RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
MEDIDA DA PENA
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. A essencialidade do papel de transporte aéreo de substâncias estupefacientes, na distribuição internacional por rotas determinadas, pese embora se esgote no ato, tem sido justamente realçada em consistente jurisprudência deste Tribunal.
II. Nessa medida, assume uma dimensão elevada de ilicitude que, naturalmente, se acentua com a quantidade e grau de pureza do estupefaciente transportado, ou seja, com a potencialidade de dano concreto que representa.
III. A diferenciação, na determinação e medida da pena, assenta (além de outras circunstâncias pessoais especificas dos arguidos), em interpretação da natureza do bem jurídico protegido, da natureza dos crimes de tráfico - com apoio na formulação de um dos tipos agravados (al. b) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93), na quantidade de substância estupefaciente transportada, por gerar uma capacidade de afetar um conjunto de dimensão variável de consumidores.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório


1. O arguido AA, de 23 anos, identificado nos autos, não se conformando com o Acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal ..., Juiz-..., em 22 de novembro de 2022, veio do mesmo interpor recurso.

O arguido foi condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa a esse diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Mais foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 (seis) anos, nos termos conjugados do disposto nos artigos 34.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, 134.º, n.º 1, alíneas e) e f), 140.º, n.º 2, e 151.º, n.º 1, todos estes da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho.

2. Formulou as seguintes conclusões (transcrição):

“1 – No presente recurso, não se coloca em causa os factos ilícitos praticados, nem quaisquer questões relacionadas com a matéria de facto dada como provada, mas sim, e apenas no que toca à pena aplicada ao Recorrente que se considera exagerada e desproporcional;

2 –O Arguido foi condenado pela prática em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1, e 34º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão e ainda na pena acessória de expulsão de território nacional;

3 – Foram dados como provados todos os factos constantes da acusação; até porque,

4 - O Recorrente, confessou integralmente e sem reservas a autoria do crime e terá necessariamente de ser punido, contudo não pode conformar-se com a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada, por ser manifestamente desadequada e desproporcionada;

5 -Até porque não deve ser a mesma ponderada em função da quantidade, pois sendo correio de droga, normalmente aceita fazer o transporte, sem contudo saber qual a quantia exata de droga que transporta, muito menos para quantas doses dá para completar.

6 – O recorrente agiu em pleno desespero.

7 - O Recorrente está perfeitamente integrado socialmente e familiarmente no Brasil; não teve qualquer contacto com o consumo de estupefacientes, além de que não possui quaisquer antecedentes criminais;

8 – Mostrou sincero arrependimento

9 – O Recorrente apela que lhe seja dada uma merecida e justa oportunidade de iniciar um correcto caminho, sendo ainda bastante jovem e encontrando-se a tempo de enveredar por uma vida viável, longe dos meandros da marginalidade;

10 - Ainda que o Tribunal a quo valorize a quantidade de produto estupefaciente que o mesmo transportava para fundamentar a escolha da pena 5 anos e 4 meses, com referencia à quantidade de produto de estupefaciente, determinando o grau de ilicitude e medida da culpa, o certo é que tal circunstância não é suficiente para, tão-só, optar por uma pena de prisão efectiva tão pesada. Aliás, muitos acórdãos para diferentes quantidades do mesmo produto estupefaciente, aplicam a mesma medida de pena;

11 -A actuação do traduz-se num vulgar “correio de droga”, sem que tivesse o domínio do facto, ou seja no sentido de ser ele, em concreto, o dono da droga que lhe foi apreendida, nem quem destinava tal produto para venda ao público, com manifesta intenção de obter daí um avultado lucro económico;

12 - Aliás, o Arguido nem sabia que quantidade trazia, nem que efeitos ou valor poderia ter. Apenas o soube em conversa com o defensor.

13 - Considerando todas as envolventes do comportamento da Arguido, tendo em conta as exigências de reprovação e prevenção da prática de futuros crimes e os demais factores estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal, face ao quadro punitivo aplicável, entende-se adequada a aplicação à Arguido de uma pena inferior à aplicada, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas (art. 18.º, n.º 2 C.R.P.), nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa da Arguida, mostrando-se proporcional e adequada;

14 - Assim, a pena encontrada pela primeira instância, pela defesa entende-se que se violou o disposto no art. 71ºe 40º todos do C.P..

15 - Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser alterada a Douta Decisão recorrida, considerando-se o recurso interposto procedente, e condenar o Arguido, pela prática em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1, e 34º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, numa pena abaixo daquela em que foi condenada, próximo do limite mínimo legal previsto.

16 – Até porque o arguido mostrou arrependimento após vários meses de reclusão onde pode refletir sobre a sua conduta, e sobre o que pretende para o seu futuro.

17 - O arguido entende portanto que a pena a lhe ser aplicada seja inferior a cinco anos,

18 - Pois acima dos 5 anos, as regras da liberdade condicional, e da expulsão do arguido, como se sabe, são diferentes.

19 - A situação actual do arguido demandava solução diversa

Face á matéria ora alegada e verificada A ausência de registo criminal do arguido, assim como não tendo sido observados em rigor os elementos favoráveis ao arguido no que toca à escolha da medida da pena, , deverá o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, proceder como alegado infra , e assim e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência deve a pena de prisão ser reduzida para outra próxima do mínimo previsto, tendo essencialmente em conta a confissão integral dos factos e colaboração com a justiça por parte da arguido, assim como o sincero arrependimento;”


3. Pronunciou-se o Ministério Público nas Instâncias, pugnando pela improcedência do recurso, referindo, em síntese, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal:

“Cremos, com natural respeito devido a opinião diversa, que o Tribunal “a quo”, ao aplicar a pena, apreendeu e valorou devidamente a natureza e gravidade do facto-crime e a personalidade do arguido, na sua relação dialéctica e expressão ético-social, aplicando uma pena bem perto do seu limite mínimo abstracto.”


Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP).

Este Tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir sobre a medida da pena aplicada, pugnando o recorrente pela sua redução para uma pena inferior a 5 anos, próxima do limite mínimo legal.

Cumpre decidir.


II.   Fundamentação

1. os factos:

O Acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: (transcrição)

“1. No dia 26 de Fevereiro de 2022, pelas 06h35, o arguido AA desembarcou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedente de ... – ... (Brasil), no voo ...46.

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi encaminhado para os postos de controlo de fronteiras do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), com vista à verificação das condições de entrada no “Espaço Schengen”.

3. Submetido a esse controlo aduaneiro, verificou-se que o arguido transportava numa mala de viagem, tipo trolley, acondicionada e dissimulada no interior do respectivo forro:

- uma embalagem, revestida por um pano preto, contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2.652,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 79,9%, sendo o equivalente a 10.594 doses de consumo.

4. Na ocasião, foram ainda apreendidos ao arguido:

- 1 (um) telemóvel da marca Xiaomi, modelo Redmi MI 10 ProMax, com o n.º ...78, da operadora “TIM”, com os IMEI´s ...93/10 e ...91/10.

- as quantias monetárias de € 820,00 (oitocentos e vinte euros), e de R$ 207,00 (duzentos e sete reais).

5. O arguido conhecia a natureza e característica estupefaciente do produto que trazia consigo e que lhe foi apreendido.

6. Produto esse que aceitou deter e transportar do Brasil para Portugal, aderindo ao plano que lhe foi proposto por um indivíduo de identidade não concretamente apurada, mediante uma contrapartida pecuniária de € 5.000,00.

7. A quantia apreendida destinava-se a fazer face às despesas relacionadas com a referida viagem.

8. O telemóvel apreendido destinava-se, para além do mais, a ser utilizado pelo arguido nos contactos com terceiros para concretizar o transporte e entrega do estupefaciente apreendido.

9. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o intuito, concretizado, de deter e transportar o produto estupefaciente apreendido, bem sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei penal.

10. Ao arguido não são conhecidas quaisquer condenações criminais.

11. Não tem quaisquer familiares a viver em Portugal, nem possui residência ou actividade profissional em território nacional.

12. A sua viagem para Portugal teve como única finalidade o transporte de cocaína, com vista à sua ulterior venda a terceiros.

Provou-se ainda relativamente às condições sócio-económicas do arguido:

13. O arguido é oriundo de um agregado familiar constituído pelos progenitores e dois filhos do casal.

14. A dinâmica familiar era disfuncional, decorrente da problemática de alcoolismo do progenitor e da violência doméstica perpetrada pela progenitora sobre aquele.

15. Neste contexto, o casal separou-se quando o arguido tinha 3 anos de idade, tendo ficado aos cuidados do progenitor, juntamente com o irmão.

16. O pai trabalhava como pedreiro e mantinha a sua problemática de alcoolismo, sendo a situação económica do agregado modesta.

17. Quando o arguido tinha 12 anos de idade, o irmão foi coabitar com a progenitora, mantendo-se o arguido a viver com o progenitor.

18. O seu percurso escolar decorreu até ao 8.º ano, que não concluiu, por falta de motivação para os estudos e por pretender obter independência económica.

19. Assim, começou a exercer actividades laborais desde muito novo, como indiferenciado, nomeadamente como servente da construção civil e como empregado em estabelecimentos de restauração. Mais recentemente dedicou-se à actividade de professor de muay thai.

20. À data dos factos em apreço, residia sozinho em habitação arrendada.

21. Deparava-se com grandes dificuldades económicas, tendo inclusive a renda da casa em atraso há cerca de três meses, por estar desempregado desde a eclosão da pandemia de covid-19.

22. O arguido mantém o relacionamento com os progenitores, embora de forma irregular, sendo que, desde que está privado da liberdade, ainda não falou com qualquer familiar, por não ter o contacto dos mesmos.

23. Vem evidenciando uma boa capacidade de adaptação à sua situação institucional, prestando colaboração no bar do estabelecimento prisional, embora já lhe tenha sido instaurado um processo disciplinar pela posse de um telemóvel.

24. Uma vez em liberdade, pretende regressar ao seu país e retomar a sua actividade como professor de muay thai.”


b. O direito

1. Nos termos do artigo 40.º, do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Por aplicação das normas constitucionais convocáveis (artigo 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3), a determinação e escolha da pena privativa da liberdade regem-se pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e pelos respetivos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.[1]

A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

O artigo 71.º, no n.º 2, do Código Penal, enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem à execução do facto (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”), à personalidade do agente (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (“A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”)[2].

Sendo a finalidade da pena a proteção de um bem jurídico e, sempre que possível, a reintegração social do agente e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a medida da pena corresponderá à medida necessária de tutela do bem jurídico sem ultrapassar a medida da culpa.[3]

Importa, pois, averiguar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação.

2. O arguido sustenta a conclusão formulada sobre a violação do critério da proporcionalidade nos seguintes pontos:

- A circunstância de não possuir antecedentes criminais registados;

- Estava integrado familiar e socialmente;

- Desconhecia a quantidade de droga que transportava, não podendo constituir a quantidade de produto o elemento determinante da medida da pena;

- A confissão;

- O arrependimento.


3. O tribunal de julgamento fundamentou a medida da pena.

“Como vimos, ao referido crime de tráfico de estupefacientes corresponde a moldura penal abstracta de pena de prisão de 4 a 12 anos. ..(…)

Tendo presente estas directrizes, e no que respeita à culpa do arguido, reputa-se a mesma de uma gravidade já acentuada, dada a envolvência que o transporte internacional de cocaína exige do mesmo, sendo considerável o desvalor da sua conduta pelo elevado alarme social que causa.

O arguido logrou transportar, com recurso a um modus operandi recorrente na comarca, uma quantidade já muito significativa de cocaína – 2.652,000 gramas, com um grau de pureza de 79,9%, sendo o equivalente a 10.594 doses de consumo –, o que agrava a ilicitude do facto, sendo certo que, se considerarmos o valor a que usualmente é vendida uma grama desse tipo de droga (€ 40,00 a € 60,00, de acordo com a experiência adquirida na prática judiciária), estamos na presença de um transporte de valor pecuniário muito relevante.

Ademais, importa não olvidar que o arguido actuou com dolo directo, sendo evidente e significativa a sua vontade criminosa [als. a) e b), do n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal].

As exigências de prevenção geral são também elevadas, dada a proliferação deste tipo de crime e a pluralidade de bens jurídicos que a actuação típica faz perigar, a que acresce o elevado grau de danosidade social que decorre do mesmo.

Já no que tange às exigências de prevenção especial, estas mostram-se algo mitigadas, considerando, desde logo, a ausência de antecedentes criminais conhecidos ao arguido e a sua integração social e familiar no país de origem (Brasil), tendo actuado num quadro vivencial difícil ao nível económico, sem olvidar a circunstância de ter assumido integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, reconhecendo a censurabilidade da sua conduta.

Ainda assim, importa deixar dito que a confissão tem pouca relevância processual no caso em apreço, dado que se tratou de uma detenção em flagrante delito e o demais relacionado com o produto estupefaciente é suportado por via pericial.”


4. A fundamentação da medida da pena, no acórdão recorrido, revela a ponderação de todos os elementos pertinentes e, como se verá, a proporcionalidade da pena aplicada.

Além das necessidades de prevenção geral relativas a esta concreta atividade ilícita, associadas à lesão de interesses gerais da comunidade como a saúde e a paz social, esta afetada pelo tráfico e pelo consumo de substâncias estupefacientes de acentuada danosidade como a aqui apreendida, há que atender à especificidade da dimensão internacional, sustentada, muitas vezes, na disponibilidade de alguém para assumir o papel de “correio de droga”.

A essencialidade desta função na distribuição internacional das substâncias estupefacientes por rotas determinadas, pese embora se esgote no ato de transporte, tem sido justamente realçada em consistente jurisprudência deste Tribunal.

Seja qual for a motivação, uma situação de especial vulnerabilidade em que se encontram os transportadores, ou o apelo do valor do pagamento, a participação no circuito da droga através do seu transporte internacional constitui um elo essencial na cadeia de fornecimento.

Nessa medida, assume uma dimensão elevada de ilicitude que, naturalmente, se acentua com a quantidade e grau de pureza do estupefaciente transportado, ou seja, com a potencialidade de dano concreto que representa.

No caso, o arguido transportava cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,652 kg, produto este que apresentava um grau de pureza de 79,9%.

O arguido refere jurisprudência deste Tribunal que condenou “correios de droga” em penas inferiores àquela em que foi condenado.

No entanto, como referimos, a diferenciação assenta (além de outras circunstâncias pessoais especificas dos arguidos) em interpretação, que partilhamos, da natureza do bem jurídico protegido, da natureza dos crimes de tráfico - crimes de perigo, e, com apoio na formulação de um dos tipos agravados (al. b) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93), na quantidade de substância estupefaciente transportada, por gerar uma capacidade de afetar um conjunto de dimensão variável de consumidores.

Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal: no Proc. 346/13.8JELSB.S1, de 11.06.2014, Rel. Santos Cabral (3,5 kg de cocaína, pena de 6 anos de prisão); no Proc. 26/15.5JAPRT, de 05.12.2016, Rel. Manuel Augusto de Matos, (cerca de 3 Kg de cocaína, pena de 5 anos e 6 meses de prisão); no Proc. 76/14.3JELSB.L1.S1, de 14.01.2015, Rel. Maia Costa (11,5 kg de cocaína, 7 anos de prisão); no Proc. 8/21.2JAPDL.S1, de 22.06.2022, Rel. Ana Maria Brito (962 gramas de heroína, 5 anos de prisão) e no Proc. 147/14.6JELSB.L1.S1, de 09.04.2015, Rel. João Silva Miguel (795 gramas de cocaína, 4 anos e 6 meses de prisão).

Nesta linha jurisprudencial, a pena aplicada, face à danosidade potencial da substância transportada, em razão da quantidade e da qualidade, afigura-se adequada e proporcional, considerando o quadro pessoal do arguido.

Com efeito, o arguido alega não terem sido devidamente ponderadas, designadamente, a ausência de antecedentes criminais, a confissão e a sua inserção social profissional, pessoal e familiar no país de origem. Mas o acórdão impugnado considerou esses fatores pessoais e, em consequência, a medida da pena situa-se próximo do limite mínimo da moldura penal prevista para o crime do art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

Foram, pois, valoradas, de forma proporcional, as circunstâncias atenuantes e agravantes.

Assim, tendo em conta a moldura penal abstratamente aplicável, não se surpreendem elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena fixada.

Não se verificando, pelo exposto, motivo que permita identificar violação do disposto nos artigos 40º., 70º., 71º.e 72º., todos do Código Penal, bem como do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição da República.

Pelo que se entende não ser de efetuar intervenção corretiva na medida da pena.

Improcede, assim, a petição de redução da pena e, em consequência, face ao disposto no n.º 1, do art. 50.º do Código Penal, de suspensão da respetiva execução.

II. DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide julgar improcedente o recurso do arguido AA, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente – art.º 513º n.º 1 do CPP – fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs (art. 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 15 de fevereiro de 2023


Teresa de Almeida (Relatora)

Ernesto Vaz Pereira (1.º Adjunto)

Lopes da Mota (2.º Adjunto)

_____

[1] Cfr. acórdão deste Tribunal, 3.ª Secção, de 3.11.21, no proc. n.º 875/19.0PKLSB.L1.S1, e Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º.
[2] Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, 2022, pag.57.
[3] Maria João Antunes, Ob. Cit., pag.55, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357.