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EXECUÇÃO
CESSÃO DE CRÉDITOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
EFEITO SUSPENSIVO DA EXECUÇÃO
Sumário
I - A cessão de créditos define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na substituição do credor originário por outra pessoa, mas sem produzir a substituição da obrigação antiga por uma nova, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, com a única modificação subjetiva que consiste na transferência do lado ativo da relação obrigacional. II - O único elemento constitutivo da eficácia da cessão é o conhecimento do devedor, não exigindo a lei a sua autorização (artigo 577.º, n.º 1, do Código Civil), podendo a notificação ser feita por qualquer meio, nomeadamente no âmbito do incidente de habilitação de cessionário. III - O nº 5 do art. 733º do CPC confere uma tutela objetiva à casa de habitação efetiva do embargante, permitindo que o juiz, a requerimento daquele, determine que a venda aguarde a decisão a proferir em primeira instância acerca dos embargos, quando essa venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável. IV - Para a atribuição de efeito suspensivo da execução ao recebimento dos embargos de executado, sem prestação de caução, á luz desta faculdade conferida ao executado, a lei não prevê que a suspensão se prolongue até ao trânsito em julgado da decisão proferida em primeira instância, não pretendendo prolongar a suspensão quando existe uma probabilidade séria da sua improcedência. V - Considerando os interesses que a lei visa tutelar, já será, porém, de admitir que a venda aguarde o transito em julgado da decisão que indeferiu liminarmente os embargos, para salvaguardar a possibilidade de, em caso de procedência desse recurso, se mantenha a suspensão da execução até ocorrer decisão de mérito dos embargos em primeira instância.
Texto Integral
Proc. N.º 24103/17.3T8PRT-E.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 7
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO:
A exequente a Banco 1... S.A. instaurou a presente execução contra executada AA.
No âmbito da execução veio a ser penhorado pela AE, em 2.6.2022, o “prédio urbano destinado a habitação, casa de três pavimentos, com tudo o que a compõe, sito na Rua ..., Freguesia ..., Concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...43, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artº ...03, com o valor patrimonial atual de 73.094,21 euros, determinado no ano 2020.”
A... SA, deduziu Incidente de Habilitação de Herdeiros, no apenso A, pedindo para ser habilitada a prosseguir a causa na posição de exequente por lhe ter sido cedido pela Banco 1..., SA o crédito exequendo.
Foi remetida carta registada com data de 1.10.2020, para a executada AA, para a morada constante dos autos (Rua ..., ... Porto), a qual foi devolvida com o motivo “não atendeu”, para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a habilitação de adquirente/cessionário acima identificada, podendo impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo
Veio a ser proferida sentença em 27.10.2020, a qual transitou em julgado, que julgou habilitada para prosseguir os ulteriores termos processuais a sociedade A... SA, na posição de exequente.
Por requerimento de 29.5.2022, veio a executada AA requerer o seguinte: “Nestes termos, requer a Vossa Excelência que determine que a venda aguarde a decisão definitiva proferida em primeira instância sobre os embargos, visto que tal venda é suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável à requerente (cfr.doc. 1 e 2). Nos termos do artigo 733º nº5 do Código de Processo Civil.”
Para tanto e em suma, alegou que a mesma sofre de um problema grave de visão, bem como padece de uma perturbação depressiva que será irremediavelmente agravada se a execução prosseguir.
A embargante encontra-se habituada àquela casa, à sua disposição interna, aos sítios dos objetos que necessita para se arranjar e se alimentar.
Caso a execução prossiga sem que haja uma decisão definitiva sobre os embargos, a mesma sofrerá assim um prejuízo irremediável e irreparável, visto o seu estado de saúde físico e mental se encontrar extremamente debilitado, o que lhe causará graves danos físicos e mentais.
O bem penhorado é a casa de habitação permanente da embargante, não tendo esta qualquer outro bem onde possa habitar.
Opôs-se a exequente à requerida suspensão dos autos porquanto, não obstante os argumentos invocados e motivos alegados, não vê a exequente qual o prejuízo grave ou dificilmente reparável que o prosseguimento dos autos acarreta posto que, em virtude da legislação atualmente em vigor devido ao SARS COV 2, se encontram suspensas, não as vendas, mas as entregas efetiva dos imóveis.
Por requerimento de 12.9.2022, veio a executada AA, requerer ainda, que seja declarada ineficaz a cessão de créditos, por a requerente não ter sido notificada da mesma e consequentemente que seja declarada a ilegitimidade processual da exequente e que seja considerada a sociedade A... S.A. parte ilegítima visto a cessão de créditos, a existir ser ineficaz relativamente à executada ou nula, alegando em suma que esta cessão nunca foi notificada à executada, nem a mesma a aceitou.
Por despacho datado de 26.9.2022, o tribunal apreciou aquelas pretensões da Executada da seguinte forma: “Requerimento de 29.05.2022: A executada veio requerer a suspensão da venda, nos termos do art. 733.º, n.º 5, do NCPC, até à decisão definitiva proferida em primeira instância sobre os embargos de executado. Sucede que tal pretensão mostra-se manifestamente injustificada, pois, como a executada não pode deixar de conhecer, já foi proferida, em 10.02.2022, a decisão de primeira instância quanto aos embargos de executado, no sentido do seu indeferimento liminar, de tal forma que não tem aplicabilidade a hipótese de suspensão da venda. Assim sendo, indefere-se o requerido. Condena-se a executada na multa de 0,5 UC, pela natureza manifestamente injustificada da pretensão (art. 723.º, n.º 1, al. d), e n.º 2 do NCPC). Notifique.” (…) Requerimento da executada de 12.09.2022 (na parte em que extravasa a anterior arguição de nulidade): A executada veio requerer que se considere a cessão de créditos para a exequente ineficaz e que se considere a exequente parte ilegítima. Sucede que a exequente foi habilitada por sentença transitada em julgado, como resulta do incidente de habilitação de cessionário que respeita ao apenso A. Assim sendo, é manifestamente improcedente e injustificada a pretensão da executada. Nestes termos, julga-se improcedente o requerido.” Condena-se a executada na multa de 0,5 UC, pela natureza manifestamente injustificada da pretensão (art. 723.º, n.º 1, al. d), e n.º 2 do NCPC). Notifique.”
Inconformada com os mesmos a executada AA deles veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. De facto, impende sobre a exequente o ónus da prova de que celebrou um contrato de cessão de crédito com a Banco 1... SA., e por via desse contrato, lhe foi cedido um alegado crédito que aquele detinha sobre a recorrente. B. A referida prova terá que ser feita por via documental. C. O mútuo bancário está sujeito à forma escrita e só se pode provar a sua celebração por documento escrito particular. D. Pelo que, estando o contrato de mútuo sujeito à forma escrita, o contrato de cessão de um crédito emergente desse contrato de mútuo também está sujeito a esse mesmo requisito de forma e, deve ser validamente comunicada à recorrente. E. De facto, para proteção do devedor cedido, a lei faculta-lhe a possibilidade de na contestação impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, nos termos do artigo 356.º, n.º 1, al.a), do CPC. F. A jurisprudência reconhece ao devedor cedido o direito de “(…) invocar como meio de defesa geral contra o cessionário, a ineficácia em sentido amplo do negócio-ato de cessão de créditos (causa próxima) convencionado com a cedente, em adição à oponibilidade das vicissitudes (exceções) do negócio subjacente ao crédito cedido (causa remota), licitamente invocáveis contra o cedente nos termos do art.585.º do CC.” G. Ora, no caso, a recorrente não tem conhecimento de qualquer cessão de créditos promovida pela Banco 1..., S.A. H. Sendo por isso ineficaz em relação a ela qualquer cessão de créditos que porventura tenha sido realizada. I. Deve, assim, ser declarada esta exceção e ser declarada improcedente a execução. J. Se existiu cessão de crédito devia ter sido comunicada à recorrente bem como os seus termos, para ela se poder defender da mesma. O que não foi feito. K. Ainda que não se configure como elemento essencial para a perfeição do contrato e para a efetiva transmissão do crédito, a notificação da cessão ao devedor – ou a sua aceitação –corresponde a uma condição de eficácia da cessão relativamente ao devedor, pelo que, antes dessa notificação ou aceitação, o cessionário não está legitimado a exigir o crédito ao devedor e a instaurar contra o mesmo a respetiva acção executiva. L. Tendo a eventual cessão ocorrido depois de intentada a acção executiva a mesma deveria ter sido comunicada à recorrente. O que não aconteceu. M. O que existirá é uma carta enviada pela B... cujo conteúdo a recorrente desconhece pois nunca a recebeu. N. De facto, é inegável que a sociedade A... S.A. nunca notificou a recorrente do que quer que seja. O. Assim sendo, estando em causa uma cessão de créditos, deveria ainda a exequente alegar e provar documentalmente que está em condições de exigir o crédito à recorrente em virtude de tal cessão lhe ter sido notificada ou ter sido por eles aceite, não podendo, contudo, ser admitida um incidente de habilitação deduzido pela cessionária do crédito sem que seja alegada e provada a prévia notificação ou aceitação da cessão pelo devedor. P. Não preenchendo, assim, a exequente os requisitos de legitimidade processual e substantiva para ser julgada habilitada a prosseguir a acção executiva contra a recorrente, uma vez que não logrou demonstrar, como lhe incumbia, nem que o crédito exequendo sobre estes tenha sido incluído na cessão de créditos em apreço, nem ainda que os mesmos tenham sido notificados previamente da cessão de créditos, por força do disposto no artigo 583.º, n.º 1, do C.C. Q. Sendo um requisito essencial da execução que a parte que figura como exequente seja a mesma que a referida no título executivo e como tal não se verifica atualmente, logo a A... SA., não tem legitimidade para invocar a alegada divida. R. Se o crédito foi cedido é necessário que esta cessão tivesse sido comunicada à devedora / recorrente, bem como todos os termos dessa cessão, nomeadamente a identificação das partes, da divida, do seu valor, bem como as condições de pagamento. S. Não tendo tomado conhecimento da eventual cessão de créditos, bem como dos seus termos a recorrente vê assim, os seus meios de proteção diminuídos. Dai, a mesma ser ineficaz em relação a ela, caso a mesma tenha ocorrido. T. Assim a recorrente, além de não saber a quem deve pagar a alegada divida, encontra-se confusa sobre a quem a deve. U. Como se pode constatar, a recorrente desconhece quem é a sociedade A..., SA., pois nunca teve qualquer tipo de relações com esta sociedade. V. Nesta conformidade, salvo o devido respeito por opinião contrária, a exequente não reúne os necessários requisitos de legitimidade processual e substantiva para assumir a qualidade de credora em relação ao direito de crédito em causa, pelo que, nos termos e para os efeitos das disposições combinadas dos artigos 571.º, n.º 2, 576.º, n.º 3 e 579.º, ambos do C.P.C., verifica-se, in casu, uma exceção perentória impeditiva, que importa a improcedência da execução W. A recorrente nunca foi notificada de qualquer cessão nem a aceitou. X. Do exposto resulta que a cessão de créditos é ineficaz relativamente à recorrente e consequentemente nula a penhora, face à falta do pressuposto processual de legitimidade da exequente em face do título, em razão da cessão de créditos ser ineficaz em relação à recorrente e, por isso, não poder a exequente exigir-lhes a correspondente prestação pecuniária. Y. Invoca assim a recorrente a inexistência de título a favor da sociedade A..., SA., nada devendo à mesma. Z. Invoca também a ineficácia de uma eventual cessão de créditos a favor desta última, pois nunca lhe foi comunicada. AA. A douta sentença proferida pelo Tribunal de Execução da Comarca do Porto, Juiz 7, violou, pois, o disposto no artigo 615, nº1 alínea b) e d) do Código de Processo Civil, pois o despacho de 26.09.2022 omitiu a pronúncia sobre o facto de o despacho de 10.02.2022 ainda não ter transitado em julgado, indeferindo por este motivo a suspensão da venda nos termos do artigo 733º, nº5 do CPC. BB. Para além disso, também omitiu a pronúncia sobre o requerimento efetuado pela recorrente datado de 29.05.2022, em que a mesma atesta através de relatórios médicos que a venda lhe causará prejuízos graves e dificilmente reparáveis. CC. Por outro lado, a recorrente requer que seja considerada ineficaz a cessão de créditos por nunca ter sido notificada da mesma, nem por carta registada nem pela habilitação da cessionária. DD. E mesmo que tal tivesse ocorrido o prazo para contestar encontrava-se interrompido por força do artigo 34º, nº2 da Lei do Apoio Judiciário, pois a mesma aguardava nomeação de novo patrono oficioso, não podendo a recorrente suscitar questões de direito. EE. A não interrupção dos prazos violou, também, o disposto nos artigos 24º, n.ºs 4 e 5, al. a), e o artigo 34º, nº2, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, assim como os artigos 40º, 41º, e 58º do CPC, bem como artigos 13º e 20º da CRP. FF. No âmbito do apoio judiciário requerida a escusa de patrono oficioso, os prazos encontram-se interrompidos nos termos do artigo 34º, nº2 e 24º da Lei do Apoio Judiciário; GG. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 20º da Constituição da República, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos e todos têm direito ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. HH. Constitui 'uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais', o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva é - ele próprio - um direito fundamental (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., vol. i, Coimbra, 2007, p. 408). II. Por força dos artigos 13º e 20 da CRP e dos princípios que presidiram à elaboração da Lei do Apoio Judiciário, o artigo 24º, nº4 deve ser interpretado no sentido de que se deve aplicar ao pedido de escusa de patrono oficioso, nos termos do artigos 34º, nº2, da referida lei, tendo a virtualidade de interromper o prazo que se encontrava em curso para que a recorrente pudesse reclamar ou recorrer de qualquer decisão. A douta sentença viola, assim, os artigos 24º, nº4 e 34º, nº2, da Lei de Apoio judiciário, e, por conseguinte, os artigos 13º e 20º da Constituição de República Portuguesa, bem como os artigos 40º, 41º, 58º, 615º, nº1, alíneas b) e d) e o artigo 733º, nº5 do CPC, bem com artigo 583º do Código Civil. Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve ser revogado o douto despacho de 26.09.20226 que mandou prosseguir a execução antes do trânsito em julgado dos embargos de executado apresentados pela Recorrente, devendo ser substituído por um despacho que não permita a passagem à fase de pagamento, que começa com a venda, antes do trânsito em julgado do apenso dos embargos. Por outro lado, deve ser a cessão considerada ineficaz por a mesma não ter sido comunicada à recorrente. Deverá ainda a penhora ser declarada nula, uma vez que o imóvel foi penhorado por uma exequente que a recorrente desconhece nos termos dos artigos 195º e 196º do CPC. Assim se fazendo a costumada Justiça. Deve ainda este recurso ter efeito suspensivo nos termos do artigo do artigo 647º nº2 e nº3, alínea b) do Código de Processo Civil, visto a recorrente ter a posse e a propriedade da casa objeto desta execução, sendo a sua casa de habitação própria e permanente, onde a mesma pernoita, cozinha as suas refeições, toma banho e faz a sua vida diária. Não esquecendo que o despacho datado de 28.11.2017 proferido por este tribunal ordenou que “a presente execução deve seguir a forma ordinária”, indeferindo a pretensão da exequente, isto é, da Banco 1..., S.A., que pretendia que a execução seguisse a forma sumária.”
A exequente A..., SA ofereceu Contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso interposto pela executada, que é de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo (arts. 644.º, n.º 2, al. h), 645.º, n.º 2, 647.º, e, em especial, 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), e n.º 4, todos do NCPC).
O recurso foi admitido nesta instância, tendo sido indeferida pretensão da Recorrente de ver alterado o efeito devolutivo do recurso, que foi mantido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
-Eficácia da cessão de créditos relativamente á executada e ilegitimidade da exequente,
-Nulidade da penhora e,
-Nulidade da sentença.
III - FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais supra mencionados.
IV - APLICAÇÃO DO DIREITO: 4.1 Da eficácia da cessão de créditos/ilegitimidade da exequente
A presente execução foi instaurada pela Banco 1... contra executada AA.
Na pendência da execução, a sociedade A... SA, deduziu Incidente de Habilitação de Adquirente/Cessionário, - apenso A, alegando ter celebrado com a Banco 1..., SA um contrato de Cessão de Créditos, assinado em 20 de Dezembro de 2019, mediante o qual a exequente lhe cedeu os créditos que detinha sobre a executada e todas as garantias acessórias a eles.
No âmbito do referido incidente, foi remetida carta registada com data de 1.10.2020, para a executada AA, para a morada constante dos autos (Rua ..., ... Porto), a qual foi devolvida com o motivo “não atendeu”, para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a habilitação de adquirente/cessionário acima identificada, podendo impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
Veio a ser proferida sentença em 27.10.2020, nos termos da qual foi decidido o seguinte: “O contrato junto aos autos tem a natureza de documento particular e tem a força probatória dos factos que refere, nos termos do artº 354.º e 356.º do Cód. Civil.
Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no art.º 356.º, n.º 1, al. b), segunda parte, do Cód. Proc. Civil, atendendo a que o documento supra prova a cessão do crédito em causa, julga-se habilitado como cessionário de tal crédito para com ele prosseguir os seus termos a acção principal: A..., S.A.”
Esta sentença transitou em julgado.
Como é sabido, em termos de modificação subjetiva da instância, esta pode ocorrer - entre o mais – em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio (cf. art.º 262.º, alínea a) do CP Civil), substituindo-se a parte primitiva pelo sucessor ou pelo adquirente.
Trata-se de uma substituição que pode ocorrer não só no caso de a substituição respeitar a um direito de crédito do autor, como também á coisa em litígio, isto é, quando haja cessão ou quando se trate de contrato de doação ou de compra e venda.[1]
O meio processual próprio para ser operada essa substituição é precisamente o incidente de habilitação de herdeiros ou de cessionário, previsto nos arts. 351º e ss do C.P.C.
Este incidente tem lugar quer na ação declarativa, quer na ação executiva, uma vez que a esta são aplicáveis subsidiariamente as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (art. 551º nº 1 do CPC).
A cessão de créditos (art. 577º do C.Civil) pode ser definida como o contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito, destacando-se no seu regime legal o facto da mudança de credor prescindir do consentimento do devedor.
A cessão de créditos a que se refere a norma em apreço, insere-se no fenómeno amplo da transmissão de obrigações, o qual reveste uma importância prática inegável no domínio das transações comerciais.
Nas palavras de Mota Pinto[2] “o efeito típico principal da cessão de contrato, cauterizador da sua função económico-social, é a transferência da posição contratual, no estádio de desenvolvimento em que se encontrava no momento da eficácia do negócio, de uma das partes do contrato para outra. Verifica-se a extinção subjetiva da relação contratual, quanto ao cedente, sendo a mesma relação adquirida pelo cessionário e permanecendo idêntica, apesar desta modificação e sujeitos. O cedente perde os créditos em relação ao cedido, fica libertado das suas obrigações em face dele, igualmente se passando as coisas quanto aos demais vínculos assumidos na relação contratual. Todas essas situações subjetivas, ativas e passivas, cujo complexo unitário, dinâmico e funcional, constitui a chamada relação contratual, passam a figurara na titularidade do cessionário.”
Ora, a transmissão da relação contratual com todo o seu conteúdo opera-se por mero efeito do contrato de cessão.
Na situação em apreço, estamos perante um contrato de transmissão do crédito a terceiro, mediante o qual a primitiva exequente Banco 1... cedeu á sociedade A..., SA o crédito que detinha sobre a ora executada, encontrando-se dessa forma sujeito ao regime estabelecido no art. 577º e ss do Código Civil.
A cessão de créditos define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na substituição do credor originário por outra pessoa, mas sem produzir a substituição da obrigação antiga por uma nova, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, com a única modificação subjetiva que consiste na transferência do lado ativo da relação obrigacional.
A executada alega que a cessão de créditos não lhe é oponível, uma vez que não lhe foi dado conhecimento da mesma.
O carater triangular da figura da cessão da posição contratual (onde surgem vínculos contratuais entre cedente-cessionário; entre cedente-cedido e entre cedido-cessionário), leva a que nos concentremos no relacionamento entre o cessionário e o cedido, já que a questão suscitada se enquadra na relação entre a ora exequente (cessionária) e a executada (a cedida).
Neste âmbito, decorre do regime jurídico da figura em análise, nomeadamente do art. 577º nº 1 do C.C que a mudança de credor prescinde do consentimento do devedor.
O artigo 583º do Código Civil estabelece que a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que este a aceite.
Ora, as mais das vezes a alteração na pessoa do credor não prejudicará o devedor que, em quaisquer circunstâncias continuará adstrito a efetuar a mesma prestação.
Porém, tratando-se de negócio que não exige a intervenção do devedor, os seus efeitos apenas poderão produzir-se relativamente à sua pessoa, após ter-lhe sido dado conhecimento do negócio.
Mostra-se assim plenamente justificado que os efeitos da cessão relativamente ao devedor só se produzam a partir da notificação a cessão. Só após a notificação, o cessionário passará a ser para todos os efeitos credor.
Dai que o art. 583º do C.C expressamente estabeleça que: “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”.
Conforme defende Vaz Serra,[3] a “notificação não é um negócio jurídico, pois por ela não se exprime uma vontade dirigida a efeitos jurídicos determinados: quer-se apenas informar terceiros do facto da cessão. Mas, isto não obsta a que lhe sejam aplicáveis, por analogia, (…) as normas relativas aos negócios, uma vez que é uma ação voluntária lícita com efeitos semelhantes aos dos negócios jurídicos”
A notificação constitui, assim, uma declaração recetícia através da qual é dado a conhecer ao devedor cedido o facto da transmissão do crédito. Esta declaração não está sujeita a forma especial, podendo ser feita de forma expressa ou tácita (artigos 217.º e 219.º, ambos do Código Civil).
A isto acresce que a lei se basta, para a eficácia da cessão em relação ao devedor, com o seu conhecimento, não exigindo a sua autorização (artigo 577.º, n.º 1, do Código Civil).
A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão reside como se afirma no Acórdão do STJ de 6.11.2012[4], “na necessidade da proteção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjetiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente”.
Como aí se diz também “o desiderato da lei fundamentalmente que o devedor como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não seja confrontado como uma situação alterada no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito”.
No caso em apreço, constata-se que a executada foi devidamente notificada da cessão de créditos, no incidente de habilitação de cessionário apenso ao processo principal.
Com efeito, daquele incidente resulta que lhe foi remetida carta registada com data de 1.10.2020, para a morada constante dos autos (Rua ..., ... Porto), para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a habilitação de adquirente/cessionário acima identificada, podendo impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
A carta veio a ser devolvida com indicação do motivo “não atendeu”.
Ora tal como se entendeu na sentença proferida nesse incidente, têm-se a partes por notificadas.
Por força do disposto no art. 249º nº 2 do CPC a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto do expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência da parte, sendo que a morada para a qual foi remetida a carta é a da residência da executada, ora recorrente.
A própria executada juntou aos autos, com o requerimento datado de 29.5.2022, um documento emitido pela Junta de freguesia ... atestando a sua residência naquele local.[5]
O que torna a cessão eficaz relativamente ao devedor é o facto de este a conhecer podendo esse conhecimento revelar-se de várias formas, entre quais a notificação efetuada no âmbito do incidente de habilitação de cessionário.
Por sua vez o devedor fica protegido, conforme resulta do regime do art. 585º do CC uma vez que poderá opor ao cessionário todos os meios de defesa que seria lícito invocar contra o cedente, sendo certo que no âmbito do aludido incidente foi concedido prazo á executada para esse efeito.
Conclui-se assim que a eficácia da cessão está ligada ao conhecimento do devedor, pelo que não se pode afirmar, como afirma a Recorrente que não lhe foi dado conhecimento da cessão, uma vez que, no âmbito do incidente de habilitação de cessionário apenso, considera-se a mesma notificada da cessão de créditos, isto é do negócio jurídico celebrado entre a Banco 1... e atual exequente.
Defende ainda a Apelante que a admitir-se a cessão, tal implica uma ilegitimidade da exequente, já que a mesma não figura no título executivo.
De acordo com o art. 10º nº 5 do C.P.C. “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada. [6]
A acção executiva tem um regime especial em sede de legitimidade, prescrevendo, no art.º 53.º do CP Civil, o princípio da legitimidade formal ou da coincidência entre a pessoa que figure no título como credor e como devedor.
Deve, portanto, entender-se que o processo executivo, ao contrário da fase declarativa, exige sempre, em qualquer fase do processo, que o Exequente coincida com o titular do crédito dado à execução.
Acontece que o art. 54º nº 1 do CPC estabelece que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que figuram no título como credor ou devedor da obrigação exequenda, acrescentando que, no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.
“Ocorrendo a sucessão na pendência da causa, o meio adequado será a habilitação de adquirente ou cessionário (tratando-se de sucessão por ato entre vivos) ou a habilitação de herdeiros (em caso de sucessão mortis causa), previstas nos artigos 351º a 357”.[7]
A coligação sucessiva que se opera por força da habilitação de cessionário mostra-se devidamente justificada por razões de economia processual.
Neste sentido ver acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.11.2017, [8] onde pode ler: “Levando, do mesmo modo, a considerar que o incidente de habilitação de adquirente previsto nos arts. 271.°, aI. a) e 376.°, do CPC (263º e 356º NCPC), sendo o meio adequado para realizar a substituição de alguma das partes em ação declarativa, à luz do princípio de economia processual pode e deve aplicar-se, por analogia, mesmo no âmbito da ação executiva para, embora em desvio às regras normais da legitimidade neste domínio, de um modo mais fácil e rápido, possibilitar a intervenção do adquirente do bem hipotecado. (Ac. STJ, de 28.11.2002, Agr. n.º 2897/02-2.ª: Sumários. 11/2002).”
Improcede, pois, a ilegitimidade arguida. 4.2. Nulidade da penhora
Requer ainda a Apelante que a penhora ser declarada nula, uma vez que o imóvel foi penhorado por uma exequente que a recorrente desconhece nos termos dos artigos 195º e 196º do CPC.
Para além de ter ficado afastada a ineficácia da cessão de créditos relativamente á executada, assim como a ilegitimidade da exequente, nos moldes que acabamos de apreciar, o que afasta desde logo o fundamento da “nulidade da penhora” invocada pela Apelante, sempre se dirá que não tendo sido apreciada tal questão no despacho recorrido, está este tribunal de recurso impedido de aa apreciar.
Com efeito, os recursos são meios instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, não submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.
Com efeito, do art. 627.º nº 1 do CPC, resulta que os recursos se destinam ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido.
É pacífico, entre a jurisprudência e a doutrina, que os recursos não se destinam a alcançar decisões novas, a menos que se imponha o conhecimento oficioso, pois que visam a modificação das decisões recorridas.
Embora os recursos sejam mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, esta regra não vale em relação a questões de conhecimento oficioso, de que podem conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem, ainda que as partes não as tenham suscitado (cfr. artigo 608º n.º 2 do CPC).
O objeto do recurso está balizado pelo objeto da ação, designadamente pela causa de pedir e pedidos formulados nos articulados.
Explica, a este respeito, António Abrantes Geraldes[9] que “Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que “Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados): a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respetiva apreciação pelo tribunal ad quem.”[10]
Pelo exposto este tribunal não pode apreciar a questão da eventual nulidade da penhora. 4.3 Nulidade da sentença
A Apelante invoca a nulidade da sentença por violar o disposto no artigo 615, nº1 alínea b) e d) do Código de Processo Civil, alegando que o despacho de 26.09.2022 omitiu a pronúncia sobre o facto de o despacho de 10.02.2022 ainda não ter transitado em julgado, indeferindo por este motivo a suspensão da venda nos termos do artigo 733º, nº5 do CPC.
Para além disso, também omitiu a pronúncia sobre o requerimento efetuado pela recorrente datado de 29.05.2022, em que a mesma atesta através de relatórios médicos que a venda lhe causará prejuízos graves e dificilmente reparáveis.
Vejamos.
A executada requereu a suspensão da venda, nos termos do art. 733.º, n.º 5, do NCPC, até à decisão definitiva proferida em primeira instância sobre os embargos de executado.
O Tribunal a quo entendeu que tendo sido proferida, em 10.02.2022, a decisão de primeira instância quanto aos embargos de executado, no sentido do seu indeferimento liminar, não tem aplicabilidade a hipótese de suspensão da venda, pelo que indeferiu o requerido.
A Apelante entende existir vicio de omissão de pronúncia, porque a decisão não refere que o indeferimento liminar dos embargos foi sujeito a recurso, que ainda não foi apreciado.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença, elencados no art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
As nulidades ínsitas no art. 615º do CPC incidem sobre causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia.
Ocorre “omissão de pronúncia” sempre que o juiz deixe de proferir decisão sobre questão que devesse conhecer (art. 615º nº 1 al d) do CPC).
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Ora no caso em apreço é manifesta a inexistência do vício apontado, já que o tribunal a quo apreciou e decidiu a pretensão da ora apelante, formulada ao abrigo do art. 733º nº 5 do CPC.
Daí que se entenda que tal decisão não padece de qualquer uma das nulidades previstas no artigo 615.º, n. º1 do CPC, designadamente a apontada pela recorrente, tendo procedido à apreciação e decisão de todas questões jurídicas invocadas pelas partes.
Coisa diferente da nulidade da decisão por vicio formal é a discordância da Apelante relativamente aos fundamentos da mesma.
Na verdade, a Apelante pretende que seja revogado o despacho que mandou prosseguir a execução antes do trânsito em julgado dos embargos de executado apresentados pela Recorrente, devendo ser substituído por um despacho que não permita a passagem à fase de pagamento, que começa com a venda, antes do trânsito em julgado do apenso dos embargos.
A sua discordância é com o direito que foi aplicado.
Vejamos então se lhe assiste razão.
Estabelece o artigo 733º do CPC o seguinte:
“1–O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) - O embargante prestar caução;
b) - Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c)-Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
2–A suspensão da execução, decretada após a citação dos credores, não abrange o apenso de verificação e graduação dos créditos.
3–A execução suspensa prossegue se os embargos estiverem parados durante mais de 30 dias, por negligência do embargante em promover os seus termos.
4–Quando a execução embargada prossiga, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução.
5–Se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.
6–Quando seja prestada caução nos termos do n.º 1, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 650.º”
Esta norma processual destinada a regular o efeito do recebimento dos embargos foi alterada pela Lei 41/2013 de 26.6, que introduziu uma novidade face á lei anterior (art. 818º do CPC 1961), no seu nº 5, que pretendeu conferir uma tutela efetiva do direito á habitação do executado.
De acordo com Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo[11] o art. 733º introduziu uma alteração quanto ao efeito suspensivo do recebimento dos embargos, estabelecendo agora que essa solução passa a ser excecional.
Dispõe o art. 733º nº 5 do CPC que se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em primeira instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de acusar prejuízo grave e dificilmente reparável.
Cumpriria assim ponderar se, nas concretas circunstâncias do caso, atentos os elementos que o processo já proporciona, à luz da alegação da executada e da resposta da exequente, se pode admitir que a prosseguimento da execução expõe a executada a um prejuízo grave e dificilmente reparável, constituindo o bem penhorado a sua casa de habitação.
No caso em apreço, constata-se que tendo a ora apelante deduzido embargos de executado, foi proferida já decisão em primeira instância sobre os embargos.
Porém essa decisão não foi uma decisão que apreciou o mérito dos embargos antes uma decisão que indeferiu liminarmente os mesmos por os considerar extemporâneos.
Como decorre da consulta eletrónica do processo, a ora recorrente interpôs recurso dessa decisão, não havendo notícia o que o mesmo já tenha sido apreciado.
Vale isto dizer que a decisão de indeferimento liminar não transitou em julgado, pelo que fica aberta a hipótese a de a mesma poder ser confirmada pela instância superior, ou revogada, caso em que terá de se aguardar uma decisão de mérito dos embargos de executado.
Como é sabido, «a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia».[12]
Ou seja, a oposição á execução ou os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção (ibidem, 164) e tem como finalidade única a de impedir os efeitos do título executivo.[13]
Ou seja, a procedência dos embargos apenas determina a extinção, total ou parcial, da execução e nada mais (cfr. 732º nº 4 do CPC).
Isto para dizer, que a referência que é feita no nº 5 do artigo 733º do CPC, a “decisão proferida em primeira instância”, quererá referir-se á decisão de mérito proferida em primeira instância, quanto á procedência ou improcedência dos embargos.
A norma é clara na não exigência do transito em julgado da decisão da primeira instância.
No caso em apreço a decisão de primeira instância é uma decisão meramente formal relativa á admissibilidade dos próprios embargos de executado, sendo certo que, uma vez que foi proferido recurso desta decisão, a ser o mesmo procedente tal implicará o prosseguimento dos embargos, e a prolação de uma decisão de mérito.
É certo que Rui Pinto,[14] coloca de forma pertinente a seguinte questão, relativamente ao nº 1 do art. 733º: Caso a oposição não chegue sequer a ser recebida, sendo liminarmente rejeitada, pergunta-se se, ainda assim, pode haver suspensão da execução, por invocação de fundamento do artigo 733 nº 1.
E afirma: A resposta é negativa: Para “poder ser decretada a suspensão da execução é condição indispensável o prévio recebimento dos embargos.”
Também Lebre de Freitas, [15] afirma: “Também quando tenha sido impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda ou contestada liquidação feita pelo exequente, o que o executado só pode fazer por embargos (…) pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução com dispensa de prestação de caução.”
Já assim não será se a suspensão da execução se fundar na prestação de caução (alínea a) do nº 1 do artº 733º do C.P.C.), pois esta “pode ter lugar a todo o tempo e não apenas com a petição inicial de oposição, pois não se justificaria qualquer restrição temporal” [16].
E também a nosso ver já não será assim, relativamente á medida excecional prevista no nº 5 da mesma norma.
Com efeito, o nº 5 do art. 733º do CPC confere uma tutela objetiva à casa de habitação efetiva do embargante, permitindo que o juiz, a requerimento daquele, determine que a venda aguarde a decisão a proferir em primeira instância acerca dos embargos, quando essa venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.
Para a atribuição de efeito suspensivo da execução ao recebimento de uns embargos de executado, sem prestação de caução, á luz desta faculdade conferida ao executado, a lei não prevê que a suspensão se prolongue até ao trânsito em julgado da decisão proferida em primeira instancia, não pretendendo prolongar a suspensão quando existe uma probabilidade séria da sua improcedência.
Considerando os interesses que a lei visa tutelar, será de admitir que a venda aguarde o trânsito em julgado da decisão que indeferiu liminarmente os embargos, para salvaguardar que, em caso de procedência desse recurso, se mantenha a suspensão da execução até ocorrer decisão de mérito dos embargos em primeira instância.
Desta forma falece o argumento meramente formal constante do despacho recorrido, impondo-se apreciar se nas concretas circunstâncias do caso, atentos os elementos que o processo já proporciona, à luz da alegação do embargante e da resposta do embargado, se pode admitir que a prosseguimento da execução expõe a exequente a um sério risco de prejuízo económico, perante a possibilidade de não vir a ser responsável pela quantia cujo pagamento lhe é exigido.
Conforme se pode ler no sumário do acórdão desta Relação de 22 de março de 2022 [17]:
I – Para a atribuição de efeito suspensivo da execução ao recebimento de uns embargos de executado, sem prestação de caução, cumprirá ponderar se, nas concretas circunstâncias do caso, atentos os elementos que o processo já proporciona, à luz da alegação do embargante e da resposta do embargado, se pode admitir que a prosseguimento da execução expõe aquele a um sério risco de prejuízo económico, perante a possibilidade de não vir a ser responsável pela quantia cujo pagamento lhe é exigido.
II - Este juízo de prognose deve ser emitido num contexto cujos termos foram definidos pelo legislador e segundo os quais, no processo executivo, é preponderante o interesse de satisfação do direito do credor, a assegurar por via da efetiva realização do seu crédito, que não deve perigar em razão da duração do processo executivo. Daí que a suspensão da execução seja um efeito excecional da oposição que lhe seja oferecida pelo executado.
III – A suspensão da execução poderá ser decretada se, considerando os interesses em presença, a natureza dos bens passíveis de execução e o tempo já decorrido, nada permite afirmar que o prosseguimento imediato da execução é adequado a garantir um interesse superior, qual seja o da efetividade da realização de um direito do exequente, em detrimento de outra que deva ceder perante ele, designadamente o de exposição do devedor ao risco e aos efeitos de uma satisfação coerciva de uma obrigação hipoteticamente irreal, seja por inexigibilidade, seja por prescrição.”
Procedendo a uma ponderação casual dos interesses em presença, considerando a situação de saúde da executada que transparece na documentação médica que juntou com o requerimento de 29.5.2022 e bem assim as dificuldades com a procura de nova habitação que se adeque a tal situação médica, entendemos ser de determinar que a venda daquela habitação aguarde que seja proferida decisão de mérito dos embargos em primeira instância, como o art. 733º nº 5 do CPC., ou até ao trânsito em julgado da decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executado, (ora objeto de recurso), que comprometa em definitivo tal decisão de primeira instância.
Impõe-se desta forma a revogação da decisão da primeira instância ora sob recurso.
VI - DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso, mantendo-se a decisão que apreciou o requerimento da executada datado de Requerimento da executada de 12.09.2022 e revogando-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu a suspensão da execução, que se substitui por outra nos termos da qual, com fundamento no disposto na nº 5 do art. 733º do CPC, se determina que a venda aguarde a decisão em primeira instância sobre os embargos, nos moldes supra apreciados.
Custas pela Apelada.
Porto, 14 de março de 2022
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Alberto Taveira
_____________ [1] Salvador da costa, in Incidentes da Instância, 3º edição, pg. 254. [2] in Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970, Atlântida Editora SARL, pg. 450. [3] In Cessão de Créditos e de outros direitos, BMJ, n.º especial, 1955, p. 222. [4] Proferido no Proc. 314/2002.S1.L1 e acessível em www.dgsi.pt [5] Documento 4 junto com o requerimento da executada á execução datado de 29.5.2022. [6] C. Mendes, Lições de Processo Civil, 69170 e Manuel de Andrade, Noções Elementares, pág. 60. [7] Virgínio Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in A ação Executiva anotada e comentada, Almedina, pg. 33. [8] Acórdão proferido no P 712/14.1TBACB-A.C1, disponível in www.dgsi.pt. [9] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, p. 109. [10] Ver acórdão do STJ de 28/05/2009 (Processo n.º 160/09.5YFLSB), disponível em www.dgsi.pt. [11] In A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª ed., pg. 271 e ss. [12] Lebre de Freitas in A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, pg. 162) [13] P. Remédios Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 151. [14] in “A Ação Executiva”, p. 414. [15] in “A Ação Executiva”, pág. 227. [16] Lebre de Freitas, ob. citada, pág. 226. [17] Proferido no processo 2919/21.6T8PRT-G.P1, sendo relator Rui Moreira, disponível in www.dgsi.pt.