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EMBARGOS Á EXECUÇÃO
AVAL
INSOLVÊNCIA DO SUBSCRITOR
LIVRANÇA EM BRANCO
Sumário
I - Atendendo a que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, daí decorre que ao avalista do subscritor da livrança é aplicável o mesmo prazo prescricional de três anos que se refere ao subscritor e que se inicia na data do respetivo vencimento. II - A declaração de insolvência do subscritor da livrança determina o imediato vencimento da obrigação que para o mesmo emergia da relação subjacente estabelecida com o credor, o que permite a este exigir, desde logo, a respetiva obrigação cambiária, podendo proceder, nessa data, ao preenchimento para esse fim da livrança emitida em branco, designadamente apondo-lhe como data de vencimento a data da sentença de insolvência. III - Porém, o preenchimento, nesta situação, de livrança emitida em branco com a aposição na mesma de uma data de vencimento posterior à da sentença de insolvência é de admitir se tal não constituir violação do que fora acordado no respetivo pacto de preenchimento. IV - Assim, não havendo violação desse pacto de preenchimento o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 70º da LULL conta-se a partir da data de vencimento que seja aposta na livrança pelo respetivo portador. V – Para ocorrer preenchimento abusivo de uma livrança emitida em branco o respetivo avalista tem que demonstrar a existência de um acordo, em cuja formação tenham tido intervenção ele próprio, como avalista, e também o tomador-portador do título e que este último, ao completar o seu preenchimento, tenha desrespeitado esse acordo.
Texto Integral
Proc. nº 7728/22.2T8PRT-A.P1
Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 6
Apelação
Recorrente: AA
Recorrida: Banco 1..., S.A
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O embargante/executado AA deduziu embargos à execução ordinária para pagamento de quantia certa, baseada em livrança, que lhe é movida pela embargada/exequente Banco 1..., pedindo a suspensão da execução por causa prejudicial e a final a extinção da execução.
Para tanto alega, em síntese, que:
- a embargada/exequente celebrou diversos contratos com a sociedade subscritora da livrança dada à execução, que foi declarada insolvente, e que nessa insolvência vai receber os seus créditos;
- a livrança tem um número que não corresponde ao contrato referido no requerimento inicial;
- na data da insolvência da sociedade subscritora venceram-se todas as dívidas, incluindo a ora reclamada, pelo que a data de vencimento aposta no título não está em conformidade com a lei, o que o invalida, por preenchimento abusivo;
- a declaração de insolvência impede a propositura desta execução;
- a livrança não é título executivo válido, pois está prescrita;
- não existia qualquer pacto de preenchimento, pelo que a livrança não podia ser preenchida e é incompleta, em branco e não é válida;
- não concorda com a liquidação da quantia aposta na livrança, tendo as partes trocado correspondência sobre tal assunto.
Recebidos os embargos, contestou a embargada, pugnando pela total improcedência dos embargos.
Foi indeferida a suspensão por causa prejudicial.
Realizou-se audiência prévia.
Seguidamente, em sede de despacho saneador, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução nos seus precisos termos.
O embargante, inconformado com o decidido, interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- O título dado à execução não tem a indispensável caraterística da exigibilidade, uma vez que a exequente peticiona através do título o pagamento de quantias diversas das que, a partir do mesmo instrumento, pediu ao reclamar créditos no processo de insolvência da devedora principal na da relação subjacente.
2- A livrança dada à execução não cumpre os requisitos do art. 713º C P Civil, que exige que a obrigação exequenda possua os requisitos da certeza, da exigibilidade e da liquidez, a avaliar em face do título executivo.
3- A livrança contém a promessa de pagamento de 834.459,84 € e menciona a data de 2021.07.05 como sendo a do seu vencimento, mas esta data foi preenchida unilateralmente pela Exequente em 2021.07.05, data esta que é posterior à data da declaração de insolvência do devedor principal (a A..., SA) declarada no dia 11.09.2014.
4- A obrigação exequenda, cambiária em face do título, estava vencida necessariamente em 11.09.2014 – data da declaração de insolvência do devedor principal - e por isso, passou a ser exigível a partir desta última data.
5- A aposição da data de 2021.07.05 como sendo a do vencimento é abusiva e ocorreu para evitar a prescrição da obrigação cambiária e acarreta a inexigibilidade do título.
6- É a própria Recorrida e Embargada/Exequente que alega no requerimento inicial da acção executiva que o devedor principal do contrato subjacente à livrança é a A... Lª, da qual o Embargado foi administrador e accionista.
7- O banco portador da livrança está obrigado a indicar a data de declaração de insolvência (in casu 11-09-2014) como a data de vencimento da livrança, por estar em causa uma norma imperativa que não pode ser derrogada por vontade das partes.
8- A Recorrida inseriu uma data distinta da data da declaração de insolvência do devedor principal o que equivale a um preenchimento abusivo da livrança.
9- O Recorrente não autorizou a Exequente/Embargada a preencher a aludida livrança por forma a que esta apusesse no título como sendo data de preenchimento da livrança data posterior à data de declaração de insolvência do devedor principal na relação subjacente.
10- Pelo que ocorreu a prescrição da livrança, nos termos do art. 70º da LULL, que determina que onde se determina que “todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”.
11- A livrança dada à execução apenas foi preenchida pela Recorrida sem que tal estivesse legitimado por um pacto de preenchimento por parte da Recorrente (nos termos que ficaram alegados supra).
12- Nunca a livrança dada à execução poderia ter data de vencimento posterior á da declaração de insolvência do devedor principal na relação subjacente.
13- Por falta de autorização do Recorrente esse preenchimento da livrança é abusivo.
14- A subscrição da livrança depois da declaração da insolvência do devedor originário implica que, na prática, seja derrogada e extirpada da relação cartular a prescrição, o que constitui uma forma de certeza e segurança do direito e de ordem pública.
15- Na data da subscrição, o devedor principal já não tinha a capacidade e exercício de direitos, pois estava insolvente, pelo que o aval do Recorrente não poderia avalizar tal devedor insolvente.
16- O incumprimento do devedor principal já tinha ocorrido há muito tempo.
17- A seguir-se o entendimento da sentença recorrida, então nunca prescreveria a obrigação cambiária, porquanto a Recorrida, a seu bel-prazer, poderia a todo o tempo preencher a livrança, designadamente apondo a data que lhe pudesse aprouver.
18- Assim violando a certeza e segurança do direito e a ordem pública inerente à fixação de prazos prescricionais.
19- É relevante a declaração de insolvência do subscritor da livrança, pois que, tendo sido esta declarada antes da aposição da data da subscrição da livrança, ocorre a violação da ordem pública das regras de prescrição, porquanto, com o aludido preenchimento nos moldes em que ocorreu, nunca ocorreria a prescrição da obrigação cambiária.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida.
A embargada apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Formulou as seguintes conclusões:
1. Não existe qualquer inexequibilidade do título porquanto a livrança executada (artigo 703-1-c), do CPC - obedece aos requisitos do art. 75 da LULL;
2. A responsabilidade do avalista não é contratual, mas cambiária;
3. O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido judicialmente o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de se enquadrar num preenchimento abusivo;
4. O preenchimento de uma livrança entregue em branco ao credor quanto ao montante e data de vencimento, decorridos mais de 5 anos sobre a data da constituição da obrigação e sobre a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, e a instauração da ação executiva contra o avalista desta sociedade, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de preenchimento.
5. Pelo que, o prazo de prescrição do título conta-se não a partir da data do vencimento da relação subjacente, mas sim a partir da data de vencimento constante da livrança.
6. Cabia ao Apelante, nos termos do artigo 342-2, do C. Civil, provar que o pacto de preenchimento foi incumprido, o que não logrou fazer,
7. Ao invés, provou-se que o preenchimento da livrança foi efetuado em conformidade com o que haviam acordado no contrato que esteve subjacente à sua emissão – incumprimento do contrato;
8. Não tendo o Apelante provado, como lhe competia, que a Apelada incumpriu o pacto de preenchimento, valem todos os elementos inscritos na livrança, atentas as características de que goza, enquanto título de crédito cambiário, ou seja, da incorporação, literalidade, autonomia e abstração;
9. Por todo o exposto deve o Apelante à Apelada a quantia titulada pela livrança dada à execução nos presentes autos e bem assim a quantia peticionada no requerimento executivo.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se a livrança dada à execução constitui título executivo contra o avalista, aqui embargante, ou se ocorreu prescrição.
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OS FACTOS
A matéria de facto dada como assente com base nos documentos juntos aos autos e no acordo das partes é a seguinte: 1. A Exequente juntou com o requerimento executivo uma livrança subscrita pela sociedade «A..., Lda.», entretanto declarada insolvente, com o seguinte montante, data de emissão e de vencimento: - €838.459,84, emitida em 17.12.2007 e vencida em 05.07.2021. 2. Do rosto da livrança consta ainda que a mesma se refere ao seguinte VALOR «GARANTIA DA OPERAÇÃO ...» 3. No verso da mesma livrança e logo após a declaração "por aval à subscritora", o embargante AA apôs a sua assinatura. 4. A livrança junta como documento nº 1 foi entregue pela embargante à exequente, assinada por aquela e avalizada pelo embargante mas no mais em branco, nomeadamente quanto à data de vencimento e ao montante, aquando da celebração entre a embargada/exequente, a «A..., Lda.» e o embargante em representação da dita sociedade e em seu nome quanto ao pacto de preenchimento da livrança, do acordo outorgado no NOTARIADO PRIVATIVO DA Banco 1... no dia 17/12/2007 denominado contrato de abertura de crédito em conta corrente com hipoteca e aval, junto à contestação, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5. O aludido acordo escrito estipulava, para além do mais, com relevo:
UM – MONTANTE
1 – Até ao limite de um milhão de euros;
2 – O presente financiamento fica registado na Banco 1... sob o número ... (...)
DOIS – FINALIDADE
Esta abertura de crédito destina-se a reestruturação do passivo da sociedade e apoio à construção de um empreendimento imobiliário, em Guimarães.
TRÊS – PRAZO
1 – seis meses a contar de hoje.
2 – O referido prazo será automaticamente prorrogado por novos períodos de seis meses, a menos que a Banco 1... e ou a parte devedora denunciem o contrato por escrito com pelo menos trinta dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso.
(…)
SETE – (TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO)
1 – Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes deste financiamento, a Sociedade mutuária entregou, neste acto, à Banco 1..., credora, uma livrança em branco, subscrita pela empresa e avalizada pelo segundo outorgante; e a Sociedade subscritora e o avalista autorizam desde já a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) – a data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pela parte devedora das obrigações assumidas, a Banco 1... decida recorrer à realização coactiva do respectivo crédito;
b) – a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes deste financiamento, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) – a Banco 1... poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.
2 – A livrança não constitui novação do indicado crédito, pelo que se mantêm as condições fixadas neste contrato, incluindo as garantias. 6. A exequente enviou ao Executado uma carta, remetida em 12-07-2021, em suma informando a mesma do preenchimento da livrança, bem como da resolução do contrato, e interpelada para pagamento da quantia em dívida, cfr. documento nº 2 junto ao RE e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 7. A sociedade subscritora foi declarada insolvente, com carácter pleno, por sentença proferida no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, 2º Juízo de Vila Nova de Gaia, no dia 11-09-2014. 8. Após a data de vencimento daquela livrança e no âmbito do processo de insolvência da subscritora A..., Lda., que corre seus termos sob o nº 1136/13.TYVNG-4º Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, a Banco 1... recebeu da massa insolvente o montante de €422.473,60 aplicado em 24.01.2022, sendo que desse montante apenas foi afectado à livrança em causa o montante de €308.159,01 e o remanescente afectado a outras duas operações que também foram celebradas com aquela subscritora. 9. O ora embargante, por carta de 21 de Julho de 2021, informou a Banco 1... da disponibilidade para liquidar a dívida na figura de aquisição de crédito, mais dizendo que a liquidação da sociedade ainda não estava terminada e que existiam significativos valores a receber ainda em aberto e solicitando a desagregação do valor que deu lugar ao preenchimento da livrança. 10. Veio responder a Banco 1... em 3 de Agosto de 2021 referindo que o valor do capital era de 564.695,00€, de juros 243.967,14€ e o restante de comissões e impostos que completariam o valor total de preenchimento. 11. A 19 de Agosto de 2021 respondeu o embargante com uma proposta clara de aquisição do crédito pelo montante de 575.000 euros. 12. Em 30-09-2021 a exequente respondeu:
A Banco 1... admite analisar proposta de cessão do seu crédito pelo seu valor total, sem qualquer desconto, podendo em alternativa apresentar proposta de pagamento para se desvincular de avalista pelo valor referido de 575000,00€ para ser objeto da necessária análise e decisão pela Banco 1....
Na ausência de resposta por parte de V. Exa. no prazo de 15 dias tenho instruções da minha constituinte para promover a cobrança coerciva do crédito. 13. Posteriormente, as partes trocaram outra correspondência, reiterando as posições anteriormente expostas.
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O DIREITO 1. O embargante/recorrente sustenta que a livrança dada à execução com data de emissão de 12.7.2007 e de vencimento de 5.7.2021, no valor de 838.459,84€, é inexequível e como a sociedade que a subscreveu foi declarada insolvente em 11.9.2014 o respetivo prazo de prescrição de três anos aí se iniciou e já se encontra integralmente transcorrido.
A exequibilidade das livranças encontra-se consagrada no art. 703º, nº 1, al. c) do Cód. de Proc. Civil e a que nos autos foi dada à execução pela exequente Banco 1... reúne todos os requisitos indicados no art. 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças [LULL].
Com efeito, contém a palavra «livrança» inserta no seu próprio texto, a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, a época do pagamento, a indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada e a assinatura de quem passa a livrança (subscritor).
Por isso, aquando da sua apresentação em juízo, a livrança encontrava-se completamente preenchida. 2. Sucede que o embargante veio alegar que a subscritora da livrança – a “A..., Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida em 11.9.2014 e, por esse motivo, o exequente ao apor na livrança como data de vencimento uma data diferente daquela em que ocorreu a declaração de insolvência incorreu no seu preenchimento abusivo.
Entende assim o embargante que a livrança dada à execução nunca poderia ter data de vencimento posterior à data em que foi declarada a insolvência do devedor principal na relação subjacente, salientando ainda que nenhuma autorização foi dada nesse sentido.
Consequentemente, como sobre esta data já decorreram mais de três anos, teria que se concluir no sentido da prescrição da ação cambiária em relação à livrança.
Vejamos então. 3. No art. 70º da LULL, aplicável às livranças por força do art. 77º do mesmo diploma, dispõe-se o seguinte:
«Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.»
Verifica-se pois que no respeitante a letras e livranças o legislador conexionou o início do prazo de prescrição com a data de vencimento constante do título, considerando-se que a partir do vencimento o portador está em condições de exigir aos obrigados cambiários o seu pagamento.
Atendendo a que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada [art. 32º da LULL] daí decorre que ao avalista do subscritor da livrança – como é o caso do embargante – é aplicável o mesmo prazo prescricional de três anos que se refere ao subscritor e que se inicia na data do respetivo vencimento.[1]
Mostrando-se o título completo, com todos os seus elementos preenchidos, designadamente a sua data de vencimento, a questão da prescrição não levanta dúvidas.
As dúvidas surgem quando a livrança – como sucede no caso “sub judice” – foi emitida em branco e o seu preenchimento ocorre “a posteriori” efetuado pelo próprio portador, o que coloca as questões do seu preenchimento abusivo e da eventual prescrição em função da data que deveria ter sido indicada como vencimento. 4. Porém, na situação aqui em análise há ainda a ter em conta que a sociedade subscritora da livrança foi entretanto declarada insolvente por sentença proferida em 11.9.2014, o que remete para a aplicação do disposto no art. 91º do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE].
Preceitua-se nesta norma, no seu nº 1, que «a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.»
Por seu turno, no art. 43º, 2º e 3º da LULL prevê-se que o portador de uma letra – ou livrança - «pode exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados. (…) Mesmo antes do vencimento: (…) 2ºNos casos de falência do sacador, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença, ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens. 3º Nos casos de falência do sacador de uma letra não aceitável.”
Depois no art. 44º, 6º da LULL diz-se que “No caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarada do sacador de uma letra não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de ação. “
Conclui-se, pois, que a declaração de insolvência implica o imediato vencimento da obrigação a cargo do devedor/insolvente e também a sua consequente e prematura exigibilidade.
Conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16.9.2019 (proc. 1025/18.5T8PRT.S1, relator BERNARDO DOMINGOS, disponível in www.dgsi.pt.)[2] o propósito das normas dos arts. 43º e 44º da LULL é o de permitir ao credor, confrontado com a insolvência do devedor ou com esse risco iminente, declarar vencida e exigível a dívida que, em circunstâncias normais, não estaria ainda em condições de ser exigida, por não se mostrar vencida. De facto, se o credor tivesse que aguardar o decurso do prazo de vencimento da obrigação, correria o risco de, vencida a dívida no devido tempo, não lograr a satisfação do seu crédito por falta de bens no património do devedor. Trata-se assim da consagração no domínio do direito cambiário do mesmo princípio que se mostra consagrado no domínio da responsabilidade contratual no artigo 780º do Cód. Civil (perda do benefício do prazo).[3]
Com o art. 91º, nº 1 do CIRE, ao qual subjazem as mesmas razões, visa-se ainda um outro objetivo: o de permitir ao credor do devedor insolvente reclamar no processo de insolvência esse seu crédito ainda não vencido, sendo certo que por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, que exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos no CIRE e durante a pendência do processo, sob pena de a satisfação dos mesmos se mostrar prejudicada – cfr. art. 90º do CIRE.[4]
Através deste preceito legal, as obrigações que apenas se vencessem em data posterior à declaração de insolvência vêem esse vencimento antecipado e sem necessidade de interpelação. Com este regime logra-se uma (relativa) estabilização do passivo, tornando-se mais fácil avaliar a situação do devedor e assim tomar decisões. Desde logo porque os credores em causa, com os seus créditos vencidos, terão de vir ao processo exigir o que lhes é devido.[5] 5. Ora, do que se vem expondo resulta que a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança determina o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente estabelecida com o credor, o que permite a este exigir, desde logo, a respetiva obrigação cambiária, procedendo, nessa data, ao preenchimento da livrança para esse fim, designadamente apondo-lhe como data de vencimento a data da sentença de insolvência.
Com efeito, a partir deste momento o credor estava legitimado a proceder ao preenchimento da livrança com todos os seus elementos essenciais, entre eles a data do vencimento, e a exigir dos obrigados cambiários, de qualquer um deles, porque todos respondem solidariamente, e em particular da avalista, aqui recorrente, o valor em dívida.[6] 6. Não cabendo dúvidas de que o exequente poderia apor na livrança como data de vencimento a da insolvência da sociedade devedora, ou seja 11.9.2014, a questão essencial para a decisão do presente recurso reconduz-se a saber se, com referência à data da insolvência, existe limitação temporal ao preenchimento do título em branco por parte do seu portador.
Sucede que a nossa legislação não consagrou qualquer limite temporal ao preenchimento do título emitido em branco e nesse contexto tem sido entendimento jurisprudencial de que o prazo prescricional previsto no art. 70º da LULL corre a partir da data do vencimento inscrita no título pelo portador, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.[7] 7. O embargante/recorrente entende que no caso dos autos a livrança dada à execução não poderá ter, como tem, data de vencimento posterior à da declaração de insolvência do devedor principal, acrescentando que não foi dada qualquer autorização à exequente para que apusesse no título tal data, donde decorrerá, na sua perspetiva, o seu preenchimento abusivo.
Da discrepância existente entre a prescrição ordinária [prazo máximo de vinte anos – art. 309º do Cód. Civil] e a prescrição cambiária [três anos para o subscritor da livrança e o seu avalista – art. 70º da LULL] flui a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito. Se o credor, pela sua inércia, deixa esgotar tais prazos, o direito cambiário extingue-se, por prescrição, embora aquele continue a poder exercer o direito de crédito emergente da relação fundamental.
Mas a rapidez que deve caracterizar o exercício do direito cambiário, como será de conjugar com as hipóteses em que a livrança se acha subscrita em branco? CAROLINA CUNHA (in “Aval e Insolvência”, Almedina, 2017, págs. 81/82), enfrentando esta questão, diz-nos que esse direito é exercitável a partir do momento em que o portador está legitimado a preencher o título, ou seja (tipicamente) a partir da ocorrência do incumprimento e eventual resolução do contrato fundamental, o que, neste caso, corresponderá à data da declaração de insolvência da subscritora da livrança.
Afirma esta ilustre Professora que “se é verdade que o credor não está propriamente obrigado a preencher o título nesse exacto momento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário contra o obrigado principal.”
“Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, ou em indicar uma data de vencimento posterior a ele, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10º LU e, por referência, à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.” 8. Seguindo-se esta orientação teria que se considerar como prescrito o direito do credor/exequente acionar cambiariamente o avalista da livrança.
Porém, voltando a adotar o entendimento do referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.6.2019 [e também do Acórdão da Relação do Porto de 29.1.2019], consideramos que esta linha argumentativa não deve ser acolhida.
Em primeiro lugar, é manifesto que o legislador não consagrou na lei qualquer limitação temporal ao preenchimento do título emitido em branco. Mesmo que discutível esta opção legislativa, em particular do ponto de vista do obrigado cambiário que fica sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título em branco, o que se constata é que, de “jure constituto”, não existe essa limitação temporal.
Em segundo lugar, a emissão de um título em branco – cujo vencimento virá a ocorrer em momento posterior e não determinado à partida - não se pode equiparar à emissão de um título completo quanto aos seus elementos essenciais, nomeadamente quanto à data do seu vencimento. 9. De todo o modo, a partir desta constatação não se pode afirmar, sem mais, que qualquer data de vencimento que venha a ser aposta no título emitido em branco pelo portador é de admitir.
É que o preenchimento da data do vencimento não pode prescindir do que foi acordado entre as partes e do que estas podiam objetivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação a esse acordo das regras de interpretação previstas no art. 236º, nº 1 do Cód. Civil.[8]
Com efeito, é o pacto de preenchimento que confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco e é essa a base para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente. 10. Ora, do pacto de preenchimento referente à livrança em causa nos autos e que se mostra subscrito pelo avalista, ora embargante, datado de 17.12.2007, consta o seguinte:
“SETE – (TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO)
1 – Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes deste financiamento, a Sociedade mutuária entregou, neste acto, à Banco 1..., credora, uma livrança em branco, subscrita pela empresa e avalizada pelo segundo outorgante; e a Sociedade subscritora e o avalista autorizam desde já a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) – a data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pela parte devedora das obrigações assumidas, a Banco 1... decida recorrer à realização coactiva do respectivo crédito;
(…)”
Acontece que face ao teor deste pacto de preenchimento qualquer declaratário razoável, diligente e de mediana experiência deduziria que o vencimento da livrança deveria ter lugar após o incumprimento do contrato por parte do obrigado principal e consequente vencimento das obrigações que para o mesmo resultassem do dito contrato.
O incumprimento das obrigações assumidas surgirá, assim, como condição necessária para o preenchimento da livrança, mas não determinante, de tal forma que verificado o incumprimento da relação subjacente o exequente podia, mas não estava obrigado, a preencher a livrança.
A obrigatoriedade do ora exequente preencher a livrança na data do incumprimento ou do vencimento da obrigação da mutuária, que neste caso corresponde à data da sua declaração de insolvência ou no prazo máximo de três anos após essa insolvência, não tem respaldo no pacto de preenchimento acima transcrito, interpretado de acordo com o disposto no art. 236º do Cód. Civil.
Aliás, para que se coloque a questão do preenchimento abusivo de uma livrança emitida em branco, torna-se imprescindível que numa situação como a presente o avalista demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham tido intervenção ele próprio, como avalista, e também o tomador-portador do título e que este último, ao completar o seu preenchimento, tenha desrespeitado esse acordo.[9]
Sucede que manifestamente esta prova não foi feita.
Como tal, porque de acordo com o pacto de preenchimento constante da factualidade assente, o portador não estava obrigado a consignar na livrança como data do seu vencimento a data da declaração de insolvência (11.9.2014) ou a que correspondesse a três anos subsequentes a essa data (11.9.2017), somos levados a concluir que o direito de acionar cambiariamente o avalista, aqui embargante, não se encontra prescrito.
Assim, a circunstância do portador da livrança ter inserido nela como data de vencimento não a da declaração de insolvência da sociedade sua subscritora (11.9.2014), mas sim uma data bem posterior – 5.7.2021 - não corresponde a qualquer interpretação ou aplicação abusiva do pacto de preenchimento, havendo ainda a assinalar que o mero decurso do tempo, só por si, não é suscetível de criar no devedor cambiário a confiança de que não mais lhe seria exigido o cumprimento da obrigação por si assumida, geradora de uma eventual situação de abuso do direito nas modalidades de venire contra factum proprium ou de suppressio.[10]
Deste modo, não ocorrendo prescrição da obrigação cambiária, há que julgar improcedente o recurso interposto pelo embargante, confirmando-se a sentença recorrida.[11]
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo embargante AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Porto, 14.3.2023
Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
______________ [1] Cfr., por ex., Ac. Rel. Porto de 19.12.2012, proc. 2295/11.5TBOAZ-A.P1, relator TELES DE MENEZES, disponível in www.dgsi.pt. [2] Acórdão que se fundou, praticamente na íntegra, no anterior Acórdão da Relação do Porto de 29.1.2019, relator JORGE SEABRA, proferido no mesmo processo (1025/18.5 T8PRT.S1), disponível in www.dgsi.pt. [3] Cfr. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 29/31. [4] Cfr. MENEZES LEITÃO, “Direito da Insolvência”, Almedina, 8ª ed., 2018, pág. 181. [5] Cfr. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, “Um Curso de Direito da Insolvência”, vol. I, Almedina, 3ª ed., 2021, págs. 207/208. [6] Isto sem prejuízo da reclamação a efetuar no processo de insolvência da subscritora da livrança e sem deixar de ter presente que o valor que recebesse na insolvência teria que ser abatido ao valor em débito, atendendo a que não poderá receber em duplicado esse valor. [7] Cfr., por ex., Ac. STJ de 4.7.2019, proc. 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1, relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO; Ac. STJ de 20.10.2015, proc. 60/10.6TBMTS.P1.S1, relator GARCIA CALEJO; Ac. Rel. Porto de 19.1.2015, proc. 7640/10.0TBMTS-A.P2, relator JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA; Ac. Rel. Porto de 24.3.2015, proc. 60/10.6TBMTS.P1., relator FRANCISCO MATOS, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [8] Aí, seguindo-se a teoria da impressão do declaratário, estatui-se o seguinte: «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.» [9] Cfr., por ex., Ac. STJ de 10.11.2022, proc. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, relator ISAÍAS PÁDUA e Ac. STJ de 22.10.2013, proc. 4720/10.3 T2AGD-A.C1, relator ALVES VELHO, disponível in www.dgsi.pt. [10] Cfr., por ex., Ac. STJ de 10.11.2022, proc. 250/21.6T8OER-A.L1.S1, relator FERREIRA LOPES, Ac. STJ de 19.10.2017, proc. 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, relatora ROSA TCHING e Ac. Rel. Porto de 29.1.2019, proc. 1418/14.7TBPVZ-B.P2, relatora LINA BAPTISTA, disponíveis in www.dgsi.pt. [11] A linha argumentativa adotada corresponde à que foi seguida, em caso semelhante, no Ac. Rel. Porto de 12.10.2021, do presente relator, p. 2404/19.68AGD-B.P1, disponível in www.dgsi.pt.