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CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES
VENCIMENTO ANTECIPADO
CITAÇÃO
Sumário
I. O contrato de mútuo apresentado como título executivo, mesmo que desacompanhado da interpelação dos executados nos termos previsto quer no artº 781º do CC, poderia ser suficiente para o efeito da exigibilidade quer do pagamento das prestações vencidas quer dos respectivos juros à data da propositura da execução. II. Caso a exequente invoque o vencimento antecipado e não tenha interpelado os executados, tal interpelação pode ser substituída pela citação dos executados para a acção para o vencimento de todas as prestações e, logo, a exigência de pagamento do valor total mutuado (sendo que este seria expurgado dos juros remuneratórios, face à jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 7/2009), sendo devidos juros moratórios a partir da citação. III. Invocando a exequente no próprio requerimento executivo que no decorrer do incumprimento recebeu o valor da venda do bem dado em garantia, invocando que tal valor foi imputado no valor total em dívida e respectivos juros, iniciando-se por estes, plasmando tal pagamento na liquidação que apresentou na definição da quantia exequenda teria a exequente de fazer prova da interpelação dos executados do vencimento antecipado. IV. Pois, caso a citação para a execução determine a possibilidade de interpelação do vencimento imediato de todas as prestações, sempre os juros moratórios seriam devidos a partir dessa data, o que afasta desde logo a liquidez e exigibilidade exigidas em sede de execução e determina ainda a desconformidade da imputação do valor recebido. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Parcial
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
Por apenso aos autos de execução ordinária, para pagamento de quantia certa, movidos por P…S.A., veio o co-executado, J…, com os demais sinais dos autos, deduzir a presente oposição à execução, por meio de embargos de executado.
Para tanto, alegou que a acção executiva n.º 9488/11.3YYSLB que correu pelo Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e cuja sentença declarou extinta a execução por ter considerado a quantia exequenda ilíquida e inexigível, transitou em julgado em 26 de Abril de 2019. Essa acção executiva teve por fundamento o mesmo título executivo – contrato de mútuo de 12 de Agosto de 2005 – sobre que versa a presente execução. Os factos indicados no requerimento executivo de um e outro processo são idênticos, variando apenas os montantes. Entende que o comportamento da exequente traduziu-se nessa execução numa manifesta falta de interesse, retirando-lhe notoriamente o interesse em agir nesta nova execução que agora move, não existindo interesse em agir por parte da exequente, acarretando a absolvição do executado, ora embargante J…. Mais alegou que aceita como verdadeiro o facto de ter celebrado com o B…, S.A., o contrato de mútuo que é referenciado no ponto 4 da exposição dos factos do requerimento executivo. Consta desse contrato que foi concedido um empréstimo aos executados no valor de € 302.255,15 (trezentos e dois mil duzentos e cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos), com o fim de permitir a regularização destes de responsabilidades junto do B… e do B…, S.A. Sobre este montante venciam-se juros à taxa efectiva anual de 6% ao ano (art. 5.º, idem), que era garantido (vide art. 12.º) e uma livrança em branco acompanhada do respectivo pacto de preenchimento, e, ainda, pela hipoteca constituída a favor do B…, SA, sob o prédio urbano, composto por terreno para construção, de que os mutuários eram proprietários, sito em Aroeira, lote …, da freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito na Conservatória do R. Predial de Almada sob o número …, com registo de aquisição G-1, inscrito na matriz sob o artigo …. Em 7/07/2005 foi registada hipoteca a favor do B…, SA, incidente sobre o imóvel identificado, com o escopo de garantir a quantia de €318.847,12 (trezentos e dezoito mil oitocentos e quarenta e sete euros e doze cêntimos), respeitante a capital, à taxa de juros anual de 5,75%, acrescido de 4% em caso de mora e despesas no montante de € 12.753,89, com montante máximo de € 424.863,79. Verifica-se assim que o B…, SA, aceitou como contrapartida do mútuo que efectuou, a garantia decorrente do imóvel sobre o qual exigiu garantia real a seu favor, bem como a livrança em branco acompanhada do respectivo pacto de preenchimento, só assim se entendendo a similitude do valor máximo havido para a hipoteca voluntária e aquele que decorre do mútuo contratado. E assim o sendo, deverá o seu crédito ser satisfeito apenas e só pelo preço da venda efectuada, e não outro, comungando esta entidade bancária no risco do mercado que impende sobre os bens que são adquiridos. Mais impugna a liquidação de juros efectuada pela exequente, pugnando ainda pela inexequibilidade do título executivo e pela prescrição dos juros. Defende ainda que não são devidos juros compensatórios, concluindo que a quantia exequenda não é devida. Conclui, formulando os seguintes pedidos: a) Pela falta de interesse em agir da exequente, ser declarada extinta a instância por inutilidade da lide; b) Caso assim não se entenda, ser declarada extinta a execução, por inexistência de título executivo, dado o título dado à execução não satisfazer os requisitos da exequibilidade e suficiência legalmente exigidos; c) Sem conceder, ser declarado que a quantia exequenda não é devida, pois foi paga com o valor da venda do imóvel, devendo o crédito ser satisfeito apenas e só pelo preço da venda efetuada; d) Ainda sem conceder, ser declarado ilegal o juro de 3,5% convencionado da remuneração do mútuo (spread); e) Ser declarado que os juros de mora peticionados e anteriores a 16 de Julho de 2015 já prescreveram, nos termos do artigo 310º, alínea e) do Código Civil; f) Ser declarado que não são exigíveis os juros de mora peticionados entre 16 de Julho de 2015 e 16 de Julho de 2020 por a sua falta de liquidez ser imputável à exequente; g) Ser declarado que não são devidos os juros compensatórios após a declaração de resolução do contrato no ano de 2010; h) Ser a exequente/embargada condenada em custas e demais encargos legais.
Após admissão liminar da oposição, e notificada para o efeito, a exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos e consequente prosseguimento da execução.
Findos os articulados, o Tribunal proferiu despacho com o seguinte teor: “O estado dos autos permite, desde já, a prolação de decisão final de mérito, dado que as questões a apreciar, para além de se mostrarem suficientemente debatidas nos articulados, assumem natureza meramente jurídica, não se justificando, por outro lado, a realização da audiência prévia. Face ao exposto, nos termos dos artigos 6.º, n.º 1 e 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, notifique as partes para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem quanto ao que tiverem por conveniente.”
Notificadas, nenhuma das partes se opôs ao entendimento vertido pelo Tribunal.
Foi assim, proferida decisão no saneador que julgou procedentes os embargos de executado, e, subsequentemente declarou extinta a execução, quanto ao embargante J….
Inconformada veio a exequente recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
« 1. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida não fez
correcta aplicação do direito, ocorrendo manifesta desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados e produzidos em audiência de julgamento.
2. A Recorrente está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos
autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, e procederão à alteração da matéria de facto, pois a decisão sobre a mesma padece de erro notório, evidente e manifesto.
POSTO ISTO,
3. A Recorrente sabe bem que a reapreciação do julgamento da matéria de facto tem sempre de ser feita cumprindo o dever de especial cuidado, mas os fundamentos deste recurso parecem à Recorrente evidentes.
SENÃO VEJAMOS:
4. Entende a Recorrente que a Sentença recorrida não fez correcta aplicação da prova produzida e do Direito.
5. Da análise da matéria de facto dada como provada na douta Sentença por confronto com a prova produzida nos autos, verifica-se que ocorreu erro de julgamento notório e grave, que conduz, naturaliter, à alteração da matéria de facto, impondo uma decisão diversa da proferida, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
6. Resulta como provado na douta sentença que: “O B… recebeu um pagamento no montante de € 214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha- se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital”.
7. Todavia, impõe-se que seja proferida decisão diversa, devendo ser aditado à matéria de facto dada COMO NÃO PROVADA, o facto de que “ O B… recebeu o montante de € 214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referida, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital”,
8. Tal determinará, inevitavelmente, a alteração do ponto nº 13, devendo o mesmo passar a constar com a seguinte redação: “No âmbito de tal processo, a P…, recebeu o montante de 214.000,00€ (duzentos e catorze mil euros), o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital”.
9. Para a impugnação da matéria de facto referido no ponto n.º 10, e no que se refere ao ónus preceituado no artigo 640.º é essencial a prova documental produzida nos presentes autos, maximé o documento n.º 3 junto com o Requerimento Executivo e a confissão feita pela própria Embargada na Contestação.
10. Com efeito, cumpre clarificar que a Recorrente juntou aos autos documento que demonstra de forma inequívoca o valor por si recebido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2151200601044605, valor este correspondente ao produto da venda do imóvel sobre o qual (a Recorrente) tinha hipoteca, e que foi amortizado à divida (conforme se poderá comprovar do mencionado documento n.º 3);
11. Tal facto resulta, igualmente, da Contestação apresentada pela Recorrente, correspondendo à verdade que à data de 01 de setembro de 2019, o valor de capital em dívida à Exequente e aqui Recorrente era de Euros 309.409,47.
12. Assim sendo, não poderia a sentença em crise, considerar como provado o facto referido no ponto n.º 10, porquanto não resulta dos autos, qualquer prova de que o Banco Cedente - o então B…, S.A. – tenha recebido o montante de Euros 214.000,00, sendo que a alusão feita no requerimento executivo ao “B…”, se trata de um evidente lapso de escrita.
13. Assim, perante a inexistência nos autos de qualquer documento ou outra prova da qual se possa inferir o facto vertido no ponto n.º 10, não poderia o Tribunal “ a quo” considerar o mesmo como provado, pelo que a convicção do MM.º Juiz do Tribunal “a quo”, não é razoável, ocorrendo manifesta desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados e produzidos nos presentes autos.
14. Nessa medida, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto, quando à descrita nos pontos n.ºs 10 e 13 dos factos provados, devendo o ponto 10 ser considerado como NÃO PROVADO e o ponto 13 ser ADITADO conforme o referido supra, pois a decisão sobre a mesma padece de erro notório, evidente e manifesto, o que se requer a este Venerando Tribunal.
ACRESCE AINDA QUE:
15. O Tribunal “ a quo” invoca o Acórdão proferido pela Relação e Guimarães no âmbito do Processo n.º 6496/16.1T8GMR-AG1, de 14 de março de 2019, tendo concluído que, estando em causa obrigações decorrentes de um contrato de mútuo, a Exequente e aqui Recorrente não procedeu junto da Embargada e aqui Recorrida à resolução do contrato, nem à sua interpelação, perante o não pagamento atempado das prestações devidas, com vista à perda do benefício do prazo, informando-a que considerava vencidas todas as demais prestações e, como tal, exigível o seu pagamento antecipado, pelo que a obrigação se apresenta inexigível.
POSTO ISTO:
16. Conforme resulta do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, o título executivo é a base de qualquer execução, sendo por ele que se delimitam o fim e os limites da execução.
17. A função do título executivo é, por isso, dar início à acção executiva, criando para o Exequente a possibilidade de promover a acção e para o tribunal o dever de exercer a sua actividade em ordem à satisfação do direito daquele.
18. A ação executiva só pode ser instaurada se tiver por base um dos títulos previstos no artigo 703.º do Código de Processo Civil, título esse, para além de comprovar os factos jurídicos que integram a causa de pedir da exigência deduzida pelo Exequente, concede igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o Executado, tornando desnecessário o recurso a um prévio processo declarativo ou a um novo processo dessa natureza para certificar a existência do direito.
19. Por outro lado, é imprescindível que o documento dado à execução esteja em condições de confirmar a existência da obrigação que se constituiu e formou entre as partes, dado que este documento é comprovativo da existência do direito do Exequente.
20. Nessa medida, uma vez que a acção executiva prevê o incumprimento ou a violação efectiva da prestação, é necessário que a obrigação exequenda cumpra determinadas características, que permitam a sua realização: certeza, exigibilidade e liquidez.
21. Assim, considera-se exigível a prestação que se considera vencida.
22. No caso dos autos, e de acordo com os elementos factuais fixados, inexistem dúvidas que o título dado à execução é um contrato de mútuo (bancário) tratando-se, pois, como é irrefutável, de um título executivo, que conserva a sua exequibilidade, nos termos do artigo 46.º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961 (o qual estipulava que os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, podiam ser dados como título ao processo executivo, tendo portanto força executiva), por força do Acórdão n.º 408/2015, proferido pelo Tribunal Constitucional, publicado no DR, 1.ª série, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015.
23. Com efeito, e conforme resulta da douta Sentença em crise, do referido contrato é possível aferir as cláusulas que as partes acordaram, relativamente ao número de prestações mensais, para pagamento do capital mutuado e respetivos juros, referentes às datas de pagamento da primeira e das restantes prestações, aos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respetiva cláusula do contrato, ao montante do financiamento e a finalidade do mesmo, ao prazo do contrato, a taxa de juro contratada, aos efeitos da mora, a constituição de garantias e ao incumprimento.
24. Não obstante todo o clausulado, o Tribunal “ a quo” sustenta que a obrigação exequenda não é exigível, por falta interpelação ou declaração resolutória do contrato de mútuo.
25. Conforme tem sido entendimento maioritário, no caso de obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, constitui um caso de exigibilidade antecipada, mero benefício que a lei concede ao credor e que há-de ser exercido mediante interpelação do devedor, ficando o credor com o direito de exigir do devedor a realização, não apenas da prestação que incumpriu, mas de todas as restantes prestações, cujo prazo ainda se não tenha vencido.
26. Só mediante a interpelação do devedor para que cumpra a totalidade da obrigação, efectivando assim as prestações restantes, é que o credor manifesta verdadeiramente a sua vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
27. Não resulta dos autos que a Recorrente tenha emitido qualquer decisão resolutória do
contrato de mútuo (sem prejuízo, cumpre referir que foi enviada ao Recorrido carta de resolução e vencimento antecipado do Contrato de Mútuo a 30 de julho de 2010), ou sequer que tenha interpelado previamente o Devedor e aqui Recorrido para pagamento da totalidade da quantia mutuada e respetivos juros contratuais,
28. Ao invés, parece ter preferido instaurar a presente ação executiva com base no contrato celebrado, requerendo a citação do Executado para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
29. Igualmente, não resulta dos autos – e tal facto não deverá ser descurado - que o Recorrido também não afirmou, designadamente na Petição de Embargos de Executado, que a Exequente não tenha procedido a essa interpelação.
30. Nessa medida, as consequências da atuação da Recorrente não podem, todavia, ter o
alcance referido na Sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, no que se refere à inexigibilidade da totalidade dívida, uma vez que não se poderá descorar que a Recorrente se encontra munida de executivo idóneo de certificação do seu direito à prestação e o incumprimento desta encontra-se incontestavelmente demonstrado.
31. Assim, sendo indiscutível que a citação do Executado e aqui Recorrido se encontra efectuada, não se poderá deixar de atribuir importância à mesma, enquanto acto de interpelação tendente à imediata exigibilidade de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato de mútuo dado à execução.
32. Razão pela qual, a decisão proferida é insustentável na medida em que desrespeita os efeitos da própria citação e, assim, da interpelação judicial para pagamento que lhe está subjacente, porquanto mesmo antevendo a necessidade de constituição do Executado/Recorrido em mora – incluindo na situação de obrigações perfeitamente vencidas e exigíveis – por via da interpelação, não se poderá omitir que a mesma foi interpelada, considerando o facto de ter sido citada para a presente ação executiva e o disposto no artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil.
33. A interpelação para pagamento, que é a que interessa nos presentes autos, pode ser feita por via judicial, designadamente, através da citação do devedor para a execução – o que sucedeu in casu- , conforme se dispõe nos artigos 805.º n.º 1 do Código Civil e 610.º , n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
34. Assim, mal andou o Tribunal “ a quo”, porque a citação do Executado e aqui Recorrido estava já efetivada, quando foi proferida a decisão ora em crise, facto que o Tribunal “ a quo” deveria ter avaliado e considerado ao abrigo do disposto no artigo 611.º do Código de Processo Civil.
35. A decisão em crise transgrediu, assim, as normas contidas no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, e nos artigos 610.º, n.º 2, alínea b), e 611.º do Código de Processo Civil, cuja adequada interpretação é a de que por efeito da citação já efectivada, deve o Executado devedor ter-se por interpelado e, dessa forma, constituído em mora quanto à obrigação de pagamento do crédito da Exequente.
AQUI CHEGADOS,
36. Julga a Recorrente que as alegações precedentes dotaram o Tribunal de razões bastantes para que criticamente se possa avaliar a bondade da douta sentença de que se recorre.
37. A sentença do Tribunal “ a quo” ao decidir como decidiu violou disposições legais bem como violou as regras de interpretação da prova, previstas entre outros no artigo 607.º, n.º 5, artigo 610.º, n.º 2, alínea b), e 611.º todos do Código de Processo Civil e artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, e sendo da mais elementar justiça julgar procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue improcedente os Embargos de Executados deduzidos, com as subsequentes consequências.».
Não consta nos autos que tenham sido apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber no caso concreto:
- Se é de alterar os factos nos termos pugnados pela recorrente;
- Se é de considerar a obrigação liquida e exigível, por existir interpelação do executado com a citação para a acção executiva.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. O B…, S.A. era uma instituição que se dedicava ao comércio bancário.
2. Por escritura de cessão de créditos, celebrada em 30.12.2010, o B… cedeu à ora exequente – P…, S.A. – um conjunto de créditos, incluindo as respectivas garantias e acessórios, sem quaisquer reservas ou excepções (cfr. documento de fls. 4 e seguintes dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido).
3. Entre os créditos cedidos, consta o crédito que agora se executa.
4. No exercício da sua actividade e a pedido dos executados J… e C…, no dia 12.08.2005, o B… celebrou com eles um CONTRATO DE MÚTUO (cfr. documento de fls. 21v e seguintes dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido).
5. Através de tal contrato de mútuo, o B… emprestou aos mutuários a quantia de € 302.255,15 (cfr. art. 1.º do aludido contrato).
6. O empréstimo em causa destinou-se à regularização de responsabilidades em dívida junto da entidade bancária B…, S.A., conforme cláusula segunda do contrato de mútuo.
7. Na data da celebração do contrato, foi constituída hipoteca voluntária a favor da mutuante, sobre uma fracção autónoma, destinada a assegurar o bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pelos devedores, até ao limite de € 362.706,18, conforme cláusula décima segunda do contrato.
8. De acordo com o contrato celebrado foram convencionadas, além do mais, as cláusulas acerca: a) Do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respectivos juros, haveriam de ser pagos; b) Das datas da 1.ª e das restantes prestações; c) Dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respectiva cláusula do contrato.
8.A. No contrato celebrado previram as partes no artigo décimo terceiro que: «1.Sem prejuízo doutros casos previstos na lei ou neste contrato, o BPN poderá denunciar o presente contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita aos Mutuários, sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) No caso de incumprimento, no prazo concedido, de exigências efectua- das, consoante os casos, ao abrigo do disposto nos artigos 633°, 670°, alínea c), 701° e/ou 780°, todos do Código Civil; b) Se os MUTUÁRIOS cessarem pagamentos, se requererem processo de recuperação de empresa ou de falência, ou algum deles for requerido por terceiros;(…)».* Aditado neste recurso
9. Sucede que as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010 (cfr. documento de fls. 25v dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido), tendo ficado em dívida, de capital, a quantia de € 416.942,32, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios.
10. O B… recebeu um pagamento no montante de € 214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital. *Rectificado juntamente com o ponto 13 nos termos constantes infra.
11. Foi instaurado processo de execução fiscal, identificado pelo n.º 2151200601044605 – Serviço de Finanças de Almada.
12. Em sede de tais autos fiscais, a P…, na qualidade de credora com garantia real, porque citada para o efeito, reclamou os seus créditos.
13.No âmbito de tal processo, a P…, recebeu o montante de 214.000,00€ (duzentos e catorze mil euros). * Rectificado juntamente com o ponto 10. Passando ambos a ter a seguinte redacção:
10/13: A Embargada recebeu, em consequência da venda judicial do imóvel que garantia hipotecariamente o crédito em causa a quantia de € 214.179,97 a 08/07/2013, quantia essa que foi imputada ao valor global em divida nos termos do documento junto ao requerimento executivo como doc. 3, do qual consta que foi amortizado no capital o valor de 107.532,85€ e nos juros de mora o valor de 106.647,12€, contando como data de “resolução” e de contagem de juros 13/08/2010, e ainda que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital e juros desde 13/08/2013 no valor de 142.441,57€.
14. Correu termos junto do Juiz 7 do Juízo de Execução de Lisboa a acção executiva n.º 9488/11.3YYLSB em que era exequente a ora exequente e executados os ora executados, sendo reclamado o pagamento do contrato de mútuo ora dado à execução. 15. Por decisão transitada em julgado em 26 de Abril de 2019 foi tal execução declarada extinta por ter considerado a quantia exequenda uma quantia ilíquida e inexigível.
* Da impugnação dos factos:
O Tribunal recorrido no âmbito do conhecimento do mérito dos embargos em sede de despacho saneador assentou os factos provados “com base em prova documental, confissão e acordo das partes”.
Insurge-se a recorrente quanto ao provado em 10. e 13., (…)
Assim, os pontos 10. e 13. passarão a ter a seguinte redacção:
10/13: A Embargada recebeu, em consequência da venda judicial do imóvel que garantia hipotecariamente o crédito em causa a quantia de € 214.179,97 a 08/07/2013, quantia essa que foi imputada ao valor global em divida nos termos do documento junto ao requerimento executivo como doc. 3, do qual consta que foi amortizado no capital o valor de 107.532,85€ e nos juros de mora o valor de 106.647,12€, contando como data de “resolução” e de contagem de juros 13/08/2010, e ainda que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47 de capital e juros desde 13/08/2013 no valor de 142.441,57€.
Adita-se ainda a seguir ao ponto 8. o ponto 8.A. com a reprodução da cláusula do contrato relativa ao incumprimento, dado que relevante para a decisão, e do seguinte teor:
8.A. No contrato celebrado previram as partes no artigo décimo terceiro que: «1.Sem prejuízo doutros casos previstos na lei ou neste contrato, o B… poderá denunciar o presente contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita aos Mutuários, sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) No caso de incumprimento, no prazo concedido, de exigências efectua- das, consoante os casos, ao abrigo do disposto nos artigos 633°, 670°, alínea c), 701° e/ou 780°, todos do Código Civil; b) Se os MUTUÁRIOS cessarem pagamentos, se requererem processo de recuperação de empresa ou de falência, ou algum deles for requerido por terceiros;(…)».
Procede assim, a alteração dos factos a considerar para efeitos de aplicação do direito.
*
III. O Direito:
O problema colocado a este Tribunal em sede de recurso visa a alteração da decisão recorrida, perante a circunstância de nesta se entender que face ao não pagamento das prestações devidas por força do contrato de mútuo e na ausência de invocação pela exequente da interpelação dos mutuários do vencimento antecipado de todas as prestações, tal determina a insuficiência do título executivo, com a consequente procedência dos embargos.
Insurge-se a recorrente relativamente a tal fundamento decisório, dizendo na sua 28º conclusão que efectivamente a mesma não invocou que tenha sido emitida “qualquer decisão resolutória do contrato de mútuo (sem prejuízo, cumpre referir que foi enviada ao Recorrido carta de resolução e vencimento antecipado do Contrato de Mútuo a 30 de julho de 2010), ou sequer que tenha interpelado previamente o Devedor e aqui Recorrido para pagamento da totalidade da quantia mutuada e respectivos juros contratuais”. Porém, defende que a interpelação ocorre por força da interposição da presente acção executiva, na qual se requereu a citação do Executado para proceder ao pagamento da totalidade da dívida. Por outro lado, inverte a questão dizendo que igualmente o embargante “também não afirmou, designadamente na Petição de Embargos de Executado, que a Exequente não tenha procedido a essa interpelação”.
Discorre assim, que não se verifica a inexigibilidade da totalidade dívida, uma vez que não se poderá descurar que a Recorrente se encontra munida de executivo idóneo de certificação do seu direito à prestação e o incumprimento desta encontra-se incontestavelmente demonstrado, pelo que haverá apenas que atribuir à citação a sua importância também enquanto acto de interpelação tendente à imediata exigibilidade de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato de mútuo dado à execução.
Concluindo, por fim, pela violação das normas contidas no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, e nos artigos 610.º, n.º 2, alínea b), e 611.º do Código de Processo Civil, cuja adequada interpretação é a de que por efeito da citação já efectivada, deve o Executado devedor ter-se por interpelado e, dessa forma, constituído em mora quanto à obrigação de pagamento do crédito da Exequente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue improcedente os Embargos de Executados deduzidos, com as subsequentes consequências.
Na questão sob apreciação importa ter presente que a execução se principiou com o despacho proferido a 10-09-2019, no qual se ordenou a citação dos “executado(s) para, no prazo de 20 dias, pagar(em) ou opor(em)-se à execução, nos termos do artigo 726.º, n.º 6 do Código de Processo Civil”.
O anterior art. 804º, nº 3, do CPCivil, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12-12, previa expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”. Tal possibilidade desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08-03.
No que concerne à actual lei de processo civil, passamos a ter tramitações diferenciadas face nomeadamente ao título apresentado, sendo que no processo executivo ordinário, como é o caso, há efectivamente despacho liminar e citação prévia do executado, bem como do seu cônjuge, quando seja invocada a comunicabilidade da dívida (arts. 726 e 741º) ou ainda despacho liminar e dispensa de citação prévia do executado (art. 727º). Porém, ainda que no âmbito do processo executivo sumário ocorra normalment a penhora e citação do executado seja posterior (art. 855º, nº 3), ocorre a citação do executado e penhora posterior de bens imóveis, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os inclua, nas execuções instauradas ao abrigo do art. 550, nº 2, al. d) (art. 855º, nº 5).
Face a tal tramitação diferenciada tem sido defendido que «Na actual estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 855º e 727º, do CPCivil: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que - nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora - terá o credor de proceder à interpelação extrajudicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.
Nos termos do disposto nos artigos 550º, nº 2, alínea c) e 855º do CPCivil, o contraditório dos apelantes/executados foi deferido para momento posterior à efetivação da penhora, pelo que na data em que se efetivou a penhora do imóvel o crédito não se encontrava vencido, pois só foram citados após a penhora, o que significa claramente que os executados não foram interpelados antes da instância executiva se ter iniciado.»( cf. Acórdão desta Relação de 30/03/2023, proc. nº 16754/19.8T8SNT-B.L1-2, in www.dgsi.pt).
No caso dos autos não haverá que convocar tal entendimento, pois o executado foi citado e na sequência desta deduziu os presentes embargos, mas que dizer sobre a possibilidade de a interpelação do vencimento de todas as prestações, ou vencimento antecipado ocorrer com a citação?
O Tribunal recorrido começa por expor o seguinte quanto ao título executivo apresentado nos autos:«No caso em apreço, o título executivo é constituído por um contrato de mútuo. Como é sabido, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, foi suprimida, enquanto título executivo, a categoria dos documentos particulares que antes cabiam na previsão do art. 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961. Ora, no caso em apreço, o documento que serve de base à presente execução, não é um documento autêntico, nem se mostra autenticado por notário, não cabendo outrossim em quaisquer outras das alíneas do n.º 1 do art. 703.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, tal documento não constitui título executivo, para efeitos do disposto no art. 703.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 2013. Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 408/2015, publicado no DR, 1.ª série, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança (art. 2.º da Constituição). Desta forma, o documento que constitui o título executivo da presente execução, apesar de datado de 12.08.2005, conserva a sua exequibilidade, nos termos do art. 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, por força do citado acórdão.».
Porém, na apreciação da obrigação assumida no contrato de mútuo dado à execução e após ter tecido considerações sobre as características do mesmo e convocando Rui Pinto, alude que “O contrato de mútuo em si mesmo parece estar foram do âmbito do artigo 707.º; o que aqui está é a promessa desse mútuo. É que pela sua natureza real quoad constitutionem não há sequer contrato de mútuo antes da entrega do dinheiro; entregue este, fica o devedor ipso factum constituído na obrigação de restituir. Por exemplo: a escritura pública de mútuo em que esta previsto o prazo de restituição e as condições do empréstimo, e na qual os mutuários tenham declarado no final que “aceitam o contrato na forma exarada” implica o reconhecimento da obrigação, pelo que pode ser utilizada como titulo executivo (…). Perante a execução do mútuo, incumbirá ao executado/oponente o ónus da prova de que a quantia mencionada como tendo sido mutuada não lhe chegou a ser entregue (…).” (in A Ação Executiva, 2018, AAFDL, p. 188, nota 458).”. Prossegue ainda que: “Quer isto dizer que a exequibilidade do contrato de mútuo propriamente dito, desde que cumpridos os citados requisitos, não depende da produção da prova complementar a que se refere o art. 804.º do Código de Processo Civil de 1961, ao contrário do que acontece, v.g., no contrato de abertura de crédito em conta corrente. Sendo o título executivo constituído pelo contrato de mútuo, é pelas respectivas cláusulas que se define aquilo que pode ser exigido na acção executiva. Ou seja, é pelo contrato de mútuo que se define, prima facie, as consequências do respectivo incumprimento e subsequente resolução. No caso dos autos, como se viu, estamos perante um contrato de mútuo, cujo objecto foi uma soma em dinheiro, entendendo-se por «dinheiro» a moeda que tem curso legal no país, a que serve de meio de pagamento e que não pode validamente ser recusada com tal função (pagamento). Estamos, pois, perante uma obrigação pecuniária. Neste particular, o contrato de mútuo pode conter previsões contratuais, ou pode não conter, para o caso de vir a ocorrer resolução do contrato, definindo-se nele, neste caso, o que poderá ser exigível pelo credor em caso de resolução. No que ao caso releva, está provado que no exercício da sua actividade e a pedido dos executados, no dia 12.08.2005, o B… (mutuante original) celebrou com eles um contrato de mútuo, através do qual emprestou aos executados a quantia de € 302.255,15. O empréstimo em causa destinou-se à regularização de responsabilidades em dívida junto da entidade bancária B…, S.A., conforme cláusula segunda do contrato de mútuo. De acordo com o contrato celebrado foram convencionadas, além do mais, as cláusulas acerca do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respectivos juros, haveriam de ser pagos; das datas da 1.ª e das restantes prestações; dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respectiva cláusula do contrato. Com efeito, percorrendo o contrato dos autos, verifica-se que ficou clausulado o montante do financiamento e a finalidade do mesmo (artigos 1.º e 2.º); o prazo do contrato (art. 3.º); a taxa de juro (art. 5.º); os efeitos da mora (art. 8.º); a constituição de garantias (art. 12.º); o incumprimento (art. 13.º).”.
Ora, na decisão alude-se a todas as cláusula do contrato e apesar das mesmas, mormente as relativas ao incumprimento, acaba por se aludir que “(…) as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010, tendo ficado em dívida, de capital, a quantia de € 416.942,32, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios.”, efectuando-se logo o salto quanto ao valor recebido pela exequente, como sendo de € 214.000,00, e aludindo-se que tal valor foi imputado ao montante em dívida atrás referido, com o remate que, à data de 01.08.2019, mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital.
Como fica claro da decisão entendeu-se que face ao não pagamento das prestações devidas, em 13/08/2010, se considerou a totalidade da dívida de capital, ou seja, o vencimento de todas as prestações. Foi assim, com base neste vencimento antecipado e socorrendo-se do decidido no Acórdão da Relação de Guimarães de 14.03.2019 (in www.dgsi.pt) que transcreve, no qual se conclui, nomeadamente, que não se operou a resolução do contrato e se entende que no caso «(…) não carecia a mutuante de resolver o contrato, quando do mesmo emerge o seu direito de, em determinadas circunstâncias, aí previstas, exigir a totalidade da dívida (cláusula 14ª).(…) Ora, no caso em apreço, existe uma disposição contratual (cláusula 14ª) que permite ao mutuante considerar antecipadamente vencida a totalidade da dívida em caso de incumprimento de uma das suas obrigações (facto nº 5). Não se trata contudo de uma cláusula resolutiva, entre o mais porque não é expressa nesse sentido. Mas se o fosse a solução seria a mesma.
Fundando-se a exigibilidade do total da dívida no disposto em cláusula do contrato, não teria a exequente qualquer interesse em resolver previamente o contrato, mas sim, ao abrigo dessa mesma cláusula, querendo, exigir a totalidade da dívida.
O mesmo sucede com o regime previsto no art.º 781º do CC, que, no caso de pagamento fraccionado em prestações compostas de capital e juros, permite ao credor, no
caso de falta de uma delas, considerar vencidas todas as demais, sem prejuízo da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 7/2009, publicado no DR 86 SÉRIE I de 05-05-2009.
Nestes casos a exigibilidade da totalidade da dívida não decorre da destruição do
contrato, mas do próprio contrato ou da lei. Contudo, entendemos que o funcionamento da referida cláusula exige prévia comunicação dessa intenção aos mutuários, com a indicação da totalidade da dívida que assim se considera vencida.
O que não foi feito, pois da comunicação referida em 9º e 10º dos factos provados,
acima reproduzida tal como consta dos documentos juntos a fls. 40 e 41, que não é do Banco mutuante mas de quem se intitula sua advogada, decorre apenas que instaurará execução para cobrança do montante em dívida (prestações vencidas) referido nessa comunicação (€20.839,57) e não da totalidade. Do mesmo modo e agora com referência ao disposto no art.º 781º do CC, entende-se ser indispensável a “interpelação”.
Efectivamente “embora o art.º 781 do CC fale em vencimento de todas as prestações, quase toda a doutrina e jurisprudência falam antes em exigibilidade antecipada, com necessidade de interpelação para haver vencimento: assim, Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 4ª edição, 1990, Almedina, págs. 52/53; Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, nota 272, págs. 84/85; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, págs. 318 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, 1991, págs. 866 a 896, que cita ainda no mesmo sentido Vasco Xavier e Pessoa Jorge; Teresa Anselmo Vaz, Alguns aspectos do contrato de compra e venda a prestações e contratos análogos Almedina, 1995, págs. 22/23; Januário Gomes, Assunção fidejussória de dívida, sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, págs. 24, nota 71, e 948, nota 28, e em Contratos comerciais, Fev2013, Almedina, pág. 296 e nota 999; Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra editora, Maio de 2011, págs. 391/392; Isabel Menéres Campos, Contributo para o estudo da reserva de propriedade, em especial a reserva de propriedade a favor do financiador, Setembro de 2009, pág. 195, edição on-line); Jorge Morais de Carvalho, Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, Junho 2012, págs. 620/621”.
Concluímos que, no caso em apreço, nem o contrato foi resolvido, por inexistir a correspondente declaração de vontade da mutuante, aqui apelada, nem a totalidade da dívida se pode considerar exigível, por inexistir interpelação nesse sentido.
A interpelação é neste caso constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta. Sem tal interpelação o título executivo é insuficiente.”.».
Donde, foi com base em tal apreciação efectuada no Acórdão transcrito que o Tribunal recorrido acaba por assumir igual entendimento no caso em apreço dizendo que “não se provou qualquer interpelação ou declaração resolutória do contrato de mútuo”, declarando procedentes os embargos.
Não cuidou o Tribunal recorrido, por um lado, em apreciar as cláusulas do contrato quanto à eventual possibilidade de vencimento imediato das prestações em dívida, e por outro lado, discutir sequer a possibilidade de a interpelação para efeito de vencimento antecipado poder constituir a citação para a execução. Vejamos então.
No que concerne à obrigação liquidável em prestações dispõe o artº 781º do Código Civil que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Pegando nos ensinamentos de Antunes Varela ( in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª Edição, 1990, Almedina, pág. 51 a 53) o que o preceito prevê é que “o credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido. Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento a responder pelos danos moratórios. O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor”. Logo, “a interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui”. Porém, sempre será necessário que haja mora do devedor nos termos do artº 804º nº 2 do CC.
A propósito de tal normativo também Ana Prata ( in Código Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2017, pág. 979 e 980) refere que face à redacção do mesmo “não queira, só por si, significar que se está perante um vencimento automático, mas, no quadro desta subsecção, perante mais uma circunstância que se reflecte no prazo, mais exactamente na perda do benefício dele pelo devedor. O que tem como consequência que, faltando o devedor ao cumprimento de uma das prestações, possa o credor exigir-lhe (interpelá-lo, de acordo com o nº. 1 do art.º 805º) o cumprimento da totalidade da obrigação”, sendo ainda reconhecido pela generalidade da doutrina “o carácter supletivo da norma”.
É certo que relativamente à exigibilidade ou não de interpelação não há unanimidade na doutrina, assente na interpretação da expressão “vencimento de todas” contido no artº 781º do CC, havendo quem defenda que este vencimento é imediato e automático, dispensando a interpelação do devedor, ao invés, como se deixou expresso se esta expressão significa apenas exigibilidade imediata de todas as prestações, sendo necessária a interpelação do devedor.
Na defesa da primeira posição está a razão dita histórica da norma, pois na confrontação entre a redacção da lei (resultante da 2ª Revisão Ministerial) e o que se encontrava consagrado no art.º 742º do antigo Código Civil e bem assim com o que constava do Anteprojeto e na 1ª Revisão Ministerial onde se estabelecia de forma expressa a mera exigibilidade imediata: “a falta de pagamento de uma delas confere ao credor o direito de exigir o imediato pagamento de todas”, entendia-se que tal consequência não exigia a interpelação. Defendia tal posição Galvão Teles (“Direito das Obrigações, Coimbra, 7ª edição, pág. 271). Em sentido oposto além de Antunes Varela ( in ob. cit. ), pronunciou-se ainda Almeida e Costa (in “Direito das Obrigações”, Almedina, 9ª edição, pág. 950-951), os quais entendem que tal preceito estabelece a mera exigibilidade antecipada e não o vencimento automático, impondo-se ao credor a interpelação do devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas.
Entendemos sufragar este último entendimento, porém, mitigado com o principio da autonomia da vontade, a saber, aferir o que previram as partes contratualmente no caso de pagamento em prestações e incumprimento consubstanciado na falta de pagamento de alguma das prestações fraccionadas. Aquele entendimento tem sido maioritário no âmbito das decisões proferidas pelo STJ, nos quais se conclui que uma vez que em face do não cumprimento de uma das prestações, o prazo para cumprimento das restantes deixou de existir como prazo indicativo de vencimento, cabe ao credor/exequente interpelar o devedor para exigir antecipadamente as restantes prestações (neste sentido entre outros, Acs. do STJ de 15/3/2005, 17/1/2006, 6/2/2007 e 19/11/2009, todos in www.dgsi.pt)”. Nesta Relação e secção idêntico entendimento foi sufragado no âmbito do Acórdão proferido no Processo nº. 22574/13.6T2SNT-6, datado de 07/06/2018.
Relativamente à relevância do estabelecido pelas partes importa trazer à colação ainda o Acórdão proferido nesta Relação no Processo nº. 6691/11.0TBVFX-A.L1-1, no qual se conclui que o art.º 781º, “na medida em que determina a perda do benefício do prazo, não é de carácter automático mas apenas atribui ao credor uma faculdade, que ele usará ou não se e quando for do seu interesse. Essa mesma norma tem, no entanto, natureza supletiva, pelo que é lícito às partes (art.º 405º do CCiv) estabelecer a automaticidade da perda do benefício do prazo”.
No caso dos autos a par da interpretação do artº 781º do CC nos termos sobreditos haverá ainda que considerar o que se estabeleceu no contrato de mútuo apresentado no âmbito da execução.
Outrossim, no contrato celebrado previram as partes no artigo décimo terceiro que: «1.Sem prejuízo doutros casos previstos na lei ou neste contrato, o B… poderá denunciar o presente contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita aos Mutuários, sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) No caso de incumprimento, no prazo concedido, de exigências efectua- das, consoante os casos, ao abrigo do disposto nos artigos 633°, 670°, alínea c), 701° e/ou 780°, todos do Código Civil; b) Se os MUTUÁRIOS cessarem pagamentos, se requererem processo de recuperação de empresa ou de falência, ou algum deles for requerido por terceiros.» (sublinhado nosso). Resulta de tal cláusula que as partes previram expressamente a interpelação, neste caso por escrito, inexistindo qualquer automatismo no vencimento antecipado de todas as prestações previstas no contrato.
No caso presente, não decorre da factualidade provada que, na sequência da falta de pagamento de prestações vencidas, a exequente tenha exigido aos executados o cumprimento da totalidade da obrigação em momento anterior à propositura da acção executiva, nem releva vir agora invocar em sede de recurso e entre parêntesis nas suas conclusões de recurso que “(sem prejuízo, cumpre referir que foi enviada ao Recorrido carta de resolução e vencimento antecipado do Contrato de Mútuo a 30 de julho de 2010)”, pois tal não foi alegado em sede de requerimento executivo ou sequer na contestação aos embargos.
Aqui chegados, haverá, porém, que considerar se a exigência de notificação por escrito aos mutuários para o vencimento de todas as prestações e, logo, a exigência de pagamento do valor total mutuado (sendo que este seria expurgado dos juros remuneratórios, face à jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 7/2009, que estabeleceu que “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”) poderia ser realizada na sua completude com a citação do executado para a execução, na qual a exequente apresenta como quantia exequenda a totalidade do capital em dívida e, logo, considera que se venceram todas as prestações.
No âmbito desta questão este colectivo decidiu no Acórdão proferido no proc. nº 2106/12.4TBVFX-A.L1-6, datado de 8/07/2021, o seguinte que se transcreve: «A norma do artigo 781.º do Código Civil tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada, podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor (neste sentido, acórdãos do STJ de 21.11.2006, p. 06A3420, e do TRC de 4.6.2013, p. 5366/09.4T2AGD-A.C1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt). (…) O sentido da expressão vencimento imediato não é o do afastamento do regime-regra que resulta do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, o qual careceria de ser expresso de forma inequívoca. O vencimento imediato não equivale a vencimento automático de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas, não ficando a credora dispensada de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida.
A ausência de automatismo no vencimento antecipado implica outra consequência. A interpelação do devedor para cumprir a obrigação de pagamento, que então ganhou novos contornos, deve anteceder a propositura de acção executiva.».
O que se verifica in casu é que a exequente apenas alega no requerimento executivo que o incumprimento dos executados, consubstanciada na ausência de pagamento das prestações devidas ocorre desde 02-03-2010, indicando o valor do capital em dívida na sua totalidade mais concluindo que “pelo que se encontram em mora, sendo exigíveis todas as prestações de capital vincendas”.
Logo, não pretende que se considere a citação dos executados como interpelação para esse efeito, nomeadamente trazendo à colação o previsto no artº 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC ou 662º nº 2 alínea b) do CPC/95, tal como se defende nos acórdãos do STJ de 12.7.2018 (p. 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1) e do TRC de 12.12.2017 (p. 10180/15.5T8CBR-A.C1), ambos relativos ao mesmo processo, e o acórdão do TRC de 6.2.2016 (p. 195/13.3TBPCV-A.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt, nos termos dos quais se aceita que a citação torna exigível a dívida vencida nos termos do artigo 781.º do Código Civil, mas apenas nas execuções ordinárias, em que tal ato precede os atos de agressão do património do devedor.
Acresce que na redação do CPC de 1961 conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, o então artigo 804.º, n.º 3, previa expressamente a possibilidade de a interpelação ser substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo - «quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado». Todavia, tal hipótese desapareceu na redação introduzida no artigo 804.º pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8.3, situação que se manteve inalterada na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao atual CPC de 2013.
Carlos Lopes do Rego em anotação a tal alteração sublinhou que «no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.» (Requisitos da Obrigação Exequenda, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, n.º 7, 2003, Almedina, pp. 70-71). Realçou, porém, a estrutura do processo previsto nos artigos 812.º-A, n.º 1, alíneas c) e d), e 812.º-B do CPC, introduzida pelo citado Decreto‑Lei n.º 38/2003: «não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra‑judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.» (obra e pp. citadas).
No caso dos autos a execução comum iniciou-se com a citação dos executados, pois dada a redação do artigo 465.º operado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, o processo de execução passou a seguir forma única, a comum, com a especificidade decorrente do título dado à execução.
Todavia, a questão que se coloca é saber se ao inexistir a prova da interpelação extrajudicial do devedor antes da propositura da execução (a qual não foi sequer alegada no requerimento executivo), para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, se estão ainda assim verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda nos termos pretendidos pela Exequente/Recorrida, ou ao invés podemos desde já concluir pela procedência dos embargos como pretende o recorrente.
Ora, é certo que no âmbito da execução a exequente não juntou a interpelação dos devedores que determinaria o vencimento da obrigação e justificaria o valor em dívida, porém, soçobrado o documento complementar que constitui a interpelação do devedor nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, remanesce o título executivo dado à execução que constitui o contrato de mútuo.
Tal título executivo, conjugado com o requerimento inicial, pode servir ainda de base a uma execução para o pagamento de quantia certa em que é exigido o cumprimento de obrigações contratuais. Porém, para se poder concluir pela definição do valor da obrigação, sempre seria essencial a prova da data do incumprimento dos executados, dado que o artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, preceitua que os devedores se constituem em mora, independentemente de interpelação, logo que vencida e não paga a prestação a prazo certo convencionada.» ( in jurisprudência.pt e www.dgsi.pt ).
Mantemos tal posição, porém, no caso dos autos a exequente não se limitou a juntar o contrato de mútuo o qual consubstancia manifestamente um título de dívida das prestações vencidas, dada a prova do incumprimento do pagamento das prestações pelos executados a partir de determinada data, o que ocorre nos autos é que na sequência de tal incumprimento a exequente já havia reclamado o seu crédito (desconhecemos em que termos) no âmbito da execução fiscal, identificado pelo n.º 2151200601044605 – Serviço de Finanças de Almada.
Ora, no âmbito dessa mesma execução a Embargada recebeu, em consequência da venda judicial do imóvel que garantia hipotecariamente o crédito em causa a quantia de € 214.179,97, a 08/07/2013, quantia essa que a exequente nesta execução alega que foi imputada ao valor global em divida nos termos do documento junto ao requerimento executivo como doc. 3, do qual consta que foi amortizado no capital o valor de 107.532,85€ e nos juros de mora o valor de 106.647,12€, contando como data de “resolução” e de contagem de juros 13/08/2010, e ainda que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47 de capital e juros desde 13/08/2013 no valor de 142.441,57€.
Destarte, a imputação deste valor foi realizada pela exequente, mas sem que resulte dos autos em que momento foi interpelado o executado do vencimento antecipado das prestações e em que termos, o mesmo ocorre com o início de contagem dos juros, bem como a evidencia se a contagem dos juros moratórios integra ou não o valor devido a título de juros remuneratórios. Na verdade, o valor inicial mutuado foi de 302.255,15€, situando-se o incumprimento por parte do embargante quanto ao pagamento das prestações em 13/08/2010, ou seja, decorrido cinco anos de vigência do contrato, porém, nessa data, alega a exequente que o valor de capital em dívida é de 416.942,32€ a “que acrescem juros remuneratórios e moratórios”. Por fim, na consideração da amortização do valor contabiliza juros devidos sobre esse mesmo montante, imputando o valor inicialmente nos juros, mas contabilizando os mesmos como sendo devidos desde 13/08/2010 sobre a totalidade do capital aludido. É manifesto que do título junto não resulta a liquidez e exigibilidade do valor indicado como exequendo pela embargada, nem a citação do executado é de molde a determinar cumpridos tais requisitos.
O contrato junto desacompanhado da interpelação dos executados nos termos sobreditos – previsto quer no artº 781º do CC, quer contratualmente - poderia ser suficiente para o efeito da exigibilidade do pagamento das prestações vencidas e respectivos juros à data da propositura da execução. Porém, neste caso haverá que considerar que no decorrer deste incumprimento a exequente recebeu o valor da venda do bem dado em garantia, pelo que tal valor ou era imputado nas prestações vencidas e respectivos juros (iniciando-se por estes – cf. artº 785º do CC), ou teria a exequente de fazer prova da interpelação dos executados do vencimento antecipado (e não ao embargante, como parece resulta das conclusões de recurso, dado ser um facto constitutivo do direito da exequente), sendo devidos juros moratórios a partir dessa data e sobre o valor total em causa, pois pretender que se considere a citação sempre os juros só seriam devidos desde a realização desta, o que afasta desde logo a liquidez e exigibilidade exigidas em sede de execução e determina ainda a desconformidade da imputação do valor recebido.
Do exposto, resulta a procedência dos embargos, confirmando-se também com estes fundamentos a decisão recorrida.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela embargada e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes