RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
DECISÃO SURPRESA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
Sumário


I - Não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 617.º do CPC, o acórdão no qual se decidiu “anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão”.
II - Não havendo lugar a alargamento ou restrição do âmbito do recurso em consequência da alteração introduzida na sentença.
III - Nem cria nem podia criar no recorrente qualquer confiança ou expectativa de que não necessitava de interpor “novo recurso” face à “nova” sentença que viesse a ser proferida.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1. AA propôs ação de processo comum contra a sociedade BELTRÃO & FRANK, LDA., pedindo que se reconheça, por sentença, que o valor dos suprimentos por si realizados na sociedade/ré, até 31/12/2010, foi fixado em € 314.250,00 (trezentos e catorze mil, duzentos e cinquenta euros) e que, em consequência, esta seja condenada a pagar-lhe o referido montante, fixando-se o prazo de pagamento em 90 (noventa) dias, a contar da data da decisão em 1.ª instância, valor que deverá ser acrescido dos juros vincendos, à taxa comercial, até integral pagamento. [Na pendência da acção, o A. alterou o pedido que inicialmente havia formulado, eliminando a referência à fixação de prazo para pagamento, redução que veio a ser admitida por despacho que constitui fls. 207 v.º (ref.ª ...95, de 2/7/2020)]

2. Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:

A) Reconhecer que o valor das prestações suplementares do autor na sociedade/ré, até 31/12/2010, foi fixado em € 314 250,00 (trezentos e catorze mil, duzentos e cinquenta euros);

B) Absolver a sociedade/ré do demais peticionado.

3. Inconformado veio o A. interpor recurso, tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 23/09/2021 decidido: “…em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão;

b) Julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.”

4. Após o trânsito em jugado deste aresto, baixaram os autos, a título definitivo, à 1ª instância, tendo ali sido proferido despacho a determinar a audição das partes “sobre a possibilidade de alterar a qualificação jurídica da factualidade apurada”.

A A. pronunciou-se nos termos que constam do requerimento de 16/11/2021.

5. Em 13 de Janeiro de 2022, foi proferida nova sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, por conseguinte:

A) Reconhecer que o valor das prestações suplementares do autor na sociedade/ré, até 31/12/2010, foi fixado em € 314 250,00 (trezentos e catorze mil, duzentos e cinquenta euros);

B) Absolver a sociedade/ré do demais peticionado.

6. Notificada desta sentença, veio o A. apresentar o requerimento de 17/01/2022, nos termos do n.º 3 do artigo 617º do Código de Processo Civil, invocando, além do mais, que o tribunal, na sentença ora proferida, copiou o anteriormente decidido, que não fundamentou a sua decisão quanto às questões colocadas pelo recorrente na sua resposta, e que a decisão é também omissa quanto ao destino dos autos, concluindo que a decisão proferida é nula, o que justifica que se proceda “ao conhecimento das questões colocadas nas conclusões do recurso de apelação constante dos autos apresentado em 11/01/2021, a que se aditam duas novas conclusões.”

Não foi apresentada resposta pela parte contrária.

7. Na 1ª instância foi proferido despacho, referindo que se vem suscitar, novamente, a questão da nulidade da sentença proferida, mas que a mesma não enferma de nulidade, e a determinar a remessa dos autos à Relação.

8. Recebidos os autos nesta Relação, pelo relator foi proferido o seguinte despacho [segue transcrição parcial da parte relevante do despacho ora reclamado]:

«…, verifica-se que o processo foi remetido à Relação sem que tenha sido interposto recurso da sentença ora proferida, pois, o requerimento apresentado pelo A., mais não é do que uma ampliação do recurso anteriormente apresentado da 1ª sentença, invocando-se o n.º 3 do artigo 617º do Código de Processo Civil, que aqui não é aplicável.

De facto, o requerimento de 17/01/2022 só teria cabimento legal, se tivesse sido interposto recurso da nova sentença e o tribunal recorrido tivesse proferido o despacho previsto no n.º 1 do artigo 617º do Código de Processo Civil, ou se a Relação, no acórdão de 23/09/2021, tivesse determinado a baixa do processo à 1ª instância para que este tribunal se pronunciasse sobre a nulidade que o recorrente imputava à sentença então recorrida (cf. n.º 5), caso em que era lícito ao recorrente desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com o decidido pela 1ª instância quanto à questão da nulidade, nos termos do n.º 3 do artigo 617º do Código de Processo Civil.

Mas tal não se verifica, porquanto este Tribunal da Relação, no acórdão 23/09/2021, pronunciou-se sobre a nulidade processual que havia sido suscitada, que se repercutiu na sentença, e, julgando-a verificada, anulou a sentença recorrida, determinando que o tribunal recorrido, após audição das partes, proferisse nova sentença, considerando prejudicado, em face da anulação da sentença, o conhecimento das demais questões que haviam sido suscitadas (pois tinha que ser proferida nova decisão, que poderia ter outro sentido decisório).

Assim, tendo sido proferida nova sentença, ainda que substancialmente idêntica à primeira, tinha o A., se dela discordava, que interpor novo recurso, não tendo fundamento legal para, ao abrigo do n.º 3 do artigo 617º do Código de Processo Civil, ampliar o objecto do recurso anteriormente interposto, que recaiu sobre a 1ª sentença, que foi anulada.

9. Em síntese, não tendo a Relação determinado a baixa dos autos à 1ª instância, ao abrigo do n.º 5 do artigo 617º do Código de Processo Civil, antes tendo apreciado a nulidade em causa, julgando-a procedente, e anulado a sentença recorrida, determinando que cumprido o contraditório, fosse proferida nova decisão, o A., discordando da nova decisão, tinha, necessariamente, que interpor novo recurso, e não ampliar o objecto do anteriormente interposto.

Não tendo assim procedido não tem a Relação qualquer recurso para apreciar, não sendo admissível o requerimento apresentado.

10. Deste modo, por legalmente inadmissível, rejeita-se o requerimento do A., de 17/01/2022, e determina-se a baixa definitiva dos autos à 1ª instância.

Custas a cargo do Requerente, fixando-se a taxa de justiça, pelo incidente anómalo, no mínimo legal.»

9. Inconformado com esta decisão veio o A., AA, requerer, ao abrigo do disposto no artigo 652º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que sobre a decisão do relator recaia acórdão.

Em conferência decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em Conferência os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação para a Conferência, e, em consequência, confirmar a decisão do relator.

Custas a cargo do reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário.


*


Inconformado o autor com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ, e formula as seguintes conclusões:

“I) As conclusões da admissão da Revista em si, são:

2. Considerando que:

3. O tribunal de 1ª instância, na 2ª, sentença concluiu pela repetição integral “ipsis verbis” da sentença, só mudando a data, não havendo qualquer facto ou argumento novo e daí o recorrente ter dado como reproduzido o anterior recurso, sem prejuízo de ter apresentado aditamento de duas conclusões em face das normas processuais que invocou como sendo aplicáveis.

4. Apresentou nos autos em 17.1.2022, tempestivamente aditamento ao recurso de apelação, invocando o Nº,1 e 3 do artº.617º, do C.P.C, aditando os argumentos de suporte e duas novas conclusões – 14º, e 15.

5. Após, a Mª, juiz do tribunal de 1ª, instância, ordenou a subida do recurso ao tribunal “ad quem”, tal como apresentado pelo autor.

6. O qual, veio a proferir o 2º acórdão ora em causa embora o recorrente entenda que, na eventualidade do tribunal recorrido entender da forma constante da R, decisão que deveria convidar o recorrente a aperfeiçoar o articulado de recurso ou das suas conclusões, o não fez, proferindo a decisão que se entende ser manifestamente injusta e desproporcionada.

7. E, à semelhança do que se decidiu no acórdão deste STJ na Revista 10066/15 de 2.5.2019, deveria a Relação conhecer do recurso ou, quando muito, poderia ter convidado o recorrente, de modo a respeitar as exigências legais dos artigos 637º e 641º, nº.2 do C.P.C – poderia ter formulado o convite para o autor apresentar novas alegações e conclusões de recurso, com a concessão de prazo para o efeito bem como para o exercício do contraditório.

8. Tendo em vista que o autor manteve inteiramente o recurso de apelação que apresentou…” é dispensável que se imponha a formulação de tal convite, devendo antes, concluir-se que nada obsta ao conhecimento do recurso. – o que veio a ser decidido.”

9. Tal como se decidiu na Revista 18625/18 de 18.2.2021, o não conhecimento do recurso deve ser usado com parcimónia e moderação e não da forma como foi usado no tribunal recorrido que, tendo nos autos:

a) Recurso de apelação apresentado em 12.3.2021.

b) Requerimento de ampliação do recurso da 2ª, decisão proferida e que é exatamente igual à anterior, deu por reproduzidas as alegações apresentadas aditando duas novas conclusões.

c) Pelo que, se o tribunal recorrido entendesse que o requerimento de interposição de recurso não poderia contemplar a repetição das alegações, deveria ter convidado o recorrente a apresentar novo articulado no prazo concedido para o efeito, dado que só desse modo, respeitaria o principio da confiança gerada pelas sucessivas decisões judiciais, quer de 1ª, instancia quer no tribunal da Relação, fixando-se prazo para o efeito.

10. Conforme se considerou no Tribunal da Relação de Évora, em outro processo, para que se considere interposto recurso, não se exige o uso de expressões ou formulas especiais para declarar a vontade de recorrer como consta do requerimento apresentado pelo autor após a prolação da 2ª, decisão, remetendo para o anterior recurso as suas alegações, dando-o por reproduzido e aditando duas novas conclusões, não havendo, no caso, qualquer duvida, como aliás foi interpretado pela Mº, juiz em 1ª, instancia que ordenou a subida do Recurso.

11. Tendo em vista a natureza dos factos provados, bem como as questões de direito apresentadas em sede de recurso, muito embora se entenda que o R, acórdão da Relação deva ser anulado, ordenando-se o seu conhecimento, o certo é que, a natureza da prova vinculada e as questões jurídicas apresentadas no recuso, “s,m.o” permitem que este Vdº, Supremo Tribunal de Justiça conheça do mérito do recurso conforme consta das conclusões apresentadas e que constam dos autos a fls 42 a 49 e 73 e acima transcritas.

12. O R, acórdão, no entendimento do recorrente, violou as seguintes normas:

II) Do Código Civil. Artigo 9º, 220º ,306º, nº. 2, 358º, 371º, 373º, 376º.

III) Do Código de processo Civil. Artigo 5º, 6º, 7º, 413º, 527º, 608º, nº.2, 596º, 607º, 627º, 639º nº.3, 641º.

IV) Da C.R.P. Artigo 20º, nº.1 e 4 na interpretação das normas conjugadas dos artigos 627º, 639º 641º, e 644 n.1 do C.P.C, quanto ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva que se negou ao autor no conhecimento do recurso em 2º, grau de jurisdição no Tribunal da Relação de Évora.

Em face do exposto,

Requer a V. Exas.

1. Que a Revista seja admitida.

2. Que, o R, acórdão recorrido seja revogado, ordenando-se o conhecimento de mérito do recurso apresentado na Relação de Évora.

Ou;

3. Tendo em vista a natureza da prova documental ou de natureza vinculada constante das alegações, bem como a natureza jurídica das questões, das quais este Supremo Tribunal de Justiça delas pode conhecer, que se conheça da Revista, e que a mesma seja julgada de acordo com a prova produzida e o direito aplicável e que se crê que o resultado será aquele que o recorrente apresenta na ação.

No entanto, a decisão de V. Exas, fará; J U S T I Ç A.

Não foi apresentada resposta.


*


O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


*


Conhecendo:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º do Código de Processo Civil – a questão a decidir respeita:

- Sendo proferida nova sentença, na sequência de cumprimento de acórdão da Relação que decidiu “a) Anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão”, tem aplicação o disposto no nº 3 do art. 617º, do CPC, alargando-se ou restringindo-se o âmbito do recurso ou, deve ser interposto novo recurso daquela nova sentença.

O acórdão recorrido entendeu que, no caso, não se consubstancia a situação prevista no art. 617º, e que o recorrente deveria ter interposto novo recurso já que se estava perante nova sentença.

O recorrente entende que tem aplicação o disposto no art. 617º, já que a nova sentença mais não é que a repetição da primeira.

Fundamenta-se no acórdão de 23-09-2021 que decidiu “Anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão”:

“5. Ora, em face da petição inicial, não subsistem dúvidas de que a pretensão material que constitui, propriamente, o pedido consiste na condenação da R. no pagamento da dita quantia de € 314.250,00, de que o A. se diz credor, com origem em suprimentos prestados à sociedade R., que esta lançou na sua contabilidade como tal, reconduzindo a sua pretensão à aplicação das acima citadas normas jurídicas, referentes ao contrato de suprimentos.

Porém, não foram alegados factos concretos justificativos de que as quantias entregues à R. o foram a título de suprimentos, nem vemos que tenha sido proferido despacho convite de aperfeiçoamento da petição, sabendo-se que “suprimentos” e “prestações suplementares de capital”, face à lei, são coisas diferentes e têm regimes jurídicos diversos, como aliás se diz na sentença.

(…)

Deste modo, e tendo em conta a configuração jurídica dada à causa pelo A., e a dinâmica processual implementada nos autos, afigura-se-nos razoável, que não fosse perspectivável para as partes, em especial para o A., que na sentença viesse a ser dada outra configuração jurídica ao litígio, julgando aplicáveis outras normas cuja aplicação não havia sido suscitada nos autos.

(…)

Deste modo, não podia o tribunal a quo proceder a diverso enquadramento jurídico dos factos apurados sem antes, em cumprimento do contraditório, ouvir as partes a esse respeito. Não o tendo feito, incorreu na nulidade prevista no artigo 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que influi no exame e decisão da causa, a qual revelando-se na sentença, gera a nulidade desta (cf. artigo 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).

Tal nulidade, no caso, implica a remessa dos autos à primeira instância para que seja dada prévia oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a questão, não havendo lugar à aplicação da regra de substituição prevista no artigo 665º do Código de Processo Civil, porquanto, a nulidade da sentença redunda de nulidade processual, que decorre da omissão de acto prévio à sentença, e mediante a audição de ambas as partes outra poderá vir a ser decisão recorrida.

Verifica-se que o fundamento da anulação foi o conhecimento de questão que o tribunal não podia conhecer – art. 615º, nº 1 al. e), do CPC, sem antes ouvir as partes, “não podia o tribunal a quo proceder a diverso enquadramento jurídico dos factos apurados sem antes, em cumprimento do contraditório, ouvir as partes a esse respeito.

Basta constar do dispositivo do acórdão que após será proferida nova sentença para que se saia do âmbito de aplicação do art. 617º?

O acórdão recorrido entendeu que, “… porquanto este Tribunal da Relação, no acórdão 23/09/2021, pronunciou-se sobre a nulidade processual que havia sido suscitada, que se repercutiu na sentença, e, julgando-a verificada, anulou a sentença recorrida, determinando que o tribunal recorrido, após audição das partes, proferisse nova sentença, considerando prejudicado, em face da anulação da sentença, o conhecimento das demais questões que haviam sido suscitadas (pois tinha que ser proferida nova decisão, que poderia ter outro sentido decisório).

(…)

… não tendo a Relação determinado a baixa dos autos à 1ª instância, ao abrigo do n.º 5 do artigo 617º do Código de Processo Civil, antes tendo apreciado a nulidade em causa, julgando-a procedente, e anulado a sentença recorrida, determinando que cumprido o contraditório, fosse proferida nova decisão, o A., discordando da nova decisão, tinha, necessariamente, que interpor novo recurso, e não ampliar o objecto do anteriormente interposto.

Não tendo assim procedido não tem a Relação qualquer recurso para apreciar, não sendo admissível o requerimento apresentado.

Isto porque o autor na alegação do recurso de apelação entradas na secretaria em 11-01-2021 invocava como questão a analisar: “A Nulidade da sentença por força do disposto no n.º 3 do artigo 3º, do C.P.C e constituir nesta questão, uma decisão surpresa.”

Contrariamente ao alegado na revista, o tribunal recorrido não “pôs termo ao processo, sem conhecimento do mérito do recurso” porque, no acórdão foi confirmado o despacho do relator que decidiu: “… por legalmente inadmissível, rejeita-se o requerimento do A., de 17/01/2022, e determina-se a baixa definitiva dos autos à 1ª instância.”

No entanto porque o despacho do relator contem a não admissão do recurso que o recorrente entende que interpôs, despacho confirmado pelo coletivo em conferência, temos que é admissível o recurso de revista em termos gerais, face ao que dispõe o art. 652º, do CPC, nos seus nºs 3 e 5.

A questão essencial é a de saber se existe ou não, no processo, um recurso de apelação válido e que cumpra apreciar.

Do teor do art. 617º do CPC, no seguimento do art. 670 (do anterior código)  resulta verificar-se uma tentativa de agilizar o processo, quiçá tendo em conta o princípio da economia processual.

No entanto temos que no preceito apenas se enquadram as situações:

-Em que há conhecimento de nulidade cometida pelo próprio julgador, como preceitua o nº 1 (se a questão da nulidade for suscitada no recurso, compete ao juiz apreciá-la no despacho de admissão em que se pronuncia sobre a admissibilidade);

-Em que subindo o processo sem cumprimento do disposto no nº 1, o relator manda baixar o processo (nº 5, primeira parte);

-Em que o tribunal ad quem não pode apreciar o objeto do recurso e não foi cumprido o disposto no nº 1 (nº 5, segunda parte).

A situação que se verifica no processo não se enquadra em nenhuma destas previsões. No caso em analise o processo não baixou para o juiz do tribunal onde foi cometida a nulidade arguida se pronunciar sobre a mesma, já que, o tribunal ad quem pronunciou-se sobre a nulidade, julgou-a e, por entender que se verificava tal nulidade, anulou a sentença e, ordenou o cumprimento do decidido, pelo tribunal a quo, em consequência da nulidade que decretou.

Não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 617º, do CPC (o julgador da sentença recorrida aprecia a nulidade alegadamente cometida, quer por iniciativa própria -nº1, quer por ordem do tribunal ad quem, de baixa do processo para o efeito – nº 5), quando no acórdão se decide “anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão”.

Assim que tem de ser interposto “novo” recurso pela parte discordante, não havendo lugar a alargamento ou restrição do âmbito do recurso em consequência da alteração introduzida na sentença.

Também não colhe o argumento de que a nova sentença é igual ou substancialmente igual à primeira. Em tal caso, deveria ser interposto um novo recurso pelo recorrente, ainda que apresentasse alegação e conclusões iguais ou substancialmente iguais às do primeiro.

A uma nova sentença tem que corresponder um novo recurso.

Refere o Ac. deste STJ, de 02-05-2019, proferido no Proc. nº 10066/15.3T8CBR.C1.S2, (interpretado em sentido diverso pelo acórdão recorrido e pelo  recorrente):

I. Em termos rigorosos, e tal como entendeu o acórdão recorrido, a apresentação de alegações/conclusões de recurso de apelação por remissão para anteriores alegações recursórias não satisfaz as exigências legais do art. 637º e do art. 641º, nº 2, alínea b), ambos do CPC.

II. Porém, tendo sido o tribunal de 1ª instância e, ainda que em menor medida, também a Relação, a gerar na autora recorrente a confiança no aproveitamento das anteriores alegações, considera-se que a decisão de não conhecimento do recurso de apelação constitui uma violação, não apenas do princípio da proibição das decisões-surpresa (art. 3º, nº 3 do CPC), como também, e sobretudo, dos deveres de cooperação e de boa-fé processual (arts. 7º e 8º do CPC).

III. Não pode mesmo deixar de se reconhecer que a ‘destruição’ da situação de confiança, criada pelo despacho da 1ª instância e pelo conjunto da tramitação processual, redundaria numa patente violação do princípio constitucional da garantia de tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20º, nº 5, da CRP).”

Um acórdão que decide “Anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão”, não cria nem podia criar no recorrente qualquer confiança ou espectativa de que não necessitava de interpor “novo recurso” face à “nova” sentença que viesse a ser proferida.

Nem se verifica qualquer violação de princípios constitucionais, nomeadamente o da tutela jurisdicionam efetiva. Apenas se entendeu que não tem aplicação, in casu, a norma que o recorrente entende devia ter sido aplicada, o que não gera qualquer inconstitucionalidade, quer de norma quer de princípios.

Concordamos com o exposto no acórdão recorrido que concluiu:
“Assim, tendo sido proferido nova sentença, foi esta a decisão que ficou a vigorar no processo, pelo que, dela discordando, tinha necessariamente o reclamante que interpor recurso da mesma, nos termos do n.º 1 do artigo 637º do Código de Processo Civil, o que não sucedeu, e não ampliar o recurso anteriormente interposto da 1ª sentença, que foi anulada.

E, “… não se diga que a exigibilidade de a parte ter que interpor novo recurso, em conformidade com o disposto nos artigos 637º, n.º 1, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, da nova sentença proferida, na sequência do acórdão anulatório da anterior sentença e em conformidade com o que nele se decidiu, viola o principio da tutela jurisdicional efectiva, no que ao direito ao recurso se refere, acautelado no n.º 5 do artigo 20º da Constituição, porquanto o despacho reclamado não veda o direito ao recurso, o que nele se exige é que esse direito seja exercido com observância das normas processuais a que está adstrita a parte que pretenda impugnar a decisão judicial.

Assim que há-de ser julgado improcedente o recurso e negada a revista.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 617º, do CPC o acórdão no qual se decidiu “anular a sentença recorrida, a fim de se proceder à audição das partes quanto à possibilidade de alteração da qualificação jurídica da factualidade apurada, proferindo-se, posteriormente, nova decisão”.

II- Não havendo lugar a alargamento ou restrição do âmbito do recurso em consequência da alteração introduzida na sentença.

III- Nem cria nem podia criar no recorrente qualquer confiança ou espectativa de que não necessitava de interpor “novo recurso” face à “nova” sentença que viesse a ser proferida.

Decisão:

Em face do exposto, acordam em:

- Julgar improcedente o recurso e, em consequência, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente sem prejuízo do apoio judiciário concedido.


Lisboa, 14-02-2023

Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto