Justifica-se a aplicação da pena de prisão de 5 anos e 6 meses a arguidos co-autores de crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º do DL n.º 15/93, executado em actividade constante durante um período que excedeu um ano, de venda de heroína e cocaína, com dolo directo e persistente, evidenciando as concretas circunstâncias pessoais de cada um dos arguidos fortes carências de acompanhamento nos processos de ressocialização; mostra-se igualmente justificado o prévio afastamento do regime penal para jovens delinquentes.
1. Relatório
1.1. No Processo comum colectivo n. º 152/21.6PAPTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., foi proferido acórdão a decidir, ao que ora interessa, condenar os arguidos AA e BB como co-autores de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º/1 do DL 15/93 de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Inconformados com o decidido, interpuseram ambos os arguidos recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:
AA:
“I- Uma vez que o Arguido era menor de 21 anos à data da prática dos factos, ponderou o Tribunal “a quo” a aplicação do Regime em matéria penal relativo aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, regulado pelo Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, decidindo, porém, não aplicar a atenuação especial da pena de prisão prevista no art. 4º. do referido Diploma Legal. Ora,
II- Estipula o art. 4º. do referido Diploma Legal, sob a epígrafe “Da atenuação especial relativa a jovens” que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs. 73º. e 74º. do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
III - Por sua vez, dispõe o art. 73º., nº. 1, als. a) e b) do Código Penal que sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior.
IV - Actualmente, está totalmente enraizada na Jurisprudência que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, o tribunal não pode deixar de investigar se verificam aquelas sérias razões e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena.
V - Ora, no caso em análise, os factos não revelam por si, nem neles se manifesta de forma preponderante uma personalidade especialmente desvaliosa do Arguido.
VI- Da matéria de facto provada, não existem elementos que permitam considerar que a atenuação especial da pena de prisão não deva ser aplicada.
VII - As condições pessoais, familiares e sociais do Arguido e a sua idade fazem crer que da atenuação especial da pena de prisão resultarão vantagens para a sua reinserção social.
VIII - Assim sendo, deveria o Tribunal “a quo” ter atenuado especialmente a pena de prisão nos termos do disposto no art. 73º. do Cód. Penal por resultarem vantagens para a reinserção social do Arguido.
IX - E não o tendo feito, violou o disposto no art. 4º. do Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, e no art. 73º. do Cód. Penal.
X - Deve, pois, ser aplicado o regime penal de jovens regulado no Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, com a atenuação prevista no seu art. 4º., porquanto as condições e a idade do Arguido fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.
XI - Assim sendo, e por força do disposto no art. 9º., do Cód. Penal, no art. 4º. do Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, e no art. 73º., nº. 1, als. a) e b) do Cód. Penal, a moldura abstracta, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21º., nº. 1 do Dec.-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-A e 1-B anexas, que é de pena de prisão de 4 a 12 anos, deve passar a ser de pena de prisão entre 9 meses e 18 dias (limite mínimo reduzido a 1/5) e 8 anos (limite máximo reduzido de 1/3).
XII - Dentro da moldura penal abstracta aplicável, e tendo em conta todos os demais elementos e, em particular, o nível de ilicitude nas circunstâncias ambientais em que ocorreram os factos e as condições pessoais e sociais do Arguido, considera-se adequada a pena não superior a 4 (quatro) anos.
XIII - Por mera cautela e dever de patrocínio, caso o Colendo Tribunal “ad quem” mantenha a decisão proferida pelo Meritíssimo Tribunal “a quo” relativamente à não aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no art. 4º. do Regime em matéria penal relativo aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, regulado pelo Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, sempre se dirá que decorre dos contornos do caso concreto, das normas jurídicas aplicáveis e da Jurisprudência do Colendo Tribunal “ad quem” que a ser aplicada uma pena efectiva de prisão ao Arguido, tal terá de acontecer sempre numa medida próxima da pena mínima abstractamente aplicável, não podendo em caso algum ultrapassar os 5 anos de prisão.
XIV - Ao condenar o Arguido em pena de prisão inferior ao aplicado, nos termos ora pugnados, dar-se-á grande contributo para a reintegração do agente na sociedade, cumprindo-se o disposto no art. 40.º do Cód. Penal, assim, merecendo provimento o presente Recurso.
XV - Pelo que a pena de prisão, aplicada ao arguido é desproporcional e desadequada, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos artºs. 40º. e 71º., ambos do Cód. Penal.
XVI - Pugnava o Arguido, ora Recorrente, pela condenação em pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos de prisão.
XVII - Os factos apurados, nomeadamente quanto às condições da vida do Arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, supra descritos, não permitem concluir que se deva afastar do poder-dever vinculado de suspensão da execução da pena, com regime de prova, devendo o Arguido ser acompanhado no processo de ressocialização em liberdade.
XVIII - Com a suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova, o Arguido certamente sentirá a condenação como uma advertência e que não cometa no futuro nenhum crime, tendo perante tal suspensão uma atitude de emenda cívica, de reeducação para o direito.
XIX - E não o tendo feito, violou o Tribunal “a quo” o disposto no art. 50º., nº. 1 do Cód. Penal.”
BB
“1 – o Recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, sendo que o referido recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença condenatória proferida nos presentes autos, nomeadamente, da violação dos princípios da presunção de inocência e do princípio in dúbio pro reo e da espécie e da medida da pena.
2 – Os factos dados como provados no que se refere ao recorrente assentam na convicção do douto Tribunal, nomeadamente de que, ter-se-á dedicado à venda de produtos estupefacientes, de cocaína e de heroína,
3 – Que a quantia de produto estupefaciente, o dinheiro, e demais produtos e objectos apreendidos na morada do arguido AA também pertencia ao ora Recorrente, salvo o devido respeito, constitui presunção iuris et de iure, não é admitida, uma vez que é presumir algo que não se sabe oficialmente sua veracidade.
4 – Os factos provados assentes na convicção mas não se detectam preenchidos os elementos do crime em que o arguido foi condenado.
5 – Houve assim violação dos princípios de presunção de inocência e in dúbio pro reo.
6 – Evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, perante a violação de tais princípios o Juiz deve decidir “sobre toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida, de forma que quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não pode fornecer qualquer critério decisório” in Cristina Libano Monteiro.
7 – Violou assim, o Tribunal a “quo” o disposto no art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo o Recorrente ser absolvido.
8 - Caso assim se não entenda o que se refere sem conceder, atendendo à pena aplicada ao Recorrente a mesma é desajustada e excessiva, impugnando com o presente recurso a pena que foi encontrada pelo Tribunal para o punir.
8 – A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, nunca podendo ultrapassar a medida da culpa, de acordo com o n.º 1 e 2 do art.º 40.º do Código Penal.
9 – Deverá o Douto Tribunal atender, concretamente, a todas as circunstâncias que, sendo exteriores ao tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente designadamente: o grau de violação dos deveres ao agente impostos; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados e os fins e motivos que determinaram o agente no cometimento do crime; as situações pessoais do agente, designadamente a sua situação económica e familiar; a conduta do agente anterior e posterior ao facto, designadamente no sentido de recuperar as consequências do crime ou a falta de preparação para manter a conduta ilícita.
10 – A culpa do agente define o limite máximo da pena, para além do qual não é possível passar, sob pena de violação do princípio de que não pode aplicar-se uma pena sem culpa.
11 – Assim, a quantificação dos limites da culpa e dos limites da prevenção, quer geral, quer especial, far-se-á através da ponderação de circunstâncias gerais presentes no caso concreto que deponham, quer a favor, quer contra o agente (n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal) mas que não podem ter sido levadas em conta na determinação da medida abstracta da pena.
12 – No caso do Recorrente, sempre se deverá atender a factores atenuantes que não foram atendidos no Acórdão recorrido. Nomeadamente,
12 – A aplicação ao arguido e ora Recorrente estava do REGIME PENAL APLICÁVEL A JOVENS DELINQUENTES de acordo com o disposto no art. 4.º deste regime, “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
13 – Sempre, o arguido teve uma conduta socialmente adequada e sem quaisquer antecedentes judiciais e judiciários.
14 - Revela o arguido a sua preocupação pela integração num processo deste jaez, consubstanciando este comportamento uma vontade de se afastar de certos convívios e proximidades com pessoas com certos comportamentos.
15 - Tal como vem no relatório social, o arguido é pessoa de bem e séria e desta forma socialmente reconhecida, como profissional sério e cumpridor das suas obrigações.
15 - O arguido Recorrente revela consciência dos deveres normativos e, tendo um percurso com referências familiares adequadas e pró-sociais, tem um modo de vida organizado e assente na sua actividade laboral.
16 – Revela o arguido recorrente capacidade de preocupação.
17 – Não concorda o Recorrente quando os Mmos. Juizes a “quo” estipula que são elevadas as necessidades de prevenção geral, especial e de socialização.
18 – Ao condenar o arguido ora Recorrente na pena de prisão de cinco anos e seis meses, o Tribunal a “quo” violou, por conseguinte, o disposto no art.º 71.º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena de demasiada severa, atenta a factualidade considerada e inexistência de fundamento da douta decisão.
19 – Em suma trata-se afinal de uma situação em que vistas as circunstâncias do caso, a ilicitude decorrente da medida abstracta da pena e a valoração da culpa em função dos factores concretos dados como provados a medida concreta da pena deve ser fixada abaixo do limite dos cinco anos.
20 – O Acórdão recorrido condenou o ora Recorrente, na pena efectiva de prisão, quando entende o Recorrente estarem reunidos, no caso, todos os elementos nos termos do art.º art. 50.º do C. P., que proporcionavam à suspenso dessa mesma pena, mormente o decurso do tempo, a conduta posterior aos factos bem como as próprias circunstâncias do caso naquilo que ficou atrás exposto, além da manifesta integração social do arguido ora recorrente.
21 – O grau de ilicitude sendo considerado pelo Tribunal a “quo” elevado é manifestamente desajustado.
22 – O Recorrente é pessoa de postura de humildade e revela uma sincera consternação por se ver envolvido nesta situação, que o envolver-se numa situação judicial imputando condutas ilícitas, o sofrimento e a vergonha que pode provocar nos seus familiares que considera pessoas de bem.
23 – Actualmente, o arguido encontra-se privado da liberdade, apresenta uma forte censura quanto ao crime que lhe está imputado e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo prognose favorável.
24 – Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a “quo” ao arguido ora Recorrente, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no art.º 71.º do Código Penal.
25 – É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no art.º 71.º do Código Penal, que não deverá ultrapassar os cinco anos e suspensas na sua execução, por entender que desta forma realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a manutenção da integração do agente na sociedade.
26 – Pelas razões apontadas e, atendendo à medida da pena fixada, o Recorrente e objecto de condenação, pugna-se para que o douto Acórdão recorrido seja revogado, o Recorrente absolvido do crime em que foi condenado, alterando substancialmente os factos, condenando o arguido ao abrigo do disposto no art.º 26.º, do Dec-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, porque provado que a entrega de algumas vezes, contrapartida destinava-se ao consumo do próprio arguido, porque é consumidor, com de resto consta da prova elo depoimento do arguido em sede de julgamento e o revela o relatório social.
E se assim não se entenda, na decisão condenatória a proferir deve a pena ser fixada numa pena que não deverá ultrapassar os cinco anos e suspensa na sua execução, ou caso assim não se entenda, o que se refere sem conceder, deverá sempre reduzir a pena aplicada, estribando-se a mesma nos limites mínimos, em obediência aos art. 40.º, 70.º, 71.º, 72.º, e 50.º do Código Penal e art.º 26.º do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro e no art.º 4.º do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes..”
O Ministério Público respondeu conjuntamente aos recursos, concluindo:
“1. Os arguidos BB e AA foram condenados pela prática, como co-autores, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. Alega o recorrente BB que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova quando considerou que vendeu estupefaciente, entendendo que resultou provado que o entregou algumas vezes mas como contrapartida ao seu próprio consumo.
3. Reclama que a prova de que é consumidor resultou do depoimento do arguido em sede de julgamento e do relatório social.
4. Ora das declarações prestadas pelo co-arguido AA que confirmou que, juntamente com BB, procedia à venda de droga, das declarações das testemunhas, agentes da PSP e dos consumidores que lhe adquiriram heroína e cocaína resultou, sem margem para dúvidas, que praticou o crime de tráfico pelo qual foi condenado.
5. A versão de que era consumidor apenas “apareceu” em julgamento já que nas declarações prestadas em sede de 1.ª interrogatório o arguido afirmou, entre outras coisas, que não era consumidor de estupefacientes.
6. Acresce que, em audiência as declarações do arguido foram contraditórias, afirmou que ”a droga que se encontrava no cofre da casa ..., apreendida na busca, era toda para vender.”, “usou o argumento de diminuir a sua responsabilidade por não precisar de vender droga por ter rendimentos do trabalho, auferindo de 700 a 800 euros mensais em biscates com o sogro” e, ao mesmo tempo invocou “a necessidade de traficar para custear o vício (que de resto, situou em nível meramente recreativo, limitado a uma vez por semana)”.
7. Mais, inquirida a namorada do arguido BB, arrolada como testemunha de defesa, por esta foi referido que desconhecia que aquele era consumidor de droga.
8. A convicção do Tribunal Colectivo foi devidamente motivada, dando, assim, adequado e cuidadoso cumprimento ao dever de fundamentação.
9. O Tribunal formou a sua convicção através da conjugação de várias provas, que elencou na motivação.
10. Assim, o tribunal na sua livre apreciação deu credibilidade às provas apresentadas pela acusação, que escrutinou e ponderou as declarações do arguido, considerando-os não credíveis e contraditórias pelas razões que bem explicou.
11. O recorrente pretende substituir a sua própria convicção à que foi alcançada pelo tribunal que julgou a causa.
12. Alega ainda a recorrente que foi violando o princípio constitucional do in dúbio pro reo mas tal questão não constitui mais de que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativa ao julgamento sobre a matéria de facto.
13. A prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido.
14. Ora, como supra se explanou, o Tribunal “a quo” motivou e valorou de forma correcta e isenta de dúvidas a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e essa prova permite imputar ao arguido/recorrente, o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado.
15. Assim, os factos que o recorrente impugna estão suportados pela prova produzida em audiência, que o tribunal apreciou, como é livre de fazer, de acordo com o disposto no art. 127.º, do C.P.P. não existindo razões objectivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente.
16. Não resultado da prova produzida que o arguido é sequer consumidor, facto que apenas referiu em ADJ, nunca podiam os factos provados consubstanciar a prática do crime previsto no art. 26.º do DL 15/93 de 22 de janeiro.
17.Ora como se encontra plasmado no D. Acordão recorrido, a cujos fundamentos de facto e de direito se adere na integra, não restam dúvidas pela qualidade e quantidade de droga apreendida, quantias monetárias apreendidas, vendas dadas como provadas, o facto do arguido não ser consumidor e constatação de que fazia dessa atividade modo e sustento de vida, que praticou um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, do D.L. 15/93.
18. Da imagem global dos factos provados não resultam circunstâncias que permitam sustentar uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.
19. O tribunal não errou no doseamento da pena e quando condenou o arguido numa pena efectiva de prisão, pelo que não padece o Acordão recorrido de qualquer vício.
20. O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos (art. 21.º, n.º 1 do D.L. nº 15/93) e os arguidos BB e AA foram condenados na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
21. O Acórdão a quo tomou em linha de conta todas as circunstâncias impostas: o grau de ilicitude acentuado, atento nomeadamente o grande número de transações de substâncias estupefacientes efectuado, a qualidade e quantidade de estupefacientes e dinheiro apreendidos, o dolo directo, a ausência de antecedentes criminais dos arguidos, o facto de não ser consumidores e as suas condições socio económicas.
22. Para além destes aspectos, não podem também deixar de se considerar, como fez o tribunal, no domínio do tráfico de droga, as fortíssimas exigências ao nível da prevenção geral.
23. Apesar dos arguidos, objetivamente, estarem em condições de beneficiar do regime em causa (visto que tinham menos de 21 anos à data da prática dos factos), pelas razões indiscutíveis referidas na decisão condenatória a que acresce a postura assumida em Audiência de Discussão de Julgamento na qual:- o arguido BB apresentou uma versão desculpabilizante e totalmente distinta daquela que deu no 1.º interrogatório de arguido detido; - ambos os arguidos depois de assistirem a toda a prova produzida, com as declarações dos consumidores de drogas duras há longos anos, não demonstraram qualquer arrependimento pelos factos que resultaram provados. Nada aponta no sentido da sua futura ressocialização.
24. No que concerne à eventual suspensão da pena, considerando que se pugna pela manutenção das penas concretas aplicadas de 5 anos e 6 meses de prisão não se mostram reunidos os pressupostos do disposto no art. 50.º, do Código Penal, que apenas se refere a penas de prisão de medida não superior a 5 anos.
25. Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma.”
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, pronunciando-se também no sentido da improcedência dos recursos.
Os arguidos nada acrescentaram, o processo foi aos vistos e teve lugar a conferência.
1.2. O acórdão recorrido, na parte que ora releva, tem o seguinte teor:
“1.1. No dia 28 de Janeiro de 2021, pela 01:20h, no Largo ..., em ..., o arguido AA tinha na sua posse, dentro do bolso direito do seu casaco, um porta-moedas de cor preta, contendo no seu interior:
- 19 pacotes de cocaína (cloridrato), com o peso de 7,176g, com 29,0% grau de pureza, suficiente para 10 doses individuais;
- 7 pacotes de heroína, com o peso de 5,758g, com 4,8% grau de pureza, suficiente para 2 doses individuais.
1.2 Tinha ainda na sua posse dois telemóveis, um da marca Alcatel e outro da marca Xiaomi, uma faca e 120,00€ em notas do BCE (seis de 10,00€ e três de 20,00€).
1.3 No dia 08 de Fevereiro de 2021, pelas 15:10h, o arguido BB conduzia a viatura com matrícula ..-..-QL, na Estrada ..., no concelho ..., ocupando o arguido AA o lugar do passageiro da frente.
1.4 Nessa ocasião foi dada ordem de paragem à aludida viatura, pelos Agentes da PSP da Esquadra de ..., através de sinais visuais e sonoros.
1.5 De imediato, o arguido AA arremessou um embrulho de cor preta, através da janela da viatura, para o exterior da mesma, de seguida, imobilizando o arguido BB a viatura.
1.6 O aludido embrulho continha no seu interior:
- 6 pacotes de cocaína (cloridrato) com o peso de 2,600 gr, com 27,9% grau de pureza, suficiente para 3 doses individuais;
- 1 pacote de heroína, com peso de 0,853g, com 6,4% de pureza, que não era suficiente para 1 dose individual.
1.7 O arguido BB tinha ainda na sua posse três telemóveis, um da marca Nokia e dois da marca Iphone, assim como a quantia de 260,00€ em notas do BCE (duas notas de cinco euros, três notas de 10 euros e onze notas de 20 euros).
1.8 Encontrando-se a referida quantia dividida em duas partes, 140,00€ num bolso, e 120,00€ no outro bolso das calças que vestia.
1.9 No dia 31 de Maio de 2021, pela 21:30h, no Largo ..., em ..., o arguido AA tinha na sua posse uma carteira de pano e, ao ver os Agentes da PSP no local, atirou-a para o chão.
1.10. No seu interior a aludida carteira continha:
- 6 pacotes de cocaína (cloridrato), com o peso de 1,775g, com 30,1% grau de pureza, suficiente para 2 doses individuais;
- 2 pacotes de heroína, com peso de 1,558g, com 10,3% de grau de pureza, suficiente para 1 dose individual.
1.11. O arguido AA, tinha ainda na sua posse um telemóvel da marca Samsung e uma nota do BCE, no valor de 10,00€.
1.12. No dia 13 de Outubro de 2021, pelas 18:45h o arguido BB vendeu a CC três embalagens de heroína, com o peso total de 2,347g, e 2,5% de grau de pureza, inferior a uma dose, pelo valor de 50,00€.
1.13. Nessa ocasião o arguido BB tinha na sua posse 50,00€ em notas do BCE (em duas notas de 20,00€ e uma nota de 10,00€) e um Iphone.
1.14. No dia 13 de Outubro de 2021 os arguidos AA e BB possuíam no interior da habitação, na Rua ..., ..., em ...:
- Uma balança de precisão sem marca, sobre o bengaleiro no hall de entrada;
- Oito embalagens de heroína, com o peso 5,784g, com 2,4% de grau de pureza, suficiente para 1 dose individual, sobre a mesa de jantar da sala;
- Um telemóvel marca Apple, IPhone 7, sobre a mesa de jantar da sala;
- Trinta euros em notas do BCE (três notas de 10,00€ euros), sobre a mesa de jantar;
- Uma balança de precisão, marca Longbow, que encontrava dentro de uma embalagem de um medicamento “Redrate”, sobre o exaustor na cozinha;
- Sete saquetas do medicamento “Redrate”, sobre o exaustor na cozinha;
- Uma tesoura, sobre a mesa na cozinha;
- Um rolo de sacos de plástico, sobre o armário na cozinha;
- Um recorte de plástico no interior do balde do lixo na cozinha;
- Um talão Western Union, no valor de 700,00€ sobre o móvel na sala;
- Um telemóvel da marca Samsung, Duos, com IMEI ...63 e ...73, com cartão de acesso telefónico móvel n.º ...56, da rede Altice, na interior gaveta no móvel na sala;
- Um telemóvel da marca Samsung, A20 - IMEI ...45 e ...43, no interior da gaveta no móvel na sala;
- Um telemóvel da marca Huawei, P30 - IMEI desconhecido, no interior da gaveta no móvel na sala;
- Um telemóvel da marca Wiko - IMEI desconhecido, no interior da gaveta no móvel na sala;
- Um telemóvel da marca Samsung - IMEI desconhecido, no interior da gaveta no móvel na sala;
- 18,300g de canábis (Fls/SUM), com grau de pureza inferior a 2% THC, que se encontrava no interior de um frasco de vidro, sobre uma mesa na varanda;
- Um saco de cocaína com o peso de 10,021g, com 60,9% grau de pureza, suficiente para 30 doses individuais, que se encontrava no interior de um cofre existente no roupeiro do quarto;
- Vinte e uma embalagens contendo heroína, com o peso de 15,103g, com 1,9% grau de pureza, suficiente para 2 doses individuais, que se encontravam no interior de um cofre existente no roupeiro do quarto;
- Vinte embalagens contendo heroína, com o peso de 14,670g, com 2,9% de grau de pureza, suficiente para 4 doses individuais, que se encontravam no interior de um cofre existente no roupeiro do quarto;
- Um telemóvel da marca Samsung, Galaxy J4 Plus - IMEI ...97 e ...95, que se encontrava sobre a cómoda no quarto;
- Um telemóvel da marca Nokia, 105 - IMEI ...91 e ...98, que se encontrava sobre a cómoda no quarto.
1.15. Os arguidos AA e BB destinavam os produtos estupefacientes que foram apreendidos na sua posse, respectivamente, nos dias 28 de Janeiro, 8 de Fevereiro, 31 de Maio e 13 de Outubro de 2021, à venda a consumidores que, para tal, os contactavam.
1.16. Com efeito, pelo menos, desde o ano de 2020 os arguidos dedicaram-se à cedência, a troco de dinheiro, de cocaína e heroína a indivíduos consumidores, que para tanto os contactavam telefonicamente, ocorrendo esses encontros em diversos locais, na cidade de ....
1.17. Desde data não concretamente apurada, de, pelo menos, Maio ou Junho do ano de 2020, DD adquiriu aos arguidos AA e BB, pelo menos, uma ou duas vezes por mês, uma embalagem de cocaína, pagando em cada uma dessas ocasiões a quantia de 20,00€.
1.18 . A última vez que DD adquiriu produto estupefaciente aos arguidos foi no dia 10 de Outubro de 2021, tendo combinado a venda ao telefone com o arguido BB, que foi ao local acompanhado pelo arguido AA que lhe fez a entrega da embalagem de cocaína, em troco do pagamento da quantia de 20,00€.
1.19 . Quando DD pretendia adquirir produto estupefaciente contactava os arguidos, através do n.º de telemóvel ...75, e combinavam um encontro, para realizar a transacção, sendo que podia combinar com o arguido AA e surgir no local o arguido BB para efectuar a entrega, ou o inverso.
1.20. Durante, o mês de Setembro de 2021 e até ao dia 11 de Outubro de 2021, EE adquiriu, pelo menos, cerca de 16 vezes, cocaína aos arguidos AA e BB, pagando a quantia de 20,00€ por 0,5gr.
1.21. As referidas transacções foram feitas quer pelos arguidos AA e BB individualmente, quer em conjunto, em locais não concretamente apurados.
1.22. Desde, pelo menos, data indeterminada do ano de 2020, até, pelo menos, ao mês de Outubro de 2021, FF adquiriu aos arguidos AA e BB, cerca de uma vez por semana, cocaína e heroína, pagando em cada uma dessas ocasiões a quantia de 35,00€, por uma embalagem de cocaína e uma embalagem de heroína.
1.23. Quando pretendia adquirir produto estupefaciente FF ligava para o número de telemóvel do arguido AA e combinavam encontrar-se, para realizar a transacção.
1.24. As referidas transacções foram feitas quer pelos arguidos AA e BB individualmente, quer em conjunto.
1.25. Durante meses indeterminados de 2020 e 2021, GG adquiriu, pelo menos, cerca de 10 vezes, cocaína e heroína, ao arguido AA, por valor não concretamente apurado.
1.26. No mesmo período GG adquiriu, pelo menos, 7 vezes, cocaína e heroína, ao arguido BB, por valor não concretamente apurado.
1.27 . Quando pretendia adquirir produto estupefaciente GG contactava os arguidos, através do n.º de telemóvel ...75, e combinavam um encontro em diversos locais da cidade de ..., para realizar a transacção, sendo que podia combinar com o arguido AA e surgir no local o arguido BB para efectuar a entrega, ou o inverso.
1.28 . Desde o mês de Fevereiro de 2021 até ao mês de Abril de 2021, HH adquiriu aos arguidos BB e AA, pelo menos, uma vez por mês, cocaína, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões.
1.29. A partir do mês de Abril de 2021 e até ao mês de Setembro de 2021, HH adquiriu diariamente cocaína aos arguidos BB e AA, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões, sendo que em alguns dias, não apurados, contactou-os mais do que uma vez por dia.
1.30. No dia 30 de Setembro de 2021, HH adquiriu cocaína aos arguidos BB e AA, pagando a quantia de 20,00€.
1.31. Quando pretendia adquirir produto estupefaciente HH ligava para o número de telemóvel dos arguidos e aqueles indicavam o local de encontro, para realizar a transacção, junto do café cabo-verdiano, na cidade de ..., chegando HH a deslocar-se a casa dos arguidos, na zona dos ... e na Praia ....
1.32. Por vezes, surgia no local apenas um arguido, sendo que em certas ocasiões compareceram os dois para realizar a transacção.
1.33. Em datas não apuradas, no ano de 2020, II adquiriu cerca de 3 a 4 vezes heroína ao arguido BB, e ao arguido AA, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões.
1.34. Em datas não apuradas, no ano de 2021, II adquiriu cerca de 3 a 4 vezes heroína aos arguidos BB e AA, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões.
1.35. Quando II pretendia adquirir produto estupefaciente ligava para o número de telemóvel dos arguidos e combinavam encontrar-se, para realizar a transacção, junto da Igreja Matriz ....
1.36. No verão do ano de 2021 JJ adquiriu pelo menos, 2 a 3 vezes cocaína ao arguido AA, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões.
1.37. Quando JJ pretendia adquirir produto estupefaciente ligava para o número de telemóvel do arguido e aquele indicava o local de encontro, para realizar a transacção, na Rua do ..., na cidade de ....
1.38. Durante, pelo menos, um a dois meses de 2021, KK adquiriu cocaína aos arguidos BB e AA, pelo menos 3 a 4 vezes, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões.
1.39. Quando KK pretendia adquirir produto estupefaciente ligava para o número de telemóvel dos arguidos e aqueles indicavam o local de encontro, para realizar a transacção, junto ao Centro Comercial ... ou junto da Casa ..., na cidade de ....
1.40. Desde o mês de Janeiro de 2021 ao mês de Junho de 2021, LL adquiriu aos arguidos BB e AA, cerca de 10 vezes, cocaína e/ou heroína, pagando a quantia de 20,00€, em cada uma dessas ocasiões, quando adquiria um dos produtos, e pagando a quantia de 40,00€, quando adquiria cocaína e heroína.
1.41. Quando LL pretendia adquirir produto estupefaciente ligava para o número de telemóvel dos arguidos e aqueles indicavam o local de encontro, para realizar a transação, junto ao Centro Comercial ... ou na zona dos ..., na cidade de ....
1.42. Por vezes, LL combinava o encontro com um arguido e surgia no local outro arguido para efectuar a entrega, sendo que em certas ocasiões compareceram os dois no local.
1.43. Desde o mês de Janeiro de 2021 até ao verão de 2021, MM adquiriu aos arguidos BB e AA, cerca de 4 a 5 vezes por mês cocaína e heroína, pagando a quantia de 30,00€ pelos dois produtos, em cada uma dessas ocasiões.
1.44. Quando MM pretendia adquirir produto estupefaciente ligava para o número de telemóvel dos arguidos e aqueles indicavam o local de encontro, para realizar a transacção, perto da bomba de combustível existente junto ao Centro Comercial ..., na cidade de ....
1.45. Por vezes surgia no local apenas um arguido, sendo que em certas ocasiões compareceram os dois no local.
1.46. No início do mês de Outubro de 2021 NN adquiriu cocaína ao arguido BB, pagando a quantia de 20,00€, na Rua do ..., em ..., presenciando o arguido AA a transacção.
1.47. Pelo menos, em Janeiro de 2021, os arguidos AA e BB residiram na mesma habitação, na Rua ..., em ....
1.48. Os arguidos AA e BB não exercem qualquer actividade profissional declarada, e não lhes é conhecido qualquer rendimento lícito.
1.49. Foi proferida uma decisão de afastamento do território nacional ao arguido AA e aplicada a medida de interdição de entrada em Portugal e no Espaço Schengen por um período de 4 anos.
1.50. Em todas as ocasiões supra citadas os arguidos AA e BB entregaram produto estupefaciente a vários consumidores e receberam o respectivo preço em numerário.
1.51. Os arguidos AA e BB detinham o produto estupefaciente, melhor descriminado supra, cocaína e heroína, destinando-o à cedência e venda a terceiros consumidores, utilizando para tal os objectos supra indicados, nomeadamente balanças, “Redrate” para efectuar o “corte” do produto estupefaciente, recortes e diversos telemóveis.
1.52. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos AA e BB constituem vantagem alcançada com a venda do produto estupefaciente.
1.53. Os arguidos AA e BB agiram de comum acordo e em comunhão de esforços entre si, actuando de forma livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a natureza, características e propriedades dos produtos que detinham, cocaína e heroína, apesar de saberem do carácter proibido de tal conduta, com o propósito concretizado de deter, transportar, ceder e vender os mesmos, bem sabendo que não estavam autorizados para o efeito e que, dadas as suas características, os não podiam comprar, transportar, deter, ceder e vender, o que representaram.
1.54. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
1.55. Os arguidos AA e BB foram detidos no dia 13/10/2021 e sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva no dia 15/10/2021.
1.56. O arguido AA já foi condenado
- no processo comum singular 769/20.... do J..., do JL criminal de ..., a 29/6/2021, por decisão transitada a 14/9/2021, pela prática a 18/7/2020, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, já extinta.
1.57. O arguido BB não tem antecedentes criminais.
1.58. O arguido AA tem 21 anos …, antes de ser preso preventivamente no EP ... … em outubro de 2021, AA residiu … em ..., sem atividade profissional certa. Mantinha na altura uma ligação afetiva com LV, de 19 anos, não tendo familiares diretos no .... A progenitora vive em ... e o pai e os irmãos dividem-se entre ... e o .... O arguido é natural da ilha ... (Cabo Verde) e o único filho da relação dos pais, tendo mais 9 irmãos de posteriores relacionamentos dos progenitores. Após a precoce separação dos pais, cresceu junto da mãe, comerciante na cidade ..., situação que conferiu alguma estabilidade económica ao agregado. AA frequentou o sistema formal de ensino apenas até ao 5º ano de escolaridade, deixando os estudos aos 14 anos. Começou a trabalhar ainda muito jovem como aprendiz de mecânico numa oficina de automóveis, emprego que manteve na terra de origem até migrar para Portugal … em 2019, juntando-se à nova família do pai durante cerca de um ano, que na altura morava na zona de .... no início do ano 2020 AA …radicou-se em ... … num quadro agravado pela falta de documento válido de residência e também pela pandemia covid-19.
1.59. O arguido BB tem actualmente 21 anos, … regressou de ... no inicio de 2021… sem trabalho … preso preventivamente à ordem do atual processo, dispõe do apoio da namorada e de elementos da família alargada ... Natural e nacional de Cabo Verde, BB foi criado no país de origem pela mãe, com quem coabitou até 2015. Daí para cá a mudança para Portugal tinha como objetivo prosseguir os estudos e melhorar a condição de vida, sendo acolhido no agregado familiar da tia materna OO. Viveu com a tia e primos com residência nos ... (...), constituindo este núcleo familiar um referencial de suporte do arguido em contexto migratório em território nacional e depois em .... Em Portugal, apesar das manifestas dificuldades de aprendizagem, BB concluiu o 9º ano numa turma de PIEF – programa integrado de educação e formação. Profissionalmente teve experiências com tarefas pouco diferenciadas, em trabalhos temporários de carater sazonal, ligados à indústria hoteleira/ piscina e restauração. Organizou-se para concluir a carta de condução e posteriormente foi para ... em 2019…Na esfera pessoal iniciou em 2018 um relacionamento de namoro com PP, o que parece ter constituído um fator de estabilidade emocional para o arguido. A namorada esteve consigo em ... uma temporada com trabalho … BB acabaria por voltar a Portugal no início de 2021…, ficou na casa da tia, nos ...… A médio prazo pretender voltar para ... com a namorada e restruturar vida pela via laboral. Sem referência a atividades de lazer ou envolvimento em ações sociais, nos tempos livres BB convivia com a namorada e com pares de idêntica faixa etária… Apesar da censurabilidade da família, continua a beneficiar do suporte da tia com quem terá vivido nos últimos seis anos.
(…)
4. Enquadramento Jurídico-Penal
Os arguidos vêm acusados da prática, cada um, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, do art. 21º do DL 15/93 de 22/1, com referência às Tabelas anexas I-A, I-B e I-C.
Tratando-se de tráfico de estupefacientes
- o crime-tipo vem previsto no art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1, sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas”, nos termos do qual, “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos” - sendo que a heroína, a cocaína e a canabis, são substâncias estupefacientes constantes, respectivamente, das Tabela I-A, I-B e I-C, anexas ao diploma, e o art. 40º respeita ao consumo de estupefacientes.
Quanto ao tipo privilegiado, vem previsto no art. 25º/a) do mesmo diploma, sob a epígrafe “Tráfico de menor gravidade”, nos termos do qual, “se, nos casos do art. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III, V e VI”.
Sobre o tipo privilegiado do art. 25º, cita-se por clarividente, o Ac. do STJ de 22/3/2006, (relator Sr. Cº Henriques Gaspar) publicado na CJ STJ 2006, I, 216 e também acessível em www.dgsi.pt, proc. 06P664:
“Trata-se como é entendido na jurisprudência e na doutrina … de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de art. 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre ‘consideravelmente diminuída’, em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos. A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado, reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída) mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas, que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência de considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde.…A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico”.
No caso dos presentes autos,
E, tratando-se de co-autoria, não se tendo suscitado qualquer dúvida quanto ao facto de ambos os arguidos terem participado diretamente na decisão e execução conjunta dos factos, como é a previsão do art. 26º do CP - vd. Faria Costa, in Formas do Crime, CEJ, Jornadas de Direito Criminal, I, 170- e, sem esquecer a previsão do art.º 29º do CP, que funda a punição do comparticipante na medida da sua culpa para o resultado comum, disposição legal de onde decorre a desnecessidade de prática de todos os actos por todos os comparticipantes.
Em face do conjunto da factualidade apurada, considerada a natureza e diversidade das substâncias apreendidas e transaccionadas, heroína e cocaína, a quantidade de embalagens já preparadas, existentes na residência ..., prontas para a venda, os objectos próprios para a preparação (as balanças, o redrate), a multiplicidade de transacções apuradas, em número e substâncias (heroína e cocaína) efectuadas por ambos os arguidos, cada um por si e em proveito comum, reveladas pelas testemunhas consumidores, e a ausência de actividades profissionais, demonstram a existência de uma actividade de tráfico organizada, e dão uma imagem global da actividade dos arguidos, e de cada um, cuja ilicitude se entende corresponder em ambos os casos apenas à proporcionalidade da pena prevista no crime-tipo do art. 21º, por não se vislumbrar em nenhuma das respectivas actuações quaisquer traços de diminuição da ilicitude susceptíveis do enquadramento no tráfico de menor gravidade do art. 25º, em conformidade, a final se condenando cada um dos arguidos pelo prática, como co-autor, do crime - tipo do art. 21º (vd., com interpretação neste sentido, o Ac. do STJ de 9/6/2010, relator Sr. Consº Santos Cabral, proc. 1699/07.2TBEVR.S1, Ac. do TRE de 14-10-2014, relator Sr. Des. João Martinho Cardoso, no proc. 357/13.3GBSLV.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
5. Determinação das Penas
Enquadradas desta forma as condutas dos arguidos cumpre determinar as penas concretas a aplicar dentro das molduras abstractas previstas na lei, o que se fará, tendo em vista as finalidades que presidem à aplicação das penas, da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade – nos termos do art. 40º/1 do CP - em função das exigências de prevenção de futuros crimes - nos termos do art. 71º do CP - e, tendo as culpas dos arguidos por limite inultrapassável, como preceitua o art. 40º/2 do CP, devendo considerar-se, em concreto, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, nos casos dos autos, há que ponderar as exigências de prevenção geral dos crimes de tráfico de estupefacientes, que são prementes, dada a danosidade social que lhes está associada e, em particular, relativamente a cada um dos arguidos,
- a ilicitude das condutas – que é elevada relativamente a ambos, e, sem distinção de maior ou menor grau, considerada a forma de atuação, em co-autoria,
- a intensidade do dolo - na forma directa,
- a gravidade das consequências - nefastas para os consumidores e para a sociedade,
- a conduta anterior e posterior – sendo pouco expressivos os antecedentes criminais do arguido AA, e nenhuns os do arguido BB, mas sendo a postura deste reveladora de maior intensificação das exigências de prevenção especial atenta a menor capacidade de auto-censura revelada pela inflexão que introduziu na sua estratégia de defesa e, ambos, revelando falta de preparação para adoptarem condutas lícitas.
Por último, por serem os arguidos menores de 21 anos de idade à data da prática dos factos, importa considerar o Regime Penal Especial dos Jovens Adultos, previsto no DL 401/82 de 2/9, cujo art. 4º dispõe que o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do CP - a que, actualmente, correspondem os arts. 72º e 73º - quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Neste ponto,
Tendo-se por certo que, tratando-se de jovens adultos, as razões de ressocialização devem prevalecer, em detrimento das questões da culpa e da ilicitude - vd. Ac do STJ de 21/9/2006, relatado pelo Sr. Cº Rodrigues da Costa, disponível em www.dgsi.pt – mas por outro lado, tendo presente que o referido Regime Especial “…encontra-se certamente pensado em função de uma criminalidade caracteristicamente juvenil de escassa gravidade e cometida por processos pouco sofisticados, que é o fruto, o mais das vezes de deslizes causados pela imaturidade própria da idade jovem, e destinada a ser superada, a breve trecho, pelo processo de crescimento pessoal” - como se refere no douto Acórdão do TRE de 17/12/2020, relator Sr. Des. Sérgio Corvacho, proferido no processo 100/19.3GCSLV deste juízo,
Assim se entendendo, todavia, no caso dos arguidos destes autos, apesar dos respectivos percursos de vida anterior que resultam dos seus relatórios sociais não se apresentarem de grande complexidade, a atenuação especial no caso concreto, com esta gravidade, constituiria um estímulo negativo, um sinal errado para o percurso de vida futura dos arguidos e não contribuiria para a sua reinserção social, pelo que o referido Regime não lhes será aplicado.
Assim, face a todo o circunstancialismo descrito, consideradas as molduras penais abstractas e as exigências de prevenção geral, e especial, individualmente assinaladas, e a culpa de cada um dos arguidos, que é elevada, merecedora de forte censura, não se vendo razão com relevo bastante para distinguir entre ambos, mostra-se justo e adequado aplicar a cada um dos arguidos a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.“
2. Fundamentação
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas respectivas conclusões (art. 412.º, n.º 1, do CPP), as questões a apreciar nos dois recursos respeitam à aplicação do regime penal previsto para jovens delinquentes e à medida da pena.
Pela similitude de questões suscitadas e pela própria similaridade dos factos provados que, em concreto, relevam na determinação da sanção, encontram-se os dois arguidos numa posição muito semelhante para efeito dos recursos que interpuseram. Foram ambos condenados na forma de comparticipação criminosa co-autoria, desenvolveram ambos idêntica actividade criminosa, são os dois jovens, sem antecedentes criminais um deles e o outro sem antecedentes significativos, também com situações familiares e laborais algo aproximadas. Proceder-se-á, por isso, a uma apreciação conjunta dos recursos, sem prejuízo de se distinguir aquilo que merecer autonomização.
Assim, e relativamente ao recurso de BB, cumpre proceder a um esclarecimento inicial, no referente ao âmbito do recurso e à competência do Supremo para dele conhecer.
Na motivação diz-se a dado passo: “Dos factos provados (…) não detectamos um único que demonstre o preenchimento dos elementos do crime em que o arguido foi condenado. É assim evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Estamos perante a violação do princípio in dúbio pro reo (…)”, afirmações que são trazidas às conclusões, com outras pontuais alusões a matéria de facto.
No entanto, as três afirmações respeitam a três diferentes problemas de direito: a primeira, a erro de direito (erro de subsunção); a segunda, a vício da decisão, do art. 410.º, nº 2, do CPP; a terceira, a questionamento da matéria de facto. E como diferentes e autónomos problemas de direito não podem aglutinar-se (e logo sem base mínima de sustentação que as suporte) como se de um só e mesmo problema se tratasse.
Em suma, das pontuais e confusas alusões a matéria de facto não se pode, em concreto, retirar que o presente recurso visou algo mais do que a impugnação em matéria de direito a que efectivamente se procedeu - impugnação da pena.
Daí que o recorrente tenha dirigido o seu recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, o qual assim foi recebido (pois sempre que o recorrente coloque em crise a matéria de facto com alusão a provas, e sem eventual estrita invocação de fundamento previsto no art. 410.º, n.º 2, do CPP, tem de recorrer para o Tribunal da Relação e não para o Supremo). As Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º do CPP), recorre-se directamente para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões de um Tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame de matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP (art. 432.º n.º 1 al. c) do CPP), e os dois recursos interpostos visam realmente matéria de direito.
Consigna-se também que o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão se mostra invocado, pelo mesmo recorrente, infundadamente. Ou seja, igualmente sem base de sustentação que o suporte.
A insuficiência da matéria de facto provada é um vício que se verifica quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito, só existe quando o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa. Trata-se de uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 69). E esta situação não ocorre aqui.
Passando à análise da impugnação das penas efectuada nos dois recursos, começam os recorrentes por defender a aplicação do regime penal previsto para jovens delinquentes. Censuram o acórdão, desde logo na parte em que afastou a aplicação desse regime legal, pois consideram estar em causa um poder-dever do tribunal, encontrando-se ambos à data dos factos em condições de beneficiar de tal regime.
O Ministério Público sustentou a confirmação do acórdão, contrapondo a ausência de base factual bastante para a atenuação especial da pena, por considerar inexistirem razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social dos dois condenados.
Os recorrentes tinham dezanove/vinte anos de idade à data da prática dos factos. E o tribunal, efectivamente, não usou da faculdade de atenuação especial da pena para jovens delinquentes, do art. 4.º do D.L. n.º 401/82, diploma que prevê um regime específico para jovens entre os dezasseis e os vinte e um anos de idade. No entanto, do acórdão resulta que o colectivo de juízes ponderou essa possibilidade, afastando-a fundamentadamente.
O arguido AA nasceu em .../.../2001, e o arguido BB, em .../.../2001. Assim, à data dos factos, que se desenrolam num período de cerca de um ano, tinham dezanove/vinte anos de idade, ou seja, posicionavam-se dentro da faixa etária que possibilita a atenuação especial. E, nesta, situavam-se próximo do limite máximo dessa faixa etária.
De acordo com a norma que foi afastada, o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos dos arts 72.º e 73.º do CP quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não tem sido uniforme quanto ao sentido da aplicação deste regime. As posições dividem-se: por um lado, no sentido de que a atenuação deveria operar sempre perante a juventude do condenado salvo em presença de factores negativos; pelo outro, no sentido de que a atenuação não deveria acontecer a não ser em presença de circunstâncias positivas a acrescer à juventude do condenado (v. Souto Moura, A jurisprudência do STJ sobre fundamentação e critérios de escolha e medida da pena, Revista do CEJ, nº 13, pp. 112-113).
Perfilha-se a posição de que “a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é tanto obrigatória como oficiosa”. “Ela constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do art. 2.º do D.L. 401/82” (acórdão do STJ de 07.11.2007, rel. Henriques Gaspar).
Este regime específico de jovens, ou regime-regra para jovens, não deixa, no entanto, de ser de aplicação não automática. E implica sempre a ponderação dos factos em conjunto com a personalidade do jovem condenado, já que a norma exige a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social. É um poder-dever vinculado e não uma faculdade, mas não é um regime de aplicação automática.
No síntese do acórdão do STJ de 31.3.2011 (rel. Raul Borges), a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos não é de aplicação necessária e obrigatória, não opera de forma automática, é de conhecimento oficioso, a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz mas um poder-dever vinculado, de concessão vinculada, de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação, devendo ser fundamentada a não aplicação.
E na ponderação sobre a aplicação do art. 4.º relevam razões de prevenção especial positiva ou de reintegração social do arguido jovem, as quais, no entanto, não podem deixar de estar igualmente subordinadas às exigências de prevenção geral. Ou seja, tem de haver razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, e sempre sem prejuízo das necessidades de prevenção geral. Pois refere-se no preâmbulo do D.L. n.º 401/82 que “As medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos”.
No acórdão afastou-se a aplicação do regime, considerando que este se encontra “certamente pensado em função de uma criminalidade caracteristicamente juvenil de escassa gravidade e cometida por processos pouco sofisticados, que é o fruto, o mais das vezes de deslizes causados pela imaturidade própria da idade jovem, e destinada a ser superada, a breve trecho, pelo processo de crescimento pessoal”, na citação do Acórdão do TRE de 17/12/2020, (rel. Sérgio Corvacho), e rematando que “a atenuação especial no caso concreto, com esta gravidade, constituiria um estímulo negativo, um sinal errado para o percurso de vida futura dos arguidos e não contribuiria para a sua reinserção social, pelo que o referido Regime não lhes será aplicado”.
No que respeita aos factos que concretamente relevam para a culpabilidade, está em causa um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º do Dec. Lei 15/93, punível com prisão de 4 a 12 anos. Crime executado em co-autoria pelos dois arguidos, durante um período que excedeu um ano.
A actividade desenvolvida por ambos ao longo desse período é constante, adquirindo relativa intensidade e respeitando a dois tipos de estupefaciente com grande potencial de erosão no tecido social, ou seja, com um elevado grau de lesão do bem jurídico “saúde pública” – heroína e cocaína. O grau de ilicitude é bastante elevado e o dolo dos dois arguidos foi directo e persistente. Também das concretas condições pessoais de cada um deles se retira que ambos carecem de um forte acompanhamento nos seus processos de ressocialização.
Tudo ponderado, considera-se ser de aceitar a decisão do tribunal, no sentido da não aplicação do regime penal para jovens delinquentes, justificando-se a ponderação da pena concreta à luz da moldura abstracta de quatro a doze anos de prisão. Ou seja, mostra-se compreensível a posição sufragada no acórdão no que toca ao afastamento da atenuação especial da pena.
E cabendo ao tribunal de recurso sindicar a decisão com vista à detecção de eventuais erros de julgamento – que, também em matéria de pena, têm de ser erros evidentes, atenta a margem de liberdade reconhecida ao juiz de primeira instância enquanto componente do acto de julgar -, na ausência de erro a decisão tomada é de aceitar e confirmar.
E dentro da moldura abstracta da pena, constata-se que as penas aplicadas se situam relativamente próximo do limite mínimo, ainda dentro do primeiro quarto, no que não terá deixado de relevar, agora como atenuante geral, a juventude dos condenados. As penas aplicadas mostram-se fixadas numa medida necessária à garantia das finalidades da punição e contêm-se ainda na medida da culpa de cada um dos arguidos.
Desde logo, evidenciam-se razões de prevenção geral elevadíssimas, que as penas têm, em concreto, de satisfazer. Como se pode ler, entre muitos, no acórdão do STJ de 05-02-2016 (Rel. Manuel Matos), “o Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade”.
Também no último Relatório Europeu sobre Drogas, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (Relatório de 2021), em sede de “Infrações à legislação em matéria de droga” pode ler-se, no que respeita à cocaína:
“As apreensões recorde de cocaína são um sinal preocupante de um potencial agravamento dos danos para a saúde. A cocaína continua a ser a segunda droga ilícita mais comummente consumida na Europa, e a procura dos consumidores faz dela uma parte lucrativa do comércio europeu de droga para os criminosos. O número recorde de 213 toneladas de droga apreendida em 2019 indica um aumento da oferta na União Europeia. A pureza da cocaína tem vindo a aumentar na última década e o número de pessoas que iniciam tratamento pela primeira vez aumentou nos últimos 5 anos. Estes e outros indicadores indicam um potencial aumento dos problemas relacionados com a cocaína. (…) A cocaína foi a segunda substância comunicada com mais frequência pelos hospitais Euro-DEN Plus em 2019, estando presente em 22% dos casos de intoxicações agudas relacionadas com droga.”
E no que respeita à heroína, no mesmo Relatório explicita-se: “As grandes apreensões de heroína podem indicar um potencial aumento do consumo e dos danos. Com grandes quantidades de heroína apreendidas na Europa em 2018 e 2019, existe uma preocupação crescente quanto ao impacto que um aumento da oferta pode ter nas taxas de consumo. Tal como em 2018, em 2019 foram detetadas grandes remessas individuais em portos de países europeus, (…) refletindo uma diversificação do tráfico de heroína para além das rotas terrestres. Na Europa, os dados de início de tratamento e outros indicadores sugerem que as pessoas que consomem heroína constituem um grupo que está a envelhecer e a diminuir. No entanto, é necessária uma maior vigilância, para detetar eventuais alterações no consumo de uma droga que continua a estar associada a uma grande parte do ónus de doença e morte associado ao consumo de drogas na Europa.”
Com as exigências de prevenção geral confluem as de prevenção especial, que são igualmente fortes.
Na verdade, as exigências de prevenção especial não têm de resultar necessariamente do passado criminal dos condenados. No caso, os arguidos não possuem antecedentes criminais que relevem, mas releva sim toda a actividade de tráfico desenvolvida por ambos num período expressivo, no que respeita à frequência, quantidade e qualidade de estupefacientes transaccionados. O que se repercute nas exigências de prevenção especial, que, como se disse, não têm de resultar apenas dos antecedentes criminais.
No mais, constata-se que no acórdão se observaram as regras de fundamentação em matéria de pena: as exigências de facto, selecionando-se e discorrendo-se sobre todos os factos que realmente relevavam na determinação da sanção, e as exigências de direito, enunciando-se correctamente o quadro legal, a cuja criteriosa aplicação se procedeu. E assim se chegou, materialmente e em ambos os casos, a medidas de pena compreensivelmente justificadas, ainda relativamente próximas do mínimo da moldura abstracta, como se disse.
Em suma, as penas de prisão de 5 anos e 6 meses aplicadas aos dois condenados respondem adequadamente às concretas exigências de prevenção geral e especial, mostram-se necessárias e proporcionais, e não pode dizer-se que excedam o limite da culpa dos arguidos. São, por tudo, de manter.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedentes os recursos, mantendo-se o acórdão.
Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s a cada um deles – (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).
Lisboa, 13.04.2023
Ana Barata Brito, relatora
Maria do Carmo Silva Dias, adjunta
Pedro Branquinho Dias, adjunto