OPOSIÇÃO À PENHORA
AGENTE DE EXECUÇÃO
NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS
RECLAMAÇÃO
Sumário


I - A oposição à penhora configura-se como o meio processual idóneo para, designadamente, suscitar perante o tribunal a eventual ocorrência de excesso de penhora, em derrogação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais constituem limites à atuação do agente de execução, a quem cabe adequar o objeto da penhora à realização do direito à execução.
II - O juízo de adequação formulado pela AE para determinar a penhora aqui impugnada teve por base o teor de Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, apresentada pela AE, a qual corresponde ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora.
III - Como tal, a situação em apreciação remete-nos para a aplicação da previsão do n.º 3 do artigo 735.º do CPC, no que respeita à existência de liquidação ulterior e não para a realização das estimativas previstas em tal preceito.
IV - Neste contexto, o eventual prosseguimento da execução sempre dependia da prévia decisão da reclamação apresentada pela executada contra a nota de honorários e despesas elaborada pela AE, nos termos previstos no artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08, porquanto a amplitude da eventual penhora a efetuar deve basear-se já não em estimativas mas no valor correspondente ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora (posto que se trata de liquidação posterior e final para apuramento das responsabilidades referentes à execução) e considerando ainda que o montante em falta na execução corresponde aproximadamente ao valor que foi impugnado no âmbito da reclamação apresentada pela executada.
V - Acresce que a falta de oportunidade da penhora efetuada pela AE resulta ainda dos efeitos da caução oportunamente prestada pela executada/embargante nos autos em apenso, por meio de garantia bancária já constituída, tal como prevista no artigo 733.º n.º 1, al. a), do CPC e que motivou a oportuna suspensão da execução em referência em face da dedução de embargos de executado, porquanto a caução garante o cumprimento coercivo da prestação na medida em que, se os embargos forem julgados improcedentes, a satisfação do direito de crédito do exequente será feita através do acionamento da caução.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Nos autos de Execução Ordinária (Ag. Execução), n.º 1845/15.... que Fábrica da Igreja Paroquial de ..., instaurou contra Banco 1..., S. A., veio a executada, em 07-09-2022, opor-se à penhora do saldo bancário da conta de depósito à ordem titulada em nome da executada na instituição bancária Banco 2... S.A.,, no montante total de 7.500,00€, conforme auto de penhora datado de 15-07-2022, pedindo que na prossecução de tal incidente seja a penhora levantada ou reduzida ao valor de 255,00€ acrescido de IVA.
Alega para o efeito, e em síntese, que a penhora efetuada pela Agente de Execução (AE) é manifestamente abusiva atendendo a que a visa garantir o valor da remuneração adicional que calculou na liquidação/nota de honorários que apresentou nos autos, e comunicada às partes, a que manifestamente aquela AE não tem direito, o que motivou a reclamação apresentada pela executada em 27-09-2021, e que, todavia, ainda não foi decidida pelo tribunal, sendo que nessa reclamação a aqui opoente opôs-se a que lhe fossem cobrados os “honorários suplementares - remuneração adicional” liquidada pela AE - por entender que os mesmos não são devidos, por excessivos e desproporcionais face ao serviço efetivamente prestado, e a sua cobrança viola a lei; como também não aguardou a decisão do tribunal a pronunciar-se quanto à reclamação apresentada à sobredita remuneração adicional que solicitou na sua nota de honorários; mais alega que, na sequência da instauração da execução e da subsequente citação, a ora oponente Banco 1..., a fim de evitar a penhora do seu património, efetivou de imediato prestação voluntária de caução sob a forma de garantia bancária, a qual veio a ser aceite pelo tribunal por despacho de 29-02-2016 com a inerente suspensão da instância executiva, a qual foi notificada à AE, pelo que não houve lugar a penhora alguma, e nem sequer a qualquer diligência processual realizada pela AE nesse âmbito, sendo que na sequência da notificação que lhe foi efetuada em 23-09-2021, notificação esta que substituiu a nota de custas anteriormente remetida pela AE, em 14-07-2021, e com valor final diverso da anterior, a recorrente/executada pagou por transferência bancária realizada em favor da exequente a quantia de 125.105,18 €, acrescidos ainda de 1.336,02 € de custas de parte à exequente, na sequência de tal liquidação; como tal, não assiste à AE o direito de promover a penhora dos saldos bancários da executada para pagamento de uma quantia que pura e simplesmente lhe não é devida, sendo ademais tal penhora excessiva porquanto, a ter o direito de prosseguir a presente execução para pagamento do que entende que lhe é devido, devia ter limitado a penhora que concretizou ao montante de 255,00 €, acrescido de IVA, respeitante à citação que realizou no âmbito do processo executivo, e não efetivar a penhora sobre saldo bancário no valor de 7.500,00 €, como sucedeu.
De qualquer forma, o comportamento processual da AE sempre traduziria um manifesto abuso de direito, ao não aguardar a decisão judicial a respeito da reclamação apresentada pela executada quanto à nota de honorários que apresentou, tendo prosseguido a execução como se reclamação não houvesse.
Notificada para contraditar, contestou a exequente, invocando, para o efeito e em síntese, que o presente incidente de oposição à penhora prende-se com a liquidação do julgado e respetivo apuramento de responsabilidades da mesma, constante da nota discriminativa elaborada pela AE e de onde resultava a obrigação de a executada pagar o valor ainda em dívida de 129.628,59€ sendo que esta não entregou nos autos nem à AE o referido valor, optando por entregar quantia inferior e por deduzir reclamação dessa mesma nota discriminativa que a AE lhe apresentou, visando o não pagamento da denominada “remuneração adicional”, conforme dos autos principais tudo melhor se alcança; a AE, em 23-09-2021, procedeu à entrega à exequente de 121.940,31€ e esta, logo após ter recebido da AE aqueles valores, assinalou que a quantia exequenda ainda não se encontrava paga, na medida em que o valor total em dívida à exequente, capital e juros, ascendia à quantia de 126.471,20€, sendo alheia à discussão entre a AE e a executada no que ao ser devido, ou não, o pagamento da denominada “remuneração adicional”; à exequente ainda falta receber o valor de 4.530,89€ de capital, acrescido do valor de juros vincendos, contados à taxa de 16%, tal como vem sendo peticionado pela mesma nos requerimentos apresentados em 06-10-2021 e em 06-07-2022, sendo que o valor total a que a exequente tem direito no âmbito desta execução, já há muito ficou definido e fixado pela  sentença proferida nos autos de embargos, que correram, por apenso, à execução, a qual, aliás, foi mantida pela decisão proferida no Tribunal da Relação de Guimarães e, por isso, também já há muito transitada em julgada, pelo que de modo algum a invocada penhora excede o valor da quantia exequenda.
Procedeu-se à produção da prova requerida, após o que foi proferida decisão, datada de 12-12-2022, julgando a oposição à penhora improcedente e, em consequência, determinando a manutenção da penhora do saldo bancário.

Inconformada com o assim decidido veio a executada/opoente interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1) A douta sentença recorrida entendeu que a quantia exequenda ainda não está integralmente saldada, sendo esse o concreto fundamento da decisão tomada.
2) A recorrente/executada pagou por transferência bancária realizada em favor da exequente a quantia de 125.105,18 €, acrescidos ainda de 1.336,02 € de custas de parte à exequente, na sequência de liquidação por ela realizada e comunicada ao aqui signatário em de 23.09.2021, notificação esta que substituiu a nota de custas anteriormente remetida pela srª Agente de Execução, em 14.07.2021, e com valor final diverso da anterior;
3) Daquela nota de liquidação a aqui recorrente/executada apenas não pagou a quantia peticionada a título de “percentagem sobre o valor recuperado ou garantido” atendendo a que, na sua perspetiva, a quantia exequenda estava garantida à partida por ato da própria executada e sem qualquer intervenção da srª Agente de Execução, atenta a prestação espontânea de caução;
4) Esta dita “remuneração adicional” aplica-se apenas aos casos em que o pagamento ou a garantia da sua realização está direta e causalmente associado a um desempenho eficaz e eficiente por parte do Agente de Execução, e não aos casos em que o pagamento ou a garantia da sua realização fiquem a dever-se a outros fatores que não estejam relacionados diretamente com o eficaz desempenho do Agente de Execução, como foi o caso destes autos;
5) Tendo a recorrente/executada reclamado da nota de custas remetida pela srª agente de Execução deveria em primeiro lugar verificar-se decisão judicial sobre esta reclamação, para, após se poder considerar fixado definitivamente o valor devido à srª Agente de Execução;
6) Sem esta decisão sobre tal reclamação não deveria a srª Agente de Execução ter promovido a penhora que realizou sobre o saldo da conta bancária titulada pela executada, tanto mais que foi prestada espontaneamente caução por esta precisamente para evitar penhoras sobre o seu património;
7) A srª Agente de Execução não tem substantivamente o direito a haver da executada quantia alguma a título de remuneração adicional e, como tal, não lhe assiste também processualmente o direito de promover a penhora dos saldos bancários da executada, sem aguardar decisão sobre a reclamação, para pagamento de uma quantia que pura e simplesmente lhe não é devida, tendo apenas o direito a haver a componente de honorários respeitante à citação (€ 255,00, acrescida de IVA);
8) Verifica-se, assim, a “inadmissibilidade da penhora sobre os bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada” a que alude a alínea a) do nº 1 do art. 784º do CPC.
9) Sempre o comportamento processual da srª Agente de Execução traduziria um manifesto abuso de direito, ao não aguardar a decisão judicial a respeito da reclamação da executada quanto à nota de honorários que apresentou, tendo prosseguido a execução como se reclamação não houvesse;
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença.
Assim se fará Justiça !».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.
 
II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se a penhora do saldo bancário da conta de depósito à ordem titulada em nome da executada na Instituição bancária Banco 2... S.A.,, no montante total de 7.500,00€, conforme auto de penhora datado de 15-07-2022, é objetivamente excessiva  e desproporcional, atendendo às incidências processuais que os autos revelam.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação
1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª Instância:
1. No dia 15-07-2022, o agente de execução procedeu à penhora de um saldo bancário titulado pela executada no montante total de 7.500,00 € conforme auto de penhora junto aos autos no passado dia 21-07-2022.
2. No dia 28-09-2022, a agente de execução informou os autos de execução que, para além da sua remuneração, a penhora efetuada visa garantir o pagamento da quantia exequenda ainda em dívida, no montante, à data, de 4.530,89 €.
3. O agente de execução reclama da executada o pagamento dos seus honorários e despesas no valor de 2.969,11 €.
4. A executada reclamou nos autos de execução da nota de honorários e despesas apresentada pelo agente de execução.

*
1.2. Com relevo para a apreciação do objeto da apelação, importa ainda atender às seguintes incidências e elementos processuais que se consideram assentes nesta instância por se encontrarem devidamente documentadas nos autos, atento o que se pode constatar mediante o acesso eletrónico ao processo através do sistema citius:
1.2.1. No âmbito da execução em referência, a executada Banco 1... apresentou, em 17-04-2015 oposição à execução, através de embargos de executado - apenso A -  e, em simultâneo, deduziu em separado pedido de prestação de caução para garantia do pagamento da eventual quantia exequenda, a fim de evitar a penhora de bens próprios, nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, al. a) do CPC - apenso B.
1.2.2. Por sentença de 01-03-2016 - proferida no apenso B - devidamente transitada em julgado, foi julgado procedente o incidente de prestação de caução e considerada idónea e suficiente a caução a prestar, por meio de garantia bancária já constituída e, em consequência, foi determinada a suspensão da execução em causa.
1.2.3. Por sentença de 18-01-2021 - proferida no apenso A - foi decidido julgar improcedentes os embargos de executado e, consequentemente, determinar o prosseguimento da instância executiva contra a embargante.
1.2.4. A sentença aludida em 1.2.3. foi confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 01-07-2021, devidamente transitado em julgado.
1.2.5. Nos autos de execução em referência, a AE remeteu aos autos, em 14-07-2021 comprovativos da notificação às partes de Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, da qual consta, entre o mais, o valor de 255€ a título de «honorários e despesas do Agente de execução» - tramitação do processo executivo para PQC com recuperação ou garantia total ou parcial do crédito, por executado (limite 6 citações ou notificações postais e 2 diligências externas); e remuneração adicional (Anexo II - percentagem sobre o valor recuperado ou garantido), no valor de 3.524,65 €, com total de honorários do agente de execução (c/impostos) de 4.648,97.
1.2.6. Consta da Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, aludida em 1.2.5., o seguinte Apuramento Final/Saldo de que o executado é devedor - 129.628,59, com os seguintes segmentos: Valor(es) recuperado(s) - 0,00; Devido ao Exequente (saldo do quadro 4 - saldo do quadro 1) - 125.105,08; Devido pelo executado (quantias ainda em falta) - 129.628,59; Devido ao Agente de Execução (saldo do quadro 1) - 4.523,51.
1.2.7. Nos autos de execução em referência, a AE remeteu aos autos, em 23-09-2021 (ref.ª citius ...16) comprovativos da notificação às partes de Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, da qual consta, entre o mais, o valor de 255€ a título de «honorários e despesas do Agente de execução» - tramitação do processo executivo para PQC com recuperação ou garantia total ou parcial do crédito, por executado (limite 6 citações ou notificações postais e 2 diligências externas); e remuneração adicional (Anexo II - percentagem sobre o valor recuperado ou garantido), no valor de 3.524,65 €, com total de honorários do agente de execução (c/impostos) de 4.648,97.
1.2.8. Consta da Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, aludida em 1.2.7., o seguinte Apuramento Final/Saldo de que o executado é devedor - 130.994,71 com os seguintes segmentos: Valor(es) recuperado(s) - 0,00; Devido ao Exequente (saldo do quadro 4 - saldo do quadro 1) - 126.471,20; Devido pelo executado (quantias ainda em falta) - 0,00; Devido ao Agente de Execução (saldo do quadro 1) - 4.523,51.
1.2.9. A executada apresentou reclamação contra a Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, junta pela AE, nos termos do requerimento apresentado no processo de execução em 27-09-2021 (ref.ª citius ...44), que aqui se dá por reproduzido e pelos fundamentos nele apresentados, no qual conclui que «deve recusar-se a aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, ou, a assim não ser entendido, deverá a remuneração adicional ser recusada por não verificação de nexo causal entre a quantia recuperada/paga pela Banco 1... e a atividade da Srª. Agente de Execução».
1.2.10. Com a reclamação aludida em 1.2.9. a executada juntou comprovativos de transferência bancária a favor do AE, no valor global de 126.471,20€.
1.2.11.   Em 23-09-2021 (ref.ªs citius ...09; ...96; ...86) a AE juntou aos autos comprovativos da entrega de resultados ao exequente (IUP) no âmbito da execução em referência, no valor global de 121.940,31.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

Insurge-se a apelante contra a decisão que julgou improcedente a oposição à penhora por si deduzida e determinou a manutenção da penhora do saldo bancário da conta de depósito à ordem titulada em nome da executada na instituição bancária Banco 2... S.A., no montante total de 7.500,00€, conforme auto de penhora datado de 15-07-2022.
A recorrente pretende a revogação da decisão recorrida, defendendo que a penhora em referência é manifestamente abusiva pois visa garantir o valor da remuneração adicional indicada pela AE na liquidação/nota de honorários que apresentou nos autos, sobre a qual incidiu oportuna reclamação[1] apresentada pela executada, em 27-09-2021, e que, todavia, ainda não foi decidida pelo tribunal a quo.
Alega que a AE desencadeou desde logo toda uma série de pedidos de penhora, com concretização da penhora sobre o saldo da conta bancária titulada pela executada, sem sequer esperar pela decisão do tribunal recorrido a decretar ou não a prossecução da execução na sequência da reclamação apresentada contra a Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução.
Conclui que a AE não deveria ter concretizado a penhora sobre o saldo da conta bancária titulada pela executada antes da decisão sobre aquela reclamação, tanto mais que a recorrente/executada já antes tinha prestado espontaneamente caução nos referidos autos, precisamente para evitar penhoras sobre o seu património, no que lhe assiste inteira razão.
O incidente de oposição à penhora é o meio de reação à penhora objetivamente ilegal, cujos fundamentos estão taxativamente previstos no artigo 784.º do CPC.

Nos termos do n.º 1 deste último preceito, sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:

a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.

Assim, «[a] oposição à penhora tem como pressuposto a penhora de bens do executado e não de terceiro (…), sendo o pedido formulado o de levantamento total ou parcial da penhora efetuada. Neste incidente não se discute a ilegalidade subjetiva da penhora, mas a sua ilegalidade objetiva, visto que, pertencendo, embora, ao executado aquilo que foi penhorado, se questiona a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda»[2].
Nos termos do disposto no artigo 735.º, n.º 1, do CPC, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Porém, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Como se vê, o n.º 3 do citado artigo 735.º do CPC consagra o princípio da proporcionalidade entre a amplitude da quantia exequenda (incluindo as despesas previsíveis da execução) e a penhora[3].
Assim, o preceito do artigo 735.º, n.º 3, lida com uma dupla estimativa, a do valor dos bens e a do valor das despesas de justiça, sendo que com o uso da expressão despesas previsíveis pretende abranger, além das custas judiciais stricto sensu, os encargos com remunerações e outros pagamentos a fazer ao agente de execução, nos termos dos artigos 43.º e ss. da Portaria n.º 282/2013, de 29-08[4].
Neste enquadramento normativo, a oposição à penhora configura-se como o meio processual idóneo para, designadamente, suscitar perante o tribunal a eventual ocorrência de excesso de penhora, em derrogação do princípio da proporcionalidade, o qual constitui um limite à atuação do agente de execução, a quem cabe adequar o objeto da penhora à realização do direito à execução.
Com efeito, decorre do regime legal aplicável - cf., designadamente o artigo 751.º do CPC - que ao agente de execução cabe aferir em concreto da adequação da penhora tendo por base a sua conformidade com normas legais imperativas e à luz dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, de raiz constitucional no direito de propriedade privada (cf. artigo 62º CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações ativas privadas[5].
Conforme resulta da análise das concretas incidências processuais que relevam para o objeto da presente apelação, o juízo de adequação formulado pela AE para determinar a penhora agora impugnada teve por base o teor da Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, aludida em 1.2.7., apresentada pela AE, a qual corresponde ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora: 130.994,71€ correspondente a Valor(es) recuperado(s) - 0,00; devido ao Exequente (saldo do quadro 4 - saldo do quadro 1) - 126.471,20; devido pelo executado (quantias ainda em falta) - 0,00; devido ao Agente de Execução (saldo do quadro 1) - 4.523,51.
Como tal, a situação em apreciação remete-nos para a aplicação da previsão do citado n.º 3 do artigo 735.º do CPC, no que respeita à existência de liquidação ulterior e não para a realização das estimativas previstas em tal preceito.
Neste contexto, julgamos que o eventual prosseguimento da execução sempre dependia efetivamente da prévia decisão da reclamação apresentada pela executada contra a nota de honorários e despesas elaborada pela AE, nos termos previstos no artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08[6], porquanto a amplitude da eventual penhora a efetuar deve basear-se já não em estimativas mas no valor correspondente ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora (posto que se trata de liquidação posterior e final para apuramento das responsabilidades referentes à execução) e considerando ainda que o montante em falta na execução corresponde aproximadamente ao valor que foi impugnado no âmbito da reclamação apresentada pela executada[7].
Acresce que, no caso, a falta de oportunidade da penhora efetuada pela AE resulta ainda dos efeitos da caução oportunamente prestada pela executada/embargante nos autos em apenso, por meio de garantia bancária já constituída, tal como prevista no artigo 733.º n.º 1, al. a), do CPC e que motivou a oportuna suspensão da execução em referência, em face da dedução de embargos de executado.
É certo que a suspensão da execução apenas persiste enquanto não forem decididos os embargos de executado, retomando o seu normal andamento, desde que o desfecho dos embargos não imponha a sua extinção[8], nos termos do artigo 732.º, n.º 4 do CPC, sendo que no caso os embargos de executado foram julgados improcedentes por sentença de 18-01-2021 - proferida no apenso A - confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 01-07-2021, devidamente transitado em julgado.
Sucede que, tal como dispõe expressamente o artigo 733.º, n.º 6 do CPC, se a suspensão da execução tiver tido por base a prestação de caução pelo embargante, a improcedência dos embargos implica que seja aplicado, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 650.º, com o seguinte teor:
3 - Se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado.
4 - No caso previsto na segunda parte do número anterior, se não tiver sido feita a prova do cumprimento de obrigação no prazo aí referido, será notificada a entidade que prestou a caução para entregar o montante da mesma à parte beneficiária, aplicando-se, em caso de incumprimento e com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 777.º, servindo de título executivo a notificação efetuada pelo tribunal.
Tal como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[9], em anotação ao artigo 733.º do CPC, «[a] caução assim prestada garante o cumprimento coercivo da prestação, na medida em que, se os embargos forem julgados improcedentes, a satisfação do direito de crédito do exequente será feita através do acionamento  da caução (v.g. garantia bancária, seguro-caução), em termos semelhantes aos previstos nos nºs 3 e 4 do art. 650º, sem necessidade sequer de insistir na penhora ou na venda dos bens do executado».
Daí que se conclua que a penhora em apreciação foi indevidamente realizada no contexto processual em referência, o que determina a procedência da oposição à penhora deduzida pela executada, com o consequente levantamento da penhora, nos termos previstos no artigo 785.º, n.º 6 do CPC.
Pelo exposto, cumpre julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que determina que a AE proceda ao levantamento da penhora.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas são integralmente da responsabilidade da exequente/apelada, parte vencida no incidente e no recurso.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, na procedência da oposição à penhora deduzida pela executada, determina que o agente de execução proceda ao levantamento da penhora em referência.
Custas pela apelada/executada.
Guimarães, 20 de abril de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)


[1] Sendo que nessa reclamação a aqui opoente opôs-se ao valor especificado a título de “honorários suplementares - remuneração adicional” liquidada pela AE - por entender que os mesmos não são devidos, por excessivos e desproporcionais face ao serviço efetivamente prestado, e a sua cobrança viola a lei.
[2] Cf., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 178.
[3] Cf., a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -  p. 99.
[4] Cf. Rui Pinto, A ação Executiva, 2020 2.ª Reimpressão, AAFDL Editora, p. 536.
[5] Cf. Rui Pinto - Obra citada-, p. 536.
[6] Nos termos do qual, «qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria».
[7] Posto que se verifica que, com a reclamação aludida em 1.2.9. a executada juntou comprovativos de transferência bancária a favor do AE, no valor global de 126.471,20€ e, em 23-09-2021 (ref.ªs citius ...09; ...96; ...86) a AE juntou aos autos comprovativos da entrega de resultados ao exequente (IUP) no âmbito da execução em referência, no valor global de 121.940,31.
[8]   Cf., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -  p. 95.
[9] Obra citada, p. 92.