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EMBARGOS Á EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
TERCEIRO
PRESCRIÇÃO
CAUSA INTERRUPTIVA
Sumário
I - O nº 2 do artigo 54º do Código de Processo Civil surge como uma norma de legitimação passiva do terceiro (que tanto pode ser quem prestou a garantia inicialmente, como quem tenha, posteriormente - mas em data anterior à propositura da ação executiva - adquirido do devedor a coisa onerada) e não como uma previsão de litisconsórcio necessário desse terceiro com o devedor. II - Dá-se, assim, legitimidade passiva a quem não é devedor na relação de dívida, mas que tem um interesse direto em contradizer, já que há um desdobramento subjetivo entre a titularidade da obrigação e a responsabilidade patrimonial pela mesma, sendo o terceiro garante titular de uma posição jurídica ativa que será extinta pela execução. III - Por via de regra, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. IV - No entanto, esse prazo nem sempre completa o seu curso de forma contínua já que o Código Civil (artigos 323º a 325º) consagra um conjunto de causas interruptivas que determinarão a inutilização de todo o tempo entretanto decorrido e o início de um novo prazo de duração igual ao da prescrição primitiva. V - Essa causa interruptiva pode ser instantânea ou permanente, conforme a sua eficácia se produz em dado momento, cessando logo, e começando, portanto, logo também um novo período prescricional, ou dura por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição. VI - A eficácia continuada da causa interruptiva resultante de citação judicial ou ato equiparado somente se justifica quando o direito estiver a ser efetivamente exercido pelo respetivo titular durante todo o tempo de duração do processo, o que não ocorre quando a instância vier, designadamente, a ser declarada deserta, caso em que, por mor do disposto no nº 2 do artigo 327º do Código Civil, o novo prazo prescricional que, em principio, só se iniciaria depois do trânsito da decisão final, começa a correr logo após esse ato interruptivo. VII - Quando se esteja em presença de questão de conhecimento oficioso, ainda que se trate de questão nova não submetida à apreciação do tribunal a quo, deve o tribunal ad quem pronunciar-se sobre a mesma, contanto que os elementos disponíveis nos autos tal permitam.
Texto Integral
Processo nº 10456/18.0T8PRT-C.P2 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo de Execução, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
AA e BB vieram deduzir embargos à ação executiva que lhes move A... Unipessoal Ldª com os seguintes fundamentos: (i) prescrição da divida exequenda; (ii) ausência de interpelação para pagamento da divida exequenda, adquirentes que foram da fração hipotecada, e nem tão pouco sabem se a dívida está liquidada ou liquidada em parte.
A exequente contestou os embargos, pugnando pela sua improcedência.
Teve lugar audiência prévia, no decurso da qual se deu a conhecer às partes a intenção de conhecer de imediato do mérito, sendo que as mesmas a isso não se opuseram. Foi, então, proferido saneador/sentença no qual se julgou procedente a invocada exceção da prescrição, declarando-se extinta a execução. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação, vindo este Tribunal da Relação a proferir acórdão no qual se determinou “a devolução dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, para instrução e discussão da causa, nomeadamente a fim de se proceder ao julgamento destinado a apreciar a materialidade (ainda) controvertida”.
Na sequência desse aresto foi proferido despacho saneador em termos tabelares, fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou os embargos procedentes com a consequente extinção da ação executiva.
Não se conformando com o assim decidido, veio a exequente/embargada interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
A) O Tribunal a quo depois de realizada a audiência de discussão e julgamento conforme ordenado por este Venerando Tribunal da Relação do Porto no douto acórdão de 04/04/2022 veio a julgar totalmente procedentes os embargos deduzidos pelos Recorridos AA e mulher BB, determinando, em consequência, a extinção da execução e o levantamento da penhora; B) Para fundamentar a decisão dos embargos, o Tribunal a quo considerou que quando a Recorrente intentou a presente execução em 30/04/2018, a dívida exequenda já se encontrava prescrita desde 10/02/2017; C) Para chegar a essa conclusão foi contado o novo prazo de 5 anos a partir do dia 10.02.2012, data em que havia sido proferido despacho a declarar interrompida a instância do Processo 5217/07.4TBMTS; D) Acresce que mesmo considerando que o prazo de prescrição aplicável é o de 5 anos, tal como foi o entendimento do Tribunal a quo, a data a partir da qual se tem de contar novo prazo de 5 anos não pode ser o dia 10.02.2012, como aliás foi o entendimento deste Venerando Tribunal da Relação do Porto expresso no acórdão de 04.04.2022 que havia julgado procedente o recurso da também aqui Recorrente quanto ao saneador-sentença proferido nos embargos deste mesmo apenso C; E) O Tribunal a quo, na sentença dos embargos ora recorrida voltou a insistir que após ter sido proferido a 09.02.2012 o despacho de interrupção da instância no Processo 5217/07.4TBMTS a contagem de novo prazo de 5 anos, tem início a 10.02.2012 e que como tal terminava a 10.02.2017; F) Sucede que no âmbito do anterior Código de Processo Civil vigorava um regime distinto do que passou a vigorar no atual Código de Processo Civil; G) O despacho de interrupção da instância proferido a 09.02.2012 não determinou a extinção do Processo 5217/07.4TBMTS, uma vez que as figuras da “interrupção da instância” e da “extinção da instância” que existiam no pretérito Código de Processo Civil eram claramente distintas pelo que não se confundiam os seus efeitos processuais; H) A contagem de novo prazo de 5 anos após o Processo n.º 5217/07.4TBMTS teria de ser feita distintamente da realizada pelo Tribunal a quo; I) O artigo 285.º do antigo Código de Processo Civil dispunha que: A instância interrompe-se, quando processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento; J) Por sua vez o n.º 1 do artigo 291.º do antigo Código de Processo Civil dispunha que: Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos; K) No artigo 287.º do antigo Código de Processo Civil estavam elencadas todas as causas de extinção da instância, das quais na alínea c) constava a deserção; L) Não se podendo por isso considerar que o Processo 5217/07.4TBMTS foi declarado extinto em 09.02.2012, e por essa razão ter-se como iniciada a contagem de novo prazo de 5 anos a partir de 10.02.2012 conforme ocorreu na sentença proferida pelo Tribunal a quo; M) Já que para que pudesse ocorrer a extinção do Processo 5217/07.4TBMTS e independentemente de qualquer decisão judicial nesse sentido teriam de passar 2 anos desde que a instância tivesse sido declarada interrompida; N) Razão pela qual a extinção por deserção do Processo 5217/07.4TBMTS de acordo com o regime consagrado no anterior Código de Processo Civil somente poderia ter ocorrido a 10.02.2014; O) Antes dessa data ocorreu a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e que entrou em vigor em 01 de Setembro de 2013, e que procedeu a alterações significativas quanto a esta matéria; P) Tendo sido eliminada a figura jurídica da interrupção da instância e reduzido para seis meses o prazo anterior de dois anos para que os autos antes que os autos fossem extintos por deserção; Q) Considerando que na data da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho) ainda não tinham decorrido na íntegra os dois anos necessários a ser declarada a extinção do Processo 5217/07.4TBMTS desde que havia sido proferido a 09.02.2012 o despacho a declarar a interrupção da instância, salvo melhor opinião teria de haver lugar à aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil; R) Razão pela qual quer se considere o prazo de extinção do Processo 5217/07.4TBMTS como sendo 10.02.2014 (decurso do remanescente prazo de deserção, mesmo após a entrada em vigor do NCPC) quer se considere a contagem de um novo prazo de seis meses a partir da entrada em vigor do NCPC ou ainda que se considere simplesmente da data da extinção dos autos coincidente com a entrada em vigor do NCPC, a contagem de prazo de 5 anos de prescrição a partir de qualquer uma dessas datas se tem forçosamente que concluir que quando o requerimento executivo que deu origem aos autos principais deu entrada em 30.04.2018, a dívida não se encontrava ainda prescrita; S) Em bom rigor a extinção do Processo 5217/07.4TBMTS por alegada deserção, na realidade não ficou a dever-se a qualquer desinteresse ou falta de impulso processual da parte do primitivo credor Banco 1... S.A., mas devido ao facto da penhora sobre o imóvel que presta garantia hipotecária à dívida ter ficado sustada por penhoras prévias da Fazenda Nacional e respondendo os aqui Recorridos apenas na medida do imóvel não ser possível à Recorrente ou aos credores antecedentes penhorarem qualquer outro bem/rendimento dos mesmos; T) Na pendência do atual Código de Processo Civil e numa situação similar (sustação por penhoras prévias do imóvel que presta garantia hipotecária de terceiro) e inexistência/localização de quaisquer outros bens dos restantes executados que respondessem pela dívida como devedores principais ou fiadores/avalistas o Agente de Execução proferia decisão de extinção da execução por inexistência de bens e não por deserção; U) O Recorrido AA, é irmão do executado CC e cunhado da executada DD, estes últimos mutuários no contrato cuja dívida se encontra peticionada nestes autos; V) Os Recorridos tinham perfeito conhecimento que a dívida peticionada nos presentes autos não se encontrava liquidada, já que foram citados no Processo 5217/07.4TBMTS (instaurado pelo primitivo credor) e não podiam ignorar que no âmbito desse processo foi penhorado o imóvel do qual são proprietários (AP. ... de 2009/12/15) penhora que continua a constar na certidão do registo predial do imóvel pois nunca foi cancelada; W) Não podendo igualmente alegar desconhecimento que a penhora do Processo 5217/07.4TBMTS sobre o imóvel de que são proprietários ficou sustada por penhoras prévias da Fazenda Nacional e que por essa razão nesses autos o primitivo credor Banco 1... S.A. se viu impedido de prosseguir com as diligências tendo em vista a venda judicial do imóvel; X) Os Recorridos aceitaram a dívida nos termos peticionados pelo credor antecedente Banco 1... S.A. já que devidamente citados não apresentaram oposição à execução no Processo 5217/07.4TBMTS (cfr. Documento 2 junto pela Recorrente com a sua Contestação aos Embargos que não foi impugnado); Y) O Recorrido AA não podia ignorar a existências dessas penhoras fiscais relativas ao PEF ... e apensos que correu termos no Serviço de Finanças ..., já que o mesmo era executado nesses autos e por via do seu ilustre mandatário teve um papel bastante interventivo nos autos, conseguindo que sempre que as vendas fiscais estavam agendadas fossem desmarcadas e adiadas, culminado com a prescrição do PEF em 2015 como aliás o Tribunal a quo deu como provado no facto N.º 14 (14. A venda do imóvel penhorado pelas Finanças foi alvo de sucessivas suspensões e adiamentos culminando com a extinção do PEF por prescrição); Z) A credora antecedente B... em 30.09.2008 e já a A... em 03.02.2011 apresentaram reclamações de créditos no âmbito do PEF ... e apensos, que correram termos no Serviço de Finanças ... (cfr. documentos 7 e 8 juntos com a Contestação aos Embargos deste apenso C e que não foram impugnados pela contraparte); AA) As sucessivas manobras dilatórias do Recorrido AA e executado nesse PEF não podem deixar ser consideradas como uma conduta de má-fé; BB) Caso a venda do imóvel tivesse sido realizada no âmbito dos autos de execução fiscal conforme decorria da regular tramitação desses autos e das mais elementares regras da lógica e experiência, a credora hipotecária e ora Recorrente com exceção de eventuais créditos que beneficiassem de privilégios creditórios especiais tais como os decorrentes de IMI sobre o imóvel e custas da execução fiscal, ficaria graduada à frente dos demais créditos da Fazenda Nacional no que respeita a capital e 3 anos de juros, poderia ter sido integralmente ressarcida do capital em dívida e de 3 anos de juros; CC) Ora de acordo com os princípios da certeza e segurança jurídicas, aliado ao princípio da limitação dos atos tendo sido apurado no Processo 5217/07.4TBMTS que os mutuários não detinham quaisquer bens/rendimentos suscetíveis de penhora e que o imóvel propriedade dos ora Recorridos se encontrava onerado com penhoras prévias da Fazenda Nacional, seria um acto inútil instaurar nova execução, já que a penhora sobre o imóvel forçosamente ficaria sustada tal como ocorreu com as penhoras do Processo 5217/07.4TBMTS e do Processo 10456/18.0T8PRT; DD) E que implicaria custos acrescidos para a Recorrente desnecessários já que a mesma havia exercido o seu direito ao reclamar créditos na execução fiscal onde o imóvel seria vendido; EE) A conduta do Recorrido AA, que agiu em claro conluio com o seu irmão CC e cunhada DD, também eles executados nestes autos e que foram mutuários no contrato que originou a dívida exequenda, evitando dessa forma que o credor pudesse ter sido ressarcido quer no âmbito do Processo n.º 5217/07.4TBMTS e depois de todas as manobras dilatórias que lançou mão para sucessivamente ir adiando a venda do imóvel no âmbito da execução fiscal que culminou com a sua prescrição, ter vindo nestes autos alegar a prescrição da dívida não pode deixar de ser considerado um manifesto abuso de direito de acordo com o artigo 334.º do Código Civil, do qual não podem ser retiradas todas as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
- saber se ocorreu (ou não) a prescrição da obrigação exequenda;
- do abuso de direito dos embargantes/executados na invocação dessa exceção perentória de direito material.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Por escritura pública outorgada a 1 de Agosto de 2007, em Lisboa, no Cartório Notarial de EE, o Banco 1..., SA, que resulta da fusão por incorporação do Banco 2..., S.A. e do Banco 3..., S.A. na Banco 4..., S.A., cedeu à B..., S.A., um conjunto de créditos hipotecários litigiosos, por si concedidos a diversos mutuários, incluindo o crédito hipotecário que aquela Instituição bancária detinha sobre CC e DD, bem assim como todos os direitos, garantias e acessórios a este inerentes, conforme fotocópia de escritura de cessão de créditos junta ao requerimento executivo sob a designação de documento n.º 3 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2. Posteriormente, por escritura pública exarada de fls. 2 a 3 - Verso, do Livro de notas para escrituras diversas n.º 66 — A, do Cartório Notarial de EE, no dia 24 de Julho de 2008, em Lisboa, B..., S.A. cedeu à C..., o crédito que detinha sobre CC e DD, correspondentes à Verba N.º 50 do documento complementar que constitui parte integrante da referida escritura, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, conforme fotocópia de escritura de cessão de créditos junta ao requerimento executivo sob a designação de documento n.º 4 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
3. Acto contínuo, também a 24 de Julho de 2008, C..., cedeu a A..., Unipessoal, Lda., os já mencionados créditos, por escritura pública exarada de fls.. 4 a 6, do Livro de notas para escrituras diversas n.º 66 — A, do Cartório Notarial de EE, em Lisboa, correspondente à Verba N.º 50 do documento complementar que constitui parte integrante da referida escritura, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, conforme fotocópia de escritura de cessão de créditos junta ao requerimento executivo sob a designação de documento n.º 5 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
4. A transmissão da garantia dos créditos supramencionada consistente na hipoteca do imóvel, destinado a habitação, sito na Rua ..., da freguesia ... e concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ... foi registada a favor da exequente pela Ap. ... de 2008/08/20.
5. Em 7 de Agosto de 1998 e no exercício da sua atividade bancária, o Banco 4..., S.A. celebrou com CC e DD um acordo intitulado de compra e venda e mútuo com hipoteca, formalizado por título particular com o nº ..., no valor de 40.000.000$00 (€ 199.519,16) nos termos do qual o Banco 4... concedeu aqueles um empréstimo no montante de € 40.000,00 para aquisição e obras de beneficiação do imóvel infra identificado, a amortizar em 180 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, e nos demais termos constantes do documento n.º 1 junto aos autos de execução e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
6. Em razão das obrigações emergentes daquele contrato o Banco entregou aos referidos Outorgantes a quantia acima referida, através de crédito na conta de depósitos à ordem nº ....
7. Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e demais despesas, os referidos CC e DD constituíram hipoteca sobre prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., da freguesia ... e concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o art. ... da referida freguesia, hipoteca essa registada a favor do Banco pela Ap. ... de 1998/04/28.
8. Sucede que os referidos CC e DD deixaram de cumprir com as prestações inerentes ao contrato em causa em 07/11/2006.
9. Os Executados AA e BB adquiriram o imóvel acima identificado em 1.7.2003, estando tal aquisição registada a favor destes.
10. O primitivo Banco credor, mercê do referido em 8, intentou contra os aqui executados, em 25.6.2007, uma ação executiva que correu termos sob o n.º 5217/07.4TBMTS, tendo nessa execução CC e DD, AA e BB, sido citados para os termos da mesma, respetivamente em 9.7.2007 (os dois primeiros) e 15.11.2007 (os dois últimos).
11. A execução em causa foi sustada, uma vez que sobre o imóvel penhorado nesses autos (o mesmo que se encontra aqui penhorado) existiam penhoras prévias da Fazenda Nacional.
12. Essa instância executiva foi julgada interrompida em 9.2.2012.
13. Em virtude dessa sustação, a B..., em 30.4.2008 reclamou créditos na execução fiscal.
14. Em 6.7.2015 a AATA informou o credor hipotecário que o processo de execução fiscal estava extinto por prescrição, nos termos constantes do e email junto à contestação sob a designação de documento n.º 5 e cujo teor no mais se dá aqui por reproduzido.
15. E a 08/05/2019 a exequente obteve a certidão fiscal para cancelamento das penhoras prévias da Fazenda Nacional que incidiam sobre o imóvel penhorado nos presentes autos.
16. A execução a que estes autos estão apensos deu entrada em juízo em30.4.2018.
17. Em 2019/07/25, na execução a que estes autos se encontram apensos foi penhorado o Prédio urbano destinado habitação, correspondente a casa de cave, rés-do-chão e andar e logradouro, sita na Rua ..., na freguesia ... e concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
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O tribunal de 1ª instância considerou como facto não provado que o Embargante AA tenha sido citado e notificado no âmbito do PEF, e nesses autos tomou conhecimento da reclamação de créditos que aí foi deduzida pela aqui exequente e seus antecessores no crédito.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO IV.1. Da prescrição do crédito exequendo
Como emerge dos autos, na ação executiva de que os presentes embargos constituem enxerto declaratório foram demandados como executados CC e sua mulher DD - na qualidade de mutuários no contrato que originou a dívida exequenda – e os ora embargantes AA e sua mulher BB, sendo que estes dois últimos foram demandados pelo facto de terem, entretanto, adquirido o imóvel sobre o qual havia sido constituída a hipoteca voluntária que garante o cumprimento das obrigações advenientes do mencionado contrato de mútuo, sem que, no entanto, tivessem logrado o cancelamento do registo dessa garantia real.
Portanto, in casu, a legitimidade processual dos referidos executados/embargantes ancora-se juridicamente na regra vertida no nº 2 do art. 54º, nos termos do qual “[a] execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor”.
Conforme tem sido assinalado[2], o transcrito inciso normativo surge como uma norma de legitimação passiva do terceiro (que tanto pode ser quem prestou a garantia inicialmente, como quem tenha, posteriormente - mas em data anterior à propositura da ação executiva - adquirido do devedor a coisa onerada, como foi o caso) e não como uma previsão de litisconsórcio necessário desse terceiro com o devedor. Dá-se, assim, legitimidade passiva a quem não é devedor na relação de dívida, mas que tem um interesse direto em contradizer, já que há um desdobramento subjetivo entre a titularidade da obrigação e a responsabilidade patrimonial pela mesma, sendo o terceiro garante titular de uma posição jurídica ativa que será extinta pela execução. Como a propósito sublinha RUI PINTO[3] “o credor tem direito a ser pago pela dívida, mesmo à custa de terceiro que não lhe possa opor um direito incompatível. Mais do que se executar o devedor, executa-se um património”.
Contudo, essa possibilidade de executar o património de terceiro restringe-se ao bem que constitui objeto da garantia da satisfação do crédito exequendo, sendo que aquele, quando demandado, pode, nos termos do disposto no art. 698º do Cód. Civil, “opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito”.
No caso vertente, os embargantes, fazendo uso dessa prerrogativa legal, deduziram oposição mediante embargos de executado invocando, para além do mais, a prescrição da obrigação exequenda.
Na decisão recorrida julgou-se procedente essa exceção perentória, por se considerar quea obrigação dos executados/mutuários, consubstanciada nas sucessivas quotas de amortização do capital (e juros) que lhes havia sido emprestado, se encontrava prescrita pelo decurso do prazo quinquenal previsto no artigo 310º, als. d) e e), do Código Civil[4]-[5].
A apelante/exequente rebela-se contra esse segmento decisório sustentando que na data em que instaurou a ação executiva ainda não havia decorrido integralmente o respetivo prazo prescricional.
Procedendo à exegese das alegações recursivas que apresentou, verifica-se que a apelante não discorda que, no caso, o prazo prescricional a atender é o que se mostra estabelecido nas als. d) e e) do citado art. 310º do Cód. Civil, conclusão essa que, aliás, é hoje “imposta”[6] pela jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça que, no acórdão nº 6/2022[7], fixou doutrina nos seguintes moldes:
«I. No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Isto posto, recorrendo ao substrato factual apurado, temos que o contrato de mútuo com hipoteca (que constitui o título executivo que suporta a pretensão executória da exequente e ora apelante) foi celebrado no dia 8 de agosto de 1998, aí se estipulando que o montante mutuado haveria de ser reembolsado em 180 prestações mensais e sucessivas de capital e juros. De igual modo, resultou provado que os mutuários incumpriram definitivamente tal contrato em 7 de novembro de 2006, o que, por mor do preceituado no art. 781º do Cód. Civil, implicou que, nesse momento, se vencessem todas as prestações acordadas e ainda não realizadas.
Significa isto que, em consonância com o estatuído no art. 306º, nº 1, 1ª parte, do Cód. Civil, essa data marca o dies a quo do aludido prazo quinquenal.
No entanto, esse prazo nem sempre completa o seu curso de forma contínua já que o Código Civil consagra um conjunto de causas interruptivas que determinarão a inutilização do prazo prescricional entretanto decorrido e o reinício do mesmo, a partir da verificação do ato que determinou a respetiva interrupção. Não ocorre, assim, diversamente da suspensão[8] da prescrição, uma mera paralisação do prazo, mas sim uma inutilização de todo o tempo entretanto decorrido e o início de um novo prazo, em regra, de duração igual ao da prescrição primitiva (cfr. art. 326º, nºs 1 e 2).
Ainda em conformidade com a lei substantiva (cfr. arts. 323º a 325º), essa interrupção pode resultar, quer de uma iniciativa do titular do direito (credor), quer do beneficiário da prescrição (devedor).
Na espécie releva particularmente a primeira modalidade de interrupção, a qual, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 323º, terá lugar na hipótese de o credor praticar um ato que traduza a intenção de vir a exercer o seu direito e de que será dado conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial[9] ou de outro meio judicial. Dada a razão desse preceito legal, somente cabe reconhecer eficácia interruptiva aos atos de natureza judicial. Assim, não será qualquer ato do credor que terá esse efeito, exigindo-se que o mesmo assuma determinada forma, para poder relevar àquele nível. Não basta, portanto, que sejam praticados atos extrajudiciais que revelem, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito.
No caso em apreço, resulta da materialidade provada que, na sequência do apontado inadimplemento contratual, o primitivo credor/mutuante (Banco 4..., S.A.) intentou, em 25.6.2007, ação executiva contra os executados CC, DD, AA e BB (sendo estes dois últimos demandados em virtude de, como anteriormente se referiu, haverem adquirido, em 1 de julho de 2003, o imóvel sobre o qual foi constituída hipoteca para garantir o cumprimento do mencionado contrato de financiamento), que, sob o n.º 5217/07.4TBMTS, correu termos no extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, tendo os executados sido citados para os termos da mesma, respetivamente, em 9.7.2007 (os dois primeiros) e 15.11.2007 (os dois últimos).
Tal execução veio a ser sustada, ao abrigo do disposto no art. 871º do pretérito Código de Processo Civil, uma vez que sobre o imóvel penhorado nesse processo (o mesmo que se encontra penhorado nos presentes autos) existiam penhoras prévias da Fazenda Nacional, sendo que essa instância executiva foi julgada interrompida em 9.2.2012.
Tendo por base esse tecido fáctico, o decisor de 1ª instância considerou que na data (30.04.2018) em que foi proposta a presente ação executiva já havia decorrido integralmente o prazo de prescrição (de cinco anos) do crédito exequendo, assentando essa conclusão no entendimento de que o reinício desse prazo ocorreu no dia 9 de fevereiro de 2012, ou seja, na data em que foi declarada a interrupção da instância no processo n.º 5217/07.4TBMTS.
Tal segmento decisório mereceu a discordância da apelante que, neste conspecto, argumenta que o reinício do prazo de prescrição somente poderia ter ocorrido a 10 de fevereiro de 2014, por corresponder ao momento em que se poderia considerar deserta a instância no dito processo executivo.
Que dizer?
Tendo em conta o que adrede se mostra plasmado na lei substantiva, afigura-se-nos que nem a posição subscrita pelo juiz de 1ª instância, nem o posicionamento defendido pela ora apelante se mostram em sintonia com regime aí previsto.
Como antecedentemente se deu nota, em conformidade com o que se dispõe no art. 326º do Cód. Civil, a interrupção, uma vez verificada, inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando, em princípio, a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto no art. 327º do mesmo diploma legal.
Portanto, a regra que emerge daquele primeiro normativo é a de que o novo prazo se conta a partir do facto interruptivo, o que equivale a dizer que este tem normalmente efeitos espontâneos.
Assim, interrompida a prescrição, tal não significa que não possa iniciar-se novo prazo prescricional, podendo seguir-se nova inércia do respetivo titular, havendo, assim, fundamento para começar a correr novo prazo de prescrição.
E, quanto a saber a partir de quando começará a correr novo prazo prescricional, esse momento será naturalmente aquele em que a eficácia da causa interruptiva cessar.
Podendo, a este respeito, a causa interruptiva ser instantânea ou permanente, conforme essa eficácia se produz em dado momento, cessando logo, e começando, portanto, logo também um novo período prescricional, ou dura por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição.
Em consonância com o regime substantivo, eficácia instantânea tem o reconhecimento do direito (cfr. art. 325º), enquanto que terão eficácia permanente ou continuada os atos interruptivos judiciais, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular do direito não está inativo e deve, assim, manter-se a eficácia da interrupção. Neste último caso, por determinação do art. 327º, nº 1, 2ª parte, do Cód. Civil, a prescrição só recomeçará a correr a partir do momento em que transita em julgado a sentença que põe termo ao processo.
No entanto, por força do nº 2 desse mesmo normativo, quando se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, “o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo”. Nesse caso repõe-se, pois, a regra vertida no nº 1 do art. 326º, posto que, na economia do nº 1 do art. 327º, a eficácia continuada da causa interruptiva (citação judicial ou ato equiparado) somente se justifica quando o direito estiver a ser efetivamente exercido pelo respetivo titular durante todo o tempo de duração do processo, o que não ocorre quando a instância vier, designadamente, a ser declarada deserta (portanto, por causa extintiva diversa do julgamento de mérito, extinção essa motivada por inércia da parte em promover regularmente os termos do processo).
Nessa hipótese, como sublinham PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[10], o prolongamento dos efeitos da interrupção não se verifica, pelo que o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção nos termos do nº 1 do art. 326º, do Cód. Civil; tudo se passa, pois, como se, ab initio, estivéssemos em presença de uma causa interruptiva instantânea emergente da citação (ou ato judicial equiparado).
Postas tais considerações, revertendo ao caso sub judicio, verifica-se que, ao invés do entendimento sustentado pelo juiz a quo, a interrupção da instância executiva decretada em 9 de fevereiro de 2012 não marca o reinício do prazo de prescrição.
Já no concernente à posição sufragada pela apelante, a mesma desconsidera que, dando-se a deserção da instância, o prazo prescricional se reinicia não no momento seguinte à ocorrência dessa forma de extinção da instância (que, no caso, se verificou no dia 9 de fevereiro de 2014[11]), mas antes, como postula o citado nº 2 do art. 327º, “logo após o ato interruptivo”, ou seja, no caso (e no que diz respeito aos executados/embargantes), em 16 de novembro de 2007.
Como assim, na ausência de demonstração de outras causas interruptivas da prescrição, segue-se que, na data em que a exequente/embargada instaurou a ação executiva de que os presentes embargos constituem enxerto declarativo, já há muito havia decorrido o mencionado prazo prescricional. Ora, uma vez completado esse prazo, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de exceção perentória (art. 576º, n.º 3).
Por conseguinte, considerando que os embargantes invocaram triunfantemente essa exceção, terão, pois, de improceder as conclusões A) a X).
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IV.2. Do abuso de direito dos executados/embargantes
A apelante, nas suas alegações recursivas, procura obstar à afirmação da prescrição do seu direito de crédito sustentando que o comportamento dos embargantes consubstancia uma atuação em abuso de direito, sendo, como tal, ilegítima.
Para tanto alega que “a conduta do Recorrido AA, que agiu em claro conluio com o seu irmão CC e cunhada DD, também eles executados nestes autos e que foram mutuários no contrato que originou a dívida exequenda, evitando dessa forma que o credor pudesse ter sido ressarcido quer no âmbito do Processo n.º 5217/07.4TBMTS e depois de todas as manobras dilatórias que lançou mão para sucessivamente ir adiando a venda do imóvel no âmbito da execução fiscal que culminou com a sua prescrição, ter vindo nestes autos alegar a prescrição da dívida não pode deixar de ser considerado um manifesto abuso de direito de acordo com o artigo 334.º do Código Civil”.
Procedendo à análise do articulado que a apelante produziu no âmbito do presente processo, verifica-se que a aludida materialidade não foi alvo de oportuna alegação no momento processualmente próprio (isto é, na oposição que apresentou ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 732º) e consequentemente sobre a questão da afirmada ocorrência de uma atuação dos embargantes em abuso de direito não recaiu qualquer pronunciamento jurisdicional.
Ora, como é sabido, o recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[12]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[13] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
Assim sendo, o novo argumento que a apelante veio introduzir nas conclusões do recursonão poderia, prima facie, ser considerado, dado que não foi tempestivamente alegado, nem a sentença se pronunciou sobre o mesmo.
Haverá, no entanto, que atentar que, apesar de ser questão nova é a mesma de conhecimento oficioso, razão pela qual, conforme vem sendo entendido[14], este tribunal ad quem terá de pronunciar-se sobre a mesma, contanto que os elementos disponíveis nos autos tal permitam.
Como é consabido, o Código Civil delimitou o conceito de abuso de direito no seu art. 334.º dispondo que “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Esta figura ocorre quando o direito, embora legítimo, é exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico-social desse mesmo direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do comum sentimento de justiça.
Tal como se depreende do seu teor, aquele normativo acolhe uma conceção objetiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito atue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito ou com “animus nocendi” do direito da contraparte, bastando que tais limites sejam e se mostrem ostensiva e objetivamente excedidos[15].
Esse excesso deve, pois, ser manifesto, claro, patente, indiscutível, embora sem ser necessário que tenha havido a consciência de se excederem os mencionados limites. No entanto, como tem sido ressaltado pela casuística[16]-[17], essa objetividade exige sempre a alegação e demonstração dos competentes factos constitutivos e da formulação do pedido correspondente, mesmo quando o interessado não o tenha invocado expressamente, altura em que surge de conhecimento oficioso.
Certo é que, como deflui do quadro factual apurado, não se provou qualquer materialidade que permita qualificar como abusiva (no apontado sentido normativo) a atuação dos embargantes na invocação da prescrição.
Improcedem, assim, as conclusões Y) a EE).
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V - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto, 27/02/2023
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
______________ [1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] Cfr., neste sentido, na doutrina, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, págs. 112 e seguintes, RUI PINTO, in A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, págs. 278 e seguintes e AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, Almedina, págs. 77 e seguinte; na jurisprudência, acórdão do STJ 16.01.91 (processo nº 002690) e acórdão da Relação de Coimbra de 12.09.2017 (processo nº 1922/15.0T8CTB-A.C1), acessíveis em www.dgsi.pt. [3] Ob. citada, pág. 294. [4] Nas quais se preceitua que “[P]rescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (…) e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”. [5] A fixação deste prazo, como é entendimento pacífico (cfr., por todos, ANA MORAIS ANTUNES, Algumas questões sobre prescrição e caducidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. III, págs. 47 e seguintes), encontra fundamento no interesse de proteção do devedor, prevenindo que o credor, retardando a exigência de prestações periodicamente renováveis, as deixe acumular tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo do devedor. [6] Como tem sido recorrentemente sublinhado (cfr., sobre a questão e por todos, AMÂNCIO FERREIRA, in Recursos em Processo Civil, 8ª edição, Almedina, pág. 303 e seguinte e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Almedina, pág. 45 e seguintes) a doutrina dum acórdão uniformizador constitui precedente judicial qualificado, mantendo a sua força vinculativa na ordem jurisdicional enquanto a norma interpretada não for alterada pelo legislador ou a jurisprudência não for modificada por outro acórdão uniformizador do STJ. [7] Publicado no Diário da República nº 184/2022, Série I, de 22 de setembro de 2022. [8] Como deflui dos arts. 318º a 321º, do Cód. Civil, a suspensão não inutiliza o tempo já corrido desde o início da prescrição; quando ocorre, esse tempo mantém-se, deixando temporariamente de correr, sendo que uma vez cessada a suspensão, o tempo volta a correr, somando-se ao já ocorrido antes da suspensão. [9] Na sequência do assento nº 3/98, de 26.03.1998 (presentemente com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência) está atualmente estabilizado o entendimento da admissibilidade de recurso à notificação judicial avulsa para interromper a prescrição. [10] In Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 293; em análogo sentido milita VAZ SERRA, Prescrição extintiva e caducidade, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 106, págs. 248 e seguintes. [11] No domínio do anterior Código de Processo Civil (vigente à data da prolação do despacho que declarou a interrupção da instância executiva), considerar-se-ia deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante dois anos (cfr. art. 291º, nº 1). Já no atual Código de Processo Civil, “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses” (cfr. art. 281º, nº 1). Significa isto que, na situação em apreço, quando o novo diploma adjetivo entrou em vigor (1 de setembro de 2013) estava ainda em curso o prazo da deserção da instância, o que coloca um problema de aplicação da lei no tempo, posto que, por determinação das normas de direito transitório plasmadas nos arts. 5º e 6º da Lei nº 41/2013, de 26.06, o prazo a que se refere o nº 1 do art. 281º é aplicável aos processos pendentes em 1 de setembro de 2013. Ora, por aplicação da regra enunciada no art. 297º do Cód. Civil, na vertente situação seria aplicável o regime da pregressa lei adjetiva, porquanto no momento da entrada em vigor no novo Código de Processo Civil faltava, para completar o prazo antigo (dois anos), menos tempo do que o novo prazo (seis meses). [12] Sobre a questão, por todos, RUI PINTO, in O recurso civil – uma teoria geral, 2017, AAFDL Editora, págs. 69 e seguintes, onde sublinha que os nossos recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, vigorando um “modelo do recurso de reponderação” em que o âmbito do recurso se encontra objetivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido. [13] Cfr., inter alia, acórdão do STJ de 15.09.2010 (processo nº 322/05.4TAEVR.E1.S1), acórdão desta Relação de 20.10.2005 (processo nº 0534077) e acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2009 (processo nº 795/05.1TBALM.L1-6), acessíveis em www.dgsi.pt. [14] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 10.07.2008 (processo nº 1846/08), de 15.04.2015 ( processo nº 385/12.6TBBRG.G1.S1), de 10.09.2015 ( processo nº 1810/09.9TJLSB.L1.S1), de 27.09.2016 (processo nº 240/11.7TBVRM.G1.S1) e de 9.11.2017 (processo nº 26399/09.5T2SNT.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. [15] Neste sentido se pronunciam expressamente PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 298 e ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, pág. 536. [16] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 30.11.95 (CJ-STJ, Ano III, tomo 3º, pág. 132), de 25.11.99 (CJ-STJ, Ano VII, tomo 3º, pág. 124) e de 20.05.97 (BMJ n.º 467.º, pág. 557). [17] Esta orientação jurisprudencial mereceu a concordância de MENEZES CORDEIRO (in Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 2.ª edição, Almedina, pág. 247), que também faz depender a aplicação daquele instituto da verificação dos pertinentes pressupostos normativos, adiantando que “o Tribunal não fica limitado pelas invocações jurídicas das partes: pedido um certo efeito e constando, do processo, os factos necessários, pode o juiz optar pelo abuso de direito, mesmo que este não tivesse sido expressamente invocado”.