PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
COMUNICAÇÃO
EFICÁCIA
INDEMNIZAÇÃO PELA OCUPAÇÃO
Sumário

I – Nos termos do art.º 10º, n.º 3 do NRAU, devolvida a carta registada com aviso de recepção - enviada com vista, além do mais, a servir de base a procedimento especial de despejo - sendo esta enviada respeitando a antecedência exigida por lei para o caso, de 120 dias – e, devolvida a primeira, tendo-se enviado outra respeitando desta vez o prazo do n.º 3 do art.º 10º do NRAU, tem de se entender que o envio da segunda carta vale como condição de eficácia da primeira comunicação enviada: é relativamente a esta que se tem de observar o prazo (no caso) de 120 dias; quanto à segunda, a lei exige que seja enviada no prazo de 30 a 60 dias, após a devolução da primeira, o que também se observou.
II - Assim, a interpretação que se há-de fazer dos preceitos aplicáveis é a de que a comunicação operou com a primeira carta enviada - visto que a segunda carta, enviada entre 30 e 60 dias após o envio da primeira, opera como condição de eficácia da declaração de, no caso, oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.
III - Nada obsta a que a comunicação ao arrendatário nos termos e para efeitos do art.º 1097º do Código Civil e art.ºs 9º e 10º do NRAU possa ser feita por representante do senhorio.
IV – Se o R., apesar de interpelado pelo senhorio, não desocupou o locado, nele se mantendo, esta ocupação é ilícita, entrando o R. em incumprimento face à obrigação de restituir ao A. o locado, pelo que se constitui na obrigação de proceder à indemnização pelos prejuízos causados ao credor, nos termos do art.º 798º do Código Civil.
V - Não sendo possível a reconstituição natural, nos termos do art.º 562º do Código Civil, há que lançar mão do art.º 566.º do mesmo diploma, sendo o valor equivalente à renda o que melhor corresponde à indemnização a arbitrar, pelo que as quantias que o R. tem vindo a depositar a título de renda deverão ser deduzidas na indemnização global devida por este, mas esta circunstância não tem a virtualidade de obstar à oposição à renovação do contrato operada pelo A.
(Sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório.
M… instaurou acção declarativa com processo comum, contra J…, pedindo:
- Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento e condenado o réu a restituir ao autor o locado – fracção “F”, correspondente ao … - livre e desocupado, bem como a pagar um valor mensal pela ocupação do locado correspondente ao valor mensal da renda, até entrega efectiva do mesmo.
Alegou, em síntese, que é proprietário da fracção autónoma “F”, correspondente ao …; que deu de arrendamento ao réu essa fracção autónoma, pelo prazo de um ano, com início em 01/08/2015, renovável por iguais períodos, mediante a renda mensal de 400€ actualmente de 500€.
Por carta datada e enviada a 20/04/2021, o autor notificou o réu da oposição à renovação do contrato, carta essa devolvida porque não reclamada. Enviou nova carta registada, passados 30 dias que voltou a ser devolvida porque não reclamada. Na mesma data enviou carta simples com o mesmo teor.
O réu não devolveu o locado.
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Citado, o réu contestou.
Reconheceu a celebração do contrato de arrendamento e, invoca falta de interesse do autor em litigar porque, segundo entende, o contrato de arrendamento ainda se mantém em vigor, com as rendas a serem pagas pelo réu. Reconhece ter recebido uma carta registada simples, datada de 20 de Maio, notificando-o da oposição à renovação do contrato. Alega que a comunicação de oposição à renovação do contrato foi extemporânea, por não ter respeitado o período de pré-aviso de 120 dias e, por isso, entende que caducou o direito do autor.
Mais alega que a notificação recebida pelo réu foi outorgada pela Mandatária do senhorio e não por este, o que a torna ineficaz.
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O autor respondeu às excepções.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e, advertidas as partes que os autos estavam em condições de ser proferida decisão de mérito, foram as partes notificadas para alegarem o que tiverem por conveniente nos termos e para os efeitos do artº 595º nº 1, al. a) do Código de Processo Civil, ao que as partes corresponderam.
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Com data de 13/05/2022 foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto o Tribunal decide:
- Declarar a resolução do contrato e, consequentemente, decretar o despejo do prédio urbano sito … a que corresponde a fracção “F”, em Almada, registado na conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da mesma freguesia;
- Condenar o Réu a restituir de imediato ao Autor, livre e desocupado, o imóvel identificado supra;
- Condenar o Réu no pagamento do valor das rendas entre a data da resolução do contrato e a entrega efetiva do mesmo.
Custas pelo Réu (cfr. art. 527.º n.º 1 do Código de Processo Civil).”
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Inconformado, o réu interpôs o presente recurso, formulando as seguintes Conclusões:
“a) Pelos factos provados, nomeadamente a ausência do réu no estrangeiro;
b) E pela impossibilidade de conhecer o teor das notificações;
c) Deveria a presente acção ser julgada totalmente improcedente;
d) O ora Apelante alegou, na sua contestação, que os factos constitutivos da sua defesa;
e) Estando os mesmos sustentados por prova documental;
f) Dá-se aqui por provada a matéria de facto constante da contestação;
g) Em face da matéria de facto dada como provada, por sentença, o Apelante esteve ausente na Alemanha;
h) Não podendo receber, nem ter conhecimento das notificações enviadas para si!
i) Notificações de oposição à renovação do contrato de arrendamento;
j) Que deverão ser consideradas nulas, por caducidade, por terem sido conhecidas foram do prazo para oposição à referida renovação;
k) E por terem sido outorgadas pela mandatária do senhorio e não pelo próprio;
l) Além do mais, o Réu sempre pagou as suas rendas e não se entende a sua condenação para pagamento das mesmas;
m) Sempre teve o cuidado de notificar o processo do seu pagamento;
n) Por conseguinte, há de facto, na sentença uma não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
o) Como também há uma contradição insanável entre a matéria de facto provada, a fundamentação e a decisão;
p) Além do mais, o tribunal a quo deixou de se pronunciara na questão do pagamento das rendas, o que deveria de o ter feito;
q) Não consta da factualidade dada como provada que o Réu não podia conhecer o teor das notificação;
r) E o pagamento das rendas!;
s) Deste modo, jamais a presente acção poderia proceder;
t) Face ao exposto, com o salvo devido respeito, a sentença é nula, nos termos da al. b), c) e d) do código do processo Civil, devendo como tal ser declarada e substituída por outra que declare a improcedência total da acção.
Nestes termos e nos demais de direito, devem V. exas. Julgar procedente o presente recurso, concedendo total provimento à apelação, e, por via disso, declarar-se nula a sentença recorrida e devendo ser substituída por outra que julgue improcedente a acção.”
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O autor contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Admitido o Recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a) - As Invocadas Nulidades da Sentença;
b) - A revogação da sentença com a consequente improcedência da acção.
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III. Fundamentação de Facto:
Na 1ª instância proferiu-se a seguinte Decisão sobre a Matéria de Facto:
A. O Autor é proprietário de um prédio urbano sito … a que corresponde a fracção “F”, em Almada, registado na conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito sob o artigo …8 na matriz predial urbana da mesma freguesia.
B. Por contrato de 10 de Julho de 2015, com início no dia 1 de Agosto do mesmo ano e pela renda mensal de 400,00 €, entretanto actualizada para €500,00, o proprietário deu de arrendamento ao Réu a referida fração a que corresponde o 2.º andar direito do prédio acima descrito.
C. Por carta datada e enviada em 20 de Abril de 2021, o Autor notificou o Réu da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
D. Tendo a carta registada sido devolvida por não reclamada junto dos serviços postais.
E. Foi enviada uma nova carta registada, passados 30 dias que também veio devolvida por não ter sido reclamada junto dos serviços postais.
F. Na mesma data foi enviada a carta registada simples com o mesmo teor.
G. O Autor continua a transferir para a conta do Senhorio o valor correspondente à renda.
H. Apesar de interpelado para o efeito por parte do Senhorio, o arrendatário não devolveu o locado livre de pessoas e bens.
I. O Réu, entre 20 de Abril de [2021] e 20 de Maio de [2021], ausentou-se para a Alemanha [por manifesto lapso, que aqui se corrige, nos termos do art.º 249º do Código Civil, consta na sentença 2020].
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Factualidade que se adita nesta Relação, relativa às cláusulas do contrato de arrendamento em causa:
-Cláusula Segunda (Duração e início do contrato):
O contrato de arrendamento é celebrado por prazo certo, nos termos do disposto no artº 1095 do CC (…). O referido arrendamento é feito pelo prazo de um ano, tendo o início em 1 de Agosto de 2015 e termo em 31 de Agosto de 2016.”
-Cláusula Terceira (Renovação do Contrato):
No fim do prazo convencionado o contrato renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração nos termos do artigo 196º do CC (…):
O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato de arrendamento mediante comunicação ao inquilino nos termos e com os períodos de antecedência previstos no artº 1097º do CC (…).
Cláusula Oitava (Obras):
O inquilino não poderá fazer quaisquer obras no local arrendado sem autorização prévia e por escrito do senhorio nem levantar quaisquer benfeitorias que tenham por si sido realizadas ainda que autorizadas pelo senhorio, nem pedir indemnização ou alegar retenção.”
Cláusula Nona (Domicílio convencionado):
Para todos os efeitos legais e contratuais o segundo outorgante declara quer possui residência na morada do locado…
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IV - Das Nulidades da Sentença.
O apelante invoca que a sentença padece de três nulidades, previstas, respectivamente, nas alíneas b), c) e d) do artº 615º nº 1 do CPC.
Diz, na alínea n) das Conclusões, que “…a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Na alínea o) das Conclusões, diz que “…há uma contradição insanável entre a matéria de facto provada, a fundamentação e a decisão.”
E, na alínea p) das Conclusões, diz que “…o tribunal a quo deixou de se pronunciar na (sobre) questão do pagamento das rendas, o que devia ter feito.”
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Ora, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber:
a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e
b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do Código de Processo Civil - conf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/7/2014, Proc. n.º 00858/14, disponível em www.dgsi.pt.
Os vícios a que se reporta o art.º 615º do Código de Processo Civil enquadram-se nesta segunda categoria e encontram-se taxativamente previstos pela norma, tratando-se de vícios que se prendem com a própria estrutura – vícios formais – ou aos limites da sentença, relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal – vícios de actividade.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”, conf. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/2001, Proc. 00A3277).
Acresce precisar que conforme decorre do que se vem dizendo, os vícios da decisão da matéria de facto constituem erros de julgamento na vertente de “error facti” e como tal nunca constituem causa de nulidade da sentença com fundamento no art.º 615º do Código de Processo Civil.
Vejamos então a invocada nulidade do despacho por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 154.º n.º 1 do Código de Processo Civil que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, acrescentando o seu n.º 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição…”.
Conforme vem sendo decidido uniformemente pela doutrina e jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Nesse sentido ainda o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/11/2004 (in www.dgsi.pt) no qual se faz apelo ao «Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), (que) repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um carácter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232, e arestos aí citados). Mostra-se ainda útil esclarecer, a este propósito, que a exegese do disposto no art.º 668º nº1 al..b) C.P.Civ., de há muito vem entendendo que a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso(…). Só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão. Ao aludir-se a “ausência de qualquer fundamentação” quer referir-se a falta absoluta de fundamentação, a qual porém pode reportar-se seja apenas aos fundamentos de facto, seja apenas aos fundamentos de direito.».
Também a doutrina se pronuncia em sentido idêntico. Veja-se Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221) ao referir que «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».
Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol 2.º, pág. 669, refere que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
De igual modo Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 687, entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.
Ora, lida a Sentença proferida, é evidente que a mesma não padece da invocada nulidade; no caso em apreço a sentença sob recurso especificou 9 pontos de facto [alíneas a) a i)] que espelham a factualidade relevante do processo na parte relativa à questão em causa no recurso: a cessação do contrato de arrendamento por oposição à respectiva renovação.
Além disso, a sentença enuncia e procede à interpretação e aplicação das normas dos art.ºs 224º e 1096º do Código Civil.
Desta forma, improcede a invocada nulidade, sendo que o que resulta do Recurso interposto é que o recorrente discorda da solução dada pela 1ª instância quanto à cessação do contrato de arrendamento, o que não é causa de nulidade da sentença.
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Invoca ainda o Recorrente a nulidade da Sentença porque “…há uma contradição insanável entre a matéria de facto provada, a fundamentação e a decisão.”
Com esta invocação parece referir-se à circunstância de ter sido dado como provado que o réu/inquilino/apelante se encontrava na Alemanha entre 20 de Abril de 2021 e 20 de Maio de 2021, datas do envio das cartas a comunicar a oposição à renovação do contrato e que, por essa circunstância, não teve delas conhecimento caducando, por isso, o direito do senhorio porque exercido intempestivamente.
Nos termos do citado art.º 615º, n. 1, c) in fine do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando “(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes (conf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/4/2002, Proc. n.º 01P3821).
A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/5/2021, Proc. n.º 69/11.2TBPPS.C1.S1.
 Quer dizer, quando a norma, no art.º 615º nº 1, al. c), refere contradição entre os fundamentos e a decisão, está a referir-se aos fundamentos jurídicos, aos elementos e passos do raciocínio jurídico que o juiz foi explanando na fundamentação da sentença. Isto é, o erro de contradição relevante reporta-se raciocínio que o juiz foi expondo na sentença: o julgador segue determinada linha de raciocínio que, em termos lógicos, aponta para uma determinada conclusão, mas, em vez de a tirar decide noutro sentido, oposto ou divergente - Cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 298.
Portanto, o vício de contradição ocorre em sede de raciocínio e argumentação lógica silogística que leva à decisão: há uma incompatibilidade entre a argumentação utilizada e a decisão tomada.
No caso dos autos, a circunstância de o réu/inquilino, estar ausente do domicílio, local arrendado, nas datas de envio das cartas, pelo senhorio, a comunicar a sua oposição à renovação do contrato não impedia, nem é contraditório com a decisão da 1ª instância de considerar cessado o contrato.
O raciocínio feito pelo juiz, ao longo da sentença, vai no sentido de considerar eficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato e, num raciocínio silogístico, conclui pela cessação do contrato. Ou seja, não se vislumbra que ocorra uma contradição viciosa entre os fundamentos de facto e jurídicos e a decisão. Se a decisão é a correcta, ou se dela se discorda, em termos jurídicos, não consubstancia uma nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Em suma, não se verifica, pois, a invocada nulidade do acórdão por contradição.
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Finalmente, pretende ainda o Recorrente que a Sentença é nula porque a 1ª instância “…deixou de se pronunciar na questão do pagamento das rendas, o que devia ter feito.”.
Como vimos, dispõe o art.º 615º, n.º 1, al. d) que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer ou quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Os vícios a que se reporta este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 608º do Código de Processo Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, que na sua conceção clássica e tradicional significava que “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374), mas também do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem ativamente para a decisão a ser nele proferida.
Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art.º 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, desde que suscitada/arguida pelas partes (logo se o tribunal não conhecer de exceção ou exceções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a decisão por omissão de pronúncia) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da decisão, que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão (conf. Manuel de Andrade, ob. cit).
Assim, quando na norma em questão se comina com nulidade a sentença/acórdão, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questões que constituem o objecto da sentença ou do acórdão.
Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (art.º 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente.
Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Veja-se o que refere Anselmo de Castro Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, Almedina, pág. 142: “A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e à causa de pedir (melhor, à fungibilidade ou infungibilidade de umas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem”.
Por outro lado, deve igualmente entender-se que não há omissão de pronúncia relativamente a questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, isto, por efeito da conjugação do artº 615º nº 1, al. d), 1ª parte, com o art.º 608º nº 2 do Código de Processo Civil  - veja-se Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, pág. 86.
Tanto bastaria para que se concluísse pela improcedência da invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Acresce que, no caso em apreço, a sentença pronuncia-se sobre “as rendas” que o “inquilino” vem depositando: expressamente, determina na parte decisória: “Condenar o Réu no pagamento do valor das rendas entre a data da resolução do contrato e a entrega efetiva do mesmo.”
A esta luz, conclui-se que também esta pretendida nulidade por omissão de pronúncia não se verifica.
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V. Do Direito.
O apelante pretende que a sentença seja revogada em termos de se decidir pela improcedência do pedido por entender que se verifica:
 (i) Extemporaneidade da comunicação de oposição à renovação do contrato;
(ii) Ineficácia da comunicação por ter sido subscrita por mandatário;
(iii) Renovação do contrato por virtude do pagamento das rendas.
Vejamos cada um desses fundamentos.
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Da extemporaneidade da comunicação de oposição à renovação do contrato.
Segundo o apelante não pode ter-se o contrato como cessado porque ele apenas teve conhecimento da comunicação de oposição à renovação do contrato em 20 de Maio de 2021, só podendo considerar-se notificado nesse dia, tendo sido ultrapassado, em 20 dias, o prazo de antecedência da comunicação pelo senhorio.
Não está em causa que entre A. e R. foi celebrado um contrato de arrendamento, com destino a habitação, pelo prazo de um ano e com renovação automática no seu termo por períodos sucessivos de igual duração.
Trata-se, portanto, no caso dos autos, de um contrato celebrado com estipulação de renovação de prazo, sendo que nestes casos o senhorio pode fazer cessar o contrato manifestando a sua oposição à renovação do mesmo, nos termos do art.º 1079º do Código Civil.
(Atente-se que, apesar de o senhorio ter pedido, nesta acção, a “resolução” do contrato e, a 1ª instância ter julgado procedente essa “resolução” do contrato – está em causa uma outra forma de extinção do contrato de arrendamento consistente na oposição à renovação).
A oposição à renovação é aplicável aos contratos em relação aos quais tenha sido estipulado um prazo renovável e apenas pode ocorrer no fim desse prazo, impedindo que o contrato se renove por períodos subsequentes. (Cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 170).
Já a resolução, em termos simples, consiste numa forma de cessação do contrato que tem por base o incumprimento pela outra parte (art.º 1083º nº 1 do Código Civil).
Ora, o fundamento invocado não seria causa para a (peticionada e deferida) resolução do contrato de arrendamento. O que vem alegado como fundamento para a cessação do contrato é a declaração de oposição à renovação do contrato.
Dito isto, vejamos a questão da cessação do contrato.
De acordo com o art.º 1097º do Código Civil, relativo aos arrendamentos para habitação, com epígrafe “Oposição à renovação pelo senhorio”:
“1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2- A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”
Ora, no caso dos autos, dado que o prazo estipulado para a duração do contrato e suas renovações foi de um ano, a comunicação pelo senhorio, de oposição à renovação do contrato, teria de ser efectuada com 120 dias de antecedência relativamente ao dia 31/08/2021. Ou seja, atendendo às regras de cômputo do termo, previstas no art.º 279º do Código Civil, a comunicação do senhorio, a manifestar a sua oposição à renovação do contrato, teria de ter lugar até ao dia 03/05/2021.
Resulta dos autos que foi enviada uma 1ª carta a 20/04/2021; essa carta veio devolvida porque não reclamada. Foi enviada uma 2ª carta registada com aviso de recepção a 20/05/2021 – que foi igualmente devolvida. O A. enviou ainda uma terceira carta (simples) da qual o R. admite ter tido conhecimento em 20/05/2021.
A questão que se coloca é a de saber se se pode considerar que o inquilino foi notificado com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo.
À data do envio das cartas em questão nestes autos, vigorava o art.º 9º da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção da Lei 43/2017, de 14/06, que, relativamente à forma de comunicação entre senhorio e inquilino estabelecia:
“1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.
4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.”
Por sua vez, o art.º 10º da mesma Lei 6/2006, de 27/02, igualmente com a redacção que resultava da Lei 43/2017, de 14/06, relativa às vicissitudes das comunicações entre senhorio e inquilino, estabelecia:
“1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”
Pois bem, deste regime do art.º 10º decorre que, de acordo com o respectivo n.º 1, as comunicações entre as partes estão sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do Código Civil, sendo por isso eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele conhecidas (art.º 224º nº 1); sendo ainda consideradas eficazes as declarações que só por culpa do destinatário não são recebidas (art.º 224º n.º 2) – Cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 118). Por ser assim, é estabelecido no preceito em questão - o art.º 10º n.º 1 do NRAU - que a comunicação entre senhorio e inquilino se considera realizada mesmo que o destinatário se recuse a recebê-la ou se o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro.
No entanto, decorre do n.º 2, c) do art.º 10º do NRAU (para o que aqui interessa) que o disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
“c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.”
Neste caso, impõe a lei (art.º 10º, n.º 3 do NRAU) que o senhorio deve remeter nova carta registada, com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
Ou seja: apenas se podem considerar recebidas as comunicações efectuadas desde que se cumpram estes passos.
Finalmente, mesmo que essa carta venha devolvida por recusa do destinatário a recebê-la, considera-se a comunicação realizada no 10º dia posterior ao do seu envio (art.º 10º nº 4 do NRAU).
Ora a questão que se coloca tem a ver com a interpretação do art.º 10º, n.º 3 do NRAU: devolvida a carta registada com aviso de recepção – enviada com vista, além do mais, a servir de base a procedimento especial de despejo, como é o caso dos autos em que o senhorio pretende a cessação do contrato e o consequente despejo do locado, por efeito da oposição à renovação do contrato para 31/8/2021 - sendo esta enviada respeitando a antecedência exigida por lei para o caso, de 120 dias – e, devolvida a primeira, tendo-se enviado outra respeitando desta vez o prazo do n.º 3 do art.º 10º do NRAU, a declaração de oposição à renovação do contrato opera na data do recebimento desta segunda carta – tese defendida pelo inquilino/recorrido, que assim pretende que a mesma não pode operar por não ter sido recebida com 120 dias de antecedência, ou opera em face da primeira carta enviada.
Julga-se que se tem de entender que o envio da segunda carta vale como condição de eficácia da primeira comunicação enviada: é relativamente a esta que se tem de observar o prazo (no caso) de 120 dias; quanto à segunda, a lei exige que seja enviada no prazo de 30 a 60 dias, após a devolução da primeira, o que também se observou.
Assim, a interpretação que se há-de fazer dos preceitos aplicáveis não pode deixar de ser a segunda – a comunicação operou com a primeira carta enviada - visto que a segunda carta, enviada entre 30 e 60 dias após o envio da primeira, opera como condição de eficácia da declaração de, no caso, oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.
Aliás, esta é, de resto, a posição no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) conforme decorre do respectivo sumário:
“I - A declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem carácter receptício (art. 1097.º, n.º 1, do CC).
II - A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) prevê um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição que prevalece sobre a recepção ou conhecimento a que o regime geral do n.º 1 do art. 224.º do CC dá relevância: exige-se que seja feita por escrito assinado pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por carta registada com aviso de recepção, (i) para o local arrendado, desde que o aviso de recepção seja assinado pelo inquilino; ou (ii) tendo havido convenção de domicílio, para esse local.
III - Não tendo existido convenção de domicílio e tendo o aviso de recepção sido assinado por pessoa diferente do destinatário, a oposição só é eficaz se a carta for completada com uma nova carta, enviada igualmente com aviso de recepção e dentro do prazo previsto no n.º 3 do art. 10.º do NRAU, sob pena de o senhorio não poder lançar mão do procedimento especial de despejo (arts. 10.º, n.º 2, al. b), e 15.º, n.º 2, al. c), do NRAU).
IV - Trata-se de regime legal que já vem da versão inicial da Lei n.º 6/2006 e que a Lei n.º 31/2012, de 14-08 manteve, sendo determinado por razões de equilíbrio entre a protecção do arrendatário – pois aumenta as probabilidades de a oposição chegar efectivamente ao seu conhecimento – e a simplificação do regime da cessação do contrato – pois acelera essa efectivação.
Como pode ainda ler-se na fundamentação desse Acórdão: “A exigência da segunda carta para a eficácia da oposição, quando o aviso de recepção não foi assinado pelo destinatário (deixa-se agora de lado a hipótese de convenção de domicílio, que consabidamente não houve), vem da versão inicial da Lei nº 6/2006; as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, neste ponto particular, destinam-se apenas a adequar o texto à introdução do Procedimento Especial de Despejo e à substituição do anterior título executivo complexo, previstos nos (anteriores) artigos 10º e 15º.
Tal como era então necessária essa segunda carta para que o senhorio dispusesse deste título executivo, continuou a ser necessário o envio da segunda carta para que o senhorio possa lançar mão do Procedimento Especial de Despejo e assim, num caso e noutro, efectivar com maior celeridade a cessação do arrendamento (n.º 1 dos artigos 15º actual e anterior).
Em ambos os casos, a razão de ser já foi atrás apontada: equilíbrio entre os interesses das partes.
E apenas se acrescenta, quanto a este ponto, que não é inédita entre nós a exigência de uma segunda carta quando a primeira, enviada com aviso de recepção, não foi assinada pelo destinatário; cfr. a citação feita em pessoa diversa do citando, actuais artigos 228º, nº 2 e 233º do Código de Processo Civil, no caso em que a citação é realizada por carta registada com aviso de recepção.”
Fazendo a aplicação do disposto pelo art.º 224º, n.º 2 do Código Civil, concorda-se com o que a este respeito foi referido na Sentença proferida:
“Resta assim apurar se tal circunstância se deveu a culpa sua devendo esta ser apreciada em concreto, à luz das circunstâncias de cada caso, segundo o critério estabelecido no art.º 487.º n.º 2 do Código Civil ou seja, de acordo com a diligência de um bom pai de família.
Se a carta com aviso de recepção contendo a declaração resolutiva foi enviada para o Réu, chegando à sua morada, mas não lhe tendo sido entregue por o mesmo não ter atendido, razão pela qual lhe foi deixado aviso postal para levantamento em estação de correio, ao qual o mesmo não correspondeu, não levantando a missiva por se encontrar fora do país, o que motivou a sua devolução ao remetente, é de concluir, em tais circunstâncias e segundo as regras da normalidade do viver em sociedade, que só por falta do nível de diligência exigível do homem comum a carta não foi recebida.
É que, o Réu poderia ter, aquando da sua ausência do país, assegurado que as cartas seriam reencaminhadas via ctt para uma qualquer morada à sua escolha, tal como se pode retirar do site dos CTT: https://www.ctt.pt/particulares/receber/gerir-todas-as-entregas/reencaminhar-para-outra-morada.
Poderia igualmente ter conferido poderes a alguém que, em sua representação pudesse levantar as suas cartas nos CTT, mediante a outorga de uma procuração nesse sentido ou poderia simplesmente ter comunicado ao Autor ou a quem lhe interessasse, ao abrigo da boa fé contratual, a sua ausência do país naquelas datas em questão.
Dificilmente se compreende que o Réu se tenha ausentado de sua casa sem incumbir alguém de verificar o seu correio, nomeadamente para recepção de cartas importantes ou de contas por pagar.
Ou seja, o que se pretende com isto dizer é que, de acordo com os critérios de diligência de um bom pai de família, era exigível ao Réu que acautelasse a recepção de correspondência no dia 20 de Abril de 2020, o que não fez.
O Tribunal não pode é admitir que uma carta de resolução de um contrato de arrendamento não seja recebida pelo seu destinatário apenas porque este se ausentou de sua casa e não diligenciou por incumbir alguém de receber a sua correspondência importante, dotando-o dos poderes necessários para isso, ou celebrando com a empresa de distribuição de correio um contrato adequado ao reencaminhamento de correspondência.
Para além do mais, é do conhecimento geral que os CTT, quando deixam um aviso de levantamento de uma carta, fazem-no mediante um aviso postal no qual identificam o remetente pelo que, caso o Réu tivesse diligenciado por alguém verificar a sua caixa de correio, esse alguém poderia ter entrado em contacto consigo dizendo que existia uma carta para levantar nos CTT expedida pelo Autor. E assim sendo, sempre poderia o Réu entrar em contacto com o Autor para saber o seu teor, como ditam as regras da boa fé.
E mais, mesmo que o distribuidor postal não indicasse, em tal aviso, o nome do remetente, como é sua obrigação, sempre poderia o Réu ter incumbido alguém de verificar a sua caixa de correio e comunicar que se encontrava, nela depositada, uma carta registada. Aí poderia o Réu emitir uma procuração em documento particular, como é de lei, a favor dessa pessoa que assim a poderia levantar nos CTT, o que não sucedeu.
Como se pode verificar, existem inúmeras formas de solucionar a recepção de correspondência por parte de alguém que se ausenta de sua casa por um determinado período de tempo, quer numa perspectiva prática, quer numa perspectiva legal, soluções essa ao dispor de qualquer um que se preocupe minimamente com o assunto, o que não sucedeu no caso concreto.”
Desta forma e no caso dos autos, respeitados os prazos exigidos por Lei, temos que operou a condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.
Esta é a interpretação que se julga mais conforme à Lei e a mais equilibrada; pretender que todas as eventuais notificações a ocorrer, dentro das vicissitudes previstas pelo art.º 10º do NRAU tenham que ter lugar 120 dias antes da data para a cessação do contrato, para além de, salvo melhor opinião, não ter respaldo na letra da Lei (o n.º 4 do art.º 10º reporta-se a situações em que o arrendatário se tenha recusado a receber a carta), é introduzir uma álea e uma insegurança nas relações jurídicas em causa inadmissível (basta pensar em todas as questões que se podem colocar relativamente ao envio das cartas, funcionamento dos CTT, etc., que demandariam da parte dos senhorios o envio das cartas com uma antecedência manifestamente superior àquela prevista na lei, esvaziando o prazo mínimo legalmente fixado de qualquer conteúdo).
*
Da Ineficácia da comunicação por ter sido subscrita por mandatário.
A representação na celebração de um contrato ou na celebração de um negócio jurídico unilateral é um importante instituto de grande utilidade prática, designadamente na chamada representação voluntária.
Normalmente, o que sucede no dia a dia do tráfego jurídico, é que o sujeito do negócio jurídico, a parte em sentido formal, coincide com o sujeito dos interesses substanciais em jogo. Fruto da autonomia da vontade, os negócios jurídicos, em princípio “” poderiam ser celebrados pelos próprios titulares dos interesses a que eles respeitam. No entanto, acontece, abundantes vezes, que o sujeito titular dos interesses em jogo, por razões várias, tenha conveniência em permitir qua alguém, dotado de capacidade e com possibilidade material de intervir no negócio jurídico, se substitua ao interessado na respectiva celebração. Quando assim sucede, dá-se o fenómeno da representação voluntária. (Cf. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª edição, 2010, pág. 420).
O art.º 262º n.º 1 do Código Civil define “Procuração” como “…o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.”
Pela representação, o representante age em nome do representado e os efeitos jurídicos dos negócios por ele realizados, nos limites dos seus poderes, produzem-se directamente na esfera jurídica do representado (art.º 258º do Código Civil)  - Cf. Januário Gomes, O Contrato de Mandato, Direito das Obrigações, 3º vol., AAVV, coord. Menezes Cordeiro, 1991, pág. 298.
Atendendo ao facto de o nosso legislador ter concebido o representado como o autor do acto e o representante como mero agente (…) a representação consiste num fenómeno de cooperação entre sujeitos…” (Pedro de Albuquerque, A Representação Voluntária em Direito Civil – Ensaio de reconstrução dogmática, Colecção Teses, pág. 1200).
Refere Menezes Cordeiro (A Representação no Código Civil: sistema e perspetivas de reforma, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. II, AAVV) “Na representação impõem-se, fundamentalmente, três requisitos: (i) uma actuação em nome de outrem; o representante deve agir esclarecendo a contraparte e os demais interessados que o faz para que os efeitos da sua actuação surjam na esfera do representado; se o representante não invocar expressamente essa sua qualidade, já não haverá representação; (ii) por conta dele: o representante, além de invocar agir em nome de outrem, deve fazê-lo no âmbito da autonomia privada daquele: actua como o próprio representado poderia, licitamente, fazê-lo; (iii) dispondo o representante de poderes para o fazer: tais poderes podem ser legais ou voluntariamente concedidos pelo representado; mas têm de existir.” (pág. 396 e seg.).
Por outro lado, importa ter presente que “…a procuração pode ter por objecto a prática de quaisquer actos, salvo disposição legal em contrário.” (Cf. Menezes Cordeiro, A representação…cit., pág. 403, sublinhado nosso).
Portanto, destas considerações decorre que, a representação pode ocorrer no âmbito de quaisquer negócios jurídicos, com excepção daqueles que a lei expressamente proíba.
E se assim é, temos de convir que a representação pode ter lugar no âmbito dos contratos de arrendamento e nas comunicações que impliquem modificação ou cessação desses contratos.
Aliás, a confirmar esta conclusão bastará ter presente o art.º 11º do NRAU relativo à pluralidade de senhorios, que expressamente prevê a possibilidade de o senhorio constituir representante: “1 - Havendo pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente, devendo o arrendatário dirigir as suas comunicações ao representante, ou a quem em comunicação anterior tenha sido designado para as receber.”
A esta luz, resta concluir que nada obsta a que a comunicação ao arrendatário nos termos e para efeitos do art.º 1097º do Código Civil e art.ºs 9º e 10º do NRAU possa ser feita por representante do senhorio.
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Do Pagamento das Rendas.
Finalmente, invoca o R. que se tem de considerar que o contrato de arrendamento, não obstante a comunicação feita pelo senhorio opondo-se à renovação do contrato de arrendamento a partir do dia 31/8/2021, se manteve uma vez que o R. tem vindo a proceder ao pagamento das rendas mesmo após essa data.
Refere o A. na p.i. que “Também não se alcança por que razão o arrendatário não fez a entrega do locado, tendo inclusive continuado a transferir para a conta do Senhorio o valor alegadamente correspondente à renda, (…) Valor esse que o Senhorio já colocou à disposição do arrendatário por não ser devido a esse título, uma vez que considera o contrato resolvido”, posição que reitera nos autos após notificado dos sucessivos depósitos dos valores das rendas pelo R., mais requerendo que se venha a considerar tais valores devidos a título de “taxa de ocupação do imóvel” – expressão que o A. igualmente utiliza no pedido formulado que mais não é do que o pedido de indemnização por ocupação indevida do imóvel pelo R.
Verifica-se que o R., apesar de interpelado pelo senhorio, não desocupou o locado, nele se mantendo.
Ora, a ocupação do imóvel pelo R. após o dia 31/8/2021 é ilícita, uma vez que o mesmo deixou de dispor de qualquer título para aí permanecer, entrando o R. em incumprimento face à obrigação de restituir ao A. o locado.
Face ao incumprimento do R., este deve proceder à indemnização pelos prejuízos causados ao credor, nos termos do art.º 798º do Código Civil.
Não sendo possível a reconstituição natural, nos termos do art.º 562º do Código Civil, que estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização – “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – há que lançar mão do art.º 566.º do mesmo diploma:
“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”
 A. peticionou em juízo o pagamento de uma indemnização por parte do R., devida pela ocupação, ilícita após a data em que o senhorio considerou terminado o contrato por oposição à renovação, equivalente à renda que o R. pagaria caso se tivesse licitamente mantido no locado.
Ora, julga-se que esta quantia é aquela que melhor corresponde à indemnização a arbitrar, tendo sido essa a decisão da primeira instância, que aqui igualmente se mantém, por ser aquela que melhor repara o dano sofrido pelo A. de indisponibilidade do seu imóvel, até à efectiva entrega do locado.
As quantias que o R. tem vindo a depositar a título de renda deverão ser deduzidas na indemnização global devida por este, mas esta circunstância não tem a virtualidade de obstar à oposição à renovação do contrato operada pelo A. – a não ser assim, estava encontrada a forma de qualquer arrendatário esvaziar o efeito da oposição efectuada pelo senhorio, bastando para tanto manter-se no locado e continuar a efectuar o depósito de rendas, sem conferir qualquer efeito jurídico à vontade manifestada pelo senhorio.
*
Desta forma, conclui-se que o Recurso interposto tem de improceder, mantendo-se a decisão proferida pela 1ª Instância.
*
VI. Das Custas.
Vencido no Recurso é o Recorrente o responsável pelo pagamento das custas devidas nos termos do art.º 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
***
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso interposto improcedente, mantendo-se a decisão proferida.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa,  27/4/2023                                                   
(Vera Antunes - 1ª Adjunta, Relatora por vencimento do Relator)
(Jorge Almeida Esteves - 2º Adjunto)
(Adeodato Brotas - Relator, Vencido nos termos do Voto de vencido que segue)

*
Voto de vencido, nos termos do artº 663º nº 3 do CPC.
O signatário era o relator original desta apelação. Porém, porque ficou vencido quanto à solução a dar ao litígio, cumpre lavrar voto de vencido, o que se faz nos termos que se seguem.
O ora signatário foi relator de acórdão prolatado a 09/09/2021 (publicado em www.dgsi.pt) no qual, em síntese, foi decidido:
-Da conjugação do artº 10º nº 2 al. c) e nºs 3 e 4 da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção dada pela Lei 43/2017, de 14/06, decorre que o envio de uma 2ª carta ao inquilino, visando comunicar a oposição à renovação do contrato, remetida entre o trigésimo e o sexagésimo dia sobre a data do envio da primeira - que o inquilino não recebeu - constitui condição de eficácia dessa primeira declaração de oposição à renovação do contrato, tornando-a eficaz.”
Porém, repensando a questão, sou agora a entender rever aquela posição, pelos seguintes argumentos que se sintetizam.
O artº 9º da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção da Lei 43/2017, de 14/06, determina que, relativamente à forma de comunicação entre senhorio e inquilino, na parte que aqui interessa:
Artigo 9.º
Forma da comunicação
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. (sublinhado nosso).
Por sua vez, o artº 10º da mesma Lei 6/2006, de 27/02, igualmente com a redacção que resultava da Lei 43/2017, de 14/06, relativa às vicissitudes das comunicações entre senhorio e inquilino, estabelecia:
Artigo 10.º
Vicissitudes
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”
Deste regime do artº 10º decorre que, de acordo com o respectivo nº 1, as comunicações entre as partes estão, em princípio, sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no artº 224º do CC, sendo por isso eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele conhecidas (artº 224º nº 1 do CC). Além disso, são ainda consideradas eficazes as declarações que só por culpa do destinatário não são recebidas (artº 224º nº 2 do CC) – Cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 118). Por ser assim, é estabelecido no preceito em questão - o artº 10º nº 1 do NRAU - que a comunicação entre senhorio e inquilino considera-se realizada mesmo que o destinatário se recuse a recebê-la ou se o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro.
No entanto, dos nºs 2 a 4 do artº 10º da Lei 06/2006 (NRAU), ainda na redacção resultante da Lei 43/2017, decorrem algumas alterações ao regime geral da eficácia das comunicações entre as partes, estabelecendo que as comunicações por carta registada que constitua iniciativa do senhorio para:
(i)- a transição para o NRAU e actualização da renda (nº 2, al. a)), ou
(ii) integrem título para pagamento de rendas encargos ou despesas ou que possam servir de base a procedimento especial de despejo, (nº 2, al. b), ou
(iii) sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (nº 2, al. c)),
não podem considerar-se realizadas.
Nesses casos, de acordo com o que estabelece o nº 3 do artº 10º, o senhorio deve remeter nova carta registada, com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
E de acordo com o nº 4 do artº 10º, se essa nova carta (segunda) voltar a ser devolvida, quer porque o destinatário se recusou a recebe-la (al. a) do nº 1), quer porque não foi levantada pelo destinatário no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (al. c) do nº 2)  considera-se a comunicação realizada no 10º dia posterior ao do seu envio. (da segunda carta).
Portanto, deste regime do artº 10º nºs 2 a 4 resulta, claramente, que o legislador afastou a aplicação, nessas situações, do regime geral da eficácia da comunicação das declarações previsto no artº 224º do CC, designadamente nos casos do nº 2, al. c) do artº 10º, ou seja, quando as cartas para comunicação de cessação do contrato sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (nº 2, al. c)). E vimos que nessas situações, de acordo com o nº 4, as comunicações apenas podem considerar-se recebidas no 10º dia posterior ao do envio da 2º carta.
Portanto, atendendo ao elemento literal da norma do artº 10º nº 4 do NRAU, se a nova (segunda) carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, isto é e para que ao caso interessa, por não ter sido reclamada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, considera-se a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento recebida no 10º dia posterior ao do seu envio.
Além da letra da lei ser clara, a ratio legis da solução dos nºs 3 e 4 do artº 10º do NRAU é facilmente alcançável: afasta o regime do artº 224º nº 2 do CC, estabelece um factor de equilíbrio que tenta conciliar dois interesses em conflito, do senhorio e do inquilino: se por um lado visa salvaguardar o interesse do inquilino a um conhecimento da comunicação, por outro, pretende salvaguarda o interesse do senhorio à efectivação eficaz da comunicação, ficcionando que se considera a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do envio da 2ª carta.
Por outro lado, de acordo com o artº 1097º do CC, relativo aos arrendamentos para habitação, com epígrafe “Oposição à renovação pelo senhorio”:
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2- A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
Está fora de qualquer dúvida o carácter receptício da declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento, como decorre do artº 1097º nº 1, proémio, do CC, quando afirma que opera “…mediante comunicação ao arrendatário…”.
Acresce que nesse preceito se estabelecem prazos mínimos de comunicação da oposição. Ou seja, nada impede que o senhorio comunique a sua oposição à renovação logo no dia seguinte ao da renovação do contrato, não tendo de aguardar pela “aproximação” dos prazos referidos nas alíneas do artº 1097º nº 1 do CC, porque pode ficar sujeito e correr os riscos dasvicissitudes” das comunicações referidas no artº 10º nº 2 e 4 do NRAU. Não pode é enviar a segunda carta, nos termos do artº 10º nºs 3 e 4 do NRAU, em termos de se considerar recebida pelo inquilino menos de (no caso) com 120 dias de antecedência da data da renovação do contrato.
Ora, no caso dos autos, dado que o prazo estipulado para a duração do contrato e suas renovações foi de um ano, a comunicação pelo senhorio, de oposição à renovação do contrato, teria de ser efectuada com 120 dias de antecedência relativamente ao dia 31/08/2021. Ou seja, atendendo às regras de cômputo do termo, previstas no artº 279º do CC, a comunicação do senhorio, a manifestar a sua oposição à renovação do contrato, teria de ter lugar até ao dia 03/05/2021.
Porém, a segunda carta foi enviada somente a 20/05/2021.
Por consequência, a comunicação de oposição à renovação do contrato para o dia 31/08/2021 não pode considerar-se eficaz e, por consequência, o contrato não cessou nessa data. Por isso, consideraria o recurso procedente.

Lisboa, 27/04/2023
(Adeodato Brotas)