Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONDOMÍNIO
APROVAÇÃO DO ORÇAMENTO
CONVOCATÓRIA DA ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÕES NULAS
Sumário
I – É prática consolidada que o administrador do condomínio na própria convocatória da assembleia geral destinada à discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano - cfr. art. 1431º, nº 1 do Cód. Civil –, ou nos dias que antecedem essa assembleia, disponibilize tais contas aos condóminos, bem como os respetivos documentos de suporte. II - Só desta forma poderão os condóminos tomar uma posição esclarecida e fundamentada sobre as contas apresentadas pela administração, exercendo assim um efetivo controlo sobre a atividade desta. III – As deliberações da assembleia de condóminos que violem normas imperativas são nulas. IV - Se a assembleia de condóminos delibera no sentido da inexistência de Fundo Comum de Reserva, que é obrigatório existir em cada condomínio, infringe uma norma de carácter imperativo e essa deliberação é nula. V – A ordem de trabalhos da assembleia geral do condomínio deve enunciar de forma sucinta, mas clara, as matérias a tratar, com vista a permitir que cada condómino se prepare adequadamente para intervir na discussão e votação. VI - As deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos são anuláveis nos termos do art. 1433º, nº 1 do Cód. Civil.
Texto Integral
Proc. 1533/19.0 T8PVZ.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Póvoa de Varzim – Juiz 2
Apelação
Recorrente: AA
Recorrido: Condomínio ..., ...
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora AA, residente na Avenida ..., Póvoa de Varzim, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra a administração do ..., Bloco ..., sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, aqui representada por “A...”, com sede na Rua ..., Póvoa de Varzim, e os trinta e dois condóminos melhor identificados na petição inicial, pedindo que seja declarada inexistente por falta de quórum constitutivo, a Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto; seja declarada nula a deliberação da Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto que aprova o relatório de contas relativo ao exercício de gestão e administração de 1 de Agosto de 2018 a 31 de Julho de 2019; seja declarada anulada a deliberação da Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto que aprova a realização de obras, nomeadamente a colocação de portas nas varandas; seja declarada nula a deliberação da Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto que aprovou o orçamento para a realização das obras relativas a colocação de portas nas varandas e seja julgada a falsidade da ata por falta de discussão e deliberação sobre os pontos 5 e 6.
Alegou, para tanto, em suma, que no dia 16.8.2019 se realizou a Assembleia Geral do prédio constituído em propriedade horizontal, denominado “Edifício ...”, sito na Avenida ..., cuja ata não especifica os condóminos representados ou quem os representou, sendo certo que de acordo com a deliberação de 9.2.2018 cada condómino só podia representar um condómino por procuração. Mais invocou que o relatório das contas apenas foi apresentado no decurso da referida assembleia, que não existe fundo comum de reserva, o saldo inicial da prestação de contas é diferente do saldo final das contas relativas ao exercício anterior e todas as verbas estão no caixa em vez de estarem depositadas na conta bancária. Acresce que nas assembleias anteriores, realizadas em 28.7.2018 e em 6.10.2018, foi deliberado constituir uma comissão de condóminos para o tema das obras, comissão que nunca foi criada. Por fim, ao contrário do que ficou a constar da ata, não existiu discussão e deliberação sobre os pontos 5 e 6 da ordem de trabalhos.
Efetuada a citação, apenas a administração do condomínio contestou, impugnando os factos alegados e concluindo pela improcedência da ação.
Realizada audiência prévia foi proferido despacho que fixou o valor da causa, conheceu da ilegitimidade passiva dos réus BB e CC, fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova e, após admissão dos meios de prova, designou data para a realização da audiência de julgamento.
A audiência de discussão e julgamento realizou-se com observância do formalismo legal.
Por fim, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
Da Nulidade da Sentença
Sem prescindir,
1- A sentença é nula nos termos da alínea d), nº1 do art. 615º do CPC, por vício de ultra petita, uma vez que, o juiz a quo invoca, como razão de decidir, uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a Recorrente invocou.
Da Impugnação da Matéria de Facto
2- A inexistente fundamentação de facto quer quanto aos factos provados quer não provados espelha a falta de ponderação por parte do julgador do tribunal de 1ª Instância, pelo que, atenta a deficiência ocorrida deverá a decisão recorrida ser alterada.
Do Erro na Apreciação da Matéria de Facto
3 – Foi dado como provado, respectivamente, no ponto 33, que “no dia 16 de Agosto de 2019, realizou-se a Assembleia Geral do Condomínio ..., ..., sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Apresentação, discussão e aprovação das contas referentes ao exercício de 01/08/2018 a 31/07/2019; “
4- Contudo, foi dado como não provado nos pontos 2 e 3 dos factos não provados o seguinte: “O relatório de contas só foi apresentado durante a Assembleia Geral de 16 de Agosto” e “A entrega do relatório de contas só aconteceu no decurso da Assembleia, o que impediu uma necessária análise do mesmo”.
5- Contudo da prova produzida, deve ser dado como provado os pontos 2 e 3, ou seja que “O relatório de contas só foi apresentado durante a Assembleia Geral de 16 de Agosto” e “A entrega do relatório de contas só aconteceu no decurso da Assembleia, o que impediu uma necessária análise do mesmo”.
6- Também deve ser dado como provado, atendendo à prova documental junta aos autos (acta da Assembleia de 16 de Agosto de 2019 e prestação de contas) os pontos 4 e 5 dos Factos Não Provados, ou seja, que inexiste fundo comum de reserva, por uso indevido e o saldo inicial da prestação de contas (01.08.2018 a 31.07.2019) é diferente daquele que foi o saldo final da prestação de contas do exercício anterior.
Do Direito
7- O tribunal a quo julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade da deliberação da Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto de 2019 que aprovou o relatório de contas relativo ao exercício de gestão e administração de 1 de Agosto de 2018 a 31 de Julho de 2019, de anulabilidade da deliberação da Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto que aprova a realização das obras, nomeadamente a colocação de portas nas varandas e em consequência a anulabilidade da deliberação relativa à escolha do orçamento.
8 – Quanto ao primeiro pedido, declaração de nulidade da deliberação da Assembleia Geral de Condóminos de 16 de Agosto de 2019 que aprovou o relatório de contas relativo ao exercício de gestão e administração de 1 de Agosto de 2018 a 31 de Julho de 2019, entendeu o tribunal a quo que estava em causa é o dever de informação da administração e não o de prestação contas.
9- Contudo, quer dos factos alegados quer dos factos provados resulta evidente que o objecto dos presentes autos é o dever de prestar contas da administração.
10- Constitui obrigação legal do administrador, prevista no artigo 1436º, al. j) do C. Civil, a prestação de contas.
11- Obrigação esta, que não se confunde com a obrigação em sentido lato, com o direito de informação dos condóminos, isto à semelhança do que acontece com sócios e accionistas, previsto no Código das Sociedades Comerciais.
12- Por isso mesmo, a decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado no art.1436, al. j) do C. Civil.
13- Mas a decisão de julgar improcedente o pedido de nulidade da deliberação que aprovou as contas resulta ainda contrária à lei, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado no art.4 do Decreto-Lei 268/94 de 25 de Outubro.
14- O tribunal a quo também andou mal quando julga improcedente o pedido de anulabilidade da deliberação que aprovou as obras das portas.
15- Com efeito, resultando provado que não constava da ordem de trabalhos qualquer deliberação relativa à realização das obras das portas, a mesma é anulável por ser contrária à lei.
16- Como também é anulável a deliberação que aprovou o orçamento, por contrária à lei.
17- A douta decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado no art.1433 º, nº1 do Código Civil.
O réu apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Formulou as seguintes conclusões:
A- Veio o presente recurso interposto pelo facto da recorrente não se haver conformado com o facto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ter julgado improcedentes os pedidos de nulidade das deliberações da Assembleia Geral de 16 de agosto de 2019 que aprovaram o relatório de contas de 01-08-2018 a 31-07-2019 e que aprovaram a realização de obras de colocação de portas nas varandas, em todos os pisos.
B- No que diz respeito a deliberação que aprovou o relatório de contas, a recorrente afirma que essa deliberação é nula porque o relatório de contas só foi apresentado durante a Assembleia Geral de 16 de agosto de 2019, não podendo, por isso, os condóminos analisar as contas, nem pedir esclarecimentos acerca dos documentos entregues.
C- Reconhece dessa forma que o relatório de contas foi entregue e não põe em causa o facto desse relatório conter todos os elementos essenciais que deveria conter.
D- A recorrente qualifica a entrega do relatório de contas aquando [d]a realização da Assembleia de condóminos como equivalente a falta de prestação de contas.
E- No entanto o Tribunal a quo entendeu que a não entrega do relatório com a convocatória não é relevante, sendo outrossim decisivo apurar se o administrador prestou as informações solicitadas.
F- Afirma ainda a recorrente que o facto não provado 3 (entrega do relatório de contas aquando a Assembleia) deveria ter sido considerado provado.
G- Em sede de fundamentação dos factos considerados provados e não provados, a douta sentença recorrida foi explícita ao afirmar que considerou esse facto não provado com base na prova testemunhal, valorando um depoimento em detrimento de outros, com base no princípio de livre apreciação da prova.
H- No caso sub judice, a recorrente não alega nenhum motivo plausível e válido que possa contrariar a convicção do julgador pelo que não se pode falar em erro de julgamento.
I- O único motivo indicado é o facto da convocatória referir-se ao termo “apresentação” de contas, o que para si comprova que o relatório de contas só foi entregue na Assembleia visto as contas só terem sidas apresentadas na Assembleia.
J- Tal argumento é no mínimo ridículo porquanto é por demais evidente que o termo “Apresentação” de contas na convocatória tem o significado de explicação das contas, isto é, explicar onde foi gasto o dinheiro, de onde veio o dinheiro, se o exercício ficou com saldo positivo ou negativo, se o condomínio ficou com dinheiro ou não.
K- Uma diferente interpretação de português de uma palavra por parte da recorrente não tem, nem pode ter, o efeito de tornar credível o depoimento de uma testemunha que o Tribunal considerou não credível.
L- Aliás, a discussão do facto não provado 3 dever ser ou não considerado provado é inócua porquanto mesmo a se considerar esse facto provado ao invés de não provado, nada obriga o administrador a enviar o relatório de contas antes da realização da Assembleia de condóminos.
M- Alega ainda a recorrente que a deliberação que aprovou o relatório de contas é nula porque deveria ter resultado provado a inexistência do fundo de reserva por uso indevido do mesmo.
N- Ora, não é porque a administração do condomínio gastou o dinheiro de uma forma que um condómino discorda que as contas são nulas.
O- No caso concreto, a questão do fundo de reserva foi explicitada em ata, pois que foi explicado que não existia qualquer fundo de reserva vindo da administração anterior. Foi ainda explicado que no ano a que a prestação de contas diz respeito o fundo de reserva somou €2.946,50 e que esse montante ainda não tinha sido depositado na conta bancária porque nem todos os condóminos pagaram.
P- O Tribunal a quo percebeu perfeitamente a questão do fundo de reserva e não retirou da atuação da administração qualquer ilegalidade e muito menos uma ilegalidade que tornasse as contas do exercício nulas ou inválidas.
Q- A recorrente até pode não concordar com o facto do fundo de reserva só ser colocado quando a Administração tiver verba para tal, mas essa discordância não torna o relatório de contas inválido.
R- Quanto muito o relatório de contas poderia não ter sido aprovado se a maioria dos condóminos concordassem com a recorrente, o que não foi o caso.
S- No que diz respeito a deliberação que aprovou a realização das obras das portas das varandas, em todos os pisos, dúvidas não podem haver que essa deliberação diz respeito ao ponto 4 da Convocatória.
T- A recorrente insurge-se pelo facto de, antes da deliberação sobre a escolha do orçamento, o administrador colocou a votação realizar-se ou não as obras, deliberação que entende ser nula porque terá sido introduzido um novo assunto na ordem de trabalhos sem a presença de todos os condóminos.
U- Ora, deliberar realizar-se ou não a obra de colocação das portas de acesso as varandas, em todos os pisos faz parte da discussão do ponto 4 da ordem de trabalhos.
V- Não se trata de um assunto novo mas sim do mesmo assunto.
W- Mas mesmo que assim não se entenda, os efeitos da anulabilidade desse concreta deliberação limitam-se somente àquela deliberação, sendo que a deliberação que aprovou o orçamento para realização da obra de colocação das portas de acesso às varandas é válida na medida em que foi tomada em consonância com o ponto 4 da ordem de trabalhos da convocatória.
X- Por outro lado, o argumento de que a deliberação da colocação das portas das varandas em todos os pisos é anulável porque, em Assembleias anteriores, apenas foi deliberado a constituição de uma comissão de condóminos, também não pode colher.
Y- A recorrente parece fazer querer que a administração do condomínio não tem poderes para, por sua iniciativa, por a deliberação dos condóminos a realização de obras sem que antes, em Assembleia prévia, a Assembleia deliberasse a realização da obra.
Z- O que não é verdade e aliás não é compatível sequer com as funções do administrador.
AA- A douta sentença recorrida assim não entendeu e a simples discordância da recorrente não pode ser fundamento de recurso.
BB- Pois que a recorrente não identifica qualquer norma jurídica violada, nem tão pouco o sentido com que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ou ainda a norma que concretamente deveria ter sido aplicada.[1]
O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
A Mmª Juíza “a quo” consignou ainda o seguinte nesse despacho, a propósito da invocada nulidade de sentença:
“Veio a recorrente invocar a nulidade da sentença por violação da alínea d), do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, sustentando que o tribunal a quo invocou como razão de decidir uma causa ou facto jurídico essencialmente diverso daquele que a recorrente invocou e omitiu pronúncia sobre a obrigação de prestar contas e a forma de as prestar.
«O recorrido pronunciou-se quanto à nulidade, pugnando pela respectiva improcedência, na medida em que o tribunal se pronunciou sobre a obrigação de prestar contas e o âmbito do dever de informação. Apreciando.
De acordo com o preceito legal citado pela recorrente, a sentença é nula quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Lida a sentença recorrida, é patente que a Mma Juiz que a proferiu não omitiu pronúncia quanto à violação da obrigação de prestação de contas pelo réu, ainda que tenha sustentado que a prestação de contas “deve, em primeira mão ser prestada à assembleia de condóminos, enquanto colectivo dos condóminos donde emana a vontade do condomínio” e tenha adoptado o entendimento de que o réu apenas teria incumprido a obrigação de prestar contas se lhe tivesse sido solicitada previamente qualquer documentação relativamente às contas a apresentar em assembleia e tal solicitação tivesse sido desatendida.
Assim, ainda que a recorrente discorde do julgamento e da decisão proferida, não se surpreende na sentença nenhuma omissão de pronúncia.
Por conseguinte, não cremos verificada a nulidade da sentença invocada.”
Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes: I – Nulidade de sentença [art. 615º, nº 1, d) do Cód. de Proc. Civil]; II – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; III – Pedido de declaração de nulidade da deliberação da assembleia geral de 16.8.2019 que aprovou as contas referentes ao exercício de 1.8.2018 a 31.7.2019; IV – Pedido de anulação da deliberação da assembleia geral de 16.8.2019 que aprovou a realização de obras para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos.
*
A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida é a seguinte:
1. Autora é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CG”, do prédio constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício ..., sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
2. A primeira Ré, Administração do Condomínio ..., ..., é exercida pela A..., com sede na Rua ..., Póvoa de Varzim.
3. A terceira Ré, DD, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “O”, do mesmo prédio descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
4. A quarta Ré, EE, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “R”, do mesmo prédio, sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
5. Os quintos Réus, FF e GG, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “S”, do mesmo prédio,
6. Os sextos Réus, HH e II, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “T”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
7. A sétima Ré, JJ, é proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “X”, do mesmo prédio descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
8. Os oitavos Réus, KK e LL, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “AA”, do mesmo prédio descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
9. O nono Réu, MM, é proprietário da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “AG”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
10. A décima Ré, NN, é usufrutuária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “AN”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
11. Os décimos primeiros Réus, OO e PP, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “AQ”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
12. O décimo segundo Réu, QQ, é proprietário da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “AR”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
13. O décimo terceiro Réu, RR, é proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BD”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
14. Os décimos quartos Réus, SS e TT, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BE”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
15. O décimo quinto Réu, UU, é proprietário da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BF”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
16. A décima sexta Ré, VV, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BH”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
17. A décima sétima Ré, WW, é proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BS”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
18. Os décimos oitavos Réus, XX e YY, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BT”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
19. A décima nona Ré, ZZ, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BU”, do mesmo prédio descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
20. A vigésima Ré, AAA, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “BV”, do mesmo prédio descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
21. Os vigésimos segundos Réus, BBB e UU, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CH”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
22. A vigésima terceira Ré, CCC, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CJ”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
23. Os vigésimos quartos Réus, DDD e EEE, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CL”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
24. A vigésima quinta Ré, FFF, é proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CM”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
25. A vigésima sexta Ré, GGG, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CN”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
26. Os vigésimos sétimos Réus, HHH e III, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CS”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
27. A vigésima oitava Ré, JJJ, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CU”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
28. O vigésimo nono Réu, KKK, é proprietário da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “CV”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
29. Os trigésimos Réus, LLL e MMM, são proprietários da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pela letra “CZ”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
30. O trigésimo primeiro Réu, NNN, é proprietário da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “DA”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
31. A trigésima segunda Ré, OOO, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “DB”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
32. A trigésima terceira Ré, PPP, é proprietária da fracção autónoma, destinada a habitação, identificada pelas letras “DC”, do mesmo prédio, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº .......
33. No dia 16 de Agosto de 2019, realizou-se a Assembleia Geral do Condomínio ..., ..., sito na Avenida ..., Póvoa de Varzim, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Apresentação, discussão e aprovação das contas referentes ao exercício de 01/08/2018 a 31/07/2019;
2. Eleição da administração para o exercício 01/08/2019 a 31/08/2020;
3. Apresentação, discussão e aprovação do orçamento para o exercício de 1.08.2019 a 31.08.2020;
4. Apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos;
5. Aprovação de quota extra para financiamento das obras de colocação de portas de acesso às varandas, em todos os pisos;
6. Aprovação do pedido de autorização da Administração para a abertura de conta bancária específica à realização de “Obras do Edifício ...” mobilizável nos mesmos moldes e condições da conta bancária actual do condomínio;
7. Apresentação e aprovação da constituição da “Comissão de Acompanhamento de Obras do Edifício ..., Bloco ...”, formada por três condóminos, para apoiar a Administração do Condomínio na execução das obras de beneficiação e conservação do prédio;
8. Apresentação e aprovação da proposta para a criação de quota-extra para regularização da dívida, transitada da anterior administração, à B... Elevadores;
9. Aprovação do Tipo de intervenção de Obras de Recuperação das Fachadas do Edifício ..., Bloco ...;
10. Outros assuntos do interesse ao condomínio.
34. A Assembleia Geral reuniu em segunda convocatória.
35. Estiveram presentes na referida Assembleia Geral, por si ou representados, condóminos que, no total, representam 46,47% do capital total do prédio.
36. Na Assembleia Geral de Condóminos realizada em 9 de Fevereiro de 2018, foi deliberado por unanimidade que cada condómino só podia representar no máximo um condómino por procuração.
37. Tal deliberação foi revogada por deliberação aprovada em sede de Assembleia de Condóminos realizada a 28 de Julho de 2018 e ratificada por Assembleia de Condóminos realizada a 6 de Outubro de 2018.
38. Nessas Assembleias foi aprovado, por maioria dos condóminos presentes, a representação máxima, em Assembleia de Condóminos, limitada a seis procurações por cada procurador.
39. No processo que corre termos por este juízo local sob o nº 2041/18.2T8PVZ, que teve por objecto a impugnação da acta de 6 de Outubro de 2018, foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou improcedente o pedido e, interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto foi exarado acórdão, transitado em julgado, que apenas alterou a decisão da 1.ª instância na parte relativa à prestação de contas.
40. A acta da Assembleia de 16 de Agosto não especifica quais eram os condóminos representados e/ou quem os representou.
41. A cópia do original da lista de presenças contendo as assinaturas dos condóminos presentes não foi enviada com a acta aos condóminos.
42. Todos os procuradores presentes na Assembleia representavam um único e só condómino, com excepção de uma procuradora que representou dois condóminos.
44. Quanto ao primeiro ponto da Ordem de Trabalhos, “Apresentação, Discussão e aprovação de contas referente ao exercício de 1.08.2018 a 31.07.2019“, após discussão foi o relatório de contas do exercício findo, de 01.08.2018 a 31.07.2019, aprovado por maioria de 65,726/%, com os votos favoráveis dos proprietários das fracções O, R, S, T, X, AA, AG, A N, AQ, AR, BD, BE, BF, BH, BS, BT, BU, BV,CH, CJ, CL, CM, CN, CS, CU, CV, CZ, DA, DB e DC.
45. Todas as verbas estão no caixa (em numerário).
46. Consta do balancete que o saldo final do exercício anterior correspondia a 7.312,55€, fundo de reserva incluído.
47. Subtraído esse montante ao resultado negativo do exercício em causa do montante de 6.263,00€, obtém-se o saldo final do presente exercício, de 1.049,55€.
48. Relativamente ao ponto quatro da Ordem de trabalhos, “Apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos”, e perante a discussão que se seguiu decorrente do facto de parte dos condóminos presentes entenderem haver obras mais urgentes, o Presidente da Mesa decidiu pôr à votação a realização ou não desta obra.
49. Realizada a votação, foi deliberado por maioria proceder à obra de colocação das portas de acesso às varandas.
50. Nas Assembleias anteriores, nomeadamente a de 28 de Julho e 6 de Outubro de 2018 foi deliberado no que respeita a esta obra, convocar nova Assembleia para o tema das obras e constituição de uma comissão de condóminos para o mesmo efeito, Assembleia que não ocorreu.
51. A assembleia terminou sem discussão de todos os pontos da ordem de trabalhos mas após terem sido discutidos os pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 da Ordem de trabalhos.
52. Após recolha do sentido de voto a secretária, por duas vezes seguidas, enumerou as frações que votaram a favor, contra e as que se abstiveram e pediu aos condóminos que confirmassem se estava tudo correto.
53. A acta não dá notícia do facto do Presidente ter marcado a continuação da Assembleia para o dia 14 de Dezembro, pelas 9h e 30m, nas instalações do MAPADI, para a continuação da discussão e votação dos restantes pontos da ordem de trabalhos.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:
1. A deliberação de 9 de Fevereiro de 2018 ainda se mantém em vigor, porquanto a deliberação que a revogou, foi impugnada judicialmente, cujo processo corre termos neste Tribunal, Secção Cível Local da Póvoa de Varzim, sob o nº 2041/18.2T8PVZ, não havendo ainda nesta data, decisão judicial.
2. O relatório de contas só foi apresentado durante a Assembleia Geral de 16 de Agosto.
3. A entrega do relatório de contas só aconteceu no decurso da Assembleia, o que impediu uma necessária análise do mesmo.
4. Inexiste fundo comum de reserva, por uso indevido.
5. O saldo inicial da prestação de contas (01.08.2018 a 31.07.2019) é diferente daquele que foi o saldo final da prestação de contas do exercício anterior.
6. Apenas foi votado o ponto quatro da ordem de trabalhos – “Apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos.
7. O presidente não propôs a discussão e votação em conjunto dos pontos 4 e 5 da ordem de trabalhos.
8. Não foi aceite por unanimidade dos presentes a proposta de colocação de portas de acesso às varandas, por parte dos presentes que se opuseram a que as obras fossem feitas.
9. Não foi aprovada a quota extra para pagamento dos trabalhos de colocação das portas.
10. Não foi votado o ponto seis da ordem de trabalhos.
11. Foi alterado o sentido de voto da proprietária da fracção CN, quanto aos pontos 1 a 6 da ordem de trabalhos.
12. Foi alterado o sentido de voto da proprietária da fracção BS, quanto à votação dos pontos 1 e 6 da ordem de trabalhos.
13. Foi alterado o sentido de voto do proprietário da fracção CB, quanto ao ponto 6 da ordem de trabalhos.
14. Foi alterado o sentido de voto do proprietário da fracção E, quanto ao ponto 6 da ordem de trabalhos.
15. Não foi deliberado nem votado o ponto seis da ordem de trabalhos.
16. A Autora só recebeu a acta decorridos que foram 30 dias sobre a data das deliberações.
*
Passemos à apreciação do mérito do recurso. I. Nulidade de sentença [art. 615º, nº 1, d) do Cód. de Proc. Civil]
A autora/recorrente veio arguir a nulidade da sentença proferida, ao abrigo do art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil, por entender que nela a Mmª Juíza “a quo”, na parte referente ao pedido de declaração de nulidade da deliberação da assembleia geral do condomínio de 16.8.2019 que aprovou as contas relativas ao exercício de 1.8.2018 a 31.7.2019, omitiu pronúncia sobre o mérito da causa, uma vez que este se reconduzia à obrigação da administração do condomínio prestar contas e à forma de as prestar, não estando em causa o direito de informação nem a violação deste por parte da administração, matéria onde se centrou a apreciação judicial.
Também no que toca ao pedido de declaração de nulidade da deliberação tomada na mesma assembleia geral relativa à realização de obras com colocação de portas nas varandas, a autora/recorrente sustenta, quanto à sentença recorrida, a ocorrência da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil. Isto porque o tribunal recorrido, em vez de se cingir ao que fora invocado pela autora – esta matéria não constava na ordem de trabalhos –, vem chamar um outro fundamento por ela não alegado – a realização de quaisquer obras estava dependente da constituição de uma comissão de condóminos para esse efeito.
O art. 615º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, na sua alínea d), estatui que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5º, nº 3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido não têm de ser separadamente analisadas.
Há, assim, que distinguir entre “questões”, por um lado, e “razões” ou “argumentos”, por outro, de tal modo que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integra a nulidade aqui em apreciação e não a simples falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.”
Na verdade, trata-se de coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar-se qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.[2]
Em sintonia com o acabado de expor no plano jurisprudencial constitui orientação pacífica que “para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem com isso incorrer em omissão de pronúncia.”[3]
Regressando ao caso concreto, entendemos que a nulidade invocada pela autora/recorrente não se verifica. Na sentença recorrida foram apreciadas as questões submetidas ao conhecimento do tribunal e que se prendem com a nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral do condomínio de 16.8.2019 referentes à aprovação das contas do exercício anterior e à realização de obras relacionadas com a colocação de portas nas varandas.
A matéria relativa à obrigação e forma de prestar contas por parte da administração do condomínio foi apreciada pela Mmª Juíza “a quo” que a conexionou com o dever de informar que também sobre ela incide.
Tal como as razões que poderiam determinar a nulidade da deliberação no tocante à realização das obras para colocação de portas de acesso às varandas foram objeto da devida apreciação na sentença recorrida.
Por isso, não se vislumbrando que nesta tenha sido cometida nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil, as questões agora colocadas pela autora/recorrente como referenciadas ao cometimento desta nulidade melhor se relacionam com a discordância, de fundo, que a mesma expressa quanto ao caminho seguido pela 1ª Instância para a decisão da causa.
*
II – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto 1. A autora/recorrente discorda também da matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, impugnando, em primeiro lugar, os factos não provados 2 e 3 [2. O relatório de contas só foi apresentado durante a Assembleia Geral de 16 de Agosto. 3. A entrega do relatório de contas só aconteceu no decurso da Assembleia, o que impediu uma necessária análise do mesmo] que entende deverem ser dados como provados.
Nesse sentido, com referência aos respetivos minutos, indica excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas QQQ e RRR, invocando ainda existir contradição insanável entre estes dois factos não provados e o facto provado com o nº 33, onde se dá como assente que o ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia geral do condomínio efetuada em 16.8.2019 era “Apresentação, discussão e aprovação das contas referentes ao exercício de 01/08/2018 a 31/07/2019”.
Na sentença recorrida, a Mmª Juíza “a quo”, em sede de fundamentação de facto, escreveu o seguinte quanto a estes dois pontos factuais não provados:
“Quanto ao facto provado sob 51 e aos factos não provados sob nº 2, 3, 4, 6 a 16, o Tribunal considerou o depoimento espontâneo, lógico, coerente e circunstanciado da testemunha SSS, escriturária ao serviço da administração da 1ª ré, depoimento esse que foi conjugado com o teor da acta da assembleia geral de 16 de Agosto de 2019 e que corrobora o seu teor. Com tal depoimento conseguiu o Tribunal aferir, com assertividade, como foram preparados os trabalhos a realizar naquele dia [esta testemunha conseguiu precisar que previamente à realização da assembleia enviou, por correio simples, os documentos contabilísticos necessários às aprovações de contas que iriam ser realizadas naquela assembleia], como decorreram os trabalhos da assembleia geral no dia 16 de Agosto de 2019, em que ponto da ordem de trabalhos terminou a deliberação, que explicações foram prestadas pela administração do condomínio aos condóminos no seu decurso e de que modo foram realizadas as votações dos items propostos à deliberação vertidas na acta.
Apesar das testemunhas arroladas pela Autora, QQQ e RRR, terem alegado que o relatório das contas a aprovar naquela assembleia apenas foi apresentado no decurso da assembleia e que a discussão da ordem de trabalhos terminou no ponto 4, a forma incoerente, monossilábica, descontextualizada, e até incongruente, com que, por vezes, depuseram, não lhes atribuiu a credibilidade necessária para que o Tribunal pudesse sustentar a sua convicção nos seus depoimentos.
Com efeito, a testemunha, QQQ, casada com BB (2.º réu identificado pela Autora), alegou que o teor da acta era desconforme com os sentidos de votos manifestados na assembleia, porque, no seu caso, votou contra, tal qual consta da acta que a mesma pretende ser falsa. Aliás, como decorre do despacho saneador, o identificado condómino BB foi considerado parte ilegítima na presente acção, por ter votado contra as deliberações impugnadas nos presentes autos. A contraditoriedade encontrada no depoimento desta testemunha retira-lhe, assim, qualquer credibilidade, face à factualidade sobre que depôs.
Ademais, quanto à testemunha RRR, conforme consta da certidão a fls. 204 verso, referente ao processo autuado sob o número 2041/18.2T8PVZ, que correu termos no Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, verifica-se que a identificada testemunha foi parte activa no processo movido contra a aqui 1ª ré, a administração do condómino do ..., pelo que, ante as regras da experiência comum e o próprio comportamento evidenciado pela testemunha aquando da sua inquirição (em que demonstrou, sempre uma postura de contraditoriedade/crítica sempre negativa perante a 1ª ré e os trabalhos por esta desenvolvidos) a sua postura e as informações por si narradas não foram isentas e independentes ao entendimento crítico-negativo que tem sobre a 1ª ré e ao contexto judicial prévio que a opôs à referida administração, circunstâncias que inviabilizam ao Tribunal atribuir-lhe qualquer credibilidade.
Quanto às declarações de parte da ré GGG não pôde o Tribunal retirar qualquer consequência ao nível probatório, pois teve um discurso confuso, vago, incoerente e marcado, até, por declarações contraditórias. (…)”[4]
Por seu turno, da ata da assembleia geral do condomínio realizada em 16.8.2019 consta o seguinte:
“Passando para o ponto número um da convocatória, “Apresentação, discussão e aprovação das contas referentes ao exercício de 01/08/2018 a 31/07/2019”, a Administração passou a explicar as várias rúbricas das despesas e receitas efetuadas, durante o ano transacto, esclarecendo os gastos rúbrica a rúbrica, gastos e rúbricas mencionados na relação discriminada entregue aos condóminos. As receitas totalizaram, no exercício findo, de 01-08-2018 a 31-07-2019, €19.724,32, enquanto que as despesas atingiram €25.987,32, pelo que o resultado líquido do exercício foi um saldo negativo de €6.263,00 (…). O Dr. TTT explicou que esta situação foi causada no lado das receitas pela rúbrica “comparticipação dos condóminos”, motivada por duas ordens de razões: a primeira, pelos condóminos incumpridores das suas obrigações de condómino, que não pagam as respectivas quotas ao Condomínio e alguns, desde dezembro de 2017, o que, embora não se tratando de um número de condóminos muito expressivo, pelo valor de quotas acumulado, revela uma verba significativa em dívida ao Condomínio; a segunda, pelo não recebimento de quotas de condóminos, previstas e orçamentadas, uma vez que foram dadas como saldadas com os créditos que os diversos condóminos tinham sobre o Condomínio, antes de Dezembro de 2017, e que foram possíveis identificar, comprovar por estarem vertidas no extracto bancário. Desta forma, anularam-se as receitas previstas receber neste exercício, dada a compensação do crédito, o que provocou o desequilíbrio e, consequentemente, saldo negativo do exercício. Assim e se não fosse as situações anteriormente referidas, o saldo do exercício seria somente negativo em €1.523,56 (…), atendendo a diferença entre o valor orçamentado (€23.311,26) e o previsível gastar (€24.834,32). O Dr. TTT referiu também o impacto da dívida herdada à “B... Elevadores”, no valor de €2.620,41 conforme extracto, à data, emitido a 21/12/2017 e apresentado na reunião, que faz parte integrante da presente ata. Salientou, que o saldo seria diferente se não houvesse dívidas ao condomínio e se não fosse anulada receita com as legítimas compensações de pagamentos efetuados à anterior administração. Referiu, ainda, a existência de outros condóminos que apresentam documentos comprovativos de pagamentos efetuados à anterior administração e que aguardam a respetiva compensação dado que os valores em causa não se encontram evidenciados nos extratos bancários, nem, até ao momento, ter sido possível verificar dado que a Administração do Condomínio ainda não está detentora do espólio do condomínio, o que poderia validar e consolidar as informações prestadas pelos condóminos para legítima e expectável compensações [sic].
Foi questionado à Administração o motivo de no balancete constar a data de 01-11-2018, tendo sido explicado que se tratou de um lapso de escrita porquanto deveria vir mencionado 01-08-2018, tal como está errado o saldo bancário aí mencionado de €0,00, visto o saldo bancário ser de €943,82. Questionado o Dr. TTT explicou que os €50,00 da rubrica “Diversos” se prendem com o aluguer da sala de reuniões, os €207,68 da rubrica “Despesas administrativas” dizem respeito ao papel, tinteiro, envelopes, fotocópias e demais despesas administrativas do condomínio e os €333,32 da rubrica “Custos financeiros” respeitam as comissões e outras despesas bancárias. Explicou ainda que atualmente não existe fundo de reserva depositado em banco porquanto a anterior administração só tinha uma conta bancária contrariamente ao que a lei impõe da obrigatoriedade de uma conta bancária para fundo de reserva. A conta bancária para fundo de reserva, logo que haja disponibilidade financeira, nomeadamente pagamento por parte dos condóminos faltosos dos seus débitos será reposto o fundo de reserva. Questionado o Dr. TTT explicou que o aumento mensal da rubrica de “limpeza” de €400,00 para €524,71 se deveu a deliberação nesse sentido da última Assembleia em que se aprovou um aumento de €124,71 para ajuda da condómina que fazia a limpeza no pagamento da sua segurança social. Contudo e devido ao facto da referida condómina estar de baixa, presentemente a limpeza está a ser assegurada por uma empresa. Questionado, o Dr. TTT referiu que a dívida a “B... Elevadores” é de €5.837,29, sendo certo que, desse valor, €2620,41 diziam respeito à anterior administração.
Após discussão, foi o relatório de contas do exercício findo, de 01-08-2018 a 31-7-2019, aprovado por maioria de 65,726%.
(…)”
Procedemos à audição dos depoimentos prestados pelas testemunhas QQQ e RRR, indicadas pela autora/recorrente nas suas alegações.
QQQ é proprietária da fração correspondente ao 1º C, que é a sua casa de férias. Esteve presente na assembleia geral de 16.8.2019 em que houve revolta e surpresa por causa da folha das contas. Essa folha não tinha sido apresentada antes; só foi apresentada quando já estavam sentados na sala. Não percebeu o que estava nessa folha. Foram feitas muitas perguntas sobre as contas e o Dr. TTT não conseguia responder. Era a senhora (D.ª SSS) que respondia e nem se compreendiam as respostas dela. A testemunha refere depois que não aprovou as contas, até porque não as compreendia. Pediu várias vezes à administração para ver as contas e nunca lhe foram mostradas. Escreveu, inclusive, cartas nesse sentido e não lhe deram resposta.
RRR é proprietária da fração correspondente ao 9º C. Disse que só teve acesso às contas do condomínio na assembleia geral, pois só nessa altura é que o Sr. TTT as distribuiu. Não achou bem que as contas fossem distribuídas só naquela hora e não deu tempo para vê-las. Foram feitas perguntas sobre as contas mas o Sr. TTT não tinha respostas para dar. Ficava abstrato e quem dava explicações era a funcionária dele. Votou contra as contas.
Sobre esta matéria factual, com base nos poderes de investigação oficiosa do tribunal – art. 640º, nº 2, al. b), 1ª parte do Cód. de Proc. Civil -, procedemos também à audição do depoimento prestado pela testemunha SSS.
SSS é escriturária da sociedade que administra o condomínio há cerca de 25 anos. Esteve presente na assembleia geral de 16.8.2019, onde procedeu à explicação das contas. Mais referiu que as contas foram enviadas antes da realização da assembleia geral, esclarecendo depois que envia primeiro a convocatória para a assembleia e 3 ou 4 dias depois envia as contas por correio simples. Tem a preocupação de que os condóminos tenham as contas antes da assembleia.
Destes três depoimentos resulta que existem versões diametralmente opostas quanto à questão do momento em que foi apresentado o relatório de contas – só na assembleia geral de 16.8.2019, como afirmam as testemunhas QQQ e RRR, ou em momento anterior à realização da referida assembleia geral, conforme refere a testemunha SSS.
A 1ª Instância, tal como decorre da transcrição que atrás fizemos da fundamentação de facto, conferiu maior credibilidade ao depoimento da testemunha SSS, conjugando-o com o teor da respetiva ata, que também atrás foi transcrito, explicando o porquê da sua opção.
Ora, não vemos razão para divergir da convicção probatória formada pela Mmª Juíza “a quo”, mesmo que, depois de ouvidos, não se possam considerar os depoimentos das testemunhas QQQ e RRR como incoerentes e monossilábicos.
Porém, não tão credíveis como o de SSS, sendo certo que tendo sido a factualidade aqui em causa alegada pela autora/recorrente seria a esta que sempre caberia a respetiva prova – cfr. art. 342º, nº 1 do Cód. Civil.
Havendo dúvida, como a há neste caso, terá esta que ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita – cfr. art. 414º do Cód. de Proc. Civil.
Por outro lado, é ainda de referir que não ocorre qualquer contradição entre estes dois factos não provados e o facto provado nº 33, onde se deu como assente que o ponto nº 1 da ordem de trabalhos da assembleia geral de 16.8.2019 era a apresentação, discussão e aprovação das contas referentes ao exercício de 01/08/2018 a 31/07/2019.
Isto porque a utilização da palavra “apresentação” – a que se seguem as palavras “discussão” e “aprovação” - no dito ponto 1 da ordem de trabalhos não significa, só por si, que as contas só tenham sido apresentadas no decurso da assembleia geral, tal como não impede que essas contas possam ter sido enviadas aos condóminos nos dias que antecederam a realização da assembleia.
Deste modo, concluímos que deverá permanecer como não provada a factualidade constante dos nºs 2 e 3, ou seja que a apresentação do relatório de contas aconteceu durante a assembleia geral de 16.8.2019, o que impediu a análise do mesmo. 2. A autora/recorrente impugna também os factos não provados com os nºs 4 e 5 [4. Inexiste fundo comum de reserva, por uso indevido; 5. O saldo inicial da prestação de contas (01.08.2018 a 31.07.2019) é diferente daquele que foi o saldo final da prestação de contas do exercício anterior], entendendo que os mesmos deverão ser havidos como provados. a) Quanto ao nº 4 [Inexiste fundo comum de reserva, por uso indevido], a recorrente no sentido da sua prova, indica tão-só o teor da ata da assembleia geral de 16.8.2019.
Desta ata, relativamente à questão do fundo comum de reserva, consta o seguinte:
“Explicou ainda que atualmente não existe fundo de reserva depositado em banco porquanto a anterior administração só tinha uma conta bancária contrariamente ao que a lei impõe da obrigatoriedade de uma conta bancária para fundo de reserva. A conta bancária para fundo de reserva, logo que haja disponibilidade financeira, nomeadamente pagamento por parte dos condóminos faltosos dos seus débitos será reposto o fundo de reserva.”
(…)
“O presidente da reunião informou que conforme explicou supra, o fundo de reserva quantificado o valor previsto no balancete e contas do exercício no valor de €2.946,50 ainda não foi possível concretizar por falta de verba decorrente da redução drástica de receita, acima explicado e conforme informou, nem rececionou da anterior gestão do condomínio nenhuma conta de fundo de reserva (…)”.
Sucede que na sentença recorrida, especificamente no que concerne ao facto não provado nº 4, em sede de fundamentação de facto, escreveu-se o seguinte: “Ainda relativamente ao facto não provado sob nº 4, verificou-se pela análise da documentação contabilística, junta a fls. 55 e seguintes dos autos, que existe formalmente fundo comum de reserva, nada se tendo provado quanto à sua utilização.”
E mais adiante já no segmento referente ao direito escreveu ainda a Mmª Juíza “a quo”:
“No que a este conspecto diz respeito, da análise conjugada do balancete (a fls 55 verso e seguintes) com o teor da acta de 16 de Agosto de 2019 (a fls 43 e seguintes), verifica-se que existe formalmente fundo comum de reserva, contudo, como resulta das páginas 4 e 5 deste documento, “(…) A conta bancária para fundo de reserva, logo que haja disponibilidade financeira, nomeadamente para pagamento por parte dos condóminos faltosos dos seus débitos será reposto o fundo de reserva (…) O presidente da reunião informou que conforme explicou supra, o fundo de reserva quantificado o valor previsto no balancete e contas do exercício no valor de €2.946,50 ainda não foi possível concretizar por falta de verba decorrente da redução drástica de receita, acima explicado e conforme informou, nem rececionou da anterior gestão do condomínio nenhuma conta de fundo de reserva (…)”.
Em sintonia com a sentença recorrida, apesar das vicissitudes que têm rodeado o fundo comum de reserva e que são espelhadas na ata da assembleia geral de 16.8.2019, entendemos que não se pode dar como provado que este não exista,
Com efeito, perante o que flui da documentação contabilística junta a fls. 55v e seguintes, constata-se que surge sempre referenciada a existência do fundo de reserva, nem que tal existência seja apenas formal.
Assim, é de manter como não provado o facto nº 4. b) Quanto ao facto não provado nº 5 [5. O saldo inicial da prestação de contas (01.08.2018 a 31.07.2019) é diferente daquele que foi o saldo final da prestação de contas do exercício anterior], o que se verifica é que a autora/recorrente, no que toca aos meios probatórios em que se funda para que tal facto transite para o elenco dos provados, limita-se a referenciar de forma genérica a prova documental, bastante vasta, que foi junta com a petição inicial, sem concretizar os específicos documentos em que se apoiaria para tal, com o que não observou, relativamente a este ponto factual, o disposto no art. 640º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, sendo tal situação motivo para a rejeição da impugnação fáctica neste segmento.
Para além disso, ainda que este facto pudesse transitar para o elenco dos factos provados, é de realçar que este se mostra totalmente inócuo para a decisão do pleito em nada contendendo com a validade ou invalidade da deliberação que aprovou as contas na assembleia geral de 16.8.2019.
Como tal, a impugnação da decisão de facto efetuada pela autora/recorrente improcede na íntegra.
*
III – Pedido de declaração de nulidade da deliberação da assembleia geral de 16.8.2019 que aprovou as contas referentes ao exercício de 1.8.2018 a 31.7.2019 1. A autora nos presentes autos peticionou que fosse declarada nula a deliberação da assembleia geral de condóminos de 16.8.2019 que aprovou o relatório das contas relativo ao exercício de gestão e administração de 1.8.2018 a 31.7.2019, em virtude de não ter sido entregue pela administração, em tempo oportuno, o balancete e a restante documentação, o que impossibilitou os condóminos de analisarem esses documentos.
Significa isto que, na perspetiva da autora, não houve da parte da administração o cumprimento, em sentido estrito, da sua obrigação de prestação de contas prevista no art. 1436º, al. j) do Cód. Civil, daí resultando a nulidade de tal deliberação nos termos do art. 281º do mesmo diploma.
Na sentença recorrida, julgou-se improcedente este pedido formulado pela autora, contra o que esta agora se insurge em via recursiva, continuando a pugnar pela nulidade dessa deliberação.
Vejamos. 2. O art. 1436º na sua alínea l), na redação introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10.1., que corresponde à anterior alínea j), estatui que é função do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, prestar contas à assembleia.
Esta obrigação do administrador constitui aplicação do princípio geral de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.
No caso do condomínio, o administrador, seja uma pessoa singular seja uma pessoa coletiva, deve prestar as contas anuais à assembleia de condóminos – cfr. art. 1431º do Cód. Civil -, sendo que esta obrigação do administrador tem como titular beneficiário o coletivo formado por todos os condóminos, reunido em assembleia, e não cada um dos condóminos individualmente considerado.[5].
A prestação de contas, por parte da administração, concretiza-se num conjunto de elementos escritos que terão de ser por esta apresentados. Esta tem assim que organizar diversos documentos em que se deve incluir a relação dos gastos e das receitas ao longo do período em questão, a análise da eventual diferença quanto ao que fora orçamentado, a indicação dos condóminos cumpridores e em falta, a indicação das despesas efetuadas, sejam fixas, variáveis ou extraordinárias, impondo-se, nomeadamente, a elaboração de um balancete que expresse as despesas e receitas do condomínio, bem como o saldo respetivo.[6] 3. Acontece que no caso dos autos a autora/recorrente não põe em dúvida, nem na petição inicial nem no recurso, que as contas tenham sido prestadas, até porque tal resulta patente da ata da assembleia geral do condomínio efetuada em 16.8.2019, acima transcrita na parte que releva para esta questão, ata que só é compreensível estando na disponibilidade da assembleia as referidas contas.
Com efeito, o que a autora/recorrente alega, como fundamento do seu pedido de declaração de nulidade, é que a administração não entregou, em tempo oportuno, o balancete e a restante documentação, o que impossibilitou os condóminos de procederem à análise dessa documentação, de tal modo que, na sua ótica, não houve verdadeiro cumprimento da obrigação de prestar contas.
Ora, é prática consolidada que o administrador, ao enviar a convocatória para a assembleia geral ou nos dias que imediatamente antecedem a reunião, transmita as contas aos condóminos e os convide a examinar a documentação. Assim, os condóminos podem exercer um controlo formal e de mérito sobre a atividade da administração, controlo que é precludido depois da aprovação das contas.[7].
A prestação de contas não pressupõe a observância de formalidades especiais, sendo apenas necessário que tenha os elementos essenciais para tornar inteligível aos condóminos o modo de emprego dos fundos antecipados para a gestão do condomínio. As contas que o administrador deva prestar poderão ser apresentadas em forma de conta-corrente, com a especificação da proveniência das receitas e da aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo. Essencial é que as contas sejam apresentadas de forma exata, ordenada e compreensível e, sobretudo, tanto quanto possível, documentadas, ou seja, acompanhadas de elementos justificativos.[8]
Nesta linha, cremos ser boa prática que na própria convocatória da assembleia geral destinada à discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano - cfr. art. 1431º, nº 1 do Cód. Civil –, ou nos dias que antecedem essa assembleia, tais contas sejam disponibilizadas aos condóminos, bem como os respetivos documentos de suporte.
Só desta forma poderão os condóminos tomar uma posição esclarecida e fundamentada sobre as contas apresentadas pela administração, exercendo assim um efetivo controlo sobre a atividade desta.
Porém, no caso “sub judice”, conforme flui do anterior segmento deste acórdão referente à “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto”, a autora/recorrente não logrou provar que o relatório de contas só tenha sido apresentado no decurso da própria assembleia geral realizada no dia 16.8.2019, o que teria impedido a análise do mesmo.
Tanto basta para que a sua pretensão, visando a declaração de nulidade da deliberação que nesta assembleia geral aprovou as contas do condomínio relativas ao exercício compreendido entre 1.8.2018 e 31.7.2019, não possa ter êxito.
Contudo, para além disso, haverá ainda a referir que da ata da assembleia geral, no que toca ao ponto 1 - Apresentação, discussão e aprovação das contas referentes ao exercício de 01/08/2018 a 31/07/2019 -, decorre que a administração do condomínio em relação a essas contas se pronunciou sobre diversas questões que foram colocadas pelos condóminos fornecendo as explicações que entendeu pertinentes, sendo que simultaneamente também dela resulta que nenhum dos condóminos presentes, entre os quais se conta a autora, referiu que não teve a possibilidade de analisar tais contas ou que estas não foram apresentadas atempadamente. 4. Prosseguindo, verifica-se que a autora/recorrente pretende também a nulidade da deliberação que aprovou as contas na assembleia geral de 18.1.2019 por entender que a mesma contraria a lei, e mais concretamente o preceituado no art. 4º do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10., norma onde se prevê existência do fundo comum de reserva do Condomínio.
Diz-se no nº 1 deste preceito que «é obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios» e o nº 4 acrescenta que «o fundo comum de reserva deve ser depositado em instituição bancária, competindo à assembleia de condóminos a respetiva administração.»
São nulas as deliberações da assembleia de condóminos que violem normas imperativas, nomeadamente, são nulas as deliberações cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (cfr. art. 280 do Cód. Civil).
Conhecer os preceitos da lei cuja violação dá origem à nulidade da deliberação é um problema de interpretação sistemático-normativa. Pertencem necessariamente ao conjunto dos preceitos em causa as normas que tutelem diretamente o interesse público ou que estabeleçam tutela autónoma de terceiros. [9]
Se a assembleia de condóminos delibera no sentido da inexistência de fundo comum de reserva, que é obrigatório existir em cada condomínio, infringe uma norma de carácter imperativo e essa deliberação é nula.
Porém, não é isso que se verifica no caso dos autos.
É que a deliberação que na assembleia geral de 16.8.2019 aprovou as contas em nada afronta a existência do fundo comum de reserva, que não é colocada em causa, conforme resulta patente da respetiva ata, onde se consignou que a administração explicou que a conta bancária para o fundo de reserva, logo que haja disponibilidade financeira, nomeadamente pagamento por parte dos condóminos faltosos dos seus débitos, será reposta.
Deste modo, há que concluir no sentido de que não há fundamento para declarar a nulidade da deliberação da assembleia geral de 16.8.2019 que aprovou as contas referentes ao exercício de 1.8.2018 a 31.7.2019.
*
IV - Pedido de anulação da deliberação da assembleia geral de 16.8.2019 que aprovou a realização de obras para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos 1. A autora/recorrente entende ainda que deve ser anulada a deliberação da assembleia geral de 16.8.2019 que aprovou a realização de obras para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos, uma vez que a realização destas obras não constava da ordem de trabalhos, pretensão que foi desatendida na sentença recorrida e pela qual continua a pugnar em via recursiva.
Vejamos então.
A convocatória para a assembleia do condomínio, conforme preceitua o art. 1432º, nº 2 do Cód. Civil, deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
A ordem de trabalhos da reunião deve enunciar de forma sucinta, mas clara, as matérias a tratar, com vista a permitir que cada condómino se prepare adequadamente para intervir na discussão e votação.[10]
Trata-se, na prática, de respeitar uma exigência legítima de todos os que fazem parte da assembleia, de modo a que os condóminos e terceiros possam estar em condições de votar sobre assuntos conhecidos, no caso de se apresentarem pessoalmente à reunião, ou de darem indicações precisas a quem eventualmente seja chamado a representá-los, em caso de ausência.[11]
As deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos são anuláveis nos termos do art. 1433º, nº 1 do Cód. Civil.[12] 2. Retornando ao caso dos autos, o que se verifica é que o ponto 4 da ordem dos trabalhos tem a seguinte redação: “Apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos”.
Da ata, relativamente à discussão deste ponto da ordem dos trabalhos, consta o seguinte:
“Passando ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, o Presidente propôs que os pontos quatro “Apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos” e cinco “Aprovação de quota extra para financiamento das obras de colocação de portas de acesso às varandas, em todos os pisos” da ordem de trabalhos, pela sua implicação, fossem discutidos e votados em simultâneo e que mereceu acolhimento unânime da assembleia. Assim, com a aprovação e escolha do orçamento e da empresa para a realização das obras de colocação das portas nos vários pisos, fica também aprovada por inerência a respetiva quota extra de condomínio para liquidação da mesma. Dada a necessidade de clarificação da assembleia, uma vez que alguns condóminos salientavam haver outras obras mais urgentes que a colocação das portas, como a obra a realizar no exterior do prédio, o Presidente informou que a presente intervenção era urgente pelo estado em que os equipamentos se encontram e que a mesma constitui, já, o início dessa obra global de correção e conservação exterior, por constituir já uma parte desse todo, e, como tal, solicitou que a Assembleia se pronunciasse, votando a realização ou não desta obra parcelar. A obra foi aprovada por maioria de 65,823% da Assembleia (…)
De seguida foram apresentados, para apreciação e votação, três propostas de orçamento para “colocação das portas de acesso às varandas em todos os pisos”, para substituição das existentes que já não comportam qualquer manutenção pelo estado de degradação que apresentam, a saber o orçamento da empresa “C..., com valor global de 7.724,40€ com iva incluído; o da “D... serralharia”, com valor global para empreitada de 7.611,10€ com iva incluído e o da empresa “E..., serralharia de alumínios, ferro e inox”, com valor total de €9.279,61 com IVA incluído.
O Presidente frisou que todos os orçamentos foram apresentados com base no mesmo caderno de encargos que tinha sido feito pelo Engº UUU, da F..., que fez o relatório com o levantamento das patologias do prédio. Esclarecidas todas as dúvidas, o Presidente submeteu para votação da assembleia a escolha da empresa prestadora da empreitada a realizar, tendo sido aprovado por maioria de 52,104% da Assembleia a sociedade “C...”, pelo valor de €7.724,40 (…)”
O teor da ata foi em parte vertido para a factualidade assente nos nºs 48 e 49 que têm o seguinte texto:
- Relativamente ao ponto quatro da Ordem de trabalhos, “Apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos”, e perante a discussão que se seguiu decorrente do facto de parte dos condóminos presentes entenderem haver obras mais urgentes, o Presidente da Mesa decidiu pôr à votação a realização ou não desta obra [nº 48];
- Realizada a votação, foi deliberado por maioria proceder à obra de colocação das portas de acesso às varandas [nº 49].
Ora, sendo o ponto 4 da ordem dos trabalhos relativo à apresentação, apreciação e votação do orçamento para colocação das portas de acesso às varandas, em todos os pisos, não podemos deixar de concluir que abrangido no mesmo está a realização dessas mesmas obras.
Com efeito, quando se aprecia e vota favoravelmente um orçamento para a realização de uma determinada obra está também, de forma implícita, a votar-se no sentido da realização dessa mesma obra.
Entendemos, pois, que quando o Presidente da Mesa, antes da deliberação sobre a escolha do orçamento relativo à colocação das portas de acesso às varandas, decidiu colocar à votação a realização dessa mesma obra está a mover-se dentro do âmbito do ponto 4 da ordem dos trabalhos, sem o extravasar.
Como tal, não estamos, a nosso ver, perante um novo assunto que foi inserido na ordem de trabalhos, mas sim perante o mesmo assunto, daí decorrendo não ser anulável a deliberação tomada pela assembleia geral no sentido da realização das obras de colocação das portas de acesso às varandas, tal como não o é a subsequente deliberação que aprovou um dos orçamentos apresentados.
Consequentemente, improcede, na sua totalidade, o recurso interposto pela autora.
*
Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
……………………………….
……………………………….
……………………………….
*
DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo da autora/recorrente.
Porto, 28.2.2023
Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
______________________ [1] Desde já se refere, em anotação a esta conclusão das contra-alegações, que a autora/recorrente indicou, de forma clara, normas jurídicas violadas, designadamente nas suas conclusões 12, 13 e 17. [2] Cfr. LEBRE DE FREITAS, “A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., pág. 367; ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, pág. 143. [3] Cfr. Ac. STJ de 27.3.2014, proc. 555/2002.E2.S1, disponível in www.dgsi.pt. [4] Basta esta transcrição, que aliás não esgota a fundamentação de facto feita pela Mmª Juíza “a quo” na sentença recorrida, para se verificar que não tem qualquer sustento a conclusão 2 das alegações de recurso apresentadas pela autora, onde esta afirma inexistir fundamentação de facto quer quanto aos factos provados quer não provados. [5] Cfr. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas”, 2ª ed., Almedina, pág. 141. [6] Cfr. Ac. Rel. Porto 14.7.2020, p. 2041/18.2 T8PVZ.P1, relator IGREJA MATOS, disponível in www.dgsi.pt. [7] Cfr. SANDRA PASSINHAS, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª ed., Almedina, pág. 328. [8] Cfr. SANDRA PASSINHAS, ob. cit., págs. 328/329. [9] Cfr. SANDRA PASSINHAS, ob. cit., págs. 251/252. [10] Cfr. ABÍLIO NETO, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª ed., pág. 334. [11] Cfr. SANDRA PASSINHAS, ob. cit., pág. 220. [12] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., págs. 445/446 e, por ex. Ac. STJ de 12.9.2006, p. 06A1264, relator PAULO SÁ, disponível in www.dgsi.pt.