I - De decisão proferida no âmbito de procedimentos cautelares, só é admissível revista nos casos previstos no art. 629o no 2 do CPC.
II - Enquadrando o recorrente o recurso de revista no âmbito do art. 629° n. 2, alínea a), parte final, do CPC, a sua apreciação terá de se circunscrever a tal fundamento – a violação de caso julgado, não podendo alargar-se a outras questões
III - Muito embora o acórdão da Relação proferido no processo n.° 1942/12.2... ... tenha revogado a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão restituitória, substituindo-a pela absolvição dos réus desse pedido, o certo é que não foi ali proferida decisão a condenar a autora a restituir a posse do prédio aos réus - o que nem sequer terá sido pedido. Limitou-se assim aquele acórdão à simples consideração de que, '"implicitamente, os réus não tinham fundamento para ter procedido à restituição do imóvel à autora".
A Fábrica da Igreja Paroquial de Chorente instaurou a presente providência cautelar de restituição provisória da posse contra AA, BB e CC do prédio rústico identificado no art. 1.° do requerimento inicial.
Por decisão proferida a lis. 72 a 78 dos autos, com dispensa do contraditório, foi a providência julgada procedente, sendo ordenada a restituição provisória da posse à Requerente e condenados os Requeridos a remover a vedação descrita em 16) dos factos provados e a absterem-se de praticar quaisquer atos que pusessem em causa a posse da Requerente sobre o referido prédio.
Os Requeridos deduziram oposição àquela providência, sustentando, além do mais, que a cedência do prédio que efetuaram à Requerente foi meramente precária, pelo que a posse por aquela exercida sobre o prédio é ilegítima, porquanto a Requerente tomou posse do prédio na pendência de uma ação declarativa que correu termos entre as partes e onde aquela pretendia ver reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio, o que não conseguiu.
Realizada a audiência, foi proferida nova decisão a julgar improcedente a oposição deduzida, mantendo a restituição provisória da posse anteriormente ordenada.
Inconformados, os Requeridos recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão constante de fls. 240-260, a julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão da 1a instância.
Novamente inconformados, vieram os Requeridos pedir revista com o fundamento especial de ofensa do caso julgado constituído pela decisão proferida na ação declarativa que correu termos sob o n.° 1942/12.2..., formulando as seguintes conclusões:
1."- Na ação 1942/18.2..., julgada por acórdão da RG de 15.10.2020, a ali autora e ora Requerente deduziu contra os Requeridos três pedidos autónomos:
a) - De declaração do direito de propriedade do imóvel do item 1.° da PI, por doação que lhes fez DD;
b) - de restituição e entrega do imóvel com base na posse do prédio por si e antepossuidores;
c) - de inutilidade superveniente da lide por entrega dos ali réus e ora Requeridos e ocupação material do imóvel que a ali autora fez em 4/12/2019;
2 - Tais pedidos contra os ora recorrentes foram todos julgados improcedentes pelo ac. da RG de 15.10.2020, transitado em julgado, com o esclarecimento do doc. 3 da Oposição Cautelar, no qual se refere ... "durante a sessão de julgamento de 10.12.2019, a Autora em face designadamente do doc. 4 junto pela Autora em 22.10.2019 (email pelo R. AA de 03.09.2018 onde refere a entrega em 01.08.2018), das declarações de parte dos réus do facto dos representantes da Autora terem entrado na posse do prédio em 04.12.2019, requereu que a instância posse extinta por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados em b) e d) da petição inicial" julgou tal pedido improcedente integrando-o na sentença de absolvição dos RR., ao referir na parte final do tal doc. 3 ... "nesta instância procedeu-se à subsunção jurídica, (pie concluiu pela improcedência total da ação, absolvendo-se os réus do pedido, i.e.. de todos os pedidos. Assim, face à argumentação aí expedida, conclui-se ainda que implicitamente que os réus não tinham fundamento para terem procedido à restituição do imóvel à autora. "
Dito de outra forma: malgrado a entrega dos RR. à A. dada como provada nessa ação, a A. não tinha o direito de pedir aos RR. a entrega e de ter procedido à ocupação que fez do prédio em 04.12.2019 (no decurso do julgamento). Ora. é exatamente com base na tal ocupação que a aqui Requerente pedido de restituição provisória do prédio (facto n." 15 da 2" decisão recorrida)
3 - Tendo os ora recorrentes retomado a posse do prédio, após o desfecho favorável daquela 1.a ação, vedando o prédio com postes e três ou quatro fiadas de arames, a Reqte, veio intentar a presente restituição provisória da posse do prédio com base na entrega que diz que os RR. lhe fizeram cm 01.08.2018 e na ocupação do prédio desde, pelo menos. 04.12.2019 (cfr. facto n. 15 da 2a decisão da 1" instância, não alterado pelo ac. recorrido);
4 - Como resulta dos princípios normativos, a restituição provisória da posse constitui a guarda avançada da defesa do direito de propriedade a instaurar como ação principal ou como diz Manuel Rodrigues, in "A Posse" (1981, pág. 326) ... "é um direito criado exclusivamente para a defesa de um direi/o definitivo" (in casu, do direito de propriedade já negado à A. no 1" acórdão da ação n." 1942/18.2..., transitado - cfr. art. 1278-1, parte final, CC),
5 - Efetivamente, compulsando o pedido e a causa de pedir de ambas as ações, constatamos que não sendo iguais, são muito idênticas, entroncam uma na outra quanto à causa de pedir (a aquisição derivada; a posse por si e antepossuidores, os efeitos da suposta entrega pelos requeridos do prédio em 01.08.2018 e da ocupação efetiva feita pela requerente/recorrida em 04.12.019) - e ao pedido de entrega do mesmo prédio.
6 - Ressalta evidente que a Requerente, ora recorrida, com a Prov." Cautelar sub judice, pretende, astuciosamente, entrar (assaltando) pela janela, quando lhe foi vedado entrar pela porta... servindo-se sem nenhuma prova de numerosos factos aqui e ali dados como provados na 1" ação comum, 1942/18.2... - cfr. facto n.os 4 a 13 da 1" decisão cautelar e respetiva motivação no "caso julgado " que, por sua vez, o ac. recorrido confirmou a fls 30 a 33 - não obstante a impugnação frontal e explicada de alguns desses factos feita pelos requeridos pela sua Oposição Cautelar, vg. no tocante à suposta entrega do prédio pelo requerido AA.
7 - Tendo o ac. RG de fls 41 e ss integrado na decisão a ocupação que a Reqte fez do prédio em 4.12.2019. negando à aqui Req/e o direito de ter pedido a entrega e de ocupar o prédio - pedido subjacente à inutilidade superveniente da lide, com base naquela ocupação do prédio aquela 1a decisão transitada, no fundo, considerou ilegítima ou irrelevante, para efeitos do pedido de entrega, a ocupação que a Reqte faz desde 04.12.2019. pelo que. não pode, ao arrepio dessa decisão vir astuciosamente colocar a mesma questão ao tribunal, sob pena daquela 1a decisão poder vir a ser repetida ou contraditada - como foi, ainda que provisoriamente.
8 - Contrariamente ao defendido por ambas as instâncias cfr. motivação dos factos provados n.o 4 a 13 da 1a decisão que fez parte da decisão final e da ratificação de tal entendimento pelo ac. recorrido a fls. 30 a 33 do ac. - ..."o caso julgado num 1. processo, transitado, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo ... os fundamentos de facto não adquirem quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de modo a poderem impor-se extra processualmente" - cfr. e recente ac. STJ de 17.5.2018, proc. 3811/13.3T8PRD, no qual se expôs grande resenha doutrinal e jurisprudencial desta questão.
9 - Sendo procedente a conclusão anterior, como aliás é consensual na doutrina e na jurisprudência, deve dar-se por "não escritos" os factos provados n.os 4 a 13 referidos da 1a decisão Cautelar, confirmada pelo ac. recorrido - procedendo tb por essa via a presente revista.
10 - Finalmente, julgamos inadmissível, até por abuso de direito, o presente pedido de restituição provisória de posse, defendendo, por antecipação, o seu alegado direito de propriedade - que a Requerente terá de pedir na ação principal, quando o referido direito, dito possuído desde 4/12/2019 já lhe foi negado por decisão transitada em julgado no processo no 1942/18.2...
A Recorrida contra-alegou a arguir a inadmissibilidade da revista e, subsidiariamente, o seu não provimento.
Pelo Ex.mo Juiz Conselheiro relator, entretanto jubilado (jubilação determinante da redistribuição do processo ao ora relator), foi proferida a seguinte decisão sumária:
“II - Apreciação sumária
Sendo esta revista estribada no fundamento especial da alegada ofensa do caso julgado, previsto no art.° 629° n. 2, alínea a), parte final, do CPC, a sua apreciação terá de se circunscrever a tal fundamento.
Nesta conformidade, a questão a resolver consiste simplesmente em saber se a decisão cautelar proferida nestes autos viola o caso julgado formado sobre a decisão final proferida na acção que correu termos sob o n.° 1942/18.2..., questão esta que foi também suscitada e apreciada em sede de apelação.
Sem necessidade de discorrer sobre a natureza e envolvência o instituto do caso julgado, sobejamente versadas no acórdão recorrido e pelos próprios recorrentes, e que se têm por adquiridas, centremo-nos no caso em espécie.
Não sofre dúvida de que, na sobredita ação, foi deduzida pela ali autora e ora Requerente contra os ali réus e aqui Requeridos uma pretensão reivindicatória sobre o prédio em causa, tendente ao reconhecimento do direito de propriedade invocado por aquela autora e à condenação desses réus a restituir o imóvel.
Essa pretensão fundava-se na alegação da aquisição derivada daquele direito mediante escritura de justificação notarial e doação de 30/9/2004, da usucapião e ainda da presunção da posse resultante do disposto no art. 1268.° do CC.
Nessa ação, foi proferida sentença, na 1.a instância, em 2/3/2020, a julgar procedente a pretensão de reconhecimento do direito de propriedade e a condenar os réus a abster-se de praticar qualquer ato que ofendesse ou perturbasse a propriedade da A., mas foi julgada extinta a instância quanto à pretensão restituitória, por inutilidade superveniente da lide, uma vez que os ali réus entregaram o prédio à autora que o passou a ocupar a partir de 4/12/2019.
Os ali réus recorreram daquela sentença, tendo sido proferido acórdão pela Relação de Guimarães, em 15/10/2020, a dar provimento à apelação, revogando a sentença recorrida e julgando a ação improcedente com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Subsequentemente, como se colhe do acórdão ora recorrido, em sede de uma suposta "reclamação" do sobredito aresto, foi proferida nova decisão, em 17/12/2020, a consignar que o acórdão da RG de 15.10.2020 teve em consideração que a Requerente ocupou o prédio em 4/12/2019, esclarecendo que a decisão daquele aresto contemplou também essa questão, ao revogar o pedido de inutilidade superveniente da lide, mais esclarecendo que:
"Assim, face à argumentação aí expendida conclui-se, ainda que, implicitamente, os réus não tinham fundamento para ler procedido à restituição do imóvel à autora.".
Nesse contexto, como decorre do acórdão recorrido, verifica-se que o presente procedimento cautelar tem por fundamento, no essencial, uma posse iniciada pela Requerente em 4/12/ 2019, em virtude da entrega do prédio que lhe fora feita pelos Requeridos.
Nesse âmbito, foram dados como provados os seguintes factos: «13 - Em data não concretamente apurada, a aqui Requerente, através do seu ilustre mandatário, deu entrada no processo registado sob o n° 1942/18.2..., da Instância ... - Juiz 3 de um requerimento com o seguinte teor:
1 - Considerando o teor do documento n° 4 junto com o requerimento apresentado pela A. em 22/10/2019 - email remetido pelo R. AA no dia 03 de setembro de 2018 no qual refere que os RR. dão o terreno como entregue em 01/08/2018.
2 - Considerando que todos os RR., em sede de depoimento de parte prestado em audiência de julgamento no dia 12 de novembro de 2019 declararam que consideravam o prédio entregue,
3 - Considerando que a A. reconhece que o prédio objeto dos autos tem a área e configuração constante da planta junta com a contestação como doc 1.
4 - Considerando que o prédio em causa se encontra atualmente livre de pessoas e bens e que os RR. retiraram todas as plantações no mesmo.
5 - Os representantes da A., no passado dia 4 de dezembro, de manhã, entraram no prédio e procederam à sua limpeza e à vedação e ocupação do mesmo, conforme fotografias que se juntam - does. 1 a 8.
6 - Tudo sem qualquer oposição dos RR.
7 - Tendo em conta todos estes factos, requer-se que seja extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e d).
(...)"
15. A Requerente, por si e antepossuidores, desde pelo menos 4 de Dezembro de 2019 que está na posse do prédio descrito em 1) e 3), zelando pelo mesmo, procedendo à sua limpeza e conservação, entrando nele sempre que entende, cortando a erva, vedando-o com vigas e arames, topografando-o, ocupando-o com veículo, nele depositando pedras, gravilha e materiais inertes, de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, agindo como sua dona, na convicção de não lesar direitos alheios - reeleição dada pela Relação.» A par disso, convém reter que foram dados como não provados os seguintes factos:
«1) Face à pressão com ameaça de ação judicial e pedido de indemnização por atraso da obra, o Requerido AA no dia e após que recebeu a citação para a ação n° 1942/18 (1.8.2018) - os outros 2 Requeridos estavam ausentes - enviou um email ao dist. advogado da Requerente a dar o terreno como entregue, mas o terreno localizado atrás da igreja, isto enquanto se decidia a questão judicial. g) Não obstante o email do AA, a Requerente não aceitou aquela entrega. h) Como a Requerente não reocupou o terreno atrás da igreja que, na sua tese, não era esse o reivindicado, os Requeridos mantiveram a posse do terreno de 1.020 m2 atrás da igreja entrando nele com trator e fazendo regos para escoamento da água de todo o prédio, mas sem o agricultar, o que sucedeu até 4 de dezembro de 2019. i) O Requerido AA dispunha-se a entregar o prédio à Requerente atrás da igreja até à decisão da questão.»
Muito embora o acórdão da Relação proferido no processo n.° 1942/12.2... ... tenha revogado a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão restituitória, substituindo-a pela absolvição dos réus desse pedido, o certo é que não foi ali proferida decisão a condenar a autora a restituir a posse do prédio aos réus - o que nem sequer terá sido pedido. Limitou-se assim aquele acórdão à simples consideração de que, '"implicitamente, os réus não tinham fundamento para ter procedido à restituição do imóvel à autora".
Trata-se, portanto, de uma ilação extraída da improcedência da pretensão reivindicatória - mormente por virtude do não reconhecimento do invocado direito de propriedade da autora -, mas que não se mostra "assertiva", como se refere no acórdão recorrido, muito menos com caráter decisório, no sentido de que, não tendo os réus fundamento para assim terem procedido, a autora devesse proceder, sem mais, à restituição da posse do prédio àqueles, para mais quando se estava perante um novo contexto possessório emergente de uma entrega voluntária por parte dos ali réus, tal como resulta do descrito sob o ponto 13 dos factos provados.
Assim, na linha do que foi entendido no acórdão recorrido, afigura-se claro que a pretensão reivindicatória deduzida no processo n.° 1942/12.2... e respetiva causa de pedir não são idênticas à presente pretensão cautelar possessória e seus fundamentos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 580.° e 581,°. n.° 3 e 4. do CPC.
Tanto basta para concluir, nesta parte, pela não verificação da alegada violação de caso julgado.
Por outro lado, a decisão absolutória proferida naquela ação não contém, por si só, qualquer juízo implícito, nem muito menos explícito, no sentido de que, perante o contexto possessório ocorrido a partir de 4/12/2019, a ali autora estivesse obrigada a restituir o imóvel aos réus. Note-se que, no acórdão de 17/12/2020, a Relação de Guimarães teve o cuidado de apenas se referir à absolvição da pretensão restituitória e, nessa base, à falta de fundamento para os réus terem procedido à entrega do imóvel à autora, mas sem qualquer pronunciamento sobre os efeitos decorrentes, para o futuro, da entrega assim consumada.
Por conseguinte, também aqui não se pode extrair um efeito de caso julgado material, nos termos e com o alcance previstos no artigo 621° do CPC e que seja impeditivo da decisão cautelar proferida nos presentes autos.
Suscitam ainda os Recorrentes a violação de caso julgado em sede dos factos que foram dados como provados sob os pontos 4 a 13 da decisão cautelar com referência a factos provados no processo n° 1942/12.2..., pretendendo que esses factos sejam tidos por "não escritos".
Ora, como referem os próprios Recorrentes, o caso julgado não recai, de forma autónoma, sobre a matéria de facto. Assim sendo, o aproveitamento de factos dados como provados noutra ação não constitui violação de caso julgado. Quando muito, poderá ocorrer erro de julgamento em sede da valoração extraprocessual das provas (art.° 421.° do CPC).
Nessa medida, trata-se de uma questão que excede o âmbito da presente revista, confinada como está ao estrito fundamento especial da ofensa de caso julgado.
Também em virtude desse confinamento, não cabe aqui ajuizar sobre a eventual pertinência da presente providência cautelar com o efeito útil da ação principal de que depende, nem sobre o invocado abuso de direito.
Em suma. sem necessidade de mais considerações, conclui-se pela manifesta improcedência do fundamento invocado respeitante à violação de caso julgado.”
Culminando assim:
“Pelo exposto, ao abrigo do artigo dos artigos 652.°, n." 1, alínea c), e 656.°, ex vi do art. 679." do CPC, decide-se negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
...”.
Inconformados com esta decisão singular, vieram os requeridos AA e outros, requerer, ao abrigo do art. 652o no 3 do CPC, que sobre a decisão singular proferida incida Acórdão, em conferência, aduzindo:
1º Nenhuma decisão judicial é separável dos seus pressupostos de facto e de direito – os seus fundamentos - que ficam abrangidos pela força do caso julgado (por isso se fala em “silogismo jurídico”).
2º É insofismável que a 1a decisão da Relação de Guimarães, transitada, proferida no proco no 1942 ... julgou todos os seguintes pedidos da PI da ação: a) – pedido da declaração de propriedade e a entrega, com base: na aquisição por escritura de justificação e doação; na usucapião e na presunção do arto 1268, CC; b) – pedido de entrega do prédio com base na ocupação que a autora dessa ação fez em 4.12.2019.
3º Esse 1o douto ac. Rel. Guimarães tomou como fundamentos ou pressupostos da decisão que “... autora não logrou provar a aquisição derivada da propriedade referente à parcela de terreno, nem a aquisição originária, nem ainda pode beneficiar da presunção inerente à posse prevista no arto 1268-1, CC”.
4º No tocante à decisão em 2o-b), supra, no seu esclarecimento – cfr. doc. 3, não impugnado, junto à Oposição na presente Providência Cautelar – discorreu assim esse douto acórdão “... nesta instância procedeu-se à subsunção jurídica que concluiu pela improcedência total da ação, absolvendo-se os RR. do pedido, i. e. de todos os pedidos”. “Assim, face à argumentação aí expendida, concluiu-se, ainda que implicitamente que os RR. não tinham fundamento para ter procedido à restituição do imóvel”.
5º Socorrendo-nos do arto 236-1, CC, salvo o devido respeito, é indubitável que o douto Ac. da RG de 15.10.2020, proferido na 1a ação no ...4.../18, transitada, para negar os dois pedidos referidos em 2o, supra, assentou o seu veredicto no julgamento dos seguintes pressupostos/fundamentos que a Relação declarou: a) – “a escritura de justificação e doação não transmitiu a propriedade do imóvel para a A. e, com base nela, não pode a A. (Requerente da Providência sob recurso, ora recorrida) pedir a entrega do imóvel”; b) – “a A. (Reqte da Providência) não tem a posse do prédio por si e antepossuidores e por esta causa também não pode pedir a sua entrega”; c) – “O pedido de entrega do prédio que fez aos RR. (Requeridos da Providência, ora Recorrentes) por efeito da ocupação que fez do prédio em 4.12.2019, já no decurso do julgamento em questão, é inválida”.
6º Se não, perguntamos: - se acaso a ocupação que a Requerente do presente procedimento (Recorrida) fez do prédio em 4.12.2019 fosse válida, aquele 1o acórdão alguma vez recusaria o pedido de entrega do prédio com base nesse facto e julgaria improcedente a inutilidade superveniente da lide desse pedido?!! – Decididamente que não.
7º Face à decisão daquelas questões/pressupostos (item 5o, supra) decididos com trânsito no 1o acórdão RG, não vemos como é possível a Requerente do Procedimento Cautelar (Recorrida) voltar a pedir a entrega do prédio com base nos mesmos pressupostos de facto jurídicos, entre eles, a ocupação que fez do prédio em 4.12.2019, obtendo decisão (ora sob recurso) contrária àqueloutra, já transitada.
8º Dito doutro jeito: se a 2a ação suscita as mesmas questões fundamentais – a propriedade; a posse, a suposta entrega e a ocupação pela A/Reqte em 4.12.2019 – não pode qualquer destas questões ser autonomizada numa 2a ação, por ofensa do caso julgado na ação anterior. Aliás, bem referiu a douta decisão em reclamação “... nesse contexto, como decorre do acórdão recorrido, verifica-se que o presente procedimento cautelar tem por fundamento, no essencial, uma posse iniciada pela requerente em 4/12/2019, em virtude da entrega do prédio que lhe fora feita pelos Requeridos” (sic).
9º Ora, sendo isto verdade, como é, esta mesma questão foi já julgada improcedente na 1o Ac. da Relação de Guimarães quando este fundamentou a improcedência do pedido de inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de entrega, na ocupação do prédio em 4.12.2019 por entender que “...os réus não tinham fundamento para terem procedido à restituição do imóvel à autora” (aqui Reqte da Providência).
10º Na verdade, o que aquele 1o douto ac. declarou foi: malgrado a entrega dos RR. à A. esta não tinha o direito de lhes pedir a entrega do prédio (o que se discutiu nessa ação), muito menos de proceder à sua ocupação em 4.12.2019 – exatamente o que a ora Reqte/Recorrida pediu no procedimento cautelar “sub-judice”.
Conclusão:
A procedência do efeito jurídico decorrente da ocupação do prédio feita pela Reqte/Recorrida em 4.12.2019, reconhecido no presente procedimento cautelar, contradiz, frontalmente, os fundamentos da decisão, transitada anteriormente, que indeferiu o mesmo pedido de entrega com base na mesma ocupação feita em 4.12.2019, ou seja, nos presentes autos e nos autos principais que se lhe seguirão, mais se não pretende do que discutir questões já objeto de apreciação e decisão anterior, violando o caso julgado “nos precisos limites e termos em que julgou” (arto 621, CPC).
Termos em que, Requer a Va Exa se digne levar a decisão singular à Conferência, decidindo-se pela total procedência do presente recurso, com vista à defesa da estabilidade e segurança das decisões judiciais.
A recorrida Fábrica da Igreja Paroquial de Chorente veio pronunciar-se, nos seguintes termos:
- A douta decisão singular não merece qualquer reparo.
- A posse invocada neste processo em nada colide com o decidido no âmbito do processo 1942/18.2...
- Com efeito, nestes autos, a Requerente alega o exercício da posse desde o momento da entrega do prédio por parte dos Requeridos, ocorrida em 01/08/2018.
- O acórdão proferido no âmbito do processo n.° 1942/18.2... não pôs em causa a posse exercida pela Requerente após a entrega do prédio por parte dos Requeridos, nem considerou tal posse ilegítima.
- O acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado pela aqui Requerente, continuando os Recorrentes a confundir constantemente propriedade com posse.
- O que está em causa na presente providência é unicamente a posse da Requerente, sendo que a mesma foi suficientemente demonstrada nos autos.
- Não existe assim identidade de pedido e de causa de pedir entre a acção que correu termos com o n.° 1942/18.2... e a presente providência cautelar.
- Deve assim improceder a pretensão dos Recorrentes.
Apreciando:
Como foi bem dito na decisão singular sob reclamação, inexiste “necessidade de discorrer sobre a natureza e envolvência o instituto do caso julgado, sobejamente versadas no acórdão recorrido e pelos próprios recorrentes, e que se têm por adquiridas”, pelo que a única questão que fora colocada à apreciação deste tribunal centra-se exclusivamente na invocada “ofensa do caso julgado, previsto no art.° 629° n. 2, alínea a), parte final, do CPC”.
Estatui o art. 370º no 2 do CPC que, do Acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar não é admitido recurso de revista para o STJ, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, ou seja, os previstos no artigo 629º no 2 do CPC.
Desta forma, no caso de decisões proferidas no âmbito de procedimentos cautelares, só é admissível revista nos casos previstos no art. 629º no 2 do CPC (cfr. Acórdãos do STJ de 09-12-2021, Revista n.o 2371/19.6TGDM-A.P1.S1, de 30-06-2021, Revista n.o 22121/20.3T8LSB.L1.S1, e de 14-09-2021, Revista n.o 338/20.0T8ESP.P1.S1).
E, enquadrando os recorrentes a revista no âmbito do art. 629° n. 2, alínea a), parte final, do CPC, a sua apreciação terá de se circunscrever a tal fundamento – a violação de caso julgado.
Com efeito, e como é sabido, a admissão do recurso ao abrigo da al. a) do n.o 2 do art. 629.o do CPC, com fundamento na ofensa de caso julgado, tem como consequência que o seu objecto fique circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões (neste sentido, pronunciaram-se os Acórdãos do STJ de 04-07-2019, Revista n.o 1332/07.2TBMTJ.L2.S1, de 04-12-2018, Revista n.o 190/16.0T8BCL.G1.S1 de 22-11-2018, Revista n.o 408/16.0T8CTB.C1.S1, de 18-10-2018 , Revista n.o 3468/16.0T9CBR.C1.S1, de 28-06-2018, Revista n.o 4175/12.8TBVFR.P1.S1, todos publicados em www.dgsi.pt).
Assim, não cumpre a este tribunal pronunciar-se sobre o mérito da decisão ora sob escrutínio, mas sim e apenas sobre se se verifica in casu o caso julgado formado pela decisão que fora proferida no processo 1942/18.2...
Ora, a este respeito, muito atenta repetidamente apreciada a decisão singular ora reclamada, não restam dúvidas do seu acerto e pela clareza, resultando evidente que a invocada situação de caso julgado não se verifica.
Diremos apenas que não há qualquer dúvida que a ora requerente e autora naquela acção não logrou vencimento na sua pretensão de se armar e ver declarada proprietária do terreno em questão, soçobrando por completo nos pedidos formulados no dito pleito.
Contudo, o certo é que resultou evidenciada a entrega voluntária do terreno em causa pelos ali Réus e ora requeridos à ali Autora e ora requerente (entrega essa que ocorreu na pendência daquela acção e que deu origem à extinção da instância relativamente ao pedido formulado pela Autora de restituição do terreno, por inutilidade superveniente da lide), sendo com base na posse (precária) desta entrega que esta vem instaurar a presente providência de restituição provisória de posse, pretensão que foi julgada procedente nas duas instâncias, com fundamentos que nesta revista não se encontram sob escrutínio, porquanto, repetimos, a revista se circunscreve apenas e tão só à questão do caso julgado que a motivou, não cumprindo a este tribunal manifestar a sua concordância ou discordância sobre o acerto substantivo da decisão recorrida.
Contudo, recordemos, para melhor compreensão, o que fora consignado na sentença da 1a instância a este respeito:
“Não ficou demonstrado nos autos que a entrega do prédio à Requerente foi feita apenas porque os Requeridos foram pressionados nesse sentido.
Também não foi feita prova, em sede de oposição, que levasse a concluir que no período em que deteve o prédio a Requerente agiu sem animus possidendi. Diga-se que, até à data em que a Requerente foi esbulhada da posse do imóvel – o que ocorreu cerca de um mês após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu definitivamente o processo registado sob o no 1942/18.2... da Instância Local Cível de Barcelos – J3 -, a Requerente praticou atos de posse sobre os mesmos, e fê-lo convicta de que aquele lhe pertence porque lhe foi doado.
Refira-se que o facto de o Tribunal ter procedido à alteração do facto dado por indiciariamente provado na sentença proferida nestes autos sob o no 15) - que passou a ter a seguinte redacção: “A Requerente, por si e antepossuidores, desde pelo menos 4 de Dezembro de 2019 que está na posse do prédio descrito em 1) e 3), zelando pelo mesmo, procedendo à sua limpeza e conservação, entrando nele sempre que entende, cortando a erva, vedando-o com vigas e arames, topografando-o, ocupando-o com veículo, nele depositando pedras, gravilha e materiais inertes, de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, agindo como sua dona, na convicção de não lesar direitos alheios.” – não tem qualquer consequência na decisão proferida.
Na verdade, o que resulta evidente é que os Requerentes, em 1 de Agosto de 2018, voluntariamente, consideraram entregue à Requerente a parcela de terreno em causa nos autos (o que equivale a dizer que, nessa data, os Requerentes cederam a posse da parcela à Requerente). Entre essa data e o início de Dezembro de 2019, tal parcela não foi detida por ninguém – não ficou comprovada nos autos a prática de atos de posse nesse período nem pela Requerente, nem pelos Requeridos. A partir de inícios de Dezembro de 2019, a Requerente tomou posse da parcela, exercendo sobre a mesma atos de posse com animus possidendi, posse essa de que foi esbulhada, em meados de Novembro de 2020, por acção dos Requeridos, que não demonstraram fundamento que justifique tal actuação. É que não podemos esquecer que a Requerente detém um título que, aparentemente, lhe dá direitos sobre a parcela – a doação feita por DD.”
De onde decorre que a pretensão vasada na presente providência cautelar de restituição provisória de posse se funda na posse, por natureza precária, do terreno conferida à requerente pela entrega que do mesmo lhe fora feita pelos ora requerentes em 04/12/2019, e não no direito de propriedade, que motivara a instauração daquela acção pela ora requerente e que ali não lhe fora reconhecido.
Daí que, como o maior acerto se tenha considerado na decisão singular o seguinte, que repetimos:
“Muito embora o acórdão da Relação proferido no processo n° 1942/12.2... ... tenha revogado a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão restituitória, substituindo-a pela absolvição dos réus desse pedido, o certo é que não foi ali proferida decisão a condenar a autora a restituir a posse do prédio aos réus - o que nem sequer terá sido pedido. Limitou-se assim aquele acórdão à simples consideração de que, '"implicitamente, os réus não tinham fundamento para ter procedido à restituição do imóvel à autora".
Trata-se, portanto, de uma ilação extraída da improcedência da pretensão reivindicatória - mormente por virtude do não reconhecimento do invocado direito de propriedade da autora -, mas que não se mostra "assertiva", como se refere no acórdão recorrido, muito menos com caráter decisório, no sentido de que, não tendo os réus fundamento para assim terem procedido, a autora devesse proceder, sem mais, à restituição da posse do prédio àqueles, para mais quando se estava perante um novo contexto possessório emergente de uma entrega voluntária por parte dos ali réus, tal como resulta do descrito sob o ponto 13 dos factos provados.”
Terá, pois, de continuar o dissídio entre a requerente e os requeridos, de onde resultará inteiramente esclarecida a natureza da posse invocada pela requerente, o que por ora não sucede.
Ante quanto fica exposto, por desnecessidade de mais considerandos, deverá improceder a presente reclamação para a conferência, nos termos do art. 653º no 2 do CPC, mantendo-se a decisão singular reclamada.
DECISÃO
Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram esta 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente reclamação, confirmando-se a decisão singular que decidiu negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
Relator: Nuno Ataíde das Neves
1.º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Sousa Pinto
2.ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza