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LIBERDADE CONDICIONAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEIO DA PENA
PRESSUPOSTOS MATERIAIS
PREVENÇÃO GERAL
Sumário
I–São dois os pressupostos materiais para a concessão da liberdade condicional ao meio da pena: [alínea a)] mediante o primeiro requisito acentuam-se razões de prevenção especial, tanto negativa – ou prevenção da reincidência –, como positiva – ou prevenção especial de socialização. Para o efeito, importa considerar as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, ou seja, avaliar as repercussões que o cumprimento da pena está a ter na personalidade do arguido e poderá vir a ter na sua vida futura. Mais do que considerar a vontade subjetiva do condenado de passar a respeitar o Direito, importa avaliar a capacidade objetiva de readaptação social que este revela; [alínea b)] compatibilização da libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social.
II–As exigências de prevenção geral, quando está em causa o crime de tráfico de estupefacientes, são particularmente relevantes.
III–No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico” sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social.
(Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–Relatório
No processo nº 307/19.3TXPRT-C do Juízo de Execução das Penas de Lisboa (Juiz 8), foi proferida decisão, datada de 20.01.2023, que concedeu a liberdade condicional ao condenado EA, melhor identificado nos autos, atualmente recluso no Estabelecimento Prisional do Funchal.
Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
“1.–A decisão recorrida, contrariando os pareceres desfavoráveis do conselho técnico e do Ministério Público, concedeu a liberdade condicional a EA, por referência ao meio da pena (atingido em 27.09.2022 e com termo previsto para 27.04.2026) de 7 anos de prisão, referente à condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. 2.–Entendemos que, face à natureza e gravidade do crime cometido (tendo em conta o protagonismo de EA na atividade de tráfico de produtos estupefacientes desenvolvida e as graves repercussões negativas que o tráfico de estupefacientes causa na saúde dos consumidores e a dependência que neles gera), a libertação ao meio da pena não salvaguarda o sentimento geral de vigência das normas penais violadas e defrauda a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal. 3.–A concessão da liberdade condicional ao meio da pena, nos termos do art. 61.º nº 2 alíneas a) e b) do Código Penal, tem carácter excecional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas. 4.– No caso, embora EA apresente bom comportamento prisional, são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral relativamente ao tipo de crime em causa, que se integra na denominada “criminalidade organizada” pelo que, salvo raras excepções, tais exigências não ficam suficientemente satisfeitas com o cumprimento de apenas metade da pena de prisão aplicada. 5.–Em particular, em casos como o presente, são muito relevantes as necessidades de prevenção geral, pois coordenar a aquisição e remessa para a RAM de avultadas quantidades de haxixe, para aí ser distribuído/vendido aos consumidores, constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição penal se mostra essencial para dificultar e evitar a prática deste tipo de crime. 6.–O crime de tráfico de estupefacientes ameaça de forma intensa valores sociais fundamentais, provocando uma elevada danosidade de bens jurídicos estruturantes da própria sociedade, atendendo não só ao perigo e dano para a saúde dos consumidores, desestruturação familiar, como também à espiral de criminalidade associada. 7.–Quanto a este tipo de crime são cada vez mais elevadas as necessidades de prevenção geral, devendo prevalecer as exigências repressivas em detrimento do risco a impor à sociedade com uma liberdade antecipada baseada apenas no bom comportamento prisional e numa suposta perspetiva de vida normativa. 8.–A decisão recorrida não fez correta aplicação do direito, mormente, do art. 61.º n.º 2 al. b) do Código Penal, devendo ser revogada e substituída por outra que mantenha a execução da pena em que EA foi condenado em reclusão.
Contudo V. Ex.as., decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a argumentação já apresentada na primeira instância e aditando:
“O Tribunal a quo usou da faculdade conferida pelo disposto no art. 178.º, do CEPMPL e sustou por três meses a apreciação da liberdade condicional ao meio da pena para que o recluso não visse protelada tal apreciação, com referência ao marco dos 2/3 da pena, em 27/11/2023, e para, nesse período, dar provas de estar pronto para a vida em liberdade, ainda que condicionada, designadamente através do gozo de uma licença de saída jurisdicional.
O recluso beneficiou dessa saída, que correu sem incidentes.
A DGRSP elaborou relatório complementar, semelhante ao anteriormente elaborado com vista à concessão da liberdade condicional na data prevista.
Não foi convocado novo Conselho Técnico, sendo que o anterior se pronunciou desfavoravelmente, por unanimidade, à concessão da liberdade condicional.
O Ministério Público pronunciou-se desfavoravelmente.
Afigura-se-nos que o gozo de uma única licença de saída jurisdicional, para mais com o objetivo anunciado de apreciar a concessão da liberdade condicional após esse gozo, não é bastante para, por si só, aferir da capacidade de o recluso regressar ao meio livre e de o meio livre o receber, porquanto aquele irá dar o seu melhor, como deu, para o demonstrar, como sucedeu.
Temos para nós que o recluso deve consolidar o seu percurso penitenciário e o seu percurso interior de descentração.
Pelo exposto,
Somos de parecer que o recurso merece provimento.”
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, na sequência do que veio o recorrido apresentar resposta, nos seguintes termos:
“1.–O douto Parecer que antecede vem expor uma posição de concordância com os fundamentos invocados no recurso interposto pelo Ministério Público, no qual se afirma: “Afigura-se-nos que o gozo de uma única licença de saída jurisdicional, para mais com o objetivo anunciado de apreciar a concessão da liberdade condicional após esse gozo, não é bastante para, por si só, aferir da capacidade de o recluso regressar ao meio livre e de o meio livre o receber, porquanto aquele irá dar o seu melhor, como deu, para o demonstrar, como sucedeu”. 2.–Ora, salvo o devido respeito, entende-se que o gozo da referida licença de saída jurisdicional, de 31 de dezembro a 3 de janeiro de 2023, diz muito da capacidade de o arguido regressar à liberdade e, por outro lado, não é o sucesso desta saída o único fundamento invocado para concessão da liberdade condicional. 3.–A decisão concluiu pelo preenchimento dos pressupostos, tanto formais como substanciais, da concessão da liberdade condicional. 4.–O juízo de prognose favorável descrito, no sentido de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tem por base toda a evolução positiva registada, a qual tem expressão na mudança de discurso evidente, de alguma desculpabilização e incapacidade de compreender o desvalor da sua conduta para uma postura que denota arrependimento, reconhecimento dos factos ilícitos praticados, sentido de responsabilidade e auto-reflexão, bem como interesse e preocupação em planear o curso da sua vida. 5.–Sem olvidar que, conforme resulta de toda a informação que consta dos autos, são reconhecidas ao arguido competências pessoais e sociais consideradas suficientes para poder viver, de forma digna e autónoma, em sociedade, bem como experiência profissional de relevo e expetativas profissionais que permitirão a sua integração sem dificuldades de maior. 6.–O que sucederá, certamente, com um alicerce poderoso, conforme consta evidenciado ao longo do cumprimento da pena de prisão em visitas regulares e manutenção dos laços familiares e de amizade. 7.–No que diz respeito às exigências de prevenção geral, que relativamente ao tipo de crime aqui em causa são elevadas, entende-se que nunca poderão sair defraudadas pela concessão da liberdade condicional, sem perigo de se ferir a confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, concordando-se com o exposto na douta decisão judicial. 8.–Termos em que, vem manifestar a sua discordância quanto ao teor do parecer, pugnando-se pela manutenção da decisão que concede a liberdade condicional ao arguido EA.”
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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II– Objeto do recurso
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
No caso, está em questão a concessão de liberdade condicional ao recluso EA, cumprida que está 1/2 da pena em que foi condenado, sendo que, de acordo com as conclusões apresentadas, o Digno recorrente põe em causa o juízo sobre o preenchimento dos pressupostos da concessão da liberdade condicional formulado pelo Tribunal a quo.
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III–Factos provados
Da decisão recorrida consta (transcrição):
“Cumprida instrução, colheram-se os necessários esclarecimentos no competente Conselho Técnico, o qual emitiu parecer desfavorável por unanimidade à concessão da liberdade condicional, seguindo-se a audição do condenado, o qual anuiu na liberdade condicional.
Ao abrigo da faculdade conferida pelo artigo 178.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, foi proferido despacho a sustar a apreciação da liberdade condicional, do seguinte teor: O recluso é primário, não tem qualquer infracção grave averbada no seu registo disciplinar prisional, está laboralmente activo e estuda. Está a ser alvo da primeira apreciação de liberdade condicional, que deveria ocorrer ao meio da soma das penas em execução, marco vencido já em 27/09/2022. Tem os relatórios negativos e, com efeito, neste momento não reúne os requisitos mínimos para ser libertado condicionalmente. Ora, acontece que, não sendo libertado agora, só poderia almejar uma saída antecipada no 2/3, em 27/11/2023, sem prejuízo do percurso do condenado poder entretanto evoluir positivamente. Desta sorte, decidimos usar da faculdade conferida pelo artigo 178.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e sustar a decisão por 3 meses por forma a dar ao recluso a oportunidade de, evoluindo positivamente nos vários parâmetros a avaliar, poder sair em liberdade antes do termo da pena. Concretamente, deverá beneficiar e gozar com sucesso de uma licença de saída jurisdicional. Notifique o Ministério Público e o recluso, solicitando à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a elaboração de relatório sumário actualizado daqui a 60 dias. Vindo este, vão os autos com vista ao Ministério Público.
Entretanto, em relatório complementar, a Técnica da competente Equipa da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais comunicou o gozo com sucesso de licença de saída jurisdicional, entre os dias 31 de Dezembro de 2022 e 3 de Janeiro de 2023, bem como actualizou o seu relatório sobre as condições de reingresso em meio livre.
O Ministério Público teve vista nos autos e emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
Não são conhecidas outras penas de prisão a cumprir nem autos à ordem dos quais interesse a prisão preventiva.
O tribunal é o competente.
O processo é o próprio, sendo que se mantém a validade e regularidade da instância, não ocorrem quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentes de que cumpra de momento apreciar, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito presente da causa – apreciação da viabilidade/possibilidade de concessão de liberdade condicional.
2–Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como provados: A.–O condenado encontra-se a cumprir, pela prática do indicado crime, a seguinte pena: 7 anos de prisão pela prática do seguinte crime: (Proc. 229/18.5JAFUN – Juízo Central Criminal do Funchal)
Tráfico de estupefacientes [artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93].
B.–Factos ocorridos em Março de 2018. C.–Cumpriu metade da pena em 27/09/2022, atinge os 2/3 em 27/11/2023, os 5/6 em 27/01/2025 e tem termo previsto para 27/03/2026. D.–Não tem antecedentes criminais averbados. E.–Cumpre pena pela primeira vez. F.–Referências constantes do SIPR (ficha biográfica – situação jurídico penal – do condenado):
1.-processos pendentes: nada consta;
2.-outras penas autónomas a cumprir: nada consta;
3.-medidas de flexibilização de pena: LSJ – 1, entre 31 de Dezembro e 3 de Janeiro.
G.–Dos relatórios das competentes Equipas da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (Serviços de Reinserção Social e Serviços Prisionais), dos esclarecimentos obtidos em sede de conselho técnico e da audição do condenado, em súmula, extrai-se que:
1.–comportamento prisional/registo cadastral:
O condenado vem mantendo ao longo da reclusão uma postura relativamente adequada de contexto, mantendo comportamento normativo, praticamente sem conflitos nem incidentes disciplinares (averba uma repreensão escrita em Novembro de 2019); é pessoa educada, com postura reservada, mas sempre cordial, correcta no relacionamento interpessoal; no Estabelecimento Prisional trabalha no bar dos guardas, frequentando ainda a escola (está a concluir o 6.º ano de escolaridade).
2.–situação económico-social e familiar:
EA nasceu e cresceu na Venezuela, sendo os progenitores emigrantes oriundos da ilha da Madeira; no início da idade adulta deslocou-se para a ilha de Jersey, Reino Unido, onde se estabeleceu familiar e profissionalmente; à data dos factos vivia naquela ilha juntamente com a companheira e a filha, actualmente com 9 anos de idade; mantinha paralelamente uma relação extramarital, a qual refere ter entretanto entrado em ruptura; no Estabelecimento Prisional de Aveiro chegou a receber visitas dessa ex-namorada; já durante a reclusão chegou a romper o relacionamento com a companheira, mas o casal reconciliou-se, estabelecendo contactos telefónicos e via Skype com esta e com a filha do casal, residentes em Jersey; neste enquadramento, embora continue a perspectivar futuramente o regresso à ilha de Jersey, assume que nesta fase a permanência nesta região da Madeira será mais compatível com a reorganização da sua vida, alegando possuir questões de ordem familiar e profissional por regularizar; enquanto se mantiver nesta região, perspectiva trabalhar na área da restauração, junto de um irmão que se encontra a explorar um snack-bar, localizado nas imediações da área de residência; no regresso à ilha de Jersey a companheira mostra-se apoiante e receptiva para o acolher; o agregado reside num imóvel arrendado, T2; apesar de residente no estrangeiro, EA deslocava-se regularmente ao continente português, onde refere possuir uma habitação, e a outros países, segundo o próprio para abastecimento dos produtos que vendia no supermercado e café de que era proprietário; possui ainda residência própria nesta região, que segundo o mesmo está arrendada desde a sua reclusão; na ilha da Madeira conta com o suporte da progenitora e de dois irmãos, mostrando-se a família solidária e receptiva para o acolher em saída jurisdicional, visitando-o de forma regular; irá regressar a um meio que conhece, onde esteve emigrado durante vários anos, não se perspectivando problemas de inserção.
3.–perspectiva laboral/educativa:
Refere ter concluído na Venezuela o equivalente ao 12.º ano de escolaridade, tendo desde cedo acompanhado o progenitor nos negócios da família, desenvolvendo actividades variadas no supermercado e café de que eram proprietários; em Jersey estabeleceu-se como empresário na área da carpintaria e pintura e mais tarde adquiriu um supermercado e um café, negócios a que se dedicava aquando da reclusão; refere a intenção de reabrir actividade na mesma área de negócio, sendo que os estabelecimentos estão com actividade suspensa; conta com o suporte da companheira, enfermeira em Jersey, e da família direta, residente na região da Madeira, não se antecipando dificuldades a este nível.
4.–caracterização pessoal:
EA encara o crime de tráfico de estupefacientes sobretudo do ponto de vista das perdas a nível pessoal que tem enfrentado com a privação da liberdade, sentindo a condenação em que incorreu como onerosa; reconhece a prática do ilícito que o trouxe à reclusão, mas assume influências externas e contrapartidas económicas como determinantes para aquela prática criminal, minorando a sua participação face ao protagonismo dos coarguidos; não obstante aparentar uma atitude algo autocentrada, expressa sincero arrependimento; subsistem algumas necessidades ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta; mantém bom relacionamento interpessoal; denota motivação para conduzir o seu processo de reinserção social; não apresenta desvios de carácter nem anomalias psicossociais.
3–Factos com relevo para a decisão a proferir, tidos como não provados: 1.–Inexistem.
Tudo o que em contrário com o dado como com relevo para a decisão a proferir se assuma, ou se trate de matéria de direito, instrumental ou conclusiva e, como tal, insusceptível de ser chamada à colação nesta sede.”
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IV–Fundamentação
A instrução do processo de concessão de liberdade condicional está prevista no artigo 173º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de outubro, que consiste em: a)-Relatório dos serviços prisionais contendo avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional e da sua relação com o crime cometido; b)-Relatório dos serviços de reinserção social contendo avaliação das necessidades subsistentes de reinserção social, das perspetivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso e das condições a que deve estar sujeita a concessão de liberdade condicional, ponderando ainda, para este efeito, a necessidade de proteção da vítima; c)-Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, outros elementos que se afigurem relevantes para a decisão.
No caso concreto, estão nos autos os relatórios a que se referem as alíneas a) e b), do citado artigo 173º. Acresce que, oficiosamente, se entendeu carrear outros elementos relevantes para a decisão, como a certidão da decisão condenatória (incluindo o acórdão proferido em recurso), o CRC e a ficha biográfica. O condenado nada requereu ao abrigo da alínea c), do já visto artigo 173º.
Encerrada a instrução, o Juiz a quo ouviu o recluso e foi junto aos autos o parecer do Conselho Técnico.
Como consta do acima transcrito, foi usada a faculdade prevista no artigo 178º do CEPMPL, tendo o Juiz a quo suspendido a decisão pelo período de três meses – período durante o qual o recluso gozou uma licença de saída jurisdicional, após o que foi junto relatório complementar elaborado pela Técnica da Equipa da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Não foi realizado novo Conselho Técnico.
Tendo vista nos autos, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional, consignando a propósito que, “[o condenado] ainda denota insuficiente consciência crítica perante a gravidade do crime cometido (tendo em conta as graves repercussões negativas que o tráfico de estupefacientes causa na saúde dos consumidores e a dependência que neles gera), continuando a centrar os efeitos negativos da reclusão na sua esfera pessoal e familiar (“…estraguei a minha vida e da minha família…” – cfr audição, de 28/10/2022, minuto 1.18 ao minuto 1.25).
Pelo que haverá necessidade de consolidação do seu percurso penitenciário (com vista à adequada interiorização do sentido da pena e o desvalor das suas condutas ilícitas) e de ser testado em meio livre, através do gozo de licenças precárias.
Acresce que são muito elevadas e imperiosas as necessidades de prevenção geral, atenta a natureza e frequência do crime em causa e as suas repercussões ao nível da comunidade em geral, sendo necessário dissuadir a prática desse tipo de condutas e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas.
A continuação da execução da pena de prisão parece-nos, neste momento, ainda indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e para a estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas incriminadoras”.
E foi com base em todos estes elementos que o Tribunal a quo decidiu de facto e de direito.
Não obstante, todos os elementos do processo – designadamente, os pareceres do Conselho Técnico e do Ministério Público e, bem assim, o relatório elaborado pela DGRSP e a informação proveniente da equipa técnica do Estabelecimento Prisional do Funchal – apontam no sentido contrário ao da decisão que veio a ser tomada.
A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social – artigo 61º, nos 1 e 2, do Código Penal.
Os pressupostos formais estão assegurados: o recorrente consente na liberdade condicional e está cumprida metade da pena de prisão.
São dois os pressupostos materiais: [alínea a)] mediante o primeiro requisito acentuam-se razões de prevenção especial, tanto negativa – ou prevenção da reincidência –, como positiva – ou prevenção especial de socialização. Para o efeito, importa considerar as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, ou seja, avaliar as repercussões que o cumprimento da pena está a ter na personalidade do arguido e poderá vir a ter na sua vida futura. Mais do que considerar a vontade subjetiva do condenado de passar a respeitar o Direito, importa avaliar a capacidade objetiva de readaptação social que este revela; [alínea b)] compatibilização da libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social[1].
O pressuposto contemplado na alínea a) assegura uma finalidade de prevenção especial, de socialização. A concessão da liberdade condicional, neste caso, depende, assim, no essencial, da formulação de um juízo de prognose favorável especial-preventivamente orientado[2], assente na ponderação de razões de prevenção especial.
Para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento do condenado, em liberdade, o tribunal atenderá, aos critérios estabelecidos na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, quais sejam: 1) as circunstâncias do caso; 2) a vida anterior do agente; 3) a sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão.
Assim, se ponderados tais critérios, for possível concluir, em termos de fundadamente ser expectável (aceitando, obviamente, “um risco prudencial”[3]), que uma vez em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, será formulado juízo de prognose favorável e, consequentemente, a liberdade condicional poderá ser concedida, o que não acontecerá na situação inversa[4].
Porém, como faz notar Joaquim Boavida[5]: «Na dúvida, a liberdade condicional não será concedida. É sabido que na fase de julgamento, a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida a favor do arguido, em decorrência do princípio in dubio pro reo. Na fase de execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação. A lei exige, na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, para que o condenado seja colocado em liberdade, que seja possível concluir por um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro sem reincidência, ou seja, exige um juízo positivo e só nesse caso a medida será aplicada. Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o caráter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada.»
Tendo presentes estas considerações, voltemos então ao caso dos autos.
Tal como já se referiu acima, os pressupostos formais da liberdade condicional mostram-se preenchidos, posto que o recluso já cumpriu metade da pena de sete anos de prisão a que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional.
Em relação ao pressuposto substancial ou material, entendeu o Tribunal a quo estar o mesmo verificado, o que fundamentou do seguinte modo:
“(…) no que se reporta aos requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional, face à factualidade apurada com relevo para a decisão a proferir, diremos que no presente momento nos é permitido concluir por um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
De facto, apesar da gravosidade inerente ao concreto crime pelo qual se mostra recluso, situação reveladora do modo de ser (personalidade) do condenado, e, por outro lado, não deixando de valorar que a pena principal se situa no limite médio – 7 anos –, e ainda que seja certo que o recluso não possuía vida anterior aos factos com relevância penal, a evolução recente (que não significa curta, mas sim consolidada), é positiva.
Com efeito, o recluso evoluiu dum inicial discurso dicotómico quanto aos factos em que apresentava ainda alguma incapacidade autocrítica quanto à sua situação, mais verbalizando alguma inicial postura de quase vitimização e desculpabilização e revelando ainda insuficiente interiorização dos danos causados, dificuldades de auto-reflexão bem como ainda insuficientes capacidades para se projectar no futuro e para delinear um projecto de vida socialmente adaptado e credível, o que tudo antes revelava um elevado potenciar de retoma da actividade criminosa, para um discurso em que de forma clara tende para o positivo no desenvolver da pena, sendo que reconhece e demonstra arrependimento quanto à prática do crime o que sempre gera atitude crítica quanto ao mesmo e à pena, com sentido de interiorização positivo.
Igualmente verbaliza que a conduta que o trouxe à reclusão não compensa a falta de liberdade, apresentando agora capacidade autocrítica quanto à sua situação, sentido de responsabilidade em crescendo, aptidão de auto-reflexão e evolução positiva na capacidade de projecção do futuro ao nível da estruturação e delineação de projecto de vida sólido, socialmente adaptado e credível, agora com motivação clara para tal, fruto do crescimento e amadurecimento pessoal.
Denota, também, personalidade que tende para um evoluir e consolidar responsável e de investimento socializador com vista a reinserção, sem laivos de relevância negativa que gerem impedimentos a tal nível, mantendo e exteriorizando comportamentos ao nível da reclusão que não transmitem evolução negativa da personalidade, valorando o seu comportamento disciplinar praticamente imaculado, do mesmo modo que se valora o sentido de relacionamento interpessoal.
As «necessidades ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta» que ainda possa revelar poderão ser colmatadas já em meio livre, desde logo pelo acompanhamento por parte da Equipa da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, sendo que as mesmas não se nos afiguram acentuadas.
Estamos perante um recluso de 46 anos de idade, sem qualquer anterior contacto com o sistema de justiça penal, o que desde logo permite concluir um juízo de prognose favorável quanto ao risco de reincidência.
Por último, não se descura o facto de o recluso ter consistente apoio familiar e concreta perspectiva de obtenção de trabalho, factores também essenciais para a sua retoma social plena.
Mostra-se, pois, preenchido o requisito substancial (ou material) da concessão da liberdade condicional de reporte às finalidades de prevenção especial.
Do acima exposto, sopesando, entendemos que os factos apurados nos permitem concluir, de forma consistente, que o recluso teve percurso ressocializador evolutivo positivo na sua personalidade e postura, o que nos deixa afirmar que é de esperar que, uma vez em liberdade, saberá conduzir a sua vida, de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, pois inexistem indícios que tenda ao trilhar de caminho que o afaste de toda esta recuperação, ou que seja necessário, por via da sede de manutenção da privação de liberdade, ainda percorrer e continuar fase de consolidação de tal. Estando, como está, o recluso dotado de vontade séria e de suficiente capacidade para orientar a sua vida de forma correcta e socialmente útil, de forma a cumprir com êxito o percurso de readaptação a uma vida social normal, com abstinência de prática de crimes, corresponde, pois, este momento do cumprimento da pena com o tempo de dar uma oportunidade ao recluso, pois é positiva a prognose que se faz quanto à aprendizagem que a liberdade condicional terá no recluso até ao fito da liberdade definitiva.”
O Ministério Público, no recurso interposto, não colocou em causa o preenchimento do pressuposto material no que se refere às finalidades de prevenção especial, pelo que, não obstante se nos suscitem dúvidas quanto ao mesmo, desde logo, porque a decisão recorrida se apoia em circunstâncias de facto que não estão descritas (tecem-se, aliás, considerações quanto à evolução do discurso do condenado, quando é certo que inexistiu qualquer nova audição do mesmo, e a informação complementar prestada pela técnica da DGRSP é notoriamente sumária, sem emitir qualquer parecer), não iremos, nesta sede, questionar tal apreciação.
Porém, a decisão recorrida considerou igualmente verificado o segundo requisito de que depende a concessão da liberdade condicional ao meio da pena. A este respeito, disse o Juiz a quo: “(…) a prevenção geral – aquela que para o juiz é, também, um exercício de análise e ponderação sobre os factores, níveis e exteriorizações do pulsar de coração social, do sentir colectivo e do querer comum da sociedade em cada momento, gerando, deste modo, uma necessidade de constante actualização sobre esses expressares bem como uma contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida – está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade do crime praticado.
Por isso, como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2010[6], «Na análise dos pressupostos da aplicação da liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena, a avaliação da compatibilidade da libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social [al. b) do n.º 2 do artigo 61.º, do Código Penal] remete para elementos como a neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, a dissuasão e fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma jurídica violada e, portanto, para a natureza e gravidade do crime praticado; em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e de prevenção especial, o primado pertence à prevenção geral».
Acresce que os factos não ocorreram na Madeira, sendo o recluso originário deste Região e aqui pretendendo fixar residência nos primeiros tempos após a libertação; estamos, por outro lado, já a meio caminho entre os marcos do meio e dos dois terços da pena (faltam 10 meses para o atingir).
Ou seja, no presente caso, a libertação antecipada do recluso não está noticiada como causadora de perturbação na comunidade de acolhimento nem viola de algum modo o princípio de defesa dos valores societários que impuseram a fixação e a execução da pena, no fundo, as finais exigências de ordem, tranquilidade e paz públicas.”
É contra tal avaliação das circunstâncias que se insurge o recorrente – e não podemos, vistos todos os elementos disponíveis nos autos, deixar de dar-lhe razão.
Desde logo, não é verdade que os factos não tenham ocorrido na Madeira[7]. Pelo contrário, a decisão condenatória que se mostra junta aos autos dá conta de relevante atividade desenvolvida pelo condenado (em conjunto com os demais coarguidos), visando a distribuição de estupefaciente, em quantidades não negligenciáveis, na ilha da Madeira. Os factos apurados naquela decisão evidenciam a existência de uma estrutura organizada, tendo em vista a prática de tal crime, cuja gravidade não pode ser escamoteada, mesmo tendo em conta que o estupefaciente comercializado era haxixe.
As exigências de prevenção geral, quando está em causa o crime de tráfico de estupefacientes, são particularmente relevantes. Isso mesmo se reconheceu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.01.2021 (que apreciou o recurso interposto da decisão condenatória proferida no processo nº 229/18.5JAFUN.L1), no qual se pode ler:
«É que, apesar da inexistência de antecedentes criminais, da aparente inserção familiar e social dos arguidos[8] e até da confissão e arrependimento dos arguidos NSe EA, a verdade é que a ilicitude das suas respectivas actuações é muito elevada, sendo as exigências de prevenção geral particularmente vincadas neste tipo de crime. “A jurisprudência tem acentuado que as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, decorrentes da nocividade social do tráfico de estupefacientes, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição severa. Essas exigências desaconselham, de um modo geral, a suspensão da execução da pena de prisão (…). Assim, mesmo quando estejam verificados outros pressupostos da suspensão de execução da pena de prisão, designadamente os relativos à prevenção especial positiva e à não desinserção social do condenado, as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, a necessidade de reforço da confiança comunitária na validade e integridade das normas e valores por estas protegidos, poderão desaconselhar essa suspensão (…) Acentuam estes aspectos, entre muitos outros, os Acs. Do STJ de 9.6.04, in CJ-STJ, XII,2, p. 221; de 13.4.05, proc. N.º 0494313; de 24.10.07, proc. N.º 07P3220; de 15.11.2007, proc. N.º 07P3761; de 5.12.07, proc. N.º 07P3396; de 13.12.07, proc. N.º 07P3292; de 9.4.08, proc. N.º 08P825; de 18.12.08, proc. N.º 08P3378; e de 25.2.09, proc. N.º 09P0097; o Ac. do TRG de 12.1.09, proc. N.º 2421/08-1; e o Ac. do TRP de 28.1.09, proc. N.º 0812505, todos estes in www.dgsi.pt.”[9]
Isto porquanto:
“À escala mundial, entre um quinto e um terço dos proventos económicos de grupos criminosos organizados, é proveniente do tráfico de estupefacientes. O crescente desenvolvimento das formas de comunicação tem vindo a proporcionar novas oportunidades aos agentes deste ilícito. Perfeitamente ilustrativo dessa realidade é o facto de a darknet já possibilitar, aos seus utilizadores, transaccionar estupefacientes, de forma anónima, com recurso a divisas virtuais, como as bitcoins[10].
Trata-se de um ilícito que representa, segundo dados da EUROPOL[11], apenas a nível europeu, o impressivo montante de vinte e quatro mil milhões de euros – de lucros anuais estimados. Segundo a mesma fonte, 35% da criminalidade organizada na Europa dedica-se a este tipo de actividade, sendo que 75% transacciona mais do que um tipo de substância. Todavia, somente 1% dos lucros emergentes desta actividade, acabam por ser apreendidos, pelas autoridades estatais.
Só na Europa, no ano de 2015, ocorreram 8.841 mortes, por overdose, o que constitui um aumento de 6%, relativamente ao ano anterior[12].
Para além das consequências imediatas, para a saúde daqueles que consomem tais substâncias, em torno desta actividade gravita, ainda, a prática de crimes contra o património, contra a integridade física e vida, falsificação de documentos, corrupção, branqueamento de capitais, e esta serve, inclusivamente, como forma de financiamento do terrorismo.
Assim, compreende-se que a «incriminação pelo crime de tráfico de estupefacientes protege valores tão importantes como a da saúde individual do consumidor e a pública, a sua liberdade individual, a estabilidade familiar e até a economia do Estado, afectada por negócios com origem no mundo subterrâneo da droga.»[13]
Ora, Portugal é, como se sabe, uma das principais portas de entrada de estupefacientes na Europa, principalmente da cocaína proveniente dos países da América do Sul, ou do haxixe, de Marrocos[14].
Por todos estes motivos, é com naturalidade que se constata que o tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas é encarado, pelo legislador nacional, como um dos crimes de prevenção prioritária – vide o art. 2.º, alínea j), da Lei n.º 96/2017, de 23.08, que aprova a Lei de Política Criminal para o biénio de 2017-2019.”[15]»
Não podemos deixar de subscrever as considerações tecidas, quanto à gravidade do crime cometido e ao alarme social pelo mesmo gerado. Em face das circunstâncias que determinaram a condenação de EA, tem de reconhecer-se que seriam defraudadas as expectativas comunitárias na validade da norma violada se o tribunal concedesse desde já a liberdade condicional a este recluso.
Tem inteira aplicação, no caso vertente, a avaliação operada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2010[16] (aliás, mencionado na decisão recorrida), do qual citamos: “(…) ainda que se entendesse que era de efectuar um juízo de prognose minimamente favorável ao recluso, também na perspectiva da prevenção geral, ou seja, da neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade do crime praticado, as respectivas exigências, muito fortes no caso em apreço, sempre impediriam a libertação antecipada neste momento, (…) cumprindo que se tenha em consideração que, como se salienta no Ac. R. de Lisboa de 28/10/09, Proc. nº 3394/06.0TXLSB-A.L1-3, em www.dgsi.pt, “em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico” sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social.”
Não pode perder-se de vista que a determinação da medida da pena levada a cabo pelo tribunal da condenação tomou em devida conta todos os parâmetros enunciados nos artigos 70º e 71º do Código Penal, tendo concluído por uma pena ajustada em função das necessidades de prevenção geral e especial, dentro dos limites da culpa do arguido/condenado. Por isso, uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, a duração da pena nela fixada será, em princípio e por regra, a que é necessária para garantir a realização daquelas finalidades[17].
Nesta conformidade, entendemos que, face às circunstâncias do caso, e tal como refere o Digno recorrente “a concessão da liberdade condicional (por referência ao cumprimento de metade da pena de prisão) não se mostra adequada para que não seja posta irremediavelmente em causa a necessária proteção dos bens jurídicos tutelados e a estabilização das expectativas comunitárias quanto à prática do crime”.
Por isso, a aplicação da liberdade condicional ao condenado não cumpre a necessidade de compatibilização com as exigências de prevenção geral [alínea b) do artigo 61º do Código Penal]. Na verdade, atentas as circunstâncias do caso, a dimensão dos riscos e das consequências do crime praticado faz surgir, com particular incidência, finalidades de prevenção geral (positiva) – prevenção de integração para recomposição dos valores afetados e de afirmação comunitária da validade das normas – que se mostram incompatíveis com a libertação do condenado quando se acha cumprida apenas metade da pena em que foi condenado (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011, já citado).
Em suma, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se o recluso em cumprimento de pena. A sua situação deverá ser reapreciada no marco dos dois terços da pena, tal como previsto no artigo 61º, nº 2 do Código Penal.
*
V–Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso apresentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, revogando-se a decisão que concedeu a liberdade condicional ao recluso EA, por referência ao meio da pena, negando-se, em consequência, a respetiva concessão.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 28 de março de 2023
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto (Juíza Desembargadora Relatora)
Mafalda Sequinho dos Santos (Juíza Desembargadora Adjunta)
Capitolina Fernandes Rosa (Juíza Desembargadora Adjunta)
[1]Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011, no processo nº 2368/10.1TXPRT-H.P1, Relator: Desembargador Artur Oliveira, acessível em www.dgsi.pt. [2]Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 540. [3]Jescheck – Tratado de Derecho Penal. Parte General, 3ª edição, Barcelona, Boch, pág. 770. [4]Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.09.2021, no processo nº 480/20.0TXEVR-C.E1, Relatora: Desembargadora Fátima Bernardes, acessível em www.dgsi.pt. [5]A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pág. 137. [6]Proferido no âmbito do Proc. 2318/10.5TXPRT-C.P1 (www.dgsi.pt/jtp), seguindo e citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/10/2009 (proc. 3394/06.TXLSB-3A), que já supra referimos. [7]Da matéria de facto dada como provada na decisão condenatória consta, designadamente:
“10.. O arguido NS, no desenvolvimento da sua actividade, adquiria produto estupefaciente (haxixe) com o seu dinheiro e/ou com dinheiro que lhe era cedido pelos arguidos EA, LF e IJ, deslocando-se com alguma regularidade a Portugal Continental, designadamente, às zonas de Aveiro e do Porto, onde encetava contactos tendo em vista a sua aquisição.
11.- Uma vez na posse de produto estupefaciente, o arguido NS deslocava-se para a residência do arguido EA, sita em Estarreja, onde o dividia e embalava (sessão 50765 do Apenso I).
12.- O produto estupefaciente depois de embalado era remetido pelo arguido EA para a Região Autónoma da Madeira, através do transitário “A…”, vindo dissimulado e ocultado, designadamente, no interior de cofres, junto com outras encomendas.
13.-Na posse do produto estupefaciente e com o intuito de proceder à sua distribuição na Região Autónoma da Madeira, o arguido NS contactava com o arguido IJ e com os arguidos MN e PM, que consigo colaboravam, procedendo à venda a terceiros consumidores, algumas vezes à consignação (sessões 2222, 21708, 22014, 2951, 2953, 2954, 2956, 2957, 2958, 2959, 3060, 27524 do Apenso I).
14.-Na verdade, o arguido MN procedia à aquisição de produto estupefaciente ao arguido NS, à consignação, para posterior venda aos consumidores que o procurassem para esse efeito (Apenso 9 - Tradução).
15.-O arguido PM procedia à aquisição de produto estupefaciente ao arguido NS para posterior revenda (sessão 2951, 2953, 2954, 2955, 2956, 2957, 2958, 2959, 3060 apenso 1) e, noutras ocasiões, à consignação para posterior venda aos consumidores que o procurassem para esse efeito (sessão 27524, Apenso I).
16.-Montante resultante da venda do produto estupefaciente era, posteriormente, depositado em diversas contas de depósitos à ordem tituladas pelo arguido EA (sessão 65345 do Apenso I).
17.- No dia 6 de Novembro de 2018, o arguido NS contactou o arguido E.., acordando a aquisição, em meados de Dezembro de 2018, de cerca de seis quilos de produto estupefaciente (canábis em resina) (sessões 21054 e 45861 do Apenso I).
18.- Já no dia 25 de Novembro de 2018, o arguido NS deslocou-se ao Porto, onde contactou com o arguido RR, acordando, para a semana seguinte, a aquisição de produto estupefaciente (canábis em resina) (fls. 177 e sessão 39828 do Apenso I).
19.- O arguido RR, por seu turno, contactou o arguido HC para este fornecer produto estupefaciente ao arguido NS, assim intermediando essa compra e venda.
20.- No dia 1 de Dezembro de 2018, com propósito descrito, o arguido NS viajou no voo Transavia TO ...., com partida do Aeroporto da Madeira e destino ao Porto, onde desembarcou (fls. 192).
21.- Uma vez no Aeroporto do Porto, o arguido NS alugou o veículo automóvel de marca Opel, modelo Astra, matrícula … (fls. 328), deslocando-se para Estarreja onde se encontrou com o arguido EA, que lhe entregou a quantia de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros) para aquisição do produto estupefaciente (canábis em resina) (sessão 45861 do Apenso I).
22.- Na posse do dinheiro, o arguido NS entrou em contacto com o arguido RR, acordando encontrarem-se na estação de comboios de Oliveira do Bairro (fls. 194, sessão 47949 do Apenso I).
23.- Todavia, para aí se viriam a deslocar apenas os arguidos NS e HC, que, entretanto, fora contactado pelo arguido RR, e um indivíduo que não foi possível identificar.
24.- Assim, já cerca das 23h45 desse mesmo dia, o arguido NS deslocou-se para a estação de comboios de Oliveira do Bairro, onde se encontrou com o arguido HC e com o indivíduo não identificado, que lhe entregaram 24 Kg de produto estupefaciente (canábis em resina), tendo aquele pago a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).
25.- Uma parte desse montante, € 400,00 (quatrocentos euros), destinou-se ao arguido RR, como pagamento pela sua “intermediação” nessa compra e venda.
26.- Na posse daquela quantidade de produto estupefaciente (canábis em resina), o arguido NS deslocou-se para a residência do arguido EA, sita em Estarreja, onde o dividiu e embalou.
27.- Depois de o dividir e embalar, o arguido NS contactou o arguido IJ, que, como atrás referido (também) com ele colaborava na venda e distribuição de produto estupefaciente (canábis em resina) na Região Autónoma da Madeira, informando-o que tinha desse produto estupefaciente (“de Marrocos com o logo “SKY”) na sua posse, pedindo-lhe para encetar contactos para o vender da forma mais célere possível (sessões 50750, 50751, 50760, 50761, 50778, 50781, 50784, 50785 do Apenso 1).
28.- De seguida, contactou o arguido EA, dando-lhe conhecimento de que já tinha o produto (canábis em resina) e de que teria de ser remetido da forma mais expedita possível para a Região Autónoma da Madeira (sessão 50836 do Apenso 1).
29.- O arguido EA remeteu o produto estupefaciente (canábis em resina) já embalado para a Região Autónoma da Madeira, através do transitário “A…”, ocultado e dissimulado no interior de uma televisão (sessão 58041 do Apenso 1).
30.-O produto estupefaciente (canábis em resina) foi recebido e guardado pelo arguido NS no interior da sua residência e de uma garagem sita na Camacha, tendo sido vendido por si, pelo arguido IJ e pelos arguidos MN e PM, que com ele colaboravam, aos terceiros consumidores que os procuraram (sessão 57741, 58124 e 58056 do Apenso I).
31.- Rendimento proveniente da venda do produto estupefaciente foi depositado em contas de depósitos à ordem tituladas pelo arguido EA (sessão 58047 do Apenso 1).
32.- No início do mês de Março de 2019, o arguido NS contactou o arguido EA acordando que, em data a designar, se deslocaria a Portugal Continental, a fim de aí, conjuntamente, adquirirem produto estupefaciente (canábis em resina) (sessão 70684 do Apenso I).
33.- Assim, no dia 4 de Março de 2019, com propósito supra descrito, o arguido NS viajou no voo Transavia TO ...., das 16h25, com partida do aeroporto da Madeira e destino ao Porto, onde desembarcou cerca das 18h47 (fls. 808 a 813).
34.-Uma vez no Aeroporto do Porto, o arguido NS alugou o veículo automóvel de marca Mini, matrícula … (fls. 811 a 813).
35.-Após, deslocou-se para Vila Real de Santo António, juntamente com o arguido EA.
36.-Aí, aproveitando os contactos facultados e encetados pelo arguido IJ, a disponibilidade financeira de ambos (NS e EA) e a dos arguidos IJ e LF, adquiriram quantidade não apurada de produto estupefaciente (canábis em resina) (sessões 70777, 70781, 70782, 70783, 70784, 70785, 70786, 70787, 70788, 70789, 70790, 70791, 70792 do Apenso 1, fls. 814 a 826).
37.- Uma vez na posse do produto estupefaciente (canábis em resina), os arguidos NS e EA deslocaram-se para a residência deste último, sita em Estarreja, onde o dividiram e embalaram, preparando a sua remessa para a Região Autónoma da Madeira.
38.- No dia 6 de Março de 2019, cerca das 15h30, os arguidos NS e EA deslocaram-se ao transitário “A…, Lda.”, onde despacharam a seguinte mercadoria: uma palete e um volume em que figurou como ordenante/expedidor EA, portador do CC…, contribuinte nº …, residente na Rua … e como destinatário JA, contribuinte …, residente na Rua …, Santa Cruz, contacto telefónico nº … (fls. 814 a 823).
39.-No dia 21 de Março de 2019, procedeu-se à apreensão da palete e do volume cujo ordenante/expedidor era EA e destinatário JA (fls. 909 a 914).
40.-No dia 22 de Março de 2019, procedeu-se à abertura do volume, verificando-se que, no seu interior, encontrava, entre vários objectos, um cofre fechado (que depois de aberto se constatou) que continha no seu interior 24 (vinte e quatro) pacotes envoltos em plástico contendo, cada um deles, 5 (cinco) placas, num total de 125 (cento e vinte e cinco) placas de cor castanha, e 5 (cinco) placas de cor castanha, 4 delas com a inscrição “ CR7 19”, com o peso total de 12,528 gramas e um cofre fechado (que depois de aberto se verificou) que continha no seu interior 23 (vinte e três) pacotes envoltos em plástico contendo, cada um deles, cinco placas, e dez placas de cor castanha, quatro delas com a inscrição “CR7 19”, num total de 125 (cento e vinte cinco) placas, com o peso total de 12,429 gramas (915 a 921).
41.-Foram realizados testes rápidos – Tipo E – que confirmaram a natureza estupefaciente do produto apreendido que, sujeito a perícia toxicológica, revelou tratar-se de canábis (resina), com o peso líquido de 24.516,195 gramas.
42.-O produto estupefaciente apreendido, num total de 250 placas, destinava-se a ser distribuído junto de indivíduos residentes na Região Autónoma da Madeira, com vista à obtenção de proventos monetários.
(…)
56.-No dia 26 de Março de 2019, o arguido EA detinha no interior da sua residência, sita na Travessa …, em Estarreja, um telemóvel de marca Apple, modelo Iphone SE, de cor cinzenta e preta, com o código de desbloqueio … e código PIN …, IMEI …, com o cartão SIM inserido da operadora MEO afecto ao número …; um telemóvel de marca Apple, modelo A1586, de cor cinzenta e branca, com o código de desbloqueio …, sem código PIN, IMEI …, com o cartão SIM inserido afecto ao número …, catorze talões do Banco … referentes à compra de moeda estrangeira e depósitos efectuados na conta número …, por ele titulada, uma factura do “Banco …, SA” emitida em seu nome, respeitante a uma comissão de gestão de conta valor; seis talões do “Banco …, SA”, designadamente, três talões de compra de moeda estrangeira e três talões de depósito na conta número …; três talões de depósito do “Banco …, SA” respeitantes à conta número …; um talão de compra de 1000GBP na casa Unicâmbio do Aeroporto de Lisboa; um talão dos CTT respeitante a um pagamento de € 26,35 (vinte seis euros e trinta e cinco cêntimos) efectuado no dia 30 de Janeiro de 2019; um talão de compras no supermercado M…, no valor de € 58,98 (cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos) efectuado no dia 17 de Outubro de 2018; um talão de compras no supermercado M…, no valor de € 46,62 (quarenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) efectuado no dia 21 de Junho de 2018; um talão multibanco relativo à conta nº. … onde é visível um saldo contabilístico no valor de € 5.585,35 (cinco mil quinhentos e oitenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos); dois talões dos “CTT Expresso”; um manifesto de carga emitido pela empresa “C…” com alguns manuscritos no verso; cinco guias de entrada, nas quais consta como expedidor ele próprio, EA, remetidos através da “A…, Lda.”; uma guia de entrada na qual consta como expedidor ele próprio, EA, remetido através da “T…, Lda.”; um recibo no qual consta como beneficiário ele próprio, EA, emitido pela “T…, Lda.”; um envelope de acondicionamento de cartão SIM da operadora MEO referente ao número …; uma Pen de cor preta de marca Verbatim; duas guias de entrada da “A…, Lda.”, emitidas em nome de E..; vinte e nove documentos de entregas de carga da empresa “M…”, emitidos em nome de diversas pessoas; vinte e uma declarações de entrega de bens para transporte excluído do regime de bens em circulação; duas guias de entrada da “A…, Lda.” emitidas em nome de E..; um comprovativo de renovação do cartão de cidadão em seu nome de EA, um cheque emitido pelo “Banco …, SA” respeitante ao NIB … do qual é titular; uma carta enviada pelos CTT expresso relativa a uma encomenda extraviada; um Ipod com 30gb de capacidade e respectiva capa protectora; um telemóvel da marca Samsung, modelo GT-I9300 de cor azul, sem cartão SIM e com cartão de memória Samsung com 16GB de capacidade e respectiva capa protectora; um disco externo de marca “Wd Elements” e respectiva capa protectora; quarenta e oito notas de 5 libras, uma nota de 100 libras e uma nota de 10 libras; uma declaração de entrega de bens; dois talões do “Banco …, SA”, relativos à compra de moeda estrangeira; seis talões de compra de passagens aéreas; um talão de depósito de dinheiro; um talão de informação de NIB e IBAN; cinco talões referentes a operações em ATM; sete talões referentes a operações em ATM dos Bancos “…” e “…”; um cartão B…; diversos talões de compra de produtos e serviços; um talão de depósito no banco … da quantia de € 2.395,00 (dois mil, trezentos e noventa e cinco euros), em conta por ele titulada; um talão de depósito no “Banco …, SA” na quantia de 9.000 £ (nove mil libras esterlinas) em conta titulada por ele; diversos talões de pagamento; dois documentos de registo automóvel, emitidos pelo Bailiado de Jersey; um cofre da marca “Standers”, modelo “Easy Key” e respectiva caixa de acondicionamento.
57.-Ainda nessas mesmas circunstâncias, foram apreendidos os veículos automóvel da marca “Jaguar”, modelo “S Type R”, com a matrícula … e da marca “Mercedes Benz”, modelo “Sprinter 413 CDI”, com a matrícula …, propriedade do arguido EA.
58.-No interior do veículo automóvel da marca “Jaguar”, modelo “S Type R”, com a matrícula …, foram detectados e apreendidos: um tablet da marca “Apple”, modelo “IPAD”; um talão de depósito da quantia de 200 €, em conta titulada por EA; um talão de depósito do Banco “…”; um talão de carregamento de telemóvel no valor de 50 €; Um talão de câmbio de libras esterlinas por euros; um papel manuscrito; uma carta do Banco …”; duas guias de entrada na A…; três documentos relativos a viagens em ferry boat; oito documentos de compras na empresa “M…, Lda.”.
(…)
64.-Os arguidos NS, EA, IJ, LF, PM, MN, RS e HC agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que guardavam, transportavam, detinham, distribuíam e/ou que vendiam, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
(…)
66.-Os arguidos NS, EA, IJ, LF, PM, MN, RS, RR e HC sabiam que a posse, detenção, transporte, guarda, cedência e/ou venda de tais produtos é proibida por lei.
67.-Os arguidos NS, EA, IJ, LF, PM, MN, RS, RR e HC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas que supra se descreveram, eram proibidas e penalmente punidas.
68.-Os arguidos NS, EA, IJ e LF, não exercem actividade profissional que justifique a posse das quantias monetárias que lhes foram apreendidas, que são produto da venda de estupefaciente, cujos lucros resultavam da diferença entre o preço da compra de tais produtos e o maior preço que obtinham com a sua venda.” (sublinhados nossos) [8]A qual, em todo o caso, não impediu nem dissuadiu os arguidos de agirem em conformidade com os seus interesses em flagrante violação da ordem jurídica e contra a saúde pública, na qual também se inserem os seus familiares, especialmente, os seus respectivos filhos. [9]Pedro Patto, “Comentário ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que prevê o regime de tráfico e consumo de estupefacientes, alterada pela Lei nº 18/2009, de 11 de Maio (Artigos 21.º a 40.º, 44.º, 45.º, 48.º e 49.º), in AA.VV., Comentário das Leis Penais Extravagantes - Volume 2, organização de Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, 1.ª edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 494 e 495. [10]Inhttps://www.unodc.org/wdr2017/press/WDR_Press_Release.pdf consultado em 18/03/2018. [11]Inhttps://www.europol.europa.eu/newsroom/news/europol-strategic-report-how-illegal-drugs-sustainorganised-crime-in-eu consultado em 18/03/2018. [12]Inhttps://www.europol.europa.eu/publications-documents/how-illegal-drugs-sustain-organised-crime-in-eux consultado em 18/03/2018. [13] Ac. do STJ de 04/10/2006, Proc. n.º 06P812, disponível in www.dgsi.pt. [14]Relatório Anual do SICAD sobre a situação do país em matéria de drogas e toxicodependência: http://www.sicad.pt/BK/Publicacoes/Lists/SICAD_PUBLICACOES/Attachments/129/RelatorioAnual_2016_A_SituacaoDoPaisEmMateriaDeDrogas_e_Toxicodependencias.pdf consultado em 18/03/2018. [15]Bruno Alcarva, in e-book do CEJ “Autoria e Comparticipação – Tráfico de Estupefacientes”, Abril de 2019, pp. 51e 52. [16]No processo nº 2318/10.5TXPRT-C.P1, Relator: Desembargador Artur Vargues, acessível em www.dgsi.pt [17]Neste sentido, vd. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.01.2022, no processo nº 39/20.0TXLSB-3, Relatora: Desembargadora Cristina Almeida e Sousa, acessível em www.dgsi.pt.