AÇÃO EXECUTIVA
PROCESSO SUMÁRIO
CITAÇÃO
INTERPELAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
VENCIMENTO DA DÍVIDA
VENCIMENTO ANTECIPADO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
PENHORA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
JUROS REMUNERATÓRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
QUESTÃO NOVA
Sumário


I – Só a alteração da matéria de facto (provada ou não provada) que vier a implicar uma versão jurídico-normativa do Acórdão da Relação distinta daquela que foi estruturante da sentença, pode consubstanciar o afastamento da dupla conforme.
II – Apresentando o Acórdão da Relação um argumentário relativo aos juros remuneratórios, que surge em face das alegações de apelação, esta nova fundamentação do acórdão recorrido constitui clara novidade e não pode ser considerada um mero desenvolvimento da matéria atinente à exigibilidade da quantia exequenda, pelo que se mostra desconfigurada a dupla conforme, sendo o recurso de revista admissível nos termos dos art. 671º nº 1.
III – Tendo resultado provado que não ocorreu qualquer interpelação extrajudicial para o vencimento da dívida, a citação do executado para a execução, ainda que se trate de uma execução sumária (em que a penhora ocorre antes da citação), é hábil a considerar vencida e tornar exigível a dívida.
IV – Nos termos ao art. 781º do CC, a falta do pagamento de uma das prestações determina o vencimento das demais, mas o credor apenas pode exigir ao devedor o pagamento de toda a dívida depois de interpelar o devedor para o pagamento da totalidade da dívida, em virtude da falta do pagamento de uma prestação ou mais.
V - Sendo o vencimento das prestações, nos termos do art. 781º do CC, um benefício concedido por lei ao credor, mercê da perda de benefício do prazo para o devedor, deverá aquela manifestar a sua vontade de beneficiar nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação, implicando o vencimento imediato a exigibilidade imediata, mas não dispensando tal interpelação.
VI - Estando provado que, quando a execução foi instaurada, uma das prestações se encontrava incumprida, ainda que a interpelação extrajudicial que a exequente realizou não possa ser tida como relevante, a citação na execução cumpre a exigência da interpelação para o cumprimento integral do débito, sendo assim meio apto, bastante e adequado, para além da interpelação extrajudicial, para tornar a totalidade da dívida exigível, nos termos do art. 781º do CC.
VII - É válida a interpelação do executado feita através da citação, nos termos e para os efeitos do art. 805º nº 1 do CC, apenas conferindo à obrigação exequenda o indispensável atributo da exigibilidade, não se reconduzindo a qualquer declaração resolutiva do contrato.
VIII - Seguindo a execução os termos do processo ordinário (art. 724.º e ss. do CPC), com citação precedente à penhora, pode o executado deduzir oposição, sustentando a inexigibilidade da obrigação, quando tenha sido citado após a penhora, por se ter seguido os termos do processo sumário (art. 855º e ss. do CPC – em que a penhora antecede sempre a citação, com excepção do previsto no nº 5 do art. 855º do CPC).
IX - Atendendo a critérios de economia E DE IDENTIDADE processual e de ordem menos formalista, mas essencialmente objectivados e assentes em critérios de justiça material, sempre atendendo aos interesses em causa, maxime nunca prejudicando as legítimas garantias de defesa do executado, há que fazer uma avaliação casuística, ponderando-se se no caso a citação (posterior à penhora) foi efectuada com o conteúdo de interpelação e se daquela penhora antecipada não ocorrerem prejuízos ou irreparáveis danos para o executado, considerando exigível a prestação no caso de tais prejuízos não se terem verificado em virtude de a penhora ter sido prévia à citação do mesmo, nada obstando, assim, a que a citação dos mesmos, ocorrida após a penhora, deva ser equiparada à interpelação extrajudicial

Texto Integral

1. Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa intentada por “Caixa Geral de Depósitos, S.A.“, onde por via de habilitação de adquirente ou cessionário é actualmente exequente “Esperto & Original, S.A.“, contra AA e BB, vieram os executados deduzir os presentes embargos de executado e oposição à penhora, pedindo a final que a oposição fosse julgada procedente, e, em consequência, fosse:

a) Julgado que do título dado à execução não decorre algum crédito, pois que o título dado à execução nos presentes autos não novou os títulos dados à execução no Processo 5498/06.... (extinta por deserção da instância); (foi julgado improcedente no saneador).

b) Julgado que não existe uma resolução válida e eficaz dos contratos;

c) Julgado que os títulos dados à execução pelo banco exequente não satisfazem o requisito da exequibilidade, por deles não resultar a constituição ou reconhecimento da obrigação; (foi julgado improcedente no saneador)

d) Julgado que dos documentos juntos à execução como título executivo não se extrai

que os créditos foram efectivamente concedidos, nascendo para os executados a respectiva obrigação de restituição;

e) Julgado que o Banco exequente não declarou resolvido o contrato;

f) Julgado que o documento apresentado não constitui título executivo bastante para

fundamentar a imediata cobrança coerciva da integralidade da quantia peticionada; (foi julgado improcedente no saneador)

g) Julgado que o exequente cobrou valores excessivos e superiores aos contratualizados;

h) Julgado que os executados procederam junto do Banco exequente a pagamentos no valor total de 75. 000,00 (setenta e cinco mil euros).


2. Através da acção executiva de que os presentes embargos são apenso, a exequente pretende a cobrança da quantia de € 236.415, 66, sendo a título de capital € 8.668,65, € 18.171,82, € 30.291,12 e € 50.563,22 e, ainda, € 5.473,76 a título de comissões contratuais vencidas e que não foram pagas, tudo acrescido de juros vincendos às taxas, respectivamente, de 4, 652 %, 15,450 %, 4,676 % e 4,307 % e ainda de imposto de selo sobre os juros e sobre as comissões, à taxa de 4 %.

Para tal, deu à execução os seguintes documentos:

a) O instrumento avulso equiparado a escritura pública, outorgado no dia 21 de Janeiro de 1991, denominado de “Empréstimo de 2.500 contos ao Sr. AA e esposa”, através do qual a “Caixa Geral de Depósitos, S.A. “, concedeu aos executados um empréstimo no valor de Esc. 2.500.000$00 (€ 12.469,94), destinado à aquisição da fracção autónoma para habitação própria e permanente designada pelas letras “AA”, descrita na ... CRP ... sob o nº 255/19900301-AA, da freguesia ... (...), através da qual os executados se obrigaram a proceder ao reembolso da quantia emprestada em trezentas prestações mensais de capital e juros e ainda, para garantia de pagamento do referido empréstimo, dos juros, da cláusula penal e das despesas, constituíram a favor daquela hipoteca sobre ao referida fracção autónoma, cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 8 a 15, dos autos principais;

b) O instrumento avulso equiparado a escritura pública, outorgado no dia 12 de Junho de 1996, denominado de “Abertura de crédito em conta corrente “até ao limite de 9.000.000$00 (€ 44. 891, 81), concedido pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.“ ao Sr. AA e mulher, através do qual a mesma concedeu aos executados abertura de crédito em conta corrente até àquele montante para apoio de tesouraria no desenvolvimento da actividade empresarial, e através do qual os executados, para garantia de pagamento do capital, dos juros, da cláusula penal e das despesas, constituíram a favor daquela hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AA”, descrita na ... CRP ... sob o nº 255/19900301-AA, da freguesia ... (...), cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 16 a 24, dos autos principais;

c) A escritura pública denominada “Mútuo com hipoteca” e respectivo documento complementar, outorgados no dia 14 de Julho de 1999, através da qual a mesma “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, concedeu aos executados o empréstimo da quantia de Esc. 7.000.000$00 (€ 34. 915, 85), destinada a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis, e os executados se declararam devedores do referido montante, obrigando-se a proceder ao reembolso daquela quantia em vinte e cinco anos, em prestações mensais de capital e juros, tendo para garantia de pagamento do capital, dos juros, da cláusula penal de 4 % e das despesas, constituído a favor daquela hipoteca sobre o imóvel composto por edifício de um pavimento, dependência e quintal e terreno a cultura, descrito na ... CRP ... sob o nº 690/19940203, da freguesia ..., cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 25 a 34, dos autos principais;

d) A escritura pública denominada “Mútuo com hipoteca” e respectivo documento complementar, outorgados no dia 27 de Dezembro de 2002, através da qual a mesma “Caixa Geral de Depósitos, S.A.“ concedeu aos executados o empréstimo da quantia de € 52. 500,00, destinada a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis, e os executados se declararam devedores do referido montante, obrigando-se a proceder ao reembolso da quantia emprestada em vinte e cinco anos, em prestações mensais de capital e juros, tendo para garantia de pagamento do capital, dos juros, da cláusula penal de 9,544 % e das despesas, constituído a favor daquela hipoteca sobre o imóvel composto por edifício de um pavimento, dependência e quintal e terreno a cultura, descrito na ... CRP ... sob o nº 690/19940203, da freguesia ..., cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 35 a 46, dos autos principais.

Neste contexto, alegou que os executados, não obstante as interpelações para a regularização das prestações em atraso de cada um dos ditos empréstimos, e bem saberem da situação de incumprimento, não pagaram, nos termos e condições convencionados, as prestações para o reembolso dos capitais e juros, estando em dívida as prestações vencidas desde 20 de Março de 2005, 12 de Abril de 2006, 14 de Março de 2005 e 27 de Junho de 2004, respectivamente.

Alegou, ainda, que também não pagaram na pendência da execução que correu termos pelo Juízo de Execução ..., com o nº 5498/06...., que foi extinta por deserção da instância, nem tão pouco o fizeram, em relação aos contratos de capitais € 12. 469,95, € 44. 891,82, no termo dos prazos de reembolso de capitais e juros, ocorridos em 2016 e 2007, limitando-se a fazer entregas inconstantes e insuficientes para a regularização do atraso e pagamento das prestações de todas as operações e os imóveis dados em garantia das dívidas foram penhorados, o que confere à exequente o direito a considerar vencidas as dívidas e de exigir o seu imediato pagamento.

Por outro lado, invocou que nos termos do convencionado nos contratos, as referidas operações creditícias vencem juros, actualmente, às taxas de 1, 264 %, 9, 950 %, 1, 259 % e 0.993 %, respectivamente, que, em caso de incumprimento, se alteram para as taxas de 1,652%, 11,450%, 1,676% e 1,307%, ao ano, acrescidas da sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal de harmonia com o artigo 8º do DL n.º 58/2013, de 8 de Maio, bem como as comissões contratuais emergentes do incumprimento e as despesas relacionadas com a segurança e cobrança do crédito, incluindo honorários de advogados e solicitadores, e o imposto de selo à taxa de 4%, sobre as comissões e sobre os juros.


3. Nos embargos, os executados invocaram em primeiro lugar a falta de título executivo.

Invocaram, depois, a inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda, alegando, para tal e em síntese, que não houve exigibilidade antecipada das prestações vincendas nem houve interpelação admonitória, e que a exequente não resolveu os contratos dados à execução.

Mais alegaram que dos documentos juntos pela exequente não se extrai que os créditos tenham sido efectivamente entregues e disponibilizados.

Por outro lado, ainda, invocaram que desde 2006 procederam junto do Banco exequente a pagamentos no valor total de € 75. 000,00, que este não contabilizou nem levou em conta na sua conta corrente.

4. Recebidos os embargos e notificada a exequente, veio esta contestar impugnando a factualidade alegada pelos embargantes, respondendo às excepções e concluindo a final pela improcedência dos embargos deduzidos e, ainda, pela litigância de má-fé dos executados.

Alegou, ainda, que os embargantes não negam o incumprimento das prestações dos contratos dados à execução, e que deixaram de pagar as prestações vencidas dos empréstimos nas seguintes datas:

- Contrato celebrado em 20/01/1991: a 20/03/2005;

- Contrato celebrado em 12/06/1996: a 12/04/2006;

- Contrato celebrado em 14/07/1999: a 14/03/2005:

- Contrato celebrado em 27/12/2002: a 27/06/2004.

Alegou, depois, que os executados procederam a diversas amortizações inconstantes e insuficientes para regularização da dívida, sendo que essas amortizações foram devidamente consideradas e encontram-se reflectidas no valor da quantia exequenda.

Relativamente à alegada falta de interpelação, na hipótese de não ser possível localizar as respectivas cartas, certo é que o vencimento da dívida se verificou com a citação para a presente acção executiva, concluindo pela exigibilidade de todas as prestações vencidas à data da instauração da acção executiva e demais valores nela peticionados.

5. Foi proferido despacho saneador que julgou verificada a regularidade da instância.


Foi, ainda, no mesmo despacho julgada improcedente a excepção de inexistência de título executivo e, em consequência, foram julgados improcedentes os pedidos formulados pelos embargantes nas alíneas a), c) e f) acima referidas.

Identificou-se o objecto do processo e foram enunciados os temas de prova.

6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos, reduzindo-se a quantia exequenda a € 230.665,66 (por não ter sido considerada na quantia exequenda os pagamentos efectuados pelos executados no valor de € 5. 750, 00), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contar desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.


APELAÇÃO

7. Inconformados, vieram os executados interpor recurso de apelação, oferecendo alegações e deduzindo, a final, as respectivas conclusões, conclusões que aqui não se reproduzem dado, por um lado, a sua particular extensão (CVIII – 108 conclusões) e, ademais, porque se mostram disponibilizadas no sistema «citius» apenas em ficheiro de imagem, o que inviabiliza a sua reprodução «ipsis verbis».

8. Não foram deduzidas contra-alegações.

9. Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que teve o seguinte dispositivo:

“Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação, reduzindo a quantia exequenda para o valor de 205. 597, 27 (duzentos e cinco mil, quinhentos e noventa e sete euros e vinte sete cêntimos), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.”

REVISTA

           

Novamente inconformados, vieram os Embargantes interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo as suas alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

I.     Nos termos do art. 854° do CPC, o legislador prevê a possibilidade de recurso de revista dos Acórdãos da Relação proferidos no âmbito de oposição deduzida contra a execução, nos termos gerais, ou seja, verificados os requisitos de admissibilidade, como sejam, as regras da alçada, da sucumbência e da inexistência de dupla conforme.

II.        No caso vertente impõe-se a verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art. 671°), do valor do processo e da sucumbência (art. 629° n° 1), legitimidade (art. 631°) e tempestividade (art. 638°), todos do CPC.

III - Quanto à eventualidade da (in)existência de dupla conforme, desde logo, está a mesma afastada, porquanto o douto Tribunal ter concluído que: "procede apenas em parte a impugnação da decisão de facto, julgando-se aditado ao elenco dos factos provados uma nova alínea t), com a seguinte redação: Os executados não foram, antes da instauração da presente execução, interpelados para pagamento dos valores em dívida nos contratos antes referidos, nem lhes foi comunicada a resolução dos mesmos.

IV - Dando-se como provado este facto provado de que não existiu interpelação nem resolução dos contratos, decidindo-se pela exigibilidade do título, sempre se dirá que, não só a referida falta de interpelação torna a exigibilidade ferida de morte, como ainda, tendo-se considerado o vencimento pelo decurso do prazo, a obrigação já não é exigível também por outras vicissitudes que adiante se mencionarão.

V - Os embargantes/recorrentes reiteram que, por violação da lei substantiva, nos termos do artigo 674° n° 1 do CPC, para esta questão suscitada, nomeadamente, por uma errónea interpretação e aplicação da norma aplicável ao caso em concreto, impeditiva da existência de uma dupla conforme, sempre é de admitir o presente recurso de revista.

VI.  Da decisão - O Tribunal recorrido decidiu julgar "parcialmente procedente a apelação, reduzindo a quantia exequenda para o valor de € 205.597,27 euros (duzentos e cinco mil, quinhentos e noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento."

VII. Justificando a exigibilidade das obrigações exequendas com a citação para a presente demanda, porquanto considerar que a citação (mesmo posterior à penhora) pode ser equiparada à interpelação extrajudicial, "apesar de se reconhecer que aquela poderia e deveria ter tido lugar".

VIII. Justificando para efeitos de redução do valor arbitrado as operações de 1999 e 2002 "(cuja duração era de 300 meses - 25 anos, que não se mostram completos), tal significa que a mesma não pode pretender cobrar-se daqueles juros remuneratórios, sendo certo que a mesma exequente não distingue, nem esclarece na liquidação que efectuou na execução sobre que exactas prestações incidem aqueles reclamados juros remuneratórios, sendo certo que só os poderia cobrar sobre as prestações vencidas e não pagas e já não sobre as prestações vincendas e antecipadas, que estão incluídas na liquidação e, em consequência, na quantia exequenda."

IX. Para as outras duas operações em análise nos presentes autos, de 1991 (operação  ...85) e 1996 (operação ...01), o douto aresto manteve, na íntegra os valores peticionados "tendo decorrido na íntegra o prazo da sua duração, são devidos os valores constantes das posições de dívida juntas com a petição inicial".

X. Os embargantes/recorrentes não pugnam da mesma opinião, no que concerne aos efeitos de falta de interpelação e resolução dos contratos do que a pugnada no douto mui bem fundamentado aresto. Por violação da Lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro da determinação da norma aplicável, deve o Supremo Tribunal de Justiça apreciar a questão de direito que aqui lhe é colocada, isto nos termos do artigo 674° n° 3 do CPC.

XI. Nomeadamente, no que concerne, às operações 1999 ( ...85) e 2002 ( ...85). Pois que, para estas, consideram as mesmas inexigíveis, porquanto não ser a citação equiparável à interpelação extrajudicial e por não ter decorrido o decurso do prazo.

XII. Desde logo, dispõe o artigo 550° n° 1 que o processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário. K a alínea c) do subsequente n° 2 preceitua que se emprega o processo sumário nas execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor.

XIII. Aqui seguiu-se a forma sumária. A exequente considerava já vencida, automaticamente, a dívida exequenda, e a escolha da forma de processo sumário constituiu corolário processual daquela posição. Avançando a execução com a penhora de fração hipotecada e subsequente citação dos executados/recorrentes, nos termos do preceituado nos artigos 855° do n° 3 e 856° do CPC.

XIV. A questão da falta de interpelação veio a ser suscitada em sede de embargos. Sendo julgada improcedente na 1a instância, e procedente na decisão recorrida. No entanto, sem os efeitos que se desejava.

XV. A execução baseada em título extrajudicial de obrigação pecuniária, garantida por hipoteca, só pode seguir a forma sumária se estiver vencida à data do requerimento inicial (artigo 550° do nº 2 al. c) do Cód. Proc. Civil). E certo, é que as operações de 1999 e 2002 ainda não estavam vencidas.

XVI. No entanto, se o vencimento ainda não tiver ocorrido, a execução terá de assumir a forma ordinária - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, p. 282.

XVII. Após a contestação, a embargada/exequente foi expressamente notificada comprovar ter efetuado a interpelação e resolução no despacho saneador, o que, como resulta da matéria de facto não provada, não conseguiu. Sendo que não foi "possível localizar as respetivas cartas."

XVIII. A consequência deste insucesso probatório não pode deixar de coincidir com aquela que teria resultado de uma inicial intervenção do juiz suscitada pelo agente de execução ou de uma intervenção oficiosa mais tardia, a saber, a extinção da execução.

XIX. A citação dos executados não poderia nunca, in casu, valer como interpelação. Neste sentido, aponta o recente Acórdão do Tribunal a Relação de Guimarães, de 21 de abril de 2022 - "Se, ao invés, o credor opta pela forma sumária, a ausência de interpelação extrajudicial prévia à instauração da execução tem como consequência a extinção da ação, constituindo assim fundamento de oposição à execução e caso de procedência da mesma."

XX. Ademais, "quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela al. c) do n.° 2 do artigo 550° do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efetivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta - ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (art.° 224.° n.° 2 do CC). - conforme dita o Acórdão do STJ, processo 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1, de 11 de julho de 2019.

XXI. Apesar de estar demonstrado o incumprimento das obrigações pelos executados, a exequente teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.

XXII. Só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento. O que, como jã se referiu, não aconteceu. Existindo uma flagrante violação dos artigos 781° e 234° do Cód. Civil e 713° do CPC.

XXIII. Também na ótica da jurisprudência que aponta no sentido pugnado pelo Acórdão recorrido, existem exigências que não foram cumpridas no Requerimento Executivo para que se possa dizer que a citação para a execução se equipara à interpelação extrajudicial. Pois que, não foi junto pela Exequente qualquer documento comprovativo da interpelação, com o Requerimento Executivo.

XXIV. E também o Requerimento Executivo só faz referência aos alegados valores em dívida, nada se dizendo quanto à intenção de resolver os contratos ou no sentido de interpelar quanto ao seu cumprimento.

XXV. Não é possível considerar que a interpelação para o pagamento da totalidade da obrigação ocorreu com a citação na ação executiva, uma vez que a embargada não manifestou tal vontade no requerimento executivo.

XXVI. As escrituras públicas e o documento complementar juntos pela embargada revelam-se insuficientes como título executivo da obrigação exequenda, a qual exigia ainda a junção de documento comprovativo da interpelação para o pagamento da totalidade da dívida. Também por esta via, sempre seriam inexigíveis as operações de 1999 e 2002, devendo as mesmas serem abatidas no valor final.

XXVII. É este o regime que resulta de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de setembro de 2020, processo 2417/16.0T8VIS-B.C1, disponível na DGSI, donde está sumariado que: "Nas hipóteses em que a interpelação seja efetuada através do próprio acto de citação na ação executiva, deve o próprio requerimento executivo incluir o conteúdo da interpelação exigível, ou seja a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida, sendo aplicável, por identidade de razão, a imposição da forma de processo executivo ordinária, nos termos do art. 550.°, n.° 3, a), do C. P. Civil, apenas podendo ser peticionados juros de mora desde a data da citação, momento em que ocorre a interpelação para o pagamento da totalidade da dívida."

XXVIII. Mesmo que se considere exigíveis os valores peticionados para estas operações, o que se faz por mero dever de cautela, não só o valor dos juros sobre o capital vincendo deve ser retirado, como o foi, como ainda, o valor dos juros moratórios e comissões, conforme aponta o citado Aresto do STJ.

XXIX. Só a partir da citação se teriam de contar os juros moratórios. Exigindo-se no presente caso a forma de processo executivo ordinária, nos termos do art.° 550°, n.° 3 da al. a), do C. P. Civil.

XXX. Sempre teria também de ser abatido o valor de € 16.089,81 de juros de mora e € 1.721,43 a nível de comissões na operação de 1999 e € 25.142,47 a título de juros de mora e € 1.702,29 a título de comissões, para a operação de 2002. Perfazendo um total de € 44.656,00, caso não se considerem inexigíveis estas operações a somar aos juros já abatidos pelo douto Tribunal.

XXXI. Por outro lado, no que concerne às operações de 1991 e 1996, não são devidos os valores constantes das posições de dívida juntas com a petição inicial. Tanto mais que, considerando o vencimento pelo decurso do prazo dos mútuos, os mesmos não se venceram no prazo indicado pela exequente no Requerimento Executivo, mas antes, pelo prazo estabelecido para o fim dos mesmos.

XXXII. Só a partir do decurso do prazo estabelecido para as operações, é que os juros se poderiam começar a contar.

XXXIII. Para a operação de 1991, o valor de juros, juros de mora, despesas e comissões foi contabilizado desde a data que consta do Requerimento Executivo. Desde 20.02.2005, sendo que tal valor ascende a mais de 50% do valor pedido para esta operação. € 11.363,96 dos € 20.032,61. Quando na realidade, a contabilidade destes valores deveria incidir a partir de 20.01.2016 até à citação. Ou seja, mais de dois terços do valor peticionado a título de juros não é devido para esta operação.

XXXIV. No que concerne à operação de 1996, abertura de crédito, também o cálculo do valor de juros foi contabilizado desde a data que consta do Requerimento Executivo, e não aquela que o douto Tribunal recorrido julgou estar vencida. Assim, tendo-se vencido a operação pelo decurso do prazo da abertura de crédito, em 2006.10.12, esta é a data que deve relevar para efeitos de contabilização dos juros devidos pelos Embargantes.

XXXV. Também para estas duas operações, face ao decidido pelo Tribunal recorrido, do vencimento pelo decurso do prazo, sempre o valor a arbitrar a título de juros e comissões deveria ser reduzido, até ao montante desde a data vencimento das operações até à citação.

XXXVI. Ademais, face ao Acórdão que decidiu julgar vencida pelo decurso do prazo a operação de 1996, em 2006, sempre teria o douto Tribunal recorrido de retirar daí as devidas ilações.

XXXVII. Pois, face a esta consideração, evidente é que, para a operação de 1996, que se venceu em 2006, decorreram mais de 13 anos até à citação da presente execução.

XXXVIII. Tendo-se dado como provado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto que não existiram interpelações e resoluções contratuais por parte da exequente, alterando a matéria de facto neste ponto, certo é que, deveria o douto Tribunal ter apreciado o melhor enquadramento jurídico e de direito para matéria alegada pelos embargantes.

XXXIX. Como prescreve o artigo 5° n° 3 do CPC - "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito". Decorrendo deste preceito a vinculação do tribunal à matéria de facto alegada e só a esta, mas não ao seu enquadramento jurídico.

XL. Por isso, face dos concretos factos alegados e provados, poderia o douto Tribunal recorrido ter apreciado a prescrição, tanto mais que, a mesma ficou patente face ao que se logrou alterar na matéria dada como provada.

XLI. Esta não é uma questão nova. Pois, só a presente assentada reproduzida pelo Acórdão recorrido é que permite aferir corretamente da prescrição dos valores em dívida relativos à operação de 1996. Tanto mais que, na ótica dos Embargantes, em sede de embargos, se pugnou pela inexistência do vencimento desta operação.

XLII. Até ao presente Acórdão, a prestação não estaria vencida. Tendo-se julgado vencida desde 2006, este é um facto superveniente, integrável no artigo 573.°, n.° 2 do CPC, e como tal, sempre terá de ser agora aferida. Se estão vencidos desde 2006 e, tão só, tendo dado entrada a presente execução em 2019, sempre estaria prescrito o valor em dívida para esta operação.

XLIII. Pois, conforme assinala Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 443/21.6T8PDL-AX1-7, de 11 de janeiro de 2022 - "Mostra-se ser jurisprudência atualmente consolidada no Supremo Tribunal de Justiça que prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art.° 310.° do Código Civil, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, sendo que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade não altera o dito enquadramento em termos da prescrição."

XLIV. Ou seja, ultrapassado o prazo de vencimento dos valores em dívida, em mais de 5 anos sem que tenha existido a interpelação ao cumprimento, sempre está prescrito o capital em dívida, como ainda, os juros e comissões que lhe estão inerentes. Pois, a execução apenas deu entrada em 2019, mais de 13 anos após o vencimento da referida operação e só agora se alterou a matéria de facto dando conta da não interpelação e/ou resolução contratual. Deve ser abatido ao valor final determinado pelo douto Acórdão, os valores referentes a esta operação, porquanto estarem prescritos.

XLV. O acórdão recorrido violou não só as normas dos artigos 224.° e 781,° do Cód. Civil. Como também, o artigo 713° do CPC, e o artigo 310.° do CC. Ademais, também existiu.

XLVL. Face aos motivos supra aduzidos, da inexigibilidade das operações de 1999 e 2002, da errónea contabilização dos juros peticionados e da agora compreendida prescrição das operações de 1991 e 1996, sempre deve ser de admitir o presente recurso, julgando-se ainda o mesmo procedente, revogando-se a sentença recorrida.

Não fora produzidas contra-alegações.

Admissibilidade do recurso

As decisões das instâncias:

No âmbito de oposição à execução, apensa a acção executiva, após julgamento, em 17-11-2021, foi proferida sentença, que julgou os embargos de executado parcialmente procedentes e em consequência:

a) Determinou a redução da quantia exequenda para o montante de € 230.665,66 (duzentos e trinta mil e seiscentos e sessenta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora vincendos, à taxa legal, a contar desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;

b) Improcedendo os embargos no demais peticionado.


O Tribunal da Relação do Porto, em 27-06-2022, na sequência de apelação dos embargantes, julgou parcialmente procedente a apelação, reduzindo a quantia exequenda para o valor de € 205. 597, 27 (duzentos e cinco mil, quinhentos e noventa e sete euros e vinte sete cêntimos), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.


Desde já avançamos que quanto ao valor da causa, € 236 415,66 (duzentos e trinta e seis mil e quatrocentos e quinze euros e sessenta e seis cêntimos), e sucumbência (superior a € 15 000,00), inexiste qualquer óbice ao conhecimento do recurso, ante o disposto no art. 629º nº 1 do CPC.

Acrescendo referir que estamos perante um procedimento de oposição à execução, pelo que, também, por força do disposto no art. 854º do CPC, não há obstáculo à admissibilidade da revista.

Todavia, impõe-se, antes do mais, aferir se existe ou não dupla conformidade decisória nas instâncias, nos termos do art. 671º nº 3 do CPC, uma vez que os embargantes executados apelaram da sentença e, na Relação viram a sua situação processual favorecida, porquanto na sentença os embargos foram parcialmente procedentes, tendo a quantia exequenda sido reduzida para o montante de € 230 665,66 (duzentos e trinta mil e seiscentos e sessenta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), e na Relação, também a apelação foi parcialmente procedente, sendo a quantia exequenda reduzida para € 205 597, 27 (duzentos e cinco mil, quinhentos e noventa e sete euros e vinte sete cêntimos).

Conforme decidido no recente AUJ de 20-09-2022 (proferido na revista n.º 545/13.2TBLSD.P1.S1-A), “Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº. 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do Acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta”.

Na verdade, este AUJ para além de fixar jurisprudência relativamente à dupla conforme nos segmentos decisórios, estabeleceu igualmente que existe dupla conforme nas situações que o recorrente vê a sua situação melhorada relativamente ao acórdão da Relação.

Sendo verdade que não estamos perante uma acção de responsabilidade civil extracontratual, também certo é que na presente acção executiva é possível aferir do benefício do recorrente em termos económicos, pelo que não vemos qualquer óbice à observância e aplicação do AUJ nos presentes autos.

Mas, ainda que assim não se entenda, também o STJ já se pronunciou em situação de embargos de executado, como o fez no Ac. do STJ de 27-03-2014 (Revista n.º 9108/08.3TBVNG-A.P1.S1), de cujo sumário resulta o seguinte: I - Verifica-se uma situação de dupla conforme, obstativa de recurso de revista, quando a Relação reduz, em benefício dos recorrentes/oponentes, o montante da quantia exequenda fixada na sentença de 1.ª instância. II - Ocorrendo uma relação de inclusão quantitativa entre o montante arbitrado na 2.ª instância e o que foi decretado na sentença de 1.ª instância, de tal modo que o valor pecuniário arbitrado pela Relação já estava compreendido no que inicialmente foi decidido, tem-se por verificado o requisito da dupla conformidade das decisões, razão pela qual não é admissível recurso de revista normal para o STJ.

Outros arestos podendo ser apontados, também noutras situações factuais em que não estão em causa acções de responsabilidade civil extracontratual, designadamente no Ac. do STJ de 03-10-2019 (revista n.º 7475/17.7T8LSB.L1.S1), do qual resulta que: I - No que concerne à admissibilidade do recurso de revista se é vedada à parte a revista nos casos de coincidência de montantes objecto de condenação, muito mal se compreenderia que lhe fosse aberto o caminho recursório em casos de condenação em montante que lhe é mais favorável. II - Tendo o acórdão recorrido confirmado a sentença da 1.ª instância, tendo como única diferença a contabilização dos juros moratórios e a obrigação de dedução à indemnização objecto da condenação unânime de quantias que venham a ser recebidas ulteriormente, em medida inteiramente favorável ao recorrente, não é admissível o recurso de revista por ocorrer o obstáculo da dupla conforme.

Assim como no Ac. de 13-09-2018 (revista n.º 181155/12.7YIPRT.L1.S1), que se exprime no sentido de que “Tendo o tribunal da Relação, sem voto de vencido e com base em fundamentação que, no essencial, se mostra coincidente com a fundamentação da decisão da 1.ª instância, reduzido a quantia a pagar pela ré à autora, ocorre em relação a esta uma situação de dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista”.

No caso sob apreciação, o recorrente invoca que inexiste dupla conforme porquanto o acórdão recorrido aditou um novo facto provado, a al. t) - “Os executados não foram, antes da instauração da presente execução, interpelados para pagamento dos valores em dívida nos contratos antes referidos, nem lhes foi comunicada a resolução dos mesmos”, pelo que, defende que “dando-se como provado este facto provado de que não existiu interpelação nem resolução dos contratos, decidindo-se pela exigibilidade do título, sempre se dirá que, não só a referida falta de interpelação torna a exigibilidade ferida de morte, como ainda, tendo-se considerado o vencimento pelo decurso do prazo, a obrigação já não é exigível também por outras vicissitudes que adiante se mencionarão – conclusão IV.

É entendimento geral neste Supremo Tribunal que apenas a alteração da matéria de facto que determine uma motivação jurídica diferente ou inovadora é apta a desconfigurar a dupla conformidade decisória nas instâncias, neste sentido se tendo pronunciado, entre outros o Ac. de 18-02-2021 (revista n.º 617/18.7T8PVZ.G1-A.S1), onde se refere que, A alteração da matéria de facto provada ou não provada apenas relevará, no que respeita à aferição da dupla conforme, quando conduza a uma motivação jurídica diferente, saindo-se do quadro normativo que sustentou a decisão recorrida. (…)”, assim como o Ac. de 06-05-2021 (revista n.º 7200/16.0T8STB.E1.S1), Oliveira Abreu,  que afirma que “Para que a dupla conforme deixe de atuar como obstáculo à revista, torna-se necessário, uma vez verificada a decisão confirmatória da sentença apelada, sem voto de vencido, a aquiescência, pela Relação, do enquadramento jurídico suportado numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados na sentença proferida em 1.ª instância. Os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das instâncias têm de se conter na matéria de direito, donde, nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da matéria de facto é passível de implicar, por si só, a desconformidade entre aquelas decisões que importem a admissibilidade da revista, em termos gerais, sublinhando-se que a apreciação do obstáculo recursório respeitante à figura da dupla conforme terá sempre e necessariamente de se deter nos poderes de cognição do STJ, enquanto tribunal de revista, acentuando-se que qualquer alteração da decisão de facto pela Relação, apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da conformidade ou desconformidade das decisões. (…).

Do mesmo modo se defende no Ac. de 07-07-2021 (Revista n.º 5835/18.5T8BRG.G1.S1) que Na averiguação da “dupla conformidade decisória” na matéria de direito (competência regra do STJ: art. 682.º, n.º 1, do CPC), enquanto obstáculo ao conhecimento do objecto da revista para o STJ, não releva a alteração da decisão sobre a matéria de facto operada pela Relação ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC se essa não coincidência decisória não tiver apresentado impacto na motivação jurídica crucial do litígio que funda a reiteração em 2.ª instância do decidido em 1.ª instância, nem contrariar o resultado declarado pela sentença apelada e a construção que está na base da parte dispositiva da decisão. (…)”.

Regressando ao caso que nos ocupa, cumpre-nos apreciar se a fundamentação jurídica vertida na sentença é ou não essencialmente idêntica e sobre o mesmo quadro normativo, a tais vectores do acórdão recorrido.

Quer a sentença quer o acórdão pronunciam-se acerca da exigibilidade e da iliquidez do título executivo e da redução da quantia exequenda.

De forma sumária, diremos que a sentença apreciou e tratou da mesma forma os quatro contratos apresentados como títulos executivos, entendendo, assim, que apesar de não estar provada a interpelação para vencimento da dívida, em face do teor do art. 781º do CC, o qual se mostra reproduzido nos contratos, considera-se a dívida exigível, porquanto os executados deixaram de pagar as prestações.

Por seu lado, o acórdão recorrido adoptou a seguinte fundamentação:

- em primeiro lugar teve em consideração e sob apreciação os contratos de mútuo de 1991 e de abertura de crédito de 1996, os quais à data da instauração da execução já tinham todas as prestações vencidas, em face do decurso do prazo do cumprimento, entendendo serem nestes imediatamente exigíveis todas as prestações e independentemente de uma interpelação prévia aos devedores executados;

- relativamente aos outros dois contratos, os contratos de mútuo para investimento de 1999 e 2002, em face do facto provado aditado pela Relação, resultou provado que não ocorreu qualquer interpelação extrajudicial para o vencimento da dívida, mas a citação dos executados para a execução, ainda que se trate de uma execução sumária (em que a penhora ocorre antes da citação), é hábil a considerar vencida e tornar exigível a dívida; e, quanto à questão da exigibilidade, assim se afirma no acórdão recorrido: “O que, em conclusão, vem a significar que, aceitando-se tal entendimento, seja atendendo à verificação das condições exigíveis para a perda do benefício do prazo em favor dos executados (face ao não pagamento de várias das prestações da dívida pagável em prestações) – artigo 781º, do Cód. Civil, seja, ainda, atendendo à interpelação judicial realizada por mor da citação dos executados/embargantes na execução, em nosso julgamento as obrigações exequendas, emergentes dos ajuizados contratos de mútuo para investimento acima referidos, mostram-se exigíveis, improcedendo, pois, nesta parte, a oposição deduzida pelos embargantes (…).


Da análise da fundamentação jurídica levada a cabo nas instâncias, dúvidas não restam, quanto a nós, que, efectivamente, ocorre, pelo menos, quanto a esta parte dupla conforme, uma vez que o que o acórdão recorrido faz é um mero desenvolvimento da argumentação relativa à exigibilidade da dívida, a qual decorre quer da falta de pagamento das prestações, nos termos do art. 781º do CC, quer da interpelação judicial, consubstanciada na citação dos executados para a execução, ainda que após a penhora. Na verdade, a sentença também faz referência à citação enquanto interpelação, porquanto os dois arestos que cita são atinentes a esta matéria.

Todavia, o acórdão recorrido apresenta um novo argumentário relativo aos juros remuneratórios, ao qual não é efectuada qualquer referência na sentença, sendo por força desta fundamentação que a recorrente vê a sua posição processual favorecida, pois que também o acórdão recorrido diminui a quantia exequenda.

Esta nova argumentação surge em face das alegações de apelação, tratando-se de uma matéria que antes não havia sido invocada no requerimento inicial.

Assim, aqui chegados, e uma vez que esta nova fundamentação do acórdão recorrido constitui clara novidade e não pode ser considerada um mero desenvolvimento da matéria atinente à exigibilidade da quantia exequenda, entendemos que se mostra desconfigurada a dupla conforme e como tal o recurso de revista é admissível nos termos dos art. 671º nº 1 e 854º do CPC.

Indo neste sentido o entendimento expresso no Ac. do STJ de 11-03-2021, Revista n.º 1299/17.9T8LRA.C1.S1, segundo o qual “Tendo o tribunal da Relação, no âmbito do recurso de apelação e ao abrigo do disposto no art. 665.º, n.º 1, do CPC, conhecido de questões novas que não foram objeto de apreciação pelo tribunal de 1.ª instância, esta decisão escapa à figura da dupla conforme, dela sendo admissível recurso de revista, nos termos gerais, em conformidade com o disposto no art. 671.º, n.º 1, do mesmo código. (…).

Acrescendo referir que, in casu, não se mostra possível fazer a distinção de qualquer segmento decisório, sendo a decisão una, pelo que não poderemos aqui limitar a nossa intervenção decisória à questão dos juros remuneratórios, que constituiu o tal argumentário desconstrutivo da dupla conformidade decisória.

Assim, em face do valor fixado à causa, € 236 415,66 (duzentos e trinta e seis mil e quatrocentos e quinze euros e sessenta e seis cêntimos), o valor da sucumbência (superior a € 15 000,00), a legitimidade do recorrente e o teor do acórdão recorrido, o presente recurso de revista é admissível, nos termos dos arts. 854.º (procedimento de oposição à execução), 671º nº 1 e 674º nº 1, al. a) e c) do CPC.


Cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art.  679º, todos do CPC).


Thema decidendum:

Em face das conclusões apresentadas pelo recorrente/embargante, as questões as decidir são as seguintes:

a) Da (in)exigibilidade da quantia exequenda, por falta de interpelação extrajudicial, prévia à penhora, nos termos da acção executiva sob a forma sumária;

b) Dos juros remuneratórios nos diferentes contratos;

c) Da prescrição nos termos do art. 310º al. e) do CC.


Antes do mais, os factos que as instâncias julgaram provados:

a) A exequente tem por objecto o exercício da actividade bancária.

b) No exercício dessa actividade, nos dias 20 de Janeiro de 1991, 12 de Junho de 1996, 14 de Julho de 1999 e 27 de Dezembro de 2002, a exequente emprestou aos executados as quantias de € 12. 469, 95, € 44. 891, 82, € 34. 915, 85 e € 52. 500, 00, que eles receberam, de que se confessaram devedores, e destinaram, a primeira, para a aquisição de imóvel para a sua habitação própria e permanente, a segunda, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente para apoio à tesouraria no desenvolvimento da sua actividade empresarial, a terceira e a quarta, em investimentos em imóveis, e se obrigaram a restituir à exequente em prestações de capitais e juros.

c) Para garantia do pagamento dos capitais mutuados de € 12. 469, 95 e € 44. 891, 82, dos juros até às taxas de 20, 50 % e 15, 625 %, acrescidas de 4% a título de cláusula penal, e das despesas, os executados constituíram hipotecas a favor da exequente sobre a fracção autónoma identificada nos títulos, sita na freguesia ..., concelho ..., descrita na 1ª Conservatória ... com o nº 255/19900301-AA.

d) Para garantia do pagamento dos capitais mutuados de € 34.915,85 e € 52.500,00, dos juros até à taxa de 9,544 %, acrescida de 4% a título de cláusula penal e das despesas, os executados constituíram hipotecas a favor da exequente sobre o prédio misto identificado nos títulos, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o nº 690/19940203.

e) Os executados não pagaram as prestações para o reembolso dos capitais e juros, estando por pagar as prestações vencidas desde 20 de Março de 2005, 12 de 14 de Março de 2005 e 27 de Junho de 2004, respectivamente, nem procederam ao reembolso do capital de € 12.469,95 e de € 44.891,82, no termo dos prazos de reembolso de capitais e juros, ocorridos em 2016 e 2007, tendo os imóveis dados em garantia sido penhorados.

f) As operações de crédito vencem juros, actualmente, às taxas de 1,264 %, 9,950

%, 1,259 % e 0,993 %, respectivamente, que, em caso de incumprimento, se alteram

para as taxas de 1,652 %, 11,450 %, 1,676 % e 1,307 %, ao ano.

g) Desde 2006, os executados procederam junto do exequente a pagamentos no

valor total de cerca de € 75. 000, 00.

h) Os executados deixaram de pagar as prestações vencidas dos empréstimos

nas seguintes datas:

- Contrato celebrado em 20/01/1991: 20/03/2005;

- Contrato celebrado em 12/06/1996: 12/04/2006;

- Contrato celebrado em 14/07/1999: 14/03/2005;

- Contrato celebrado em 27/12/2002: 27/06/2004;

i) Tendo procedido a diversas amortizações.

j) O montante pago pelos executados, € 69.250,00 foi amortizado e reflectido na operação nº ...92, correspondente ao contrato de abertura de crédito em conta corrente outorgado no dia 12 de Junho de 1996.

l) Através do instrumento avulso equiparado a escritura pública, outorgado no dia 21 de Janeiro de 1991, denominado de “Empréstimo de 2.500 contos ao Sr. AA e esposa”, a Caixa Geral de Depósitos, S.A.,concedeu aos executados um empréstimo no valor de Esc. 2.500.000$00 (€ 12. 469,94), destinado à aquisição da fracção autónoma para habitação própria e permanente designada pelas letras “AA”, descrita na ... CRP ... sob o nº 255/19900301-AA, da freguesia ... (...), através da qual os executados se obrigaram a proceder ao reembolso da quantia emprestada em trezentas prestações mensais de capital e juros e ainda, para garantia de pagamento do referido empréstimo, dos juros, da cláusula penal e das despesas, constituíram a favor daquela hipoteca sobre a referida fracção autónoma, constando da mesma que a Caixa Geral de Depósitos, S.A., se reservava o direito de considerar vencido o empréstimo se o objecto da hipoteca for alienado sem o seu consentimento ou se dos devedores deixarem de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato, cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 8 a 15, dos autos principais.

m) Através do instrumento avulso equiparado a escritura pública, outorgado no dia 12 de Junho de 1996, denominado de “Abertura de crédito (em conta corrente) “, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. concedeu aos executados abertura de crédito em conta corrente até ao limite de Esc. 9.000.000$00 (€ 44.891,81) para apoio de tesouraria no desenvolvimento da actividade empresarial, o qual vence juros à taxa nominal de 15,625 %, em caso de mora incide sobretaxa de 4 %, e através do qual os executados, para garantia de pagamento do capital, dos juros, da cláusula penal e das despesas, constituíram a favor daquela hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AA”, descrita na ... CRP ... sob o nº 255/19900301-AA, da freguesia de ... (...), constando do mesmo que a Caixa Geral de Depósitos, S.A., poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários neste ou noutros contratos que com a mesma tenha celebrado, cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 16 a 24, dos autos principais.

n) Através da escritura pública denominada “Mútuo com hipoteca” e respectivo documento complementar, outorgados no dia 14 de Julho de 1999, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., concedeu aos executados o empréstimo da quantia de Esc. 7.000.000$00 (€ 34. 915, 85), destinada a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis, e os executados declararam-se devedores do referido montante, obrigando-se a proceder ao reembolso daquela quantia em vinte e cinco anos, em prestações mensais de capital e juros, tendo para garantia de pagamento do capital, dos juros até à taxa anual de 9,547 %, da cláusula penal de 4 % e das despesas, constituído a favor daquela hipoteca sobre o imóvel composto por edifício de um pavimento, dependência e quintal e terreno a cultura, descrito na ... CRP ... sob o nº 690/19940203, da freguesia ..., constando da mesma que a Caixa Geral de Depósitos, S.A., pode considerar vencido o empréstimo se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se os devedores deixarem de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato, cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 25 a 34, dos autos principais.

o) Através da escritura pública denominada “Mútuo com hipoteca” e respectivo documento complementar, outorgados no dia 27 de Dezembro de 2002, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., concedeu aos executados o empréstimo da quantia de € 52.500,00, destinada a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis, e os executados declararam-se devedores do referido montante, obrigando-se a proceder ao reembolso da quantia emprestada em vinte e cinco anos, em prestações mensais de capital e juros, tendo para garantia de pagamento do capital, dos juros, da cláusula penal de 9,544 % e das despesas, constituído a favor daquela hipoteca sobre o imóvel composto por edifício de um pavimento, dependência e quintal e terreno a cultura, descrito na ... CRP ... sob o nº 690/19940203, da freguesia ..., constando da mesma que a Caixa Geral de Depósitos, S.A., pode considerar vencido o empréstimo se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se os devedores deixarem de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato, cuja certidão digitalizada se encontra a fls. 35 a 46, dos autos principais p) À data da propositura da execução, em 4 de Abril de 2019, sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AA”, descrita na ... CRP ... sob o nº 255/19900301-AA, da freguesia ... (...), incidiam registos de penhora a favor da Fazenda Nacional/Autoridade Tributária e Aduaneira, pelas apresentações n.º 4161, datada de 14 de Julho de 2009, n.º 4143, datada de 13 de Abril de 2010 e n.º 3262, datada de 30 de Outubro de 2014 – Vide certidão permanente de fls. 47 e segs., dos autos principais.

q) E nessa data, sobre o imóvel composto de edifício de um pavimento, logradouro e terreno a cultura, descrito na ... CRP ... sob o nº 690/19940203, da freguesia ..., incidiam registos de penhora a favor da Fazenda Nacional/Autoridade Tributária e Aduaneira, pelas apresentações nºs 11, datada de 27 de Setembro de 2005, nº 15, datada de 17 de Junho de 2008, nº 3262, datada de 30 de Outubro de 2014 – Vide certidão permanente de fls. 51 e segs., dos autos principais.

r) Entre Outubro de 2017 e Fevereiro de 2019, os executados procederam junto da exequente a pagamentos no valor total de € 5. 750, 00, conforme documentos de fls. 221 a 228, 276 a 279 e 311, deste apenso.

s) A Esperto & Original, S.A., enviou à executada a carta datada de 22 de Março de 2021, solicitando o pagamento da quantia de € 152. 460, 54, cuja cópia digitalizada se encontra a fls. 576 e 577, deste apenso.

t) Os executados não foram, antes da instauração da presente execução, interpelados para pagamento dos valores em dívida nos contratos antes referidos, nem lhes foi comunicada a resolução dos mesmos. (facto este aditado pela Relação)           

Da (in)exigibilidade da quantia exequenda

Invoca o recorrente que a dívida não é exigível, em face da alteração da matéria de facto, porquanto não ocorreu interpelação extrajudicial dos executados antes de ser intentada a execução, a qual corre pela forma sumária, nos termos do art. 550.º do CPC, pelo que não é devida qualquer quantia.

Em primeiro lugar, impõe-se distinguir os conceitos de vencimento e de exigibilidade.

Conforme é bem explicado no Ac. do STJ de 30-06-2020, Revista n.º 5995/03.0TVPRT-B.P1.S1, “Os conceitos de exigibilidade e de vencimento são distintos mas nem sempre são bem usados na legislação, doutrina e jurisprudência. A exigibilidade é a situação em que o credor pode exigir o cumprimento e o vencimento é a situação em que o devedor está constituído na necessidade de cumprir. Formulando a questão sob a perspectiva do tempo do cumprimento, é possível dizer que é frequente os dois momentos não coincidirem (a obrigação é exigível mas só se vence quando há interpelação do devedor)”.

Ou seja, considera-se uma dívida vencida quando o devedor está em situação de necessidade de cumprimento ou pagamento da dívida. Mas essa dívida para além de vencida é também exigível quando o credor está em situação de exigir o cumprimento da dívida, porque já ocorreu a interpelação do devedor pelo credor.

O art. 781º nº 1 do CC dispõe nos seguintes termos: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Assim como se mostra consagrado neste normativo, a falta do pagamento de uma das prestações determina o vencimento das demais, mas o credor apenas pode exigir ao devedor o pagamento de toda a dívida depois de interpelar o devedor para o pagamento da totalidade da dívida, em virtude da falta do pagamento de uma prestação ou mais, neste sentido se tendo pronunciado os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-07-2019 (Revista n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1), onde também se afirma queO vencimento das prestações a que se refere o art. 781.º do CC é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação. Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. O vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor. (…)”, de 11-05-2022 (Revista n.º 1511/19.0T8STB-A.E1.S1), onde se afirma que “A regra é de que o credor não pode exigir o cumprimento de uma obrigação antes do vencimento/decurso do prazo (para ele previsto), sendo esse prazo estabelecido em benefício do devedor. Regra essa que sofre de algumas exceções, entre as quais se encontra aquela contemplada no art. 781.º do CC, e do qual resulta a perda do benefício do prazo pelo devedor (principal) a favor do credor. Benefício de prazo esse (do art. 781.º do CC) – traduzido em poder antecipar o vencimento de todas prestações futuras, referentes a uma obrigação cuja satisfação está escalonada no tempo, sempre que o devedor deixe de liquidar uma delas – que o credor, num regime com caráter supletivo, pode exercer ou não facultativamente. (…), e, por último, de 28-09-2022 (Revista n.º 554/20.5T8AGH.L1.S1), segundo o qual “O art. 781.º do CC constitui um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, pelo que, para poder funcionar (e para que todas as prestações se vençam), não prescinde da interpelação do credor, na pessoa do devedor, para que esta cumpra de imediato todas as prestações. (…)”.

Também é entendimento generalizado neste Supremo Tribunal a citação vale como meio de interpelação do devedor, tendo como efeito a exigibilidade da totalidade da dívida, nos termos do art. 781º do CC, tal sendo sustentado, entre outros, nos Acórdãos de 30-06-2020 (Revista n.º 5995/03.0TVPRT-B.P1.S1), que assevera que “A citação do executado para os termos da acção executiva vale, em regra, como acto de interpelação (judicial) para o pagamento da obrigação exequenda, tornando irrelevante a falta de interpelação extrajudicial anterior. (…), de 27-01-2022 (Revista n.º 1522/12.6TBMTJ-B.L1.S1), que afirma que “A citação do devedor na acção executiva deve considerar-se suficiente para afastar a situação de inexigibilidade, em sentido forte, por aplicação da norma da al. b) do n.º 2 do art. 610.º do CPC, solução essa conforme aos fins da acção executiva e a que melhor se coaduna com o que a lei dispõe para as obrigações alternativas da escolha do devedor (art. 714.º) e para o caso paralelo da prestação de facto sem prazo (art. 874.º). (…), e de”, e, por último, de 5-09-2022, Revista n.º 12176/17.T8LSB-A.L1.S1, subscrita pelo ora relator como adjunto (Manuel Capelo), que afirma que “Estando provado que quando a execução foi instaurada uma das prestações se encontrava incumprida, ainda que a interpelação extrajudicial que a exequente realizou não possa ser tida como relevante, a citação na execução cumpre a exigência da interpelação para o cumprimento integral do débito”.

Assim, dúvidas inexistem que a citação é um meio apto, bastante e adequado, para além da interpelação extrajudicial, para tornar a totalidade da dívida exigível, nos termos do art. 781º do CC, pelo que a interpretação do acórdão recorrido até esta parte se mostra correcta e isenta de censura.

Refira-se, igualmente, que, também conforme já foi decidido neste Supremo Tribunal, o reembolso antecipado do capital nos termos do art. 781º do CC ocorre independentemente da resolução do contrato, pelo que a circunstância de não ter ocorrido resolução prévia do contrato não influi no decurso dos autos, nestes termos se tendo pronunciado o Ac. de 12-07-2018 (Revista n.º 10180/15.5T8CBR-A.C1.S1), segundo o qual “Seguindo a execução para pagamento de quantia certa a forma de processo comum ordinário – na qual a citação prévia constitui o procedimento-regra – a citação levada a efeito vale como interpelação judicial aos executados nos termos e para os efeitos do art. 805º nº 1 do CC, no caso, para cumprimento das prestações e acréscimos do contrato de mútuo considerados como estando em dívida (arts. 726.º e 727.º do CPC). Essa interpelação apenas confere à obrigação exequenda o indispensável atributo da exigibilidade, não se reconduzindo a qualquer declaração resolutiva do contrato, já que, lançando o credor mão do mecanismo do vencimento ou exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações, reclamando a totalidade desta, com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor, tem o mesmo em vista a consideração do contrato como válido (no qual permanece interessado) e não a sua resolução/extinção (art. 781.º, n.º 1, do CC, e art. 713.º do CPC). (…)”, assim como o já citado Ac. de 27-01-2022, Revista n.º 1522/12.6TBMTJ-B.L1.S1, quando aduz que “No mútuo liquidável em prestações, a lei admite o reembolso antecipado do capital se o devedor não pagar as prestações ou quotas de amortização, pelo que a mesma lei não faz depender o reembolso antecipado da resolução do contrato (art. 781.º do CC) - passa a existir, tão só, a imediata exigibilidade de todas as prestações”.

Aqui chegados, e concluindo que a citação dos devedores para a execução tornou exigível a totalidade da dívida, nos termos do art. 781º do CC, haverá agora que apurar se a forma sumária do processo executivo influencia ou não o prosseguimento da execução.

Como é sabido, muito sumariamente, o processo executivo pode assumir a forma ordinária, nos termos dos art. 724.º e ss. do CPC, a qual é a forma regra, sendo aplicável aos casos previstos no art. 550º nº 3 do CPC, em que há intervenção liminar do juiz e a penhora é precedida de citação, à excepção dos casos em que é requerida a sua dispensa nos termos do art. 727º do CPC.

Por seu lado, a forma sumária está prevista nos arts. 855º e seguintes do CPC, aplicando-se aos casos previstos no art. 550º nº 2 do CPC, sendo que a penhora antecede sempre a citação, com excepção do previsto no nº 5 do art. 855º do CPC.

No caso, a presente execução seguiu a forma sumária, porquanto o título apresentado, de acordo com o exequente, enquadrava-se na al. c) do nº 2 do art. 550º do CPC – título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor.

De facto, a dívida mostrava-se vencida, devido à falta de pagamento de prestações, mas não era exigível.

Por força do disposto no art. 713º do CPC, a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.

A questão coloca-se porquanto a citação dos executados ocorreu apenas após a penhora, ou seja, antes de a dívida se mostrar exigível ocorreu a penhora dos bens dos executados.

A solução desta questão não se afigura pacífica, nem na doutrina nem na jurisprudência.

Passemos a explanar as duas posições que surgem.

Por um lado, temos a posição que é adoptada no acórdão recorrido e que se estriba no já citado Acórdão do STJ de 30-06-2020, Revista n.º 5995/03.0TVPRT-B.P1.S1. Neste aresto configura-se uma execução ordinária, em que foi solicitada a dispensa prévia de citação, tendo sido efectuada a penhora antes da citação, apesar de não existir qualquer interpelação judicial prévia. Entendeu-se, assim, que o critério determinante, para saber se este fundamento de oposição deve ou não proceder, será o das consequências da falta de interpelação – especificamente no tocante à verificação de prejuízos ou irreparáveis danos para o executado.

Resumidamente, concluiu-se que, apesar de a regra, para estas situações, ser a da efectivação da penhora depois da citação, enquanto interpelação para a exigibilidade da totalidade das prestações, deve aferir-se casuisticamente, e se no caso a citação foi efectuada com o conteúdo de interpelação e se daquela penhora antecipada não ocorrerem prejuízos ou irreparáveis danos para o executado, deve atender-se à economia processual em detrimento de uma posição formalista que daria procedência à oposição com base nestes fundamentos. Escreveu-se o seguinte: Ora, não há grandes dúvidas de que, ainda que tardia, a interpelação efectuada in casu (consubstanciada na citação dos executados) tinha o mesmo conteúdo que teria a citação efetuada antes da penhora e desempenhou a mesma função (a função habitual), tendo os executados ficado a saber da pretensão dos exequentes e do alcance desta pretensão.

Terá a falta de interpelação atempada (i.e., antes da penhora de bens) afectado gravemente ou posto em risco os interesses dos executados merecedores de tutela?

A consequência imediata da penhora dos bens é que os executados foram desapossados destes bens - e desapossados destes bens num momento em que parte da dívida exequenda ainda não estava vencida.

O certo é que nada garante que este efeito não se produzisse da mesma forma, em função da parte da dívida já vencida na altura. Quer dizer: ainda que a obrigação exequenda se reduzisse às prestações vencidas, seriam, com toda a probabilidade, penhorados aqueles bens aos executados.

Mas mesmo que assim não fosse, não só seria já impossível eliminar este efeito como também, e sobretudo, já seria impossível evitá-lo para o futuro, uma vez que o argumento do não vencimento de parte da dívida deixou valer a partir do momento em que os executados foram citados, com isso tomando conhecimento da execução da totalidade da dívida.

Ponderando tudo, o desaproveitamento da interpelação / citação dos executados emerge, em concreto, como não justificado: primeiro, porque ela desempenhou eficazmente a sua função; segundo, e mais importante ainda, porque não se descortinam interesses que reclamassem uma solução destas.

Por outra banda, outra tese sustentando, o Conselheiro Lopes do Rego (“Requisitos da Obrigação Exequenda”, Revista Themis, Ano IV, n.º 7, 2003, pp. 70-71), ainda no âmbito do CPC de 1961, mas com relevância no presente caso, por referência à citação antes ou depois da penhora, escreveu o seguinte: “Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao deferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos arts. 812.º - A, n.º 1, alíneas c) e d) e 812.º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que - nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.”

RUI PINTO (In Manual da Execução e Despejo, pág. 232-233, Almedina, 2013, p. 228) define a exigibilidade da obrigação exequenda não como um pressuposto processual, mas como um elemento integrador da causa de pedir executiva, ainda que presumida pelo título, pelo que a demonstração da sua ausência determina a extinção da execução, por falta de condição material do seu objeto material.

PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO (in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2014, 2ª Edição, Volume I, Almedina, comentário ao art. 550.º, p. 468) adoptam uma posição, pelo menos aparentemente mais restrita, pois entendem que, na execução sob a forma sumária, intentada nos termos da al. c) do nº 2 do art. 550º, deve, desde logo ser junto documento comprovativo da interpelação para cumprimento, sob pena de faltar um dos requisitos da obrigação exequenda.

Na jurisprudência do STJ surgem diversos acórdãos no sentido da extinção da instância executiva, por inexigibilidade da dívida, em situação de penhora prévia à citação, nos casos de vencimento de dívida nos termos do 781º, sem que tenha havido junção do comprovativo da interpelação extra-judicial, designadamente no Acórdão de 11-07-2019 (Revista n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1), segundo o qual “Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela al. c) do n.º 2 do art. 550.º do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (art. 224.º, n.º 2, CC). É igualmente necessária a junção aos autos do documento comprovativo da interpelação para o cumprimento, em todos os casos em que não se esteja perante uma obrigação com prazo certo, sob pena de faltar um dos requisitos da obrigação exequenda (art. 713.º), assim como no Acórdão de 05-05-2020 (Revista n.º 734/18.3T8MMN-A.E1.S1), segundo o qual “I. O regime consagrado no art. 781.º do CC não dispensa a interpelação do devedor para desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas. II - Nos contratos de mútuo liquidáveis em prestações, a perda do benefício do prazo e a obrigação do pagamento antecipado das prestações vincendas depende de interpelação prévia dos devedores. III - A perda do benefício do prazo, nos termos previstos no art. 780.º do CC, não se estende aos co-obrigados do devedor, porquanto tem carácter pessoal, não se comunicando aos co-devedores conjuntos ou solidários, nem a terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação (art. 782.º do mesmo Código). IV - A falta de demonstração pela exequente de que exercitou o seu direito potestativo de resolução, traduzido na competente interpelação dos devedores para pagamento do montante em dívida, antes de iniciada a instância executiva, torna o título executivo complexo inválido e o montante exequendo inexigível.”

Note-se, contudo, que nestes arestos será pedida, igualmente, a resolução dos contratos, o que, no caso, não sucede, o que se verifica do teor do requerimento executivo, onde o exequente apenas refere o vencimento da totalidade da dívida, nos termos do art. 781º do CC, não existindo qualquer referência à resolução dos negócios.

É de realçar, igualmente, que se afigura mais acertado entendermos que o vencimento da dívida nos termos do art. 781º do CC não exige a resolução do contrato, na senda do que foi sustentado no Ac. do STJ de 12-07-2018 (Revista n.º 10180/15.5T8CBR-A.C1.S1), do qual resulta que “Seguindo a execução para pagamento de quantia certa a forma de processo comum ordinário – na qual a citação prévia constitui o procedimento-regra – a citação levada a efeito vale como interpelação judicial aos executados nos termos e para os efeitos do art. 805.º, n.º 1, do CC, no caso, para cumprimento das prestações e acréscimos do contrato de mútuo considerados como estando em dívida (arts. 726.º e 727.º do CPC). Essa interpelação apenas confere à obrigação exequenda o indispensável atributo da exigibilidade, não se reconduzindo a qualquer declaração resolutiva do contrato, já que, lançando o credor mão do mecanismo do vencimento ou exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações, reclamando a totalidade desta, com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor, tem o mesmo em vista a consideração do contrato como válido (no qual permanece interessado) e não a sua resolução/extinção (art. 781.º, n.º 1, do CC, e art. 713.º do CPC). Este acórdão não se refere à execução sob a forma sumária, mas sim sob a forma ordinária, mas onde ocorreu a dispensa de citação prévia, pelo que, também aqui a penhora foi anterior à citação.

Aqui chegados, e ponderando a supracitada jurisprudência e doutrina e bem assim a factualidade dos autos, tendemos a acompanhar o raciocínio explanado no Acórdão deste STJ de 30-06-2020 supra referido, que confirmou o decidido no Acórdão do TRP de 21.11.2019, onde se escreveu o seguinte:

“O critério orientador ou determinante não poderá deixar de ser o das consequências

desta falta de interpelação. Cumpre, mais precisamente, saber quais os interesses tutelados com a exigência da interpelação e se a falta de interpelação lhes causou [aos executados] algum prejuízo grave ou irreparável. Só na hipótese afirmativa se justificará desaproveitar a citação entretanto efectuada, com o inerente sacrifício da economia processual, e dar procedência à oposição nesta parte. Uma solução meramente formalista, que impusesse uma obediência irrestrita às palavras da lei e não desse atenção às circunstâncias do caso concreto (a eventualidade de os interesses em causa estarem acautelados com a citação posterior e da situação não decorrer prejuízo para ninguém) seria excessiva/desadequada.

A interpelação pode ser definida, de uma forma geral, como o mecanismo através do qual o credor dá conhecimento ao devedor da sua intenção de exigir o cumprimento da obrigação e dos termos em que ele é exigido e, quanto associada ao artigo 781º do CC, como mecanismo através do qual o credor expressa a vontade em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui de instar o devedor a cumprir imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes).

Como claramente resulta do art. 805º, n.º 1, do CC, a interpelação pode ser extrajudicial ou judicial, sendo consensualmente entendido que esta é um equivalente funcional daquela.

Ora, não há grandes dúvidas de que, ainda que tardia, a interpelação efectuada in casu (consubstanciada na citação dos executados) teve o mesmo conteúdo que teria a citação efectuada antes da penhora e desempenhou a mesma função (a função habitual), tendo os executados ficado a saber da pretensão dos exequentes e do alcance desta pretensão.

Terá a falta de interpelação atempada (i.e, antes da penhora de bens) afectado gravemente ou posto em risco os interesses dos executados merecedores de tutela?

A consequência imediata da penhora dos bens é que os executados foram desapossados destes bens – e desapossados destes bens num momento em que parte da dívida ainda não estava vencida.

O certo é que nada garante que este efeito não se produzisse da mesma forma, em função da dívida já vencida na altura. Quer dizer: ainda que a obrigação exequenda se reduzisse às prestações vencidas, seriam, com toda a probabilidade, penhorados aqueles bens aos executados. “

Assim, em plena concordância com o entendimento expresso nas instâncias, diremos que se impõe avaliar casuisticamente os presentes autos e concluir nos termos do acórdão recorrido, pois a verdade é que existindo hipotecas nos autos para garantia das obrigações em causa, sempre seriam penhorados obrigatoriamente (art. 752º nº 1 do CC) os bens que foram penhorados antes da citação, caso esta tivesse ocorrido previamente à penhora, caso em que a execução seria a “mesmíssima” (utilizando a enfática expressão da Relação),  “com penhora dos mesmos bens, que sempre respondem, em primeira linha, pela dívida, enquanto bens dados em garantia/hipoteca”.

Em conclusão, abdicando do apertado formalismo normativo, numa leitura eivada em critérios de economia processual, mas essencialmente objectivada e assente em critérios de justiça material, sempre atendendo aos interesses em causa, maxime nunca prejudicando as legítimas garantias de defesa dos executados, entendemos que, no caso vertente não advém para os executados qualquer prejuízo acrescido em virtude de a penhora ter sido prévia à citação dos mesmos, nada obstando a que a citação dos mesmos, ocorrida após a penhora, deve ser equiparada à interpelação extrajudicial, apesar de também reconhecermos que aquela poderia e deveria ter tido lugar no momento processualmente adequado.

Mais se diga, já à laia de considerando final, que a situação dos presentes autos não é equiparável, por se tratar de factos diferentes, à factualidade retratada nos Acórdãos do STJ de 11-07-2019 e de 05-05-2020, acima apontados, pois ali estava em causa, também, o pedido de resolução dos negócios, o que aqui não ocorre.

Na verdade, no Acórdão de 30-06-2020 (Revista n.º 5995/03.0TVPRT-B.P1.S1), foi rejeitado liminarmente o recurso para uniformização de jurisprudência, tendo como acórdão fundamento o acórdão de 11-07-2019 (Revista n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1), por não tratar factualidade nem questão essencial de direito idênticas, em face da existência da resolução, que não existia no acórdão recorrido.

Termos em que, também neste vector, a revista deverá improceder, merecendo confirmação o entendimento sustentado nas instâncias.


Dos juros remuneratórios nos diferentes contratos;

Relativamente à questão dos juros remuneratórios também não merece censura a decisão recorrida.

Bem andou o acórdão recorrido em distinguir os contratos com prazo de cumprimento findo, em que o prazo de cumprimento das prestações já se mostrava completo, pelo que aí seria devida a totalidade dos juros remuneratórios, porque já ultrapassado o prazo total de cumprimento. E, relativamente aos contratos cujas prestações ainda se encontravam em prazo, serão apenas devidos os juros remuneratórios das prestações vencidas até à data da instauração da execução.

É esta a jurisprudência que foi fixada no AUJ n.º 7/2009, que postula que “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

Por simples e lapidar realçamos o comentário de ANA AFONSO (In Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, artigo em comentário na pág. 1071, deve ser o 781.º, Universidade Católica Editora, 2018), em anotação ao 781.º do CC, acerca desta matéria: A questão de saber se no contrato de mútuo oneroso o atraso no pagamento de prestação permite ao credor exigir além do pagamento antecipado das prestações de capital também o montante dos juros remuneratórios, que recebia respostas distintas nos tribunais, veio a ser objeto de uniformização no sentido de excluir o direito do credor a receber juros remuneratórios incluídos nas prestações respeitantes a prazo ainda não decorrido ao tempo da exigibilidade antecipada, pelo AUJ n.º 7/2009. Diversamente da obrigação de capital que constitui dívida liquidável em prestações, obrigação fracionada ou repartida, a dívida de juros correlaciona-se com o decurso do tempo. A obrigação de juros remuneratórios só se vence à medida que o tempo a faz nascer para remunerar a disponibilidade de capital. A exigibilidade antecipada das frações de capital retira ao credor a possibilidade de exigir os juros que não podem vencer-se pois não chegam a ser constituídos.

Não merece censura o Acórdão recorrido, também quanto a este aspecto dos juros.

Da prescrição

Conforme é jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal, os recursos servem para reapreciar questões já colocadas à consideração do anterior julgado, e não para criar decisões novas sobre determinadas matérias, com excepção das questões de conhecimento oficioso, neste sentido pontuando diversos Acórdãos deste Supremo tribunal, designadamente o de 20-01-2022 (Revista nº 8050/19.7T8LSB-A.L1.S1), de 14-07-2020 (Revista n.º 989/19.6T8BCL.G1.S1) e de 08-10-2020 (Revista n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1).

A prescrição não é uma questão cujo conhecimento deva ser oficioso, pelo que não tendo sido invocada pela parte, nem no requerimento inicial de embargos, nem na apelação, e não tendo sido conhecida no acórdão recorrido, é uma questão nova que não pode ser apreciada neste Supremo Tribunal.

Neste sentido se tendo pronunciado o Acórdão deste Tribunal de 20-04-2022 (Revista n.º 15/12.6TBSRP.E3.S1).

Assim nos abstemos de conhecer da invocada prescrição.

Em face de tudo o exposto, somos de concluir que o acórdão recorrido deverá ser mantido, improcedendo a revista dos executados/embargantes.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram esta 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando-se inteiramente o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Sousa Pinto

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza