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GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
NECESSIDADE
ADEQUAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Sumário
A definição dos serviços mínimos a assegurar durante a greve deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, em ordem à conciliação entre o exercício do direito à greve e necessidades sociais impreteríveis.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
AAA veio interpor recurso do acórdão do tribunal arbitral proferido em 19 de Dezembro de 2022 que, no processo de arbitragem a que se referem os art.ºs 400.º e ss. da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com o n.º 17/2022/DRCT-ASM, determinou os serviços mínimos a prestar durante a greve decretada por aquele sindicato e a DDD entre as 00h00 e as 24h00 dos dias 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 2022.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões: «1 — A fixação de serviços mínimos é exigida para assegurar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. 2 — 0 BBB não presta serviços que integrem o conceito de necessidades sociais impreteríveis. 3 — Dos serviços mínimos fixados pelo Acórdão recorrido afigura-se ao Recorrente que nenhum preenche o conceito de necessidade social impreterível. 4 — A emissão e entrega de cartões de cidadão não configura a prestação de um serviço social impreterível, na medida em que os cidadãos podem identificar-se, ou praticar quaisquer atos em que seja necessária a identificação, através da carta de condução ou do passaporte, conforme decorre do artigo 48° do Código do Notariado. 5 — A emissão urgente de cartão de cidadão ou de passaporte depende somente do pagamento de uma taxa de urgência, não sendo efetivamente aferido se existe razão ponderosa para a emissão urgente. 6 — Os casamentos in articulo mortis podem, em última análise, ser celebrados por qualquer pessoa, conforme decorre do artigo 1622° do Código Civil e do artigo 156° do Código do Registo Civil. 7 — Os testamentos são, regra geral, celebrados por notários, que é, desde 2005, uma atividade privada. 8 — No caso dos casamentos civis já agendados antes da data da convocação da greve estarão apenas em causa razões de constrangimento resultantes da necessidade do respetivo reagendamento, constitucionalmente não equiparáveis ao direito à greve dos trabalhadores e não correspondendo, de todo, a uma necessidade social impreterível. 9 — 0 Acórdão recorrido, ao fixar os serviços mínimos, não respeitou os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade. 10 — 0 Acórdão recorrido mostra-se desconforme com o disposto no artigo 37º da CRP, bem como com o disposto no artigo 397° da LTFP, violando tais normas, pelo que deverá ser revogado.»
O BBB apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência e formulando as seguintes conclusões: «1 – O BBB é uma pessoa colectiva de direito público, integrado na administração indirecta do Estado, que tem por missão executar e acompanhar as políticas relativas aos serviços de registo, com vista a assegurar a prestação de serviços aos cidadão e empresas, no âmbito da nacionalidade e identificação civil, do registo civil, predial, comercial, de bens móveis e de pessoas coletivas, bem como assegurar a regulação, controlo e fiscalização da actividade notarial. 2 - Para a prossecução dessa missão, o BBB conta com a colaboração de cerca de cinco mil trabalhadores, integrados quer em carreiras do regime geral da administração pública, quer nas carreiras do regime especial dos registos e do notariado. 3 - De entre o extenso rol de serviços prestados pelo BBB aos cidadãos e empresas, através das diversas valências que integram os serviços de registo, destacam-se os serviços de atendimento ao público, cuja prestação legalmente lhe incumbe em exclusivo, e que se destinam à satisfação de necessidades essenciais que ao estado cumpre assegurar aos cidadãos. 4 - Sendo que, relativamente a alguns dos serviços prestados pelo BBB, não existem meios paralelos ou alternativos, viáveis para a satisfação das concretas necessidades dos cidadãos que são asseguradas através de tais serviços; as necessidades em apreço não são passíveis de auto satisfação individual; pela natureza das necessidades que tais serviços visam satisfazer, a sua privação (pelo tempo de paralisação que a greve importa) é suscetivel de determinar, em certos casos, a verificação de prejuízos irreparáveis. 5 - Reportando-se, em particular: a) aos serviços destinados a assegurar a obtenção do cartão de cidadão (CC) e de pedido de passaportes; b) à celebração de casamentos (em determinadas circunstâncias relevantes e susceptíveis de causar prejuízos irreparáveis a terceiros titulares de direitos constitucionalmente protegidos); e, c) à realização de testamento público em contextos urgentes. 6 - Uma greve decretada nos serviços do BBB poderá, ainda que indiretamente, nomeadamente por via da impossibilidade de identificação pessoal, provocar inúmeros constrangimentos à liberdade de deslocação dos cidadãos, colocando em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis e até, no limite, direitos fundamentais. 7 - Tendo presente que o direito à identidade é um direito constitucionalmente consagrado - cfr. artigo 26.°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - dificilmente se pode compreender que a identificação civil fique fora do núcleo de serviços essenciais que importa garantir aos cidadãos, mesmo em contexto de greve. 8 - Entre outros eventuais prejuízos de difícil reparação, a mera impossibilidade de um cidadão se fazer acompanhar do seu Cartão de Cidadão ou Passaporte, pode determinar que este fique, irremediavelmente, impedido de se deslocar, pois o Cartão de Cidadão é um documento indispensável para que qualquer cidadão português se possa deslocar dentro da União Europeia ou do Espaço Schengen, assim como o Passaporte Eletrónico Português é fundamental para que qualquer cidadão português possa viajar para fora da União Europeia e do Espaço Schengen. 9 - A privação, ainda que temporária, do direito de deslocação, indiretamente determinada pela impossibilidade de obtenção de um Cartão de Cidadão ou Passaporte, além de constituir, em si, a lesão de um direito fundamental (artigo 44.º da CRP), poderá traduzir-se em prejuízos desmesurados ou mesmo irreparáveis, consoante o motivo que esteja por detrás de necessidade de deslocação. 10 - Não é, também, invocável que, desde que saibam antecipadamente da existência de greve, os cidadãos poderão obstar à verificação de tais prejuízos diligenciando, prévia e atempadamente, pela obtenção de tais documentos antes do início da greve, uma vez que existem inúmeras circunstâncias imprevisíveis suscetíveis de fazer gorar essa possibilidade de planeamento. 11 - Acresce salientar, a importância crucial da identificação civil para efeitos de acautelar valores de segurança individual e colectiva - valores que ao Estado cabe, em exclusivo assegurar, já que a livre circulação de pessoas exige e pressupõe imperativos de ordem pública salvaguardados pela correcta identificação dos cidadãos. 12 - A inclusão dos serviços em causa nos serviços mínimos, não tem por efeito "esvaziar" o exercício do direito à greve, porquanto - dentro do âmbito da identificação civil - os específicos serviços cuja prestação se pretende que seja assegurada, representam numa parte muito residual da globalidade serviços prestados pelo BBB. 13 - E no que respeita à celebração de casamentos civis que já se mostrem agendados antes da data da convocação da greve, existirá uma manifesta desproporcionalidade dos prejuízos que advêm para os nubentes da falta de prestação de tal serviço. 14 - Aos normais "danos morais" decorrentes da circunstância de verem gorada a sua legítima e antecipadamente planeada expetativa de contrair matrimónio num determinado dia e/ou local, acompanhados dos seus familiares e amigos, na grande maioria das vezes os nubentes terão ainda avultados prejuízos financeiros resultantes dos diversos compromissos assumidos com vista à realização do casamento, festa de recepção aos convidados, viagens e estadas de lua-de-mel, compromissos esses que são muitas vezes assumidos com largos meses de antecedência. 15 - Em relação à realização de casamentos urgentes articulo mortis ou na eminência de parto - previsto nos artigos 1622.° do CC e 156.° do CRCivil - e a celebração de testamentos in articulo mortis - n.º 2 do artigo 67.° do Código do Notariado, os mesmos sempre foram assegurados pelos funcionários dos registos, independentemente de quaisquer horários regulamentares do funcionamento dos serviços, desde que para tal sejam solicitados por qualquer cidadão, seja em dia de greve ou não. 16 - Em quaisquer circunstâncias, a realização de tais actos com carácter de extrema urgência, corresponde ao conteúdo funcional próprio dos trabalhadores dos registos, além de consubstanciarem direitos dos cidadãos, constitucionalmente protegidos. 18 - E, no caso particular dos testamentos, sendo possível nos mesmos incluir disposições de carácter não patrimonial, como seja, a confissão, perfilhação, a designação de tutor e a reabilitação de sucessor indigno, cfr. Artigos 2179.º, n.º 2, 358.º n.º 4, 1853.º, al. B), 1928.º n.º 3, 2038.º n.º 1 do CCivil. 19 - Finalmente, considerando a desproporcionalidade dos meios face aos recursos humanos existentes e afectos aos serviços de registo, os meios definidos destinam-se a assegurar, por serviço, as actividades abrangidas pela definição de serviços mínimos. 20 - Assim, nem todos os serviços de registo dispõem ou prestam as tarefas ou actividades compreendidas pela definição de serviços mínimos, pelo que os meios fixados são os meramente suficientes, e respeitam muito além dos limites mínimos, o exercício do direito à greve. 21 - À imposição da obrigação de serviços mínimos está subjacente uma teleologia determinada por interesses de ordem pública que passam pela necessidade de assegurar uma tutela efectiva de outros bens de relevo constitucional - no caso sub judice - cidadania e identidade pessoal, liberdade e segurança, liberdade de circulação, família - que um Estado de Direito está absolutamente vinculado a proteger. 22 - 0 âmbito dos serviços mínimos decretados reconduz-se a um universo absolutamente residual dos serviços de registo disponibilizados pelo Recorrente BBB, e dos meios fixados como indispensáveis a assegurar tais prestações, pelo que o nível de restrição ou compressão do exercício do direito à greve e insignificante e absolutamente adequado à harmonização e compatibilização de todos os direitos constitucionalmente protegidos e eventualmente em conflito. 23 - 0 Acórdão Colegial aqui Recorrido, contrariamente à tese defendida pelos Recorrentes, consubstancia um juízo de concordância prática, tendo em conta os princípios da necessidade e da proporcionalidade dos sacrifícios a impor, bem como da proibição do excesso e da menor restrição possível de cada um dos direitos em conflito, de modo a que nenhum deles fique afectado no seu conteúdo essencial, em estrita observância pelos princípios jurídicos e normas legais vigentes, vg os artigos 18.° da CRP e 335.° do Código Civil. 24 - Mais se reiterando que a decisão do Colégio Arbitrai é, assim, proporcional e equilibrada, tendo em vista a justa composição e concordância prática dos direitos fundamentais em causa, não enfermando de qualquer um dos vícios ora apontados.»
Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se a decisão arbitral recorrida viola o direito à greve dos trabalhadores representados pelo Recorrente na medida em que estabelece serviços mínimos com excessiva e injustificada amplitude.
3. Apreciação
3.1. É o seguinte o teor do acórdão recorrido: «(…) I - Os factos 1. A CCC e o AAA dirigiram às entidades competentes um aviso prévio referente à greve decretada para os dias 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de dezembro de 2022, entre as 00h00 e as 24h00, para os trabalhadores que exercem funções nos serviços do (BBB), (Serviços Centrais e em todos os Serviços Externos - Conservatórias, Espaço Registos, Lojas do Cidadão, IMT e/ou quaisquer outros organismos) e nos Serviços Centrais e Externos da Direção Regional de Administração da Justiça, da Região Autónoma da Madeira, no qual não é apresentada nenhuma proposta de serviços mínimos. 2. Em face do aviso prévio, o BBB. solicitou a intervenção da DGAEP ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho. 3. Dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, foi convocada para o dia 14 de dezembro de 2022, na DGAEP, uma reunião com vista à negociação de um acordo de serviços mínimos para a greve em referência, não sendo possível, contudo, a sua realização pelo facto das partes não terem comparecido, tendo, posteriormente, o BBB remetido comunicação a esta Direção-Geral, informando que não marcariam presença na reunião, "considerando que nos contactos havidos com os Sindicatos, os mesmos informaram que também não estariam presentes." 4. Foi, entretanto, promovida a formação deste Colégio Arbitrai, que ficou assim constituído: Árbitro Presidente - Dr. JM Árbitro Representante dos Trabalhadores - Dr. EP (5.º suplente, por impedimento do árbitro efetivo, 2.º e 3.º suplentes e impossibilidade de contacto com os l.º e 4.º suplentes) Árbitro Representante dos Empregadores Públicos - Dra. IN. 5. Por ofícios (via comunicação eletrónica) de 15 de dezembro de 2022, foram as partes notificadas, em nome do Presidente do Colégio Arbitrai, para a audição prevista no n.º 2 do artigo 402.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de junho. 6. O BBB pronunciou-se sobre a necessidade de definição de serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar, nos termos das alegações que fazem parte do processo e para as quais remetemos. Não foi recebida pronúncia por parte da CCC e do AAA. II - Apreciação e fundamentação 1 - Cumpre ao presente Colégio Arbitral pronunciar-se quanto à necessidade, ou não, de fixação de serviços mínimos e meios necessários para os assegurar, para a greve decretada pela CCC e pelo AAA, entre as 00h00 e as 24h00, dos dias 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de dezembro de 2022. O direito à greve, sendo um direito fundamental garantido aos trabalhadores pela Constituição da República Portuguesa (artigo 57.º da CRP), não é um direito absoluto, investindo a Constituição e a Lei os aderentes à paralisação de certos deveres ou obrigações, que podem mesmo implicar o exercício de sua atividade normal, sempre que a greve ocorra em serviços que assegurem necessidades sociais impreteríveis, que mais não sendo que outros bens ou direitos merecedores de igual tutela constitucional e que o exercício do direito à greve não pode naturalmente pôr em causa. Porém, é de reter que o normativo em questão não consagra um direito absoluto, uma vez que pode sofrer as restrições prevista no seu n.º 3, o qual permite que o legislador ordinário defina as condições da prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como os serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. Estas restrições decorrem da necessidade de acautelar a defesa de outros direitos também eles constitucionalmente garantidos, da necessidade de tuteia do interesse geral da comunidade e de direitos fundamentais dos cidadãos, que o normal exercício do direito à greve pode pôr em causa. Assim, os serviços mínimos a assegurar pelos trabalhadores grevistas, na pendência de uma greve para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, serão aqueles que, em face das circunstâncias de cada caso, forem adequados para que o serviço, onde a greve decorre e no âmbito da sua ação, não deixe de prestar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial para a vida individual ou coletiva, careça de imediata utilização ou aproveitamento, para que não ocorra irremediável prejuízo (Vide Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 100/89 in DR, 2.ª Série, n.º 276 de 29 de Novembro de 1990). De salientar, igualmente, o disposto no artigo 397.º n.º 2 al. I) da LTFP, que prescreve que estão obrigados à prestação de serviços mínimos, durante a greve, os órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, incluindo expressa e inequivocamente a referência aos serviços de atendimento ao público, que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado. Resulta claro que os serviços mínimos não se destinam a assegurar a regularidade da atividade, mas tão só as necessidades essenciais, devendo, na respetiva definição respeitar-se os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (n.º 7 do artigo 398.º da Lei n.º 35/2014). Assumindo esta premissa é de referir que a questão de se saber se o BBB prossegue a satisfação de necessidades sociais impreteríveis já foi decidida por diversos colégios arbitrais (Vide, entre outros, acórdãos 14/2018/DRCT-ACM, 15/2019/DRCT-ASM e 22/2019/DRCT-ASM, todos eles disponíveis para consulta no site https://www.dgaep.gov.pt), sendo sempre assumido e sem controvérsia, a posição que os serviços aqui em análise são um sector de relevância social suscetível de cumprir necessidades, cuja satisfação imediata é imprescindível e, por isso, um sector onde se justifica a fixação de serviços mínimos, posição que este Colégio Arbitral aqui volta a acompanhar. No que respeita aos meios para assegurar os serviços mínimos, na esteira do que se vem considerando e que se pauta pelo princípio da compressão mínima do exercício do direito de greve, os meios humanos necessários ao cumprimento daqueles serviços hão-de, também eles, ser os estritamente imprescindíveis a assegurar as identificadas necessidades sociais impreteríveis. 2 - A CCC e o AAA que decretaram esta greve não apresentaram alegações escritas, limitando-se, no presente aviso de greve, quanto aos serviços a assegurar durante esta, a dizer que "a segurança e a manutenção do equipamento e instalações seriam assegurados nos mesmos moldes em que o são nos períodos de interrupção ou de encerramento dos serviços". E o BBB nas alegações escritas que apresentou, além de a final propor os serviços mínimos para esta greve e os meios para a sua satisfação, limitou-se a fundamentar tão-somente o serviço e os meios propostos quanto ao cartão de cidadão e a concordar com a proposta de solução da CCC e do AAA quanto à segurança e manutenção do equipamento e instalações. 3 - Tal como o BBB ora fez sem que, para tanto, apresentasse fundamentação, anotámos que anteriores acórdãos destes Colégios Arbitrais vêm também considerando como integrando necessidades sociais impreteríveis a satisfazer durante as greves e a serem abrangidos pelos serviços mínimos os casamentos civis ou urgentes, in articulo mortis ou na iminência de parto (artigos 1622 do Código Civil (CC) e 156.º do Código de Registo Civil (CRC), tal como acontece relativamente à celebração do testamento in articulo mortis, bem como relativamente aos casamentos previamente agendados. Neste último caso, está em causa a satisfação de uma necessidade de impacto social relevante, como é o casamento com as tradições e costumes a ele associados cuja realização na data previamente agendada para o efeito é suscetível de causar danos morais, bem como avultados prejuízos financeiros para nubentes, familiares e amigos. E se o casamento in articulo mortis ou na iminência de parto pode, em certas circunstâncias, ser celebrado sem intervenção de funcionário de registo civil (artigo 156.º do CRC), o certo é que a lei não impõe que essa faculdade seja exercida pelos cidadãos ali referidos e, por isso, não garante o exercício dos direitos também constitucionalmente acautelados de constituir família e contrair casamento (artigo 36.º n.º 1 da Constituição). Como justificação para a inclusão da celebração de testamentos in articulo mortis nos serviços mínimos dir-se-á que o testador pode incluir no testamento disposições de carácter não patrimonial, tais como confessar extrajudicialmente, perfilhar, designar e revogar a designação de tutor a filho menor para o caso de vir a falecer ou se tornar incapaz e proceder à reabilitação do indigno (artigos 2179.º n.º 2, 358.º n.º 4, 1950.º b), 1928.º n.ºs 1 a 3 e 2038.º n.º 1 do CC, respetivamente) e isso manifestamente poderá justificar a sua consideração como necessidade social impreterível e a consequente inclusão nos serviços mínimos a prestar durante a greve. 4 - 0 cartão de cidadão é o documento de identificação dos cidadãos portugueses, obrigatório para todos os nacionais residentes em Portugal como no estrangeiro, a partir dos vinte dias após o seu registo de nascimento, sem limite mínimo de idade, que substituiu não só o bilhete de identidade como também outros documentos, nomeadamente, o cartão de beneficiário da Segurança Social, o cartão de utente do Serviço Nacional de Saúde e o cartão de contribuinte. A identificação é o ato de vontade pelo qual o cidadão se dá a conhecer perante terceiros, como sujeito titular de direitos e de deveres. Assim, o cartão de cidadão permite aos cidadãos fazer prova dessa titularidade, por ato de vontade própria, de forma presencial no seu relacionamento com o mundo físico e, digitalmente, na sua interação com serviços eletrónicos. E o Tribunal não pode ser indiferente ao facto de o cartão de cidadão se apresentar como um documento de cidadania, que como documento físico, permite ao cidadão identificar-se, presencialmente, de forma segura e que, como documento tecnológico, lhe permite identificar-se perante serviços informatizados e autenticar documentos eletrónicos, não podendo, também por isso, a identificação civil provisória e/ou urgente ficar fora do núcleo de serviços essenciais que importa garantir aos cidadãos, mesmo em contexto de greve. Sem ele também não é possível a emissão de passaporte ou de certificado de registo criminal. Além disso, o Cartão de Cidadão é um documento indispensável para que qualquer cidadão português se possa deslocar dentro da União Europeia ou do Espaço Schengen, bem como para poder solicitar o Passaporte Eletrónico Português (PEP), documento fundamental para que qualquer cidadão português possa deslocar-se de e para fora da União Europeia e do Espaço Schengen. 5 - Para os serviços mínimos que atrás se entendeu deverem ser assegurados, na presente greve e que foram propostos pelo BBB, sempre com respeito pela compressão mínima do exercício do direito da greve, não vê este Colégio Arbitrai razão para se afastar no tocante da designação dos meios humanos da solução a que outros colégios anteriores já chegaram, tendo em conta os serviços que devem ser assegurados e o volume diário do mesmo aqui alegado pelo BBB (cfr. ponto 46 das suas alegações), mantendo-se o critério seguido nesses acórdãos anteriores, de um modo geral, próximos ou coincidentes com os aqui propostos pelo BBB para idênticas greves de dias seguidos (v.g. Processos 14/2018/DRCT-ASM, 18/2018/DRCT-ASM, 114/2019/DRCT-ASM, 21/2019/DRCT-ASM e 24/2019/DRCT-ASM). 6 - A segurança e a manutenção do equipamento e das instalações, durante a greve, deverão ser assegurados nos termos habituais, já que não foi proposta solução diferente pelas partes aqui interessadas. III - Decisão Em face do que exposto fica, o Colégio Arbitrai previsto no nº 1 do artigo 400.º da LTFP, constituído nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, decide, por unanimidade, fixar os seguintes: 1 - Serviços mínimos: a) Casamentos civis urgentes, in articulo mortis ou na iminência de parto; b) Testamentos in articulo mortis; c) Casamentos civis já agendados antes da data da convocação da greve; d) Serviços referentes ao cartão de cidadão tramitado como extremamente urgente (vulgo "extremo urgente") - serviços estes a assegurar apenas em Lisboa (no DIC - Campus da Justiça) e no Porto (na Loja de Cidadão do Porto); e) Serviços referentes ao cartão de cidadão provisório - serviços estes a assegurar apenas pelos designados centros emissores; e f) Pedido de Passaporte com o nível de prioridade urgente-Aeroporto e entrega de Passaporte com o nível de prioridade urgente. 2 - Meios para assegurar os serviços mínimos: a) 1 (um) trabalhador de prevenção para a realização de casamentos civis urgentes in articulo mortis ou na iminência de parto; b) 1 (um) trabalhador de prevenção para a realização de testamentos in articulo mortis; c) 1 (um) trabalhador para a realização de casamentos civis que se mostrem agendados antes da data da convocação da greve, se existirem; d) 3 (três) trabalhadores, por turno, para efetuaram as tarefas inerentes ao pedido, emissão e entrega de cartão de cidadão extremo urgentes - 6 (seis) trabalhadores no total dos 2 turnos; e) 3 (três) trabalhadores para efetuaram as tarefas inerentes ao pedido, emissão e entrega de cartão de cidadão provisório (1 para cada uma das tarefas); e f) 1 trabalhador para assegurar o pedido de Passaporte urgente-Aeroporto e a entrega de Passaporte urgente.»
3.2. Como se referiu, importa apreciar se a decisão arbitral recorrida viola o direito à greve dos trabalhadores representados pelo Recorrente na medida em que estabelece serviços mínimos com excessiva e injustificada amplitude.
O art.º 57.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa garante o direito à greve, tendo em 1997 sido aditado um n.º 3 estabelecendo que “[a] lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para acorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, o que veio ao encontro do que era a posição dominante do Tribunal Constitucional no sentido de que o direito à greve não é um direito absoluto e o seu exercício deve ser articulado com o de outros direitos também consagrados na Constituição, nomeadamente o da satisfação de necessidades essenciais da comunidade.
Contudo, tratando-se dum direito fundamental, a lei só pode restringi-lo “nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” e, em qualquer caso, “não poderá diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial” do mesmo (n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da Constituição).
Em conformidade, estabelece o art.º 397.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho:
Obrigações de prestação de serviços durante a greve
1 - Nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:
(…)
i) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
(…)
3 - As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
4 - Os trabalhadores que prestem, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações e os afectos à prestação de serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob a autoridade e direcção do empregador público, tendo direito, nomeadamente, à remuneração.
O art.º 398.º do mesmo diploma regula o modo de definição de serviços a assegurar durante a greve e dos meios necessários para o efeito, sublinhando o n.º 7 que a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira[1], a pedra de toque é que haja “(…) uma relação indissociável entre serviços mínimos e necessidades impreteríveis”.
Compulsada a situação em apreço, constata-se que está em causa uma greve decretada para os dias 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 2022, entre as 00h00 e as 24h00, para os trabalhadores a exercer funções nos serviços do BBB (Serviços Centrais e todos os Serviços Externos - Conservatórias, Espaço Registos, Lojas do Cidadão, IMT e/ou quaisquer outros organismos) e nos Serviços Centrais e Externos da Direção Regional de Administração da Justiça, da Região Autónoma da Madeira.
Antes de mais, cumpre sublinhar que em anteriores greves no mesmo organismo, com semelhante amplitude quanto aos serviços e trabalhadores abrangidos e quanto à duração, foram já proferidos diversos acórdãos do tribunal arbitral nos termos previstos nos art.ºs 400.º e ss. da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para definição de serviços mínimos e dos meios de os assegurar, nomeadamente os constantes dos processos n.ºs 14/2018/DRCT-ASM, 21/2019/DRCT-ASM, 24/2019/DRCT-ASM e 8/2021/DRCT-ASM[2].
Acresce que o acórdão proferido no aludido processo n.º 21/2019/DRCT-ASM foi objecto de recurso interposto para esta Relação que, por Acórdão de 29 de Janeiro de 2020, proferido no processo n.º 2486/19.0YRLSB[3], o julgou parcialmente procedente. Estavam em causa os serviços mínimos a prestar durante o período de greve com início às 00h00 e termo às 24h00 nos dias 12, 13, 14, 16 e 17 de Agosto de 2019, relativamente aos trabalhadores a exercer funções nos serviços do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., pelo que, como referido, se trata de situação em tudo similar à dos presentes autos.
Ora, diz-se naquele aresto desta Relação: «Como é sabido, a lei fundamental reconhece aos trabalhadores o direito de greve e, concomitantemente, o de definir o âmbito de interesses que através dela se proponham defender, embora admita a limitação por lei das condições de prestação, durante a greve, de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (art.º 57.º, n.º 1 da Constituição da República). Por outro lado, também reconhece a todos (sejam ou não trabalhadores, note-se bem) os direitos à identidade pessoal, de deslocação pelo território nacional e de dele sair e regressar (art.ºs 26.º, n.º 1 e 44.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República). Assim sendo, como de resto contrapõe a apelada, o exercício irrestrito daqueles direitos (dos trabalhadores) poderá colidir com os destes (de todos os cidadãos) na medida em que eventualmente os não poderão cabalmente exercer sem que previamente tenham garantida a possibilidade de se poderem identificar perante as autoridades, nacionais e/ou estrangeiras, com os documentos que apenas ao apelado cumpre providenciar (basta pensar, diremos nós, na necessidade dos cidadãos se fazerem acompanhar de cartão de cidadão válido na trivial condução automóvel, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 85.º do Código da Estrada; ou de passaporte, na deslocações para países terceiros ao espaço Schengen, por exemplo). Por outro lado, no que concerne ao casamento in articulo mortis ou na iminência de parto, é verdade que o art.º 156.º do Código do Registo Civil permite, em certas circunstâncias, que "pode celebrar-se independentemente do processo preliminar de casamento e sem a intervenção de funcionário do registo civil", mas isso, naturalmente, mais não é que uma faculdade que a lei permite mas não impõe que seja exercida pelos cidadãos ali referidos e, assim sendo, é seguro que desse modo não garante o exercício dos direitos acautelados, que também são constitucionalmente garantidos, como se vê do n.º 1 do art.º 36.º da Constituição da República, de constituir família, assim dando lastro, portanto, ao decidido no acórdão arbitral. E o mesmo se dirá quanto à inclusão da celebração de testamentos in articulo mortis nos serviços mínimos nos concelhos em que apenas existe notariado público. É que, como refere o apelado, o testador pode incluir no testamento disposições de carácter não patrimonial, tais como confessar extrajudicialmente, perfilhar, designar e revogar a designação de tutor ao filho menor para o caso de vir a falecer ou se tornar incapaz e proceder à reabilitação do indigno (art.ºs 2179.º, n.º 2, 358.º, n.º 4, 1953.º, alínea b), 1928.º, n.ºs 1 a 3 e 2038.º, n.º 1 do Código Civil, respectivamente) e isso manifestamente poderá justificar a sua realização in articulo mortis e, por conseguinte, a sua consideração como necessidade social impreterível e a consequente inclusão nos serviços mínimos a prestar pelos seus trabalhadores uma vez que, conforme resulta dos art.ºs 1.º, n.º 2, 4.º, n.º 2, alínea a) e 7.º, n.ºs 1 a 3 do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro e 4.º, n.º 2, alínea a) do Código do Notariado, se é verdade que os notários podem ser convocados para a sua realização fora do Cartório, certo é que aqui vale a regra de reserva de competência territorial para o efeito, o que, na prática, impediria que o serviço fosse prestado nas referidas circunscrições aos cidadãos nessa situação. É que, por um lado os notários privados de outras circunscrições estão legalmente impedidos de se deslocar à residência desses cidadãos e estes, por definição, fisicamente impossibilitados de se deslocar a esses cartórios privados. Por fim, alegam os apelantes que a serem assim fixados os serviços mínimos levará a que em alguns serviços os funcionários não poderão fazer greve porque a tal obsta o número mínimo neles actualmente colocados. Aceitando que isto possa ser assim, a verdade é que nesse caso cada um dos funcionários colocados nesses serviços ainda poderão fazer greve na medida em que não estarão obrigados a prestar todos os serviços em regra disponibilizados aos cidadãos mas apenas os mínimos que forem fixados, assim se harmonizando, na medida do possível e nos termos do n.º 1 do art.º 335.º do Código Civil, o exercício dos direitos em colisão. E não se diga, como o apelante FNSTFPS, que o acórdão em dissídio não identificou os direitos em colisão com o dos trabalhadores que estariam constitucionalmente protegidos pois que nele expressamente se referiu que eram aqueles que já haviam sido objecto de quatro anteriores arestos, que identifica e antes já constavam dos autos, onde se refere, expressis verbis, "o direito à identidade pessoal, à capacidade civil e cidadania constitucionalmente consagrados - art.º 26.º, n.º 1 da Constituição". Por outro lado, a própria enumeração dos serviços a prestar durante a greve que é feita no acórdão força a conclusão de que são aqueles e não outros os direitos em colisão com os dos trabalhadores potencialmente em greve.
(…) Mas o mesmo se não pode dizer relativamente aos casamentos já marcados antes da greve para datas entretanto coincidentes com os dias da sua realização pois que as consequências daí decorrentes se resumiram ao seu reagendamento e, no limite, a constrangimentos de índole patrimonial constitucionalmente não equiparáveis ao direito à greve dos trabalhadores.»
Afigura-se-nos que os argumentos das partes, sintetizados nas sobreditas conclusões das respectivas alegações, não invalidam nem prevalecem sobre os fundamentos e solução do acórdão acabado de citar.
Ao contrário do sustentado pelo Recorrente, comportando o BBB serviços de atendimento ao público que asseguram a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumbe ao Estado, nomeadamente inerentes ao exercício do direito à cidadania, do direito à identidade, do direito à constituição de família e do direito à disposição por morte em diversas matérias de carácter patrimonial e não patrimonial, tanto basta para que, nos termos dos n.ºs 1 e 2, al. i) do já citado art.º 397.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, deva ser assegurada, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis daqueles serviços.
Por outro lado, como a greve abrangia todos os serviços do BBB, isto é, quer os Serviços Centrais, quer os Serviços Externos (Conservatórias, Espaço Registos, Lojas do Cidadão, IMT e/ou quaisquer outros organismos), bem como todos os Serviços Centrais e Externos da Direção Regional de Administração da Justiça, da Região Autónoma da Madeira, a impossibilidade de obtenção de cartão de cidadão e passaporte em todo o território nacional seria absoluta durante todo o período de greve, coarctando de modo insustentável o exercício dos direitos que tais documentos postulam.
Em face do exposto, afigura-se perfeitamente justificado que o exercício do direito à greve fosse restringido na medida do necessário a assegurar a satisfação de necessidades urgentes dos cidadãos dependentes da obtenção dos documentos de identificação referidos, designadamente nos termos constantes do acórdão recorrido, isto é, através da prestação dos seguintes serviços:
- os referentes ao cartão de cidadão tramitado como extremamente urgente (vulgo "extremo urgente"), a assegurar apenas em Lisboa (no DIC - Campus da Justiça) e no Porto (na Loja do Cidadão do Porto);
- os referentes ao cartão de cidadão provisório, a assegurar apenas pelos designados centros emissores;
- pedido de passaporte com o nível de prioridade “urgente-Aeroporto” e entrega de passaporte com o nível de prioridade urgente.
A exiguidade dos serviços fixados é confirmada pela quase insignificância dos meios considerados necessários para assegurá-los, a saber: três trabalhadores, por turno, para efectuaram as tarefas inerentes ao pedido, emissão e entrega de cartão de cidadão “extremo urgente” (seis trabalhadores no total dos 2 turnos); três trabalhadores para efectuaram as tarefas inerentes ao pedido, emissão e entrega de cartão de cidadão provisório (um para cada uma das tarefas); e um trabalhador para assegurar o pedido de passaporte “urgente-Aeroporto” e a entrega de passaporte urgente.
Não procede o argumento do Recorrente no sentido da preteribilidade do cartão de cidadão atendendo a que “(…) os cidadãos podem identificar-se, ou praticar quaisquer atos em que seja necessária a identificação, através da carta de condução ou do passaporte”, pois nem todos os cidadãos dispõem destes documentos.
De igual modo, não convence o argumento de que “[a] emissão urgente de cartão de cidadão ou de passaporte depende somente do pagamento de uma taxa de urgência, não sendo efetivamente aferido se existe razão ponderosa para a emissão urgente”, uma vez que tal não significa que esta razão ponderosa não exista efectivamente.
Por outro lado, sendo verdade que “[o]s casamentos in articulo mortis podem, em última análise, ser celebrados por qualquer pessoa, conforme decorre do artigo 1622° do Código Civil e do artigo 156° do Código do Registo Civil”, o certo é que nenhuma pessoa, para além dos trabalhadores do Recorrido no âmbito das correspondentes funções, está obrigada a satisfazer tal pretensão legítima dos cidadãos, sendo inteiramente justificado que o exercício do direito à greve seja restringido na medida do necessário a garantir que a mesma não fica dependente duma circunstância aleatória.
Também o argumento do Recorrente de que “[o]s testamentos são, regra geral, celebrados por notários, que é, desde 2005, uma atividade privada”, é inconsequente relativamente à outorga de testamentos in articulo mortis nos concelhos em que apenas existe notariado público, uma vez que, nos sobreditos termos do Acórdão desta Relação de 19 de Janeiro de 2020, “(…) se é verdade que os notários podem ser convocados para a sua realização fora do Cartório, certo é que aqui vale a regra de reserva de competência territorial para o efeito, o que, na prática, impediria que o serviço fosse prestado nas referidas circunscrições aos cidadãos nessa situação. É que, por um lado os notários privados de outras circunscrições estão legalmente impedidos de se deslocar à residência desses cidadãos e estes, por definição, fisicamente impossibilitados de se deslocar a esses cartórios privados.”
Acresce que, no que respeita a estas necessidades, os meios definidos para assegurar a sua satisfação, além de irrisórios, nem sequer demandavam a comparência no local de trabalho, pois se cingiram a um trabalhador de prevenção para a realização de casamentos civis urgentes in articulo mortis ou na iminência de parto e um trabalhador de prevenção para a realização de testamentos in articulo mortis.
Já no que concerne aos casamentos civis já agendados antes da data da convocação da greve, mostra-se consistente a argumentação do Apelante no sentido de que “(…) estarão apenas em causa razões de constrangimento resultantes da necessidade do respetivo reagendamento, constitucionalmente não equiparáveis ao direito à greve dos trabalhadores e não correspondendo, de todo, a uma necessidade social impreterível.”
Contrapõe o Recorrido que “[a]os normais "danos morais" decorrentes da circunstância de verem gorada a sua legítima e antecipadamente planeada expetativa de contrair matrimónio num determinado dia e/ou local, acompanhados dos seus familiares e amigos, na grande maioria das vezes os nubentes terão ainda avultados prejuízos financeiros resultantes dos diversos compromissos assumidos com vista à realização do casamento, festa de recepção aos convidados, viagens e estadas de lua-de-mel, compromissos esses que são muitas vezes assumidos com largos meses de antecedência.”
Ora, para além de nem todos os casamentos, nomeadamente civis, implicarem incómodos ou perturbações relevantes ou a realização de despesas significativas e irremediavelmente inaproveitáveis, em consequência do adiamento, quer pelos nubentes, quer por terceiros, sejam relativas à sua celebração, sejam relativas a festas e viagens, quando tal suceda as consequências irreparáveis são eminentemente de carácter patrimonial e não devem prevalecer sobre o exercício do direito constitucional à greve por parte dos trabalhadores.
Em face do exposto, como no citado aresto desta Relação, entende-se conceder provimento ao recurso apenas nesta parte, e negá-lo na restante parte, considerando-se que assim se observam os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido quanto à fixação de serviços mínimos em matéria de casamentos civis já agendados antes da data da convocação da greve, confirmando-se o mesmo quanto ao mais.
Custas pelo Apelado, na proporção de ¼, já que delas está isento o Apelante.
Lisboa, 19 de Abril de 2023
Alda Martins
Sérgio Almeida
Francisca Mendes (Concordo com a decisão, mas entendo que o apelado também está isento de custas (art.º 4.º, n.º 1, g) do RCP).
_______________________________________________________ [1] V. Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., 2007, vol. I, p. 757. [2] Disponíveis em https://www.dgaep.gov.pt/index.cfm?&OBJID=32B5C008-D957-4C3E-B00A-ECE2208212A&ComDest=0&Tab=3. [3] Disponível no mesmo sítio da internet.