INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
Sumário


I- Pagando o empregador várias ajudas de custo, mas também o que designa de prestação retributiva complementar, não se pode partir de uma consideração atomística destas prestações para proceder à sua qualificação, devendo, ao invés, atender-se ao seu conjunto e ao modo como interagem e se completam.
II- Se o empregador compensa os trabalhadores quando não recebem as designadas ajudas de custo, estas não são genuínas ajudas de custo, mas retribuição variável.
III- Desempenhando no nosso sistema as convenções coletivas o papel de fontes de direito, criando-se através do exercício da autonomia negocial coletiva verdadeiras normas jurídicas, também as convenções coletivas devem estar sujeitas à interpretação conforme relativamente ao direito da União Europeia.
IV- Como o Tribunal de Justiça afirmou no processo C-155/10, “a remuneração paga a título de férias anuais deve, em princípio, ser calculada de forma a corresponder à remuneração normal auferida pelo trabalhador”.
V- Apesar da letra da cláusula 6.ª n.º 1 do RRRGS se referir à remuneração base a respeito da retribuição durante as férias, deve ser interpretada como reportando-se à retribuição.

Texto Integral




Processo n.º 4661/19.9T8LSB.L1.S1


Acordam, no Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


O Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil intentou ação  declarativa de interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho, a seguir a forma de processo especial, contra a TAP, Transportes Aéreos Portugueses, SA, pedindo que “a cláusula 6.ª, n.º 1 do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (RRRGS) anexo ao Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 2010, seja interpretada no sentido de que para o cálculo da retribuição em férias e do subsídio de férias de igual valor deve atender-se, para além da remuneração base mensal referida na Cláusula 2.ª do RRRGS, à média das quantias auferidas pelo Piloto, a título de retribuições variáveis constante do anexo II do RRRGS, devendo ser contabilizados, para o efeito, a média desses valores recebidos nos últimos 12 meses com o mínimo do valor correspondente à prestação retributiva complementar prevista no número 2 da Cláusula 8.ª do RRRGS.”

A Ré contestou, concluindo pela improcedência do pedido. Foi realizada audiência final.

Foi proferida Sentença em 29.04.2020 na qual se decidiu julgar “procedente a presente ação e, em consequência, determino que a cláusula 6.ª, n.º 1, do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (RRRGS) anexo ao Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 2010, seja interpretada no sentido de que para o cálculo da retribuição em férias e do subsídio de férias de igual valor deve atender-se, para além da remuneração base mensal referida na Cláusula 2.ª do RRRGS, à média das quantias auferidas pelo Piloto, a título de retribuições variáveis constante do anexo II do RRRGS, devendo ser contabilizados, para o efeito, a média desses valores recebidos nos últimos 12 meses com o mínimo do valor correspondente à prestação retributiva complementar prevista no número 2 da Cláusula 8.ª do RRRGS.”

A Ré recorreu.

Foi proferida Decisão Singular em 31.12.2020 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou o recurso totalmente improcedente.

A Ré deduziu reclamação para a Conferência.

Em 26.05.2021 foi proferido Acórdão pela Conferência do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu manter a decisão singular.

A Ré interpôs recurso de revista, o qual não foi admitido por despacho do Tribunal da Relação.

Foi interposta reclamação do despacho de não admissão, a qual foi considerada procedente.

O recurso de revista interposto pela Ré apresenta as seguintes Conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão que, confirmando a sentença da l.ª instância, julgou procedente a ação e em consequência determinou que "a cláusula 6.ª, n.°1, do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (RRRGS) anexo ao Acordo de Empresa , publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 24, de 29 de junho de 2010, seja interpretada no sentido de que para o cálculo da retribuição em férias e do subsídio de férias de igual valor deve atender-se, para além da remuneração base mensal referida na Cláusula 2.ª do RRRGS, à média das quantias auferidas pelo Piloto, a título de retribuições variáveis constante do anexo II do RRRGS, devendo ser contabilizados, para o efeito, a média desses valores recebidos nos últimos 12 meses com o mínimo do valor correspondente à prestação retributiva complementar prevista no número 2 da Cláusula 8.ª do RRRGS."
2. Não andou bem o Tribunal "a quo" já que confundiu três prestações totalmente autónomas (e que até se excluem), a saber, (i) Subsídio Complementar de Refeições em Serviço; (ii) Ajuda de Custo Complementar; (iii) Prestação Retributiva Complementar ("retribuição especial"), o que não poderia ter feito, pois está em causa a natureza intrínseca de cada prestação, independentemente dos respetivos montantes a considerar nos subsídios de Natal e de férias, sendo manifestamente contraditória a fundamentação da mesma com a matéria de facto dada por provada.
3. O douto Acórdão em crise também não interpretou devidamente o pedido formulado quanto ao sentido da interpretação a incluir todas as prestações variáveis.
4. As prestações em causa são todas individualmente recebidas, e dependem
da concreta prestação de cada piloto, pelo que a Recorrente não podia fazer
prova do recebimento ou não recebimento periódico daquelas prestações em
concreto, para efeitos do disposto na Cl.ª 33. n.° 4 do AE} sendo certo que a
presente ação é de interpretação e anulação de cláusulas de convenções
coletivas.
5. Estando em causa o carácter regular e periódico das prestações, a Recorrida também naturalmente não fez prova do recebimento daquelas prestações por todos e cada um dos seus associados, em cada momento concreto.
6. A Recorrida peticionou que fosse consideradas nos subsídios de Natal e férias, duas prestações concretas, com um valor mínimo de uma terceira prestação, sendo todas elas prestações diferentes e autonomizadas e que, no que respeita à "retribuição especial", melhor definida como prestação retributiva complementar (Cl.ª 8.ª do RRRGS), e à Ajuda de Custo Complementar, se auto excluem, uma vez que se os tripulantes forem nomeados no planeamento dos serviços de voo que ocupem pelo menos 15 dias em cada mês, não terão direito à retribuição especial, mas tão só ao subsídio complementar de refeições em serviço e à ajuda de custo complementar.
7. Em qualquer caso, não se confundindo entre si as três referidas
prestações, não  poderá fixar-se  qualquer mínimo  que  tem  por base  de cálculo uma prestação completamente diferente e que pode nem sequer existir, para o cálculo de qualquer média das outras duas.
8. Por outras palavras, a Recorrida não peticionou que fossem considerados
em si mesmo, para apuramento da média que utiliza, os valores
eventualmente pagos a título de prestação retributiva especial, pelo que a
questão a dirimir estava limitada a decidir se as médias dos valores pagos a
título de subsídio complementar de refeição em serviço e ajudas de custo
complementar devem ou não ser incluídas na retribuição de férias e no
respectivo subsídio, e não qualquer valor a título daquelas prestações mas
com critérios determinativos de uma terceira prestação que nada tem que
ver com elas, ao invés, portanto, do que foi considerado pelo tribunal "a
quo".
9. O momento em que a Recorrida intentou a ação traduz-se numa
manifesta violação do princípio da boa fé e da confiança entre as partes.
10. A Recorrida não respeitou o disposto na Cl.ª 3.ª, n.° 1 do AE aplicável, que as mesmas se comprometem a proceder de acordo com o princípio da boa fé, a intensificar a cooperação entre as partes num ambiente de confiança mútua, bem como a manter e promover a paz laboral (n.° 2).
11. As partes promoveram em 2018 uma revisão parcial do AE (publicada no BTE n.° 24, de 29.06.2018), que também visou o referido RRRGS, designadamente no que respeita à fixação das tabelas salariais e respetivas atualizações para o período de 2018 a 2022, o que significa que o estatuto remuneratório global dos seus associados foi objeto de revisão e atualização há menos de um ano e com efeitos para os próximos cinco.
12. Os IRCT’s são negociados e acordados para valer como um todo, com cedências em determinados pontos, tendo como contrapartida o ganho noutros, pelo que qualquer apreciação avulsa duma determinada vantagem para uma das partes, de forma isolada do conjunto, terá como resultado final a inevitável perda do equilíbrio alcançado pelas partes negociadoras e contratantes, no caso tendo em conta as consequências que a interpretação agora, defendida teria na massa salarial a pagar pela Recorrente.
13. A pretensão da Recorrida deveria ter improcedido, já que, em qualquer caso, os presentes autos e a pretensão neles formulada, violam o princípio da boa-fé e da confiança das partes numa negociação estável e conjunta da regulamentação coletiva aplicável aos pilotos, em matérias tão importantes como o seu estatuto remuneratório, essencial para o equilíbrio da operação e da Recorrente.
14. Para além das regras gerais do Código do Trabalho (CT) relativas à
retribuição (art.° 258.° e segs. do CT) e ao direito a férias remuneradas
(arts.° 237.° e 247.° do CT), vigora entre as partes um regime convencional
que ao longo do tempo lhes foi sendo aplicável (AE TAP/SPAC, publicado no
BTE n.° 10, de 15.10.1985, alterado por aditamento de 15.03.1985,
publicado BTE n.° 10, e pela revisão de 16.08.1989, publicada no BTE n.°
30, de 16.08.1989, Regime Sucedâneo, publicado no DR II Série, n.° 76, de
31.03.1993, AE TAP/SPAC, publicado no BTE n.°  18, de  15.05.1994, AE TAP/SPAC, publicado no BTE n.° 30, de 15.08.1999, AE TAP/SPAC, publicado no BTE n.° 24, de 29.06.2010, revisto parcialmente em 29.06.2018, publicado no BTE n.° 24, de 29.06.2018.
15. Em matéria de retribuição, tem sido intemporal o princípio legal (cfr. art. 82.° da LCT e atual art. 249.° do Código do Trabalho) segundo o qual só se considera "retribuição" aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, sendo que princípio tem sido aplicado no universo jurídico da Recorrente (Cl.a 33.a do AE 2010 e Cl.a 2.a, n.° 1 do RRRGS).
16. O conceito de «retribuição» impõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos essenciais:
a) corresponder a prestação a um direito do trabalhador e a um dever do empregador;
b) decorrer do próprio contrato ou das normas que o regem ou dos usos;
c) ser contrapartida da disponibilidade da força de trabalho que, em execução do contrato, o trabalhador se obrigou a pôr ao serviço do empregador; ser regular e periódica, só e na medida em que se possa configurar como contrapartida da atividade contratada; ter natureza patrimonial (ser avaliável em dinheiro).
17. Não se poderá dar maior ou menor atenção a qualquer um daqueles
requisitos, pelo que só a verificação de todos eles permitirá considerar como
"retribuição" determinada prestação abonada a favor do trabalhador.
18. Quando a lei e o AE presumem que até prova em contrário constitui «retribuição» toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador, a prova em contrário descaracterizadora da prestação vai exatamente no sentido de a atribuição patrimonial ter causa específica e individualizável diversa da contrapartida da disponibilidade para a execução do trabalho contratado, sendo que as prestações patrimoniais trazidas à apreciação nos autos, têm causa própria, específica e individualizável, não enquadrável na estrutura sinalagmática do contrato, não podendo, por isso, ser qualificadas como contrapartida do trabalho prestado.
19. No caso, nenhuma das importâncias que a Recorrente paga a título de subsídio complementar de refeições em serviço (subsídio de aterragem) e de ajuda de custo complementar, constituem contrapartida direta do trabalho prestado, como resultou inequivocamente provado e consta dos Factos H) a L) para o Subsídio Complementar das refeições a bordo, e Facto M) para a Ajuda de Custo Complementar.
20. As prestações em causa correspondem a diferentes condições de prestação de trabalho especificamente caracterizadas na regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao PNT, pelo que não representam para os pilotos qualquer ganho efetivo que pudesse integrar-se na contraprestação pecuniária do trabalho a que a mesma se obrigou por força do respetivo contrato de trabalho, não podendo as mesmas ser geradoras de qualquer expetativa de ganho.
21. Tal como ficou provado nos Factos H) e L) da matéria de facto dada por provada, o Serviço Complementar de Refeições em Serviço, tal como as prestações que o antecederam com diferentes designações, mas com a mesma finalidade, sempre se destinou a compensar os tripulantes por encargos relacionados com ou decorrentes da alimentação, no âmbito das deslocações em serviço.
22. A Ajuda de Custo Complementar destina-se a compensar os tripulantes pelas despesas diversas decorrentes das deslocações em serviço de voo, para além das derivadas da alimentação, estando, por isso, completamente dependente da realização daqueles serviços, tal como foi dado por provado no Facto M da matéria dada por provada.
23. Trata-se de um abono que é recebido a título de reembolso de despesas já feitas ou que os tripulantes possam vir a fazer durante o tempo de ausência fora da base, independentemente da concreta despesa realizada, de acordo e em respeito ao entendimento expressamente consagrado pelas partes signatárias do AE 2010 nos ns.º 7 e 8 da Cl.ª 33.ª.
24. A Ajuda de Custo Complementar é paga pela Recorrente desde sempre para pagar despesas inerentes à deslocação para prestação do trabalho contratado, cuja execução envolve sempre e necessariamente gastos induzidos pelo serviço de voo, até porque não há pagamento de Ajudas de Custo Complementar ou outra se não há serviço de voo.
25. São por isso, verdadeiras ajudas de custo para reembolso das despesas originadas pela deslocação, cujo valor é objetivamente estimado consoante o que um tripulante normal (homem médio) precisa de gastar, durante o tempo da ausência fora da base, para fazer face às demais despesas ocasionadas pela ausência da sua morada habitual (despesas relacionadas com assistência à família, telefonemas, deslocações, limpeza de farda, etc), sem prejuízo de poder ser atribuído num montante fixo.
26. Não podem tais ajudas de custo servir para os pilotos adequarem a sua vida pessoal e familiar em função das mesmas, já se destinam a cobrir as despesas suportadas fora da base, em conformidade com o disposto no art. 260.° do Código do Trabalho.
27. A Ajuda de Custo Complementar não faz parte integrante da retribuição dos pilotos, sendo paga para fazer face a outras despesas, não podendo constituir expectativa de ganho.
28. Sem prejuízo do que as ajudas de custo visam compensar, os pilotos não podem contar, mês a mês - como se de prestação fixa, regular e periódica se tratasse - com as verbas relativas ao subsídio complementar de refeições e a ajudas de custo complementar: essas verbas postulam a verificação de pressupostos determinados e específicos para serem abonadas, podendo o tripulante, no limite, até nada receber a qualquer desses títulos.
29. O AE de 2010 dispõe inequivocamente sobre o que é e o que não é
retribuição para efeitos das férias remuneradas e do subsídio de férias (Cls.ª
33.ª, ns. ° 1, 7 e 8 do AE e 6.a, n° 1, por remissão para a Cl.ª 2.ª, n.° 1, do RRRGS anexo) e fá-lo só para as componentes retributivas das referidas na Cl.ª 2.ª, n.° 1 porque só essas são verdadeiramente remunerações, e não ajudas de custo para fazer face a despesas que naturalmente não existem no período de férias.
30. Não podem o Subsídio Complementar de Refeição em Serviço e a Ajuda de Custo Complementar, ter natureza retributiva já que (i) não constituem contrapartida da prestação do trabalho; (ii) não se coadunam com a ideia de prestação mensal, fixa, regular e periódica, atenta a incerteza que a rodeia, quer na sua atribuição (por serem anormais os pressupostos de que depende), quer no seu montante, sendo claramente este o entendimento subjacente ao disposto nos números 7 e 8 da Cl.ª 33ª  do AE.
31. Assim, e ao contrário do defendido na sentença em crise, aquelas prestações não devem fazer parte da retribuição do período de férias e do subsídio de férias.
32. Esta posição/conclusão foi aliás, a acolhida, ainda que para o Pessoal Navegante de Cabina, mas para situações similares, no decidido nos seguintes Acórdãos:
-Acórdão dos Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no âmbito dos recursos de Revista números 5477/07.0TTLSB.L1.S1 e 5068/07.6TTLSB.L1.S1, ambos da 4.ª Secção;
-Acórdão de 24/10/2012 proferido pelo STJ no recurso per saltum (Proc. n° 73/08.8TTLSB.S1 – 4.ª Secção);
- Acórdão     proferido     pelo     STJ     em     13.07.2011     na     Revista    nº 5477/07.0TTLSB.L1.S1, da 4.ª Secção
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 08.09.2010, na apelação n° 2862/08.4TTLSB.L1, da 4.ª Secção;
- Acórdão proferido em 16.12.2009, na Apelação n° 1177/08.TTLSB.L1, da 4.ª Secção;
- Acórdão proferido em 16.12.2009, na Apelação n° 4881/07.9TTLSB.LI, da 4a Secção;
- Acórdão proferido em 27.01.2010, na Apelação n° 74/08.6TTLSB.L1, da 4a Secção;
- Acórdão proferido em 21.04.2010, na Apelação n° 5477/07.0TTLS3.L1, da 4a Secção;
- Acórdão proferido em 08.09.2010, na Apelação n° 2862/08.4TTLSB.L1, da 4a Secção;
- Acórdão proferido em 16/03/2011, na Apelação n° 5068/07.6TTLSB.LI, da 4a Secção;
- Acórdão proferido em 27.06.2012, na Apelação n° 5532/07.7TTLSB.L1, da 4a Secção;
- Acórdão proferido em 05.12.2012, na Apelação n° 5539/07.4TTLSB.L1, da 4a Secção (disponíveis in www.dgsi.pt).
decisões que o Acórdão em apreço desconsiderou totalmente, em violação do regime previsto no art.° 8.°, n° 3 do Código Civil.
33.  Tal como a Recorrida configura a causa de pedir nos presentes autos, o cômputo da prestação retributiva complementar ("retribuição especial") em concreto não estava em causa, pelo que o Acórdão em crise não podia considerar o valor mínimo desta prestação, como referencial para o cálculo da média das ajudas de custo consideradas.
34. Como ficou provado (Facto N) a prestação retributiva complementar é uma verdadeira penalização para a empresa, por cada dia em que o tripulante, que estava disponível, não foi ocupado, sendo devida por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, sempre que o mesmo esteja disponível para o serviço de voo - n.° 2 do Clª 8.ª do RRRGS (Facto N).
35. O motivo pelo qual esta prestação é conhecida na Recorrente como "multa", reside no facto de funcionar como uma penalização devida pela empresa a favor do tripulante que, estando disponível para o serviço de voo, não foi escalado em condições de igualdade com os seus colegas e, para além do mais, pode até ter a sua proficiência afetada se não voar um determinado número de voos (Facto O).
36. O interesse protegido do tripulante é, pois, o não ser sujeito a discriminação/não tratamento em condições de igualdade, não correspondendo as quantias auferidas a esse título contraprestação do trabalho prestado, uma vez que se voar 15 dias no mínimo, não terá direito a esta prestação retributiva complementar.
37. Esta prestação é uma sanção pré-determinada que não tem que ver com
todo o mês de trabalho, mas com o facto de a Recorrente não ter utilizado a
disponibilidade do piloto, face às consequências que essa não utilização pode ter na carreira dos tripulantes e nos requisitos mínimos para voar, pelo que só episodicamente pode ocorrer, o que faz com que o piloto só excecionalmente a venha a receber, acentuando o seu carácter não regular.
38. É esta constatação que reforça a ideia de se estar perante uma
atribuição caracterizada não só pela ausência do elemento essencial da
contrapartida do trabalho prestado, mas também pela imprevisibilidade,
aleatoriedade e variabilidade, manifestamente incompatíveis com a formação
de expectativas consistentes de ganho, o que tudo impede a sua qualificação
como prestação pecuniária "fixa, regular e periódica".
39. Assim, as prestações verdadeiramente em causa nos presentes autos -
Subsídio Complementar de Refeições em Serviço e a Ajuda de Custo
Complementar - não têm carácter retributivo e visam compensar os pilotos
de despesas de vária ordem, sendo verdadeiras ajudas de custo.
40. Ainda que assim não fosse, não podem as médias anuais daquele recebimento ser considerados no cálculo do montante da retribuição de férias e respetivo subsídio, pois não está em causa o direito a férias remuneradas e ao respetivo subsídio, mas antes ao valor de tais prestações concretas.
41. Presume-se terem as partes expresso de forma clara a sua vontade, e criado um regime convencional sistematicamente coerente, que naturalmente resulta de uma negociação com cedências de parte a parte, criando um conjunto de regras que não se limitam à reprodução da lei ou ter na carreira dos tripulantes e nos requisitos mínimos para voar, pelo que só episodicamente pode ocorrer, o que faz com que o piloto só excecionalmente a venha a receber, acentuando o seu carácter não regular.
42. É esta constatação que reforça a ideia de se estar perante uma
atribuição caracterizada não só pela ausência do elemento essencial da
contrapartida do trabalho prestado, mas também pela imprevisibilidade,
aleatoriedade e variabilidade, manifestamente incompatíveis com a formação
de expectativas consistentes de ganho, o que tudo impede a sua qualificação
como prestação pecuniária "fixa, regular e periódica".
43. Assim, as prestações verdadeiramente em causa nos presentes autos - Subsídio Complementar de Refeições em Serviço e a Ajuda de Custo Complementar - não têm carácter retributivo e visam compensar os pilotos de despesas de vária ordem, sendo verdadeiras ajudas de custo.
44. Ainda que assim não fosse, não podem as médias anuais daquele recebimento ser considerados no cálculo do montante da retribuição de férias e respetivo subsídio, pois não está em causa o direito a férias remuneradas e ao respetivo subsídio, mas antes ao valor de tais prestações concretas.
45. Presume-se terem as partes expresso de forma clara a sua vontade, e criado um regime convencional sistematicamente coerente, que naturalmente resulta de uma negociação com cedências de parte a parte, criando um conjunto de regras que não se limitam à reprodução da lei ou até à consagração de regimes que em geral sejam menos favoráveis do que aqueles que já constam da lei, interna ou europeia, sendo necessário compatibilizar o regime legal, maxime o previsto no CT, com o resultante do AE aplicável às partes.
46. Tal regime, limitativo do grau de intervenção dos IRCT’s, consta hoje do art.º 3.º do CT, em particular, e para o que está em causa nos autos, nos ns.° 1 e 3, alínea j), pelo que as normas legais que regem o contrato de trabalho só podem ser afastadas por IRCT’s desde que estes, sem oposição daquelas normas, disponham em sentido mais favorável aos trabalhadores e as normas legais não sejam imperativas (nos vários sentidos e alcance que essa imperatividade pode revestir).
47. O AE 2010 aplicável à Recorrida e à Recorrente, estabelece um conceito de retribuição (Cl.ª 33.ª) que pressupõe no essencial os requisitos legais de obrigatoriedade, regularidade, periodicidade e contrapartida do trabalho, para que determinada prestação seja considerada retribuição, bem como o RRRGS a ele anexo, define um conjunto de abonos diversos (Cl.ª l.ª e segs.), sendo que na Cl.ª 2.a n.° 1 se estabelece que "A retribuição base mensal é constituída pelo vencimento de categoria, pelo vencimento de exercício e pelo vencimento de senioridade calculados nos termos deste regulamento e em vigor em cada momento."
48. O regime convencional acordado entre as partes signatárias de um IRCT deve ser visto, também quanto a este objetivo, de uma forma global e não isoladamente, o que significa in casu, que  se  deverá atender a todo  o estatuto remuneratório fixado, e não apenas a uma prestação concreta.
49.  No caso concreto, a Cl. 6.ª, n.° 1 e 2 do RRRGS estabelece o direito a férias e respetivo subsídio, com valores calculados de acordo com o definido na Cl.ª 2.ª, n.º 1 do mesmo Regulamento, sendo levadas em conta prestações verdadeiramente retributivas que reúnem as características da retribuição e são definidoras do estatuto remuneratório normal do piloto.
50. Não está em causa o gozo de férias remuneradas, nem de estabelecer uma correspondência exata entre o que o trabalhador aufere nos meses em que trabalha e o que recebe nas férias, tal como aliás se afirma no Acórdão William do TJUE, Proc. n.° C-155/10 de 15.09.2011, e está na base do próprio art.° 264.° do nosso Código do Trabalho, citado pela Recorrida.
51. A remissão da Cl. 6.ª, n.°º1 e 2 é expressa e limitadora para a definição de remuneração base mensal (e não vencimento base no conceito comum), que contempla não só o vencimento de categoria (equivalente ao vencimento base na aceção normal), mas também as prestações relacionadas intrinsecamente com a execução de tarefas que lhe incumbem nos termos do contrato de trabalho.
52. Nos termos do artigo 7.º n.º 1 da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, "os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem deferias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas". s elementos da remuneração ou ganho global do trabalhador que visem cobrir custos ocasionais ou acessórios e que decorram da execução das tarefas que incumbem ao trabalhador, não devem ser tomados em consideração no cálculo do montante a pagar durante as férias.
53. No caso concreto, nos termos do n° 1 da Cl.ª 44.ª do RUPT, os pilotos têm direito a 40 dias de férias anuais, sendo 30 dias de férias de base e 10 dias compensatórios de feriados não gozados, mas além da remuneração do período de férias, têm direito a um subsídio de férias de montante igual a uma remuneração base mensal (correspondente aos dias de férias de base), tal como definida no nº 1 da Cl.ª 2.ª do mesmo RRRGS (cfr. n.° 2 da Cláusula 6.ª do RRRGS).
54. Tendo presente tais componentes, e sabendo que o tripulante não tem despesas no período de férias como terá se em serviço de voo fora da base, o montante a receber naquele período corresponderá à remuneração base mensal.
55. A remuneração de férias e o respetivo subsídio devem ser calculados tal como expressamente resulta das Cl.ª  6.ª, nº 1 e 2.a, n.º  2 do RRRGS, ou seja, deve incluir o vencimento de categoria, o vencimento de exercício e o vencimento de senioridade, porque é essa a remissão feita e a mesma respeita toda a legislação nacional e europeia aplicável.
56. Em qualquer caso, e sem conceder, sempre qualquer outra interpretação deverá consagrar que a média das quantias a ter em conta nas prestações a ter em conta na retribuição de férias e respetivo subsídio será calculada por referência aos últimos doze meses que antecederam aquele em que o subsídio de férias deve ser pago, e sempre que as prestações sejam pagas pelo menos 11 meses, como as decisões dos nossos Tribunais Superiores têm vindo a considerar, pois só assim é possível assegurar o cumprimento do requisito da regularidade, requisito essencial para a caracterização da prestação como retributiva.
57. Sem conceder, o Acórdão em crise não podia ter-se limitado a concluir pelo carácter periódico das prestações, mas antes devia ter densificado o conceito, em linha com a jurisprudência do STJ.
58. O considerar-se que se demonstrou no Facto F) que os associados da Recorrida recebem ajudas de custo fixadas pela empresa, não permite concluir que as Ajudas de Custo Complementar não sejam verdadeiras ajudas de custo.
59. Tal conclusão é completamente contrária à matéria de facto dada por provada, máxime nos Factos H) a M), da qual decorre que aquelas prestações visam compensar despesas de alimentação ou outras.
60. O Ac. do STJ de 02.10.2015 (Ac. Unif. n.° 14/2015), também a propósito das prestações relativas ao PNC da Recorrente, não considerou a ajuda de custo complementar e outras prestações como sendo retribuição, muito menos, como devendo ser consideradas para o cálculo da retribuição de férias e respetivo subsídio.
61. Também nos autos nos quais foi tirado o referido Acórdão se discutia relativamente a Ajudas de Custo Complementar prevista no RRRGS anexo ao AE TAP/SNPVAC de 22.02.2006, a natureza daquela prestação, em ação de natureza igual à presente, tendo logo transitado em julgado a decisão nos termos da qual a Ajuda de Custo Complementar não tinha natureza retributiva e, também por essa razão não devia qualquer média do seu recebimento ser considerada na remuneração de férias e subsídio de férias.
62. E, mesmo a Prestação Retributiva Especial prevista na CLª 5.ª do RRGS do mesmo AE TAP/SNPVAC, só como tal foi considerada sempre que paga pelo menos 11 meses ao ano.
63. O Acórdão em crise violou o disposto, entre outros, nos artigos 8.º, n.º 3 do Código Civil, 260.º do Código do Trabalho e as Cláusulas  5.ª, 6.ª, 8.ª e 33.ª do RRGS Anexo ao AE TAP/SPAC, aqui Recorrente e Recorrida”.

 

O Autor contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de dever ser concedida a revista e revogado o Acórdão recorrido declarando-se que a cláusula 6.a do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (RRRGS) anexo ao Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29.06.2010, deve ser interpretada no sentido de que, para o cômputo da retribuição de férias e respetivo subsídio, ambos com valor igual, a média dos valores recebidos, a titulo de "ajuda de custo complementar" e de "prestação retributiva complementar" não pode ser considerada, uma vez que, essas prestações não traduzem uma contrapartida da prestação do trabalho nem têm caráter de regularidade e periodicidade.

Fundamentação

De Facto

Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:

A) - O Autor e a Ré celebraram um Acordo de Empresa (“AE”), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 2010, cuja cópia consta de fls. 11 a 32 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

B) - O Acordo de Empresa, referido em A), veio revogar e substituir o Acordo de Empresa anteriormente celebrado entre o Autor e a Ré, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de agosto de 1999, com as alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 46, 15 de dezembro de 2008.

C) - O Acordo de Empresa, referido em A), foi objeto de revisão parcial do Acordo de Empresa, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, 29 de junho de 2018, pp. 2000 a 2003, cuja cópia consta de fls. 33 e 34 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

D) – O Autor enviou à Ré a carta cuja cópia consta de fls. 35 dos autos e que aqui se dá

por integralmente reproduzida, datada de 25/07/2018.

E) – Em resposta, a Ré enviou ao Autor a carta cuja cópia consta de fls. 36 e 37 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

F) - Os associados do Autor recebem ajudas de custo fixadas pela empresa, sendo as remunerações variáveis do anexo II do RRRGS acrescidas a esses valores.

G) – A retribuição de férias paga aos associados do Autor tem apenas englobado o vencimento de categoria, o vencimento de exercício e o vencimento de senioridade.

H) - Inicialmente na Ré foram previstos dois tipos de abonos para refeições: o subsídio “on ground” destinado a abonar refeições tomadas em terra e o subsídio “on board” destinado a complementar refeições a bordo durante o serviço de voo.

I) - No primeiro caso estavam em causa as despesas de alimentação dos pilotos (e dos outros tripulantes) quando se deslocavam para realizar serviços de voo, durante o período de estacionamento fora da base (entre a chegada ao primeiro destino e o início do regresso à base) ou, nos casos de irregularidade após a apresentação ainda fora da base, que impedia o início do serviço de voo planeado, ainda se encontravam em terra, na hora de tomada de refeições.

J) - No segundo caso, (“on board”), para a alimentação em voo, pois apesar de serem embarcadas refeições destinadas a serem tomadas pelos tripulantes durante o percurso até ao aeroporto de destino, verificou-se, e foi alegado pelos tripulantes, que tais refeições, sendo padronizadas e semelhantes/homogéneas, não satisfaziam integralmente as suas exigências alimentares contínuas.

K) - Este subsídio denominado “on board”, correspondia a um determinado montante que obedecia a uma tabela estabelecida em função de cada escala (em moeda local), passando depois a ser calculado em função de um novo critério que consistia na atribuição de pontos fixado em função do local de aterragem.

L) - O regime deste subsídio, incluindo a alteração à designação, foi objeto de sucessivas atualizações essencialmente no que diz respeito ao número de pontos atribuídos e ao respetivo valor, tendo, posteriormente, sido introduzido um valor pecuniário fixo em substituição do regime de pontos.

M) - A ajuda de custo complementar destina-se a compensar os tripulantes pelas despesas diversas decorrentes das deslocações em serviço de voo, para além das derivadas da alimentação, e é traduzida num valor diário pago pela ré por cada dia em que o Piloto se apresente ao serviço.

N) - A “prestação retributiva complementar” é devida por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, funcionando como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo.

O) - As regras de progressão na carreira e de manutenção da possibilidade de voar têm em consideração o número de horas voadas por cada tripulante.

De Direito

Antes de proceder à interpretação da cláusula 6.ª, n.º 1 do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (RRRGS) anexo ao Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 2010, e decidir se para o cálculo da retribuição em férias e do subsídio de férias deve, ou não, atender-se, para além da remuneração base mensal referida na Cláusula 2.ª do RRRGS, à média das quantias auferidas pelo Piloto, a título de retribuições variáveis constante do anexo II do RRRGS, devendo ser contabilizados, para o efeito, a média desses valores recebidos nos últimos 12 meses com o mínimo do valor correspondente à prestação retributiva complementar prevista no número 2 da Cláusula 8.ª do RRRGS, questão que é, afinal, a questão nuclear neste processo, importa tecer algumas considerações preliminares.

Em primeiro lugar, o que se discute é, desde logo, se certas prestações integram a retribuição variável ou se são genuínas ajudas de custo, de natureza não retributiva. As genuínas ajudas de custo não integram a retribuição, porquanto podendo embora ser regulares e periódicas, não são a contrapartida do trabalho (artigo 258.º, n.º 1 do CT). O artigo 260.º, n.º 1, alínea a) reitera esta conclusão, embora com um caveat, inteiramente coerente: as denominadas “ajudas de custo” (e outras prestações equivalentes ou similares) podem até integrar a retribuição “quando (…) sendo tais despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrantes da retribuição do trabalhador”.

As verdadeiras ajudas de custo destinadas a fazer face a despesas, por exemplo, com as refeições só são pagas evidentemente quando tais despesas existem.

Ora o que é que se verifica no caso vertente?

Inicialmente na empresa só estavam previstos subsídios on ground e on board (factos H, I, J, K, L), tendo sido contemplada, ainda, uma prestação por outras despesas que não a alimentação, mas independente do valor real das mesmas, sendo que esta ajuda de custo complementar se traduz em um valor diário pago pela ré por cada dia em que o Piloto se apresente ao serviço (facto M). Mas além destas prestações existe, também, uma outra, a saber “a “prestação retributiva complementar” (…) devida por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, funcionando como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo”

Parece-nos evidente que não se pode partir de uma consideração atomística destas prestações para proceder à sua qualificação, como pretende o Recorrente, devendo, ao invés, atender-se ao seu conjunto e ao modo como interagem e se completam.

A genuína ajuda de custo por uma despesa não é paga quando não há despesa. Mas aqui o empregador paga uma prestação quando a despesa não existe – a prestação retributiva complementar. O facto N refere que esta prestação funciona “como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo” e o próprio Recorrente fala de uma “multa” ou sanção pré-determinada (Conclusões 35 e 37). A ideia de penalização afigura-se mais um conceito de direito que um puro facto. Aliás, não se vislumbra que sanção seria esta já que a empresa não cometeu propriamente qualquer facto ilícito. Em todo o caso, tal finalidade não exclui uma outra, a de compensar os trabalhadores quando não recebem as designadas ajudas de custo, que nesse caso não são genuínas ajudas de custo, mas retribuição variável. E daí que a sentença e a decisão da Relação tenham qualificado corretamente como retribuições variáveis tais importâncias, com o mínimo de valor correspondente á tal prestação retributiva complementar. Com efeito, e como se pode ler nas contra-alegações, “a retribuição especial visa compensar a perda de ganhos do trabalhador e tal necessidade de compensação só existe na medida em que se reconheça que o trabalhador a recebe como parcela da retribuição e não como pagamento de despesas”.

Um segundo ponto prévio, suscitado pelo Recorrente nas suas Conclusões e que importa esclarecer é o de que não existe qualquer violação da boa fé em recorrer aos Tribunais para solucionar dúvidas na interpretação de uma convenção coletiva. Sem dúvida que a interpretação das convenções coletivas pode ser resolvida pelo funcionamento da própria autonomia negocial coletiva – e daí que a lei preveja, artigo 492.º, n.º 3 do CT – a constituição e funcionamento de uma comissão paritária, aliás também prevista no presente Acordo de Empresa. Mas se tal interpretação não for encontrada, as partes podem recorrer aos Tribunais para resolver as dúvidas que se coloquem sobre a interpretação da convenção coletiva, predispondo, aliás, o Código de Processo do Trabalho uma ação especial para o efeito.

Procederemos agora à análise do clausulado relevante da convenção coletiva em causa, o Acordo de empresa entre a TAP — Transportes Aéreos Portugueses, S. A., e o SPAC — Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil — Revisão global. Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, 29/6/2010, 2774 e ss.

A Cláusula 33.ª do AE com a epígrafe “Conceito de retribuição” dispõe o seguinte:

1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos deste AE, o piloto tem direito, como contrapartida do trabalho.

 2 — A retribuição compreende a remuneração base mensal e todas as outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente em dinheiro ou em espécie.

3 — A remuneração base mensal é constituída pelo vencimento de categoria, pelo vencimento de exercício e pelo vencimento de senioridade, nos termos estatuídos no regulamento de remunerações, reformas, e garantias sociais (RRRGS), calculados conforme a tabela em vigor a cada momento.

4 — Até prova em contrário, constitui retribuição toda e qualquer prestação da empresa ao piloto, exceto as constantes dos números 7 e 8 desta cláusula.

5 — A retribuição pode ser constituída por uma parte certa e outra variável.

6 — Os componentes da retribuição, bem como os respetivos valores, são os estabelecidos no RRRGS.

7 — Não se consideram retribuição os subsídios atribuídos pela empresa aos seus pilotos para a refeição nem as comparticipações no preço destas ou o seu pagamento integral, quando for caso disso.

8 — Também não se consideram retribuição as importâncias abonadas a título de: a) Ajudas de custo; b) Despesas de transporte; c) Comparticipação nas despesas de infantário.

A cláusula 48.ª do AE prevê a existência do que designa de regulamentos internos, esclarecendo que os mesmos são parte integrante do AE (n.º 2). Um desses regulamentos internos é o Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais (RRRGS), previsto na cláusula 48.ª, n.º 2, alínea c).

A cláusula 2.ª n.º 1, do RRRGS, com a epígrafe “remuneração base mensal”, dispõe que:

1 — A remuneração base mensal é constituída pelo vencimento de categoria, pelo vencimento de exercício e pelo vencimento de senioridade calculados nos termos deste regulamento e da tabela em vigor em cada momento (…)

E a cláusula 6.ª, cuja interpretação está em causa nestes autos, com a epígrafe “retribuição e subsídio de férias”, dispõe que:

1 — Durante o período de férias, o piloto tem direito à remuneração a que se refere o n.º 1 da cláusula 2.ª

2 — Além da remuneração mencionada no número anterior, o piloto tem direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa remuneração.

3 — O subsídio de férias será pago de uma só vez, antes do início do 1.º período de férias, com o vencimento do mês anterior ao do respetivo gozo.

Este Tribunal tem afirmado reiteradamente que as convenções coletivas, pelo menos no que toca à sua parte normativa, estão sujeitas, na sua interpretação, às mesmas regras que regem para a interpretação da lei. Assume, assim, particular importância o disposto no artigo 9.º do Código Civil. Por outro lado, a letra da convenção é de grande importância como ponto de partida da interpretação das cláusulas de uma convenção coletiva.

O elemento literal da cláusula 6.º, n.º 1, do RRRGS, sugere efetivamente que as partes da convenção quiseram restringir a retribuição durante o período de férias à retribuição base.

Diga-se, desde já, que se esse fosse o resultado final da interpretação da cláusula, a mesma seria nula.

Com efeito, tem sido entendimento deste Tribunal que a norma do Código do Trabalho que estabelece que “a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo” (atual n.º 1 do artigo 264.º do CT) é imperativa, não podendo ser derrogada por convenção coletiva em sentido desfavorável para o trabalhador. Neste sentido pronunciou-se, precisamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/06/2010, proferido no processo n.º 2065/07.5TTLSB.L1.S1 (Relator: Pinto Hespanhol) a respeito do artigo 255.º n.º 1 do CT de 2003 (preceito que tinha exatamente a mesma redação que o atual artigo 264.º, n.º 1 do CT de 2009).

No entanto, importa ter presente que desempenhando no nosso sistema as convenções coletivas o papel de fontes de direito, criando-se através do exercício da autonomia negocial coletiva verdadeiras normas jurídicas, também as convenção coletivas devem estar sujeitas à interpretação conforme relativamente ao direito da União Europeia.

Ora, nesta matéria, o Tribunal de Justiça tem sublinhado que, não só “o direito a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio de direito social comunitário com particular importância”, aliás consagrado no artigo 31.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como o direito a férias e a remuneração das mesmas representam dois componentes de um direito único (cfr., por todos, o Acórdão do Tribunal de Justiça, Primeira Secção, de 15 de setembro de 2011, proferido no processo C-155/10, Williams e o. c. British Airways plc, Acórdão que trata precisamente de uma situação em que estavam em causa pilotos de avião).

O Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, realçado a importância de garantir ao trabalhador durante as férias uma retribuição correspondente à que ele auferiria em efetividade de funções, como modo de garantir que o trabalhador não se sinta tentado a não gozar férias para evitar uma perda patrimonial, assim se protegendo um direito a férias efetivo.

Deste modo, e nas palavras do TJ, “cabe ao juiz nacional apreciar a ligação intrínseca dos diversos elementos que fazem parte da remuneração global do trabalhador com a execução das tarefas que lhe incumbem nos termos do seu contrato de trabalho” (n.º 26) e, sendo “o objetivo da exigência de pagamento dessas férias […] colocar o trabalhador, no momento das mesmas, numa situação que, quanto ao salário, seja comparável aos períodos de trabalho” (n.º 19) e “a remuneração paga a título de férias anuais deve, em princípio, ser calculada de forma a corresponder à remuneração normal auferida pelo trabalhador” (n.º 21).

É certo que no Acórdão proferido no processo C-155/10 também se pode ler que “[e]m contrapartida, os elementos da remuneração global do trabalhador que visem exclusivamente cobrir custos ocasionais ou acessórios e que decorram da execução das tarefas que incumbem ao trabalhador nos termos do seu contrato de trabalho, como as despesas ligadas ao tempo que os pilotos são obrigados a passar fora da base, não devem ser tomados em consideração no cálculo do montante a pagar durante as férias anuais” (n.º 25). Todavia, e como já dissemos, as “ajudas de custo” pagas pelo empregador não são genuínas ajudas de custo porquanto se o fossem apenas seriam pagas se e na medida em que houvesse despesas, não havendo qualquer lugar a uma compensação ao trabalhador quando não recebe ajudas de custo por não ter despesas.

Por força do princípio da interpretação conforme há, pois, que interpretar a cláusula 6.ª n.º 1 do RRRGS como referindo-se à remuneração e não apenas à remuneração base. Face ao disposto no n.º 2 da cláusula 6.ª o subsídio de férias terá igual valor.

Decisão:

Negada a revistas, decidindo-se, que a cláusula 6.ª, n.º 1, do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (RRRGS) anexo ao Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 2010, é interpretada no sentido de que para o cálculo da retribuição em férias e do subsídio de férias de igual valor deve atender-se, para além da remuneração base mensal referida na Cláusula 2.ª do RRRGS, à média das quantias auferidas pelo Piloto, a título de retribuições variáveis constante do anexo II do RRRGS, devendo ser contabilizados, para o efeito, a média desses valores recebidos nos últimos 12 meses com o mínimo do valor correspondente à prestação retributiva complementar prevista no número 2 da Cláusula 8.ª do RRRGS.

Em conformidade com o disposto no artigo 186.º do CPT deverá este Acórdão ser publicado no Diário da República, 1.ª Série-A e no Boletim do Trabalho e Emprego.

Custas pelo Recorrente

6 de julho de 2022

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos José de Morais

Mário Belo Morgado