deixando de atender às circunstâncias pessoais do terceiro que, encontrando-se no local da citação, pode não reunir as condições para transmitir a mesma ao destinatário; estabeleceu-se, ainda, uma presunção que a carta foi entregue oportunamente ao destinatário, presunção ilidível, competindo ao destinatário o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes ao afastamento da presunção, como decorre do disposto nos arts. 225.º, nº4 e 230.º, nº1 parte final, ou seja, que o não conhecimento da citação se ficou a dever a facto que não lhe é imputável.
Ao contrário, pois, do que parece entender a apelante, não é ao demandante que incumbe o ónus de provar que o ato da citação decorreu com cumprimento do formalismo legal e que o citando teve conhecimento atempado da demanda e de todos os elementos pertinentes à defesa (art. 219.º) mas, ao invés, é o demandado que deve alegar e provar que foram incumpridas aquelas exigências legais, pelo distribuidor do serviço postal e/ou pelo terceiro que se encontra no local da citação.
É certo – e resulta do texto da lei (art. 228.º nº1) – que a citação realizada na pessoa de terceiro pressupõe que estejamos perante local que corresponda à residência/local de trabalho do citando e a presunção de entrega (art. 230.º, nº1) só opera verificado esse condicionalismo de facto. Claramente se perceciona que, equiparando a lei à citação pessoal a citação efetuada em pessoa diversa do citando (art. 225.º, nº4), tal só é admissível exatamente porque se trata de morada relativamente à qual o citando tem um vínculo, assim se afastando a possibilidade de o demandante ficcionar uma morada como correspondendo à residência/local de trabalho do demandado, para efeitos de citação [[9]]. É também nesse contexto que o legislador exige, nos casos de citação com hora certa (art. 232.º) que o agente de execução ou funcionário judicial previamente à realização da diligência, confirmem que “o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado” (nº1).  
Quid juris quando se constata, a posteriori, que a citação (quase-pessoal) foi realizada numa morada em que o citando já deixou de residir, mas que (i) corresponde (ainda) ao domicílio constante das bases de dados de diversos serviços do Estado, maxime os serviços de identificação civil e da Autoridade Tributária, indicados no art. 236.º e (ii) aí continua a residir um familiar seu, mais precisamente, a mãe da citanda, terceiro que recebeu a citação?
Há que dar aplicação, então, ao disposto no art. 197.º [[10]] que impossibilita a arguição da nulidade pela parte “que lhe deu causa” (nº 2) e que é uma manifestação no domínio das invalidades processuais, do princípio geral da proibição de atuação com abuso de direito (art. 334.º do Cód. Civil), na vertente da proibição de venire contra factum proprium, que ocorre quando o exercício do agente contraria uma conduta antes proclamada pelo mesmo; saliente-se que, atenta a inserção do preceito, em conexão com o art. 196.º, entendemos que o mesmo tem aplicação não só aos casos de nulidade stricto sensu como de falta de citação.
No caso, como a seguir se analisará, relativamente à correta indicação da sua morada, a apelante adotou um comportamento contraditório e foi esse comportamento que deu azo e motivou a discrepância ocorrida posteriormente, aquando da sua citação.

4.–Alega a apelante que o “[t]ribunal recorrido e o acórdão que invoca incorrem numa petição de princípio, ao assumir que a morada constante de bases de dados públicas vincula de alguma forma o citando para efeitos do artigo 228º nº 1 CPC” e que “[e]sta norma não o prevê (e mesmo o artigo 236º nº 1 CPC) e a Constituição da República Portuguesa, por corresponder a uma contracção inadmissível do direito Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, não consente uma eventual interpretação extensiva da norma”, incorrendo a primeira instância em erro de interpretação (cfr. as conclusões BB a GG).
A apelante lê na decisão recorrida o que aí não se disse, nem expressa, nem tacitamente, isto é, interpreta a decisão à margem do seu texto e da sua ratio, o que não é aceitável.
A lei processual civil faz referência, relativamente às pessoas singulares, à “residência” e ao “local de trabalho” do demandado, como locais onde pode/deve ser realizada a citação por via postal (art. 228.º), fixando ainda o conceito de “domicílio convencionado” no art. 229.º [[11]]; as referências aludidas convocam o regime alusivo ao domicílio, previsto nos arts. 82.º a 88.º do Cód. Civil, mormente, no que ao caso interessa, o disposto no nº1 do art. 82.º (“[d]omicílio voluntário geral”), nos termos do qual “[a] pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual” e “se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles”; “na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar” (nº2).
Paralelamente, impendem sobre os cidadãos um conjunto de obrigações de natureza declarativa, relacionadas com a sua identificação, incluindo o elemento alusivo à morada, dando-se aqui nota das (duas) mais relevantes.
A Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro [[12]] – que “[c]ria o cartão de cidadão e rege a sua emissão e utilização” – tornou obrigatória a obtenção do cartão para todos os cidadãos nacionais, residentes em Portugal ou no estrangeiro, a partir dos 20 dias após o registo do nascimento (art. 3.º, nº1), constituindo o cartão de cidadão “um documento autêntico que contém os dados de cada cidadão relevantes para a sua identificação e inclui o número de identificação civil, o número de identificação fiscal, o número de utente dos serviços de saúde e o número de identificação da segurança social” (nº2).
A morada é um dos elementos que não é visível e, atualmente, nem sequer consta em circuito integrado (cfr. os arts. 7.º e 8.º [[13]]) e a noção é consentânea com a indicado na lei civil, relevando o disposto no art. 13.º ([m]orada). Assim, nos termos deste artigo:
- A morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual, ou o endereço correspondente aos locais e meios alternativos referidos no n.º 6 (número 1) [[14]];
- Para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, nomeadamente com os serviços de registo e de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços de segurança social, é nesse local que o cidadão se tem por domiciliado, “para todos os efeitos legais” (número 2);
- “O titular do cartão de cidadão deve promover a atualização da morada no cartão de cidadão, podendo autorizar expressamente que este dado seja transmitido a outras entidades que dele careçam” (número 3);
- “Carece de autorização do titular, mediante inserção prévia do código pessoal (PIN), o acesso à informação sobre a morada constante do sistema de informação responsável pelo ciclo de vida do cartão de cidadão, sem prejuízo do acesso direto das autoridades judiciárias e das entidades policiais para conferência da identidade do cidadão no exercício das competências previstas na lei” (número 5).
No âmbito fiscal a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Dec. Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, publicada em anexo ao diploma (art. 1º) e objeto de inúmeras atualizações, dispõe, de forma similar, que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, “salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual” (art. 19.º, número 1, alínea a); mais estipula que:
- “É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária” (número 3);
- “É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária” (número 4), dispondo o contribuinte de um prazo de 60 dias para comunicar a alteração à administração tributária (número 5) [[15]].
Nos termos do número 11 do mesmo preceito, a administração tributária pode retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos “se tal decorrer dos elementos ao seu dispor”.
Por último, a infração da obrigação de comunicação da alteração de domicílio constitui uma contra-ordenação punível com coima, nos termos da Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho (Regime Geral das Infrações Tributárias), objeto de inúmeras atualizações; assim, dispõe o art. 17.º, nº4 que “[a] falta de apresentação ou apresentação fora do prazo legal das declarações ou fichas para inscrição ou actualização de elementos do número fiscal de contribuinte das pessoas singulares é punível com coima de (euro) 75 a (euro) 375”.
Em suma, no nosso sistema legal impende sobre os cidadãos, pessoas singulares, a obrigação de fornecer ao Estado informação quanto ao local onde residem no território português, obrigação que abarca as alterações que, posteriormente, venham a ocorrer.
Não pode, pois, surpreender, no contexto apontado e atenta a finalidade do ato da citação que, com vista à concretização desse ato e caso seja necessário, isto é, não se logrando efetivar a citação na morada constante dos autos – usualmente a indicada pelo demandante –, as autoridades judiciárias se socorram dos elementos de informação quanto à residência do citando, nos moldes previstos no art. 236.º [[16]], confiando os intervenientes processuais que essa indicação corresponde efetivamente ao local em que o citando reside.
A apelante, nas alegações de recurso, inverte a ordem dos fatores: inexiste qualquer obrigação do cidadão residir no local que ele próprio indicou como correspondendo à sua residência, ou, usando a terminologia do recorrente, não está o cidadão vinculado a residir no local por si indicado, está apenas vinculado a comunicar o local em que reside, aí se incluindo as alterações de residência.
O legislador processual civil não estabeleceu qualquer presunção de que o demandando reside efetivamente no local que indicou, como também não estabeleceu qualquer cominação processual de natureza preclusiva quanto ao direito de apresentar a contestação associada ao eventual desfasamento entre o local efetivo da residência do demandado e o local por si declarado ao Estado (serviços de identificação civil/autoridade tributária, etc.).
Acresce que, como resulta do regime legal da citação de pessoas singulares (cfr. os arts. 219.º a 245.º) a citação do demandado não pode dar-se juridicamente por ultimada com a mera expedição da comunicação para o local constante das bases de dados, sendo esse apenas um dos passos tendo em vista a concretização da citação, que só se ultima com a receção da comunicação pelo citando, ou por um terceiro, com cumprimento das formalidades previstas no art. 228.º e 230.º ou, não sendo viável a citação por via postal, pela intervenção de agente de execução ou funcionário judicial (arts. 231.º e 232.º) e, em última instância, a citação edital (art. 236.º).
Daí que não proceda a arguição de que o recurso às bases de dados com vista a localizar o citando e a consequente expedição de carta registada com A/R nos termos previstos no art. 228.º, constitua “uma contração inadmissível ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, discussão que, em tese, só teria cabimento, se o legislador processual tivesse previsto que, não se logrando alcançar o paradeiro do demandado, a citação ficaria ultimada, sem mais, com a mera expedição de carta para citação para a morada indicada em determinados serviços do Estado. Como resulta do que se expôs, esse automatismo não resulta da nossa lei processual civil, nem a decisão recorrida interpretou nesse sentido qualquer das normas que aplicou, pelo que também quanto a esta matéria improcedem as conclusões de recurso.
Mas o legislador não foi indiferente ao comportamento ou atuação do citando, prevendo expressamente, por via do referido art. 197.º, que está vedada a arguição da nulidade quando de alguma forma a parte contribuiu para a sua ocorrência; se na origem do vício que inquina o ato, está uma atuação ou comportamento do citando, este não pode, depois, por via da arguição da irregularidade, beneficiar com a situação.
Foi o que aconteceu no caso em apreço, ao contrário do que sustenta a apelante (cfr. as conclusões BB a KK).
A citação foi, corretamente, expedida para a morada que constava dos serviços de identificação civil e da autoridade fiscal, morada esta que foi fornecida pela apelante que, tendo mudado de residência, violou a obrigação de comunicar a alteração ocorrida, dando assim azo a que a carta de citação fosse enviada para o local que havia indicado e que não cuidou de atualizar; tivesse a apelante cumprido a obrigação de comunicação da alteração de residência, que impende sobre si, e a carta teria sido remetida para a sua nova morada; não olvidando o contexto que os autos evidenciam, a saber, permaneceu nessa morada um familiar seu, a quem foi entregue a carta e que a recebeu, nunca indicando que a apelante já aí não residia.
Tem, pois, razão o tribunal recorrido quando indica como segue:
“Sendo esta a morada que a própria recorrente fez constar da base de dados como a sua morada efectiva, sendo certo que lhe incumbia a obrigação de a manter actualizada nas bases de dados ou de diligenciar para que a correspondência remetida para a mesma chegasse ao seu conhecimento, de forma alguma se pode considerar que o desconhecimento da citação não lhe é imputável. (cf. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 153-D/2001.l1-6, de 25/06/2009, disponível em www.dgsi.pt)
Concluindo, o eventual não conhecimento do acto de citação e posteriores notificações ficou a dever-se a um facto imputável à própria recorrente que, ao não actualizar a sua morada desde há pelo menos 30 anos (com vista a usufruir do subsídio de mobilidade em vigor nesta Região Autónoma (…), conforme resultou do depoimento da testemunha), contribuiu com culpa exclusiva para ter sido citada numa morada que não coincide com o seu domicílio voluntário geral.
Não pode ainda deixar de se notar, por último, que a própria recorrente no formulário apresentado indica como sua morada: Rua 1 das Casas (…), Porta 5, (…)
Pelo exposto, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e), do n.º 1, do art. 188.º, do Código de Processo Civil, relativa à falta de citação da recorrente por facto que não lhe seja imputável”.
Não se verificam, pois, os pressupostos consignados no art. 696, nº1, alínea e), alusivos aos fundamentos do recurso extraordinário de revisão.
*  

Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela apelante (art. 527.º, nº1 do CPC)
Comunique o presente acórdão, com informação sobre trânsito, à Autoridade Tributária.
Quanto ao subsídio de mobilidade, nada se determina porquanto o Ministério Público, a quem incumbe a representação do Estado em juízo, já é notificado da presente decisão.
Notifique.



Lisboa, 18-04-2023



Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo



[1]A referência a embargante deve-se a lapso evidente, resultante porventura do tratamento informático de texto e uma vez que a requerida também deduziu embargos com o mesmo fundamento.
[2]No formulário respetivo, com a Refª. 40671997, preenchido pela interveniente, por intermédio do respetivo mandatário, é indicado o seguinte local como correspondendo à “morada” da apelante:
“Rua 1 das Casas (…), Porta 5”
E, sob o “Código Postal”: “(…)”.
[3]Proferido no processo: 3841/21.1T8FNC-C. L1-1 (Relator: Isabel Fonseca), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais arestos a que aqui se fizer referência.
[4]Nessa procuração a insolvente indica que o seu “domicílio” é na seguinte morada: Rua (…) Lisboa”.
[5]A este propósito, lê-se na decisão recorrida:
“Prevê o art. 233.º do Código de Processo Civil que, sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2, do art. 228.º, e na alínea b), do n.º 2, do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o ato se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.”
O não envio da carta referida no art. 233.º do Código de Processo Civil ou o seu envio extemporâneo constituem uma mera preterição de formalidade apenas susceptível de fundar uma nulidade da citação, a qual, nos termos do preceituado no art 191.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, só deve ser atendida quando resultar prejudicada a defesa do citando.
Com efeito, a formalidade prevista no art. 233.º do Código de Processo Civil visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da acção. Conforme decorre do art. 230.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a citação considera-se realizada no momento anterior, sendo a partir daí que se conta o prazo para a apresentação da defesa, e não com a recepção da segunda carta.
Deste modo, a recepção da carta registada de advertência não é condição da citação, nem releva para o início e contagem do prazo, dado que tal carta não consubstancia uma segunda ou dupla citação.
No caso em apreciação, feita a citação da recorrente em terceira pessoa, no dia 28 de Outubro de 2021 foi remetida para a recorrente notificação de advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa, para a Rua 1 das Casas (…), Porta 5 (…).
Tal notificação foi depositada no dia 2 de Novembro de 2021.
É evidente que o prazo de dois dias úteis, previsto no art. 233.º do Código de Processo Civil, não foi cumprido.
Todavia, não foi alegado qualquer facto que permita concluir que o não envio tempestivo desta carta de notificação possa ter influenciado a não apresentação do articulado de oposição e, por conseguinte, pela nulidade da citação.
Assim, resta julgar o presente recurso totalmente improcedente”.
[6]Em pesquisa relativa à morada indicada, acessível in https://codigopostal.ciberforma.pt/dir/511276060/gnc-invest-sgps-s-a/, encontra-se o endereço de uma sociedade, nestes termos:
“G, Sgps, S.A
MORADA E LOCALIZAÇÃO DA SEDE
G, Sgps, S.A
Estrada (…), 241 - A, Edifício (…), 3-A
(…)
A entidade G, Sgps, S.A tem a sua sede localizada na freguesia de (…). Para correspondência postal deverá utilizar a morada Estrada (…) 241 - A, Edifício (…), 3-A, (…);
”.
[7]No caso, afigura-se-nos não estarem reunidas as condições para a fixação válida de domicílio convencionado, para os efeitos a que alude o disposto no art. 229.º, ponderando o valor dos créditos peticionados pelo requerente da insolvência, sendo que a fonte da obrigação também não respeita a qualquer “fornecimento continuado de bens ou serviços”, reconduzindo-se a contratos de mútuo (bancário) (número 1 do preceito).   
[8]Na sequência, porventura, da factualidade que o acórdão anterior deu por assente e que, em parte, foi retomada pela presente decisão recorrida. 
[9]Em bom rigor, foi o que se passou na situação em análise no acórdão citado pela apelante no articulado em que deduziu o incidente (cfr. o art. 47.º) - acórdão do TRP de 13-01-2020, processo: 399/19.5T8VLG.P1, Relator: Mendes Coelho - se bem que a apelante só tenha atentado numa parte desse aresto, desconsiderando o que manifestamente não lhe interessava. A situação aí em análise, configurava uma ação intentada pelo senhorio tendo em vista, nomeadamente, o pagamento de diferenciais alusivos ao valor da de renda e indemnização, em que o senhorio demandou o casal, indicando a residência correspondente ao locado, pese embora soubesse que essa morada já não correspondia à residência de um deles porquanto a casa de morada da família centrada no locado tinha sido atribuída à cônjuge mulher, no âmbito do acordo de divórcio ocorrido entre o casal, muito tempo antes da instauração da ação e a subsequente notificação (oficiosa) do senhorio nos termos do disposto no nº3 do art. 1105º do Cód. Civil.
Concluiu-se nesse aresto que:
“I – Como resulta do disposto no art. 228º nº2 do CPC, embora a carta registada com aviso de recepção para citação pessoal possa ser entregue a qualquer pessoa diferente do citando que se encontre na residência, que assinará o respectivo aviso de recepção, sempre a residência em causa terá que ser a residência do citando para, após o envio para essa mesma residência da carta registada prevista no art. 233º do mesmo diploma, se poder considerar efectuada a citação em pessoa diversa do mesmo;
II – Verificando-se que a carta registada com aviso de recepção para citação do Réu foi enviada para local que não corresponde à sua residência, sem que ocorra qualquer comportamento ao mesmo imputável para impedir que chegue ao seu conhecimento tal acto de citação, é de concluir, face ao disposto nos arts. 187º a) e 188º nº1 e) do CPC, pela nulidade da falta de citação em relação a tal Réu”.
Saliente-se que o incidente foi aí suscitado pela ex- cônjuge que se manteve no locado, com vista ao aproveitamento do prazo processual para deduzir contestação que ainda assistia ao outro demandando (art. 569.º, nº2), o que a Relação aceitou.
[10]Artigo 197.º
Quem pode invocar e a quem é vedada a arguição da nulidade:
1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato.
2 - Não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição.
[11]Hipótese que aqui não releva, como já se expôs.
[12]Com as alterações constantes das Leis nº 91/2015, de 12/08, nº 32/2017, de 01/06 e n.º 61/2021, de 19/08.
[13]A morada constituía, inicialmente, uma informação contida em circuito integrado (alínea b) do nº 1 do art. 8.º), mas a Lei n.º 61/2021, de 19/08 revogou a alínea referida.
[14]Nos termos do número 6 do preceito, “[p]ode ser indicada como morada de cidadão nacional sem endereço postal físico a do serviço territorialmente competente da segurança social ou, caso não exista, a de câmara municipal, de associação ou entidade da sociedade civil sem fins lucrativos, o endereço de um apartado ou um número de telefone ou endereço de correio eletrónico, caso as restantes alternativas se mostrem inviáveis”.
[15]Salienta-se que nos termos do Dec. Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 89/2017, de 21/08 e n.º 58/2020, de 31/08, diploma que procedeu à sistematização e harmonização da legislação referente ao Número de Identificação Fiscal (NIF), o domicílio fiscal é um dos elementos identificativos do interessado que são considerados e devidamente recolhidos (a par de outros, como o nome completo, a naturalidade, a nacionalidade, a data de Nascimento, o sexo etc) – cfr. o art. 9.º, nº1, alínea b).
O art. 24.º do diploma, inserido no Capítulo IV (“[d]as vicissitudes do registo), com a epígrafe “[a]lteração ao registo”, estabelece:
“1-Sempre que se verifique qualquer alteração dos elementos constantes do registo deve o contribuinte, seu representante ou gestor de negócios, comunicar as respetivas alterações à AT, no prazo de 15 dias a contar da data da ocorrência do facto determinante da alteração, salvo se outro prazo não decorrer expressamente da lei.
2-A alteração só produz efeitos a partir da comunicação à Administração Tributária.
3-A AT procede à alteração oficiosa dos elementos identificativos constantes no registo, designadamente:
a) Sempre que tenha tomado conhecimento de tais alterações, no âmbito das suas competências ou através da comunicação efetuada nos termos do artigo 28.º;
b) Por meio de decisão judicial;
c) Por erro imputável aos serviços.
4-As alterações ao registo seguem, com as necessárias adaptações, os procedimentos e formalidades previstos para a inscrição inicial.
5-As alterações ao registo podem ser ainda efetuadas por transmissão electrónica de dados, designadamente alteração ao domicílio fiscal e indicação do IBAN.
6-Sem prejuízo do regime jurídico do cartão de cidadão e do RNPC, é emitido, nos termos previstos no capítulo II, novo cartão de contribuinte após quaisquer alterações efetuadas aos elementos identificativos constantes da face do cartão.
7-Quando a AT tenha conhecimento de outros elementos relevantes no âmbito da identificação do contribuinte, designadamente a situação de insolvência e a data de óbito, deve proceder ao averbamento no respetivo registo”.
[16]Competindo aos serviços fornecer “prontamente” ao tribunal os elementos de que dispuserem, nos termos do nº2, sendo que tal sempre decorreria do dever de cooperação genericamente consagrado no art.417.º.