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INJUNÇÃO
EXECUÇÃO
CAUSA DE PEDIR
Sumário
O requerimento de injunção a que foi conferida força executiva constitui título bastante para fundamentar a execução, mesmo que dele não constem os fundamentos da pretensão, não se justificando que com base na sua falta, se indefira liminarmente o requerimento executivo, em apreciação não suscitada pelo executado.
Texto Integral
Acordam no tribunal da Relação do Porto
I. B.........................., Lda, com sede na Rua ............, ...., .., frente, Porto, instaurou execução contra C........................... Lda, com sede na Rua ..........., .........., Lousada, para a cobrança da quantia de € 1.288,18 e juros, dando à execução, como título executivo, um requerimento de injunção a que foi conferida força executiva.
O requerimento executivo foi liminarmente indeferido, em consideração do disposto no artigo 812º, nº 2 b), do CPC, na redacção actualizada do DL 38/2003, uma vez que o requerimento de injunção a que foi conferida força executiva é inepto, por falta da alegação da causa de pedir, sendo nulo todo o processo.
II. Desse despacho traz a exequente o presente recurso, alegando e concluindo por pedir a revogação do despacho recorrido.
Não houve contra-alegações.
O Senhor Juiz sustentou o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
II. Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, não sendo admissível o conhecimento de outras questões que não sejam do conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPC), cabe apenas decidir se o requerimento devia ser indeferido por o requerimento de injunção, que serve de base à execução, não conter concretizada a causa de pedir e, se insuficientes os elementos constantes dos autos, deveria o Juiz convidar a exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo em vez de o indeferir liminarmente.
IV. Os factos a considerar são, além dos descritos em I, os seguintes:
a) O documento/requerimento de injunção, dado à execução como título executivo, apresenta como requerente a agora recorrente e como requerida/recorrida, sendo esse requerimento dirigido ao Senhor Secretário de Justiça, a solicitar a notificação da recorrida para lhe pagar a importância de € 1.268,66, sendo € 1.050,47 de capital, € 198,24 de juros, referentes ao período de 10/8/2001 até à entrada da providência de injunção, e € 19,95 de taxa de justiça.
b) Nesse requerimento consta como causa de pedir “fornecimento de bens e serviços”, indicando-se como origem do crédito a factura nº 112565, datada de 09/08/2001, com o valor de 210 600$00.
c) Nesse requerimento, entrado na Secretaria Geral de Injunção do Porto, em 10/3/03, o Senhor Secretário de Justiça apôs “este documento tem força executiva”, que assinou, em 7/4/2003, e autenticou com o selo branco do tribunal.
d) O requerimento executivo deu entrada em tribunal em 02 de Maio de 2003.
V. Por lapso se refere no douto despacho recorrido a aplicação do Código Processo Civil, na redacção actualizada introduzida pelo DL nº 38/03, de 8/3, atento o disposto no art. 21º desse DL e do art. 4º do DL 199/03, de 10/9, já que a execução foi instaurada em 02/05/2003, antes da entrada em vigor dessas alterações, o que é irrelevante pois o motivo invocado para o indeferimento, nos termos afirmados no despacho, cabia no disposto no artº 811º-A, 1. b), do código, na redacção anterior à desse DL. A não ser assim, não se via motivo para a existência do despacho liminar a indeferir a execução, já que não consta do processo que o senhor funcionário houvesse suscitado a intervenção do Sr. Juiz (artigo 812º, nº 1 b), e 3, do CPC, na redacção actualizada).
É condição necessária da execução a existência de um título, pelo qual se define o fim e os limites da execução (art. 45º, nº 1, do CPC) e, por outro lado, é condição suficiente, no sentido de na presença do título se dispensa ‘qualquer indagação prévia sobre a real existência e subsistência do direito a que se refere’ (Anselmo Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 14), oferece a garantia mínima da existência do direito. O título constitui pressuposto formal da acção executiva, ‘destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor’ (J. Lebre de Freitas, CPC Anotado, I, 87).
A execução visa assegurar ao credor a satisfação do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida (artigo 4º, nº 2, do CPC), destina-se a obter a realização das pretensões reconhecidas em decisão judicial como documentadas em título extrajudicial. O título é o documento que formaliza a ‘exequibilidade de uma pretensão que pode ser intrínseca ou extrínseca’, sendo esta ‘atribuída pela incorporação da pretensão num título executivo, isto é, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade da realização coactiva da prestação não cumprida’ (M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 606-607).
Não ocorrendo qualquer vício do conhecimento oficioso, o título executivo é suficiente para iniciar a execução do devedor para o credor obter a realização da prestação, conforme se encontra definida ou acertada no título que se executa.
O art. 46º do CPC prevê taxativamente os títulos com força executiva. Todos os contemplados nessa norma, mas só esses, têm força executiva, não estando na disponibilidade das partes criar títulos executivos diferentes nem retirar eficácia executiva à que por lei lhes é atribuída.
Podem servir da base á execução “os documentos a que por disposição especial seja atribuída força executiva” (al. d) do citado artigo 46º). É o caso do requerimento de injunção a que foi conferida força executiva (artigos 7º e 14º do DL 269/98, de 1/9). Trata-se de um título extrajudicial especial ou atípico (Salvador da Costa, A Injunção e Conexas .., 4ª ed/150) ou judicial impróprio (na posição de J. Lebre de Freitas, Ob. Cit., 93), de qualquer forma enquadrado no âmbito dessa al. d) do artigo 46º.
O processo de injunção teve por finalidade conceder força executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias de valor não superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (DL 404/93), valor que foi ampliado para o da alçada desse tribunal (DL 269/98) e para qualquer valor, neste caso, desde que se trate de obrigação emergente de transacção comercial (DL 32/2003, de 17/2).
O procedimento de injunção criado pelo Dl 404/93, de 10/12, visou a desjudicialização de certo tipo de litígios, permitindo ao “credor de obrigação pecuniária a obtenção, de forma célere e simplificada, de um título executivo, condição indispensável ao cumprimento coercivo da mesma, quando se consubstancie numa obrigação pecuniária”, sem “quebra ou diminuição da certeza e da segurança do direito” antes obedecendo “aos princípios de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização contribuindo para a concretização do princípio constitucional do acesso à justiça, consagrado como direito fundamental no artigo 20.º da Constituição, que tem como vertente primordial a protecção eficaz e em tempo útil dos direitos” (preâmbulo do DL 404/93). Trata-se de um processo caracterizado pela simplificação e desburocratização, que se procurou incentivar, em especial pelas possibilidade abertas pelas modernas tecnologias ao seu tratamento informatizado e elevando-se o valor do procedimento, prevendo-se formulários próprios para a apresentação do pedido de injunção (artigo 10º do Regime da Injunção, aprovado pelo DL 269/98 e preâmbulo deste diploma).
‘Trata-se de uma solução legal tendente à realização de objectivos de celeridade, simplificação e desburocratização da actividade jurisdicional, pensada com vista ao descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante, pressupondo a inexistência de litígio actual e efectivo entre o requerente e o requerido’ (Salvador da Costa, Ob. Cit., 151)
“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações” emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1º instância, ou” das obrigações emergentes transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro” (art. 7º do DL 269/98, na redacção que lhe foi dada por aquele).
O processo de formação do título executivo com base no requerimento de injunção completa-se com a aposição da fórmula executória, quando o Secretário de Justiça confere força executiva ao documento (arts. 7º e 14º do DL 269/98).
Apresentado requerimento de injunção, que contenha as menções previstas no art. 10º, nº 2, deste DL, é notificado o requerido e só quando é feita a notificação e não houver qualquer oposição, o Senhor Secretário confere força executiva ao documento.
A atribuição da exequibilidade ao documento (base material da execução) assenta na presunção de confissão da dívida por arte do requerido, pois que notificado da pretensão do requerente nenhuma oposição lhe fez apesar da cominação de que, na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo estabelecido, “será aposta a fórmula executória, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva” (art. 13º, c), do DL 269/98).
Porém, a aposição da fórmula executória, não constituindo um acto jurisdicional, não impede o devedor de se defender, em futura acção executiva, com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815.º do Código de Processo Civil”, permitindo-se, assim, ao executado que, em oposição ou embargos á execução, exerça os meios defesa contra execução injusta. O que não deve, sob pena de contrariar o espírito da lei e frustrar os objectos com a criação deste título extrajudicial, é exigir-se maior formalismo para o portador de requerimento de injunção com força executiva exequente dar início à execução. O que não significa que o Juiz não deva rejeitar o título se não observar as regras legais que regulam a validade de tal documento como título executivo, mas apenas desde que o vício de que padece seja manifesto.
No requerimento de injunção deve o requerente “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão” (artº 10º, nº 2- d), do referido DL), de forma a possibilitar a apreciação jurisdicional se o procedimento se transmutar em acção declarativa (de condenação), apreciação que não tem lugar se o procedimento findar com a aposição da fórmula executória. Por outro lado, o requerimento só pode ser recusado nas situações mencionadas no artigo 11º, em que se não contempla sequer a falta de da indicação desse fundamentos. De qualquer modo a indicação desses fundamentos (a causa de pedir) deve ser sucinta e breve.
Na falta de indicação dos fundamentos, ainda que breve, o requerente “corre o risco, na eventual apreciação jurisdicional subsequente, seja na acção declarativa de condenação (…), seja na oposição á execução, ser confrontado com uma decisão desfavorável”. A abstracção de qualquer “menção fáctica relativa á causa de pedir só seria compreensível e viável se não se transmutasse na acção declarativa de condenação tal como está legalmente estruturada” (Salvador da Costa, Ob. Cit., 181).
Na situação em análise não foi suscitada a intervenção do Juiz, quer porque o procedimento de injunção não se transmutou em acção declarativa subsequente quer porque (ainda) não houve oposição à execução.
O requerimento de injunção a que foi conferida força executiva constitui título bastante para fundamentar a execução, mesmo que dele não constem os fundamentos da pretensão, não se justificando que com base na sua falta, se indefira liminarmente o requerimento executivo, em apreciação não suscitada pelo executado. Constando do documento, a que foi conferida força executiva, a obrigação cuja prestação se quer ver cumprida coercivamente, o título faz presumir a existência dessa obrigação, não há motivo para indeferir liminarmente o requerimento executivo. O executado pode demonstrar em oposição á execução a inexistência da obrigação que o título demonstra com segurança mínima suficiente para se dar início à execução
Como se disse, o processo de formação do título finda com a aposição da fórmula executória, adquirindo por essa via força de título executivo. O procedimento findou, não se vendo razão para o julgar nulo por falta da indicação dos fundamentos da pretensão e, por essa razão, rejeitar a execução.
Conferida força executiva ao documento que certifica a obrigação exequenda, esse título vale por si e é suficiente para instaurar a execução para se obter coercivamente a satisfação da obrigação incorporada (cfr. em sentido idêntico, Acs. RL, de 23/11/00, proc. 0083992, e RP, de 16/3/04, proc. 0420904, e de 26/11/04, proc. 04224741, todos em dgsi/net).
Acresce que a ineptidão por falta de causa de pedir, como vício que afecta a petição, e que se reporta essencialmente à fase declarativa do processo, em que se devem expor os fundamentos do pedido, as razões que suportam a pretensão formulada, necessários à delimitação do objecto do processo, ao exercício do contraditório e à definição do direito, gerador da nulidade de todo o processo, só ocorre quando a falta é absoluta e não apenas deficiente ou incompleta, insuficiente para justificar o pedido.
Na injunção, exige a lei a exposição sucinta dos fundamentos da pretensão (art. 10º 2. d), do DL 269/98), em harmonia com a simplificação e certa normalização dos termos desse procedimento, que permitam ao requerido, face à notificação, saber a razão do pedido que lhe é feito.
Se bem de forma sintética e, quiçá, demasiado simplista e genérica (sem necessidade ou justificação pelo formulário utilizado que não impede a exposição com clareza dos fundamentos), a indicação dos fundamentos constam do requerimento, de modo bastante para permitir ao requerido saber do que se trata e, no caso, este nenhuma oposição ou reserva veio afirmar, após notificação com as cominações previstas. Aí se afirma que a obrigação referente ao capital, cujo pagamento se quer, se reporta a fornecimento de bens ou serviços e à factura a factura nº 112565, datada de 09/08/2001, com o valor de 210 600$00. É o bastante para, na injunção, satisfazer as exigências mínimas da lei (permitir ao notificando saber a razão do que lhe é pedido e, nessa medida, poder contrariar) - neste sentido, entendemos, o Ac. RL, de 3/5/04, em dgsi/net, proc. 0452201.
Por outro lado, se o requerimento a que foi atribuída força executiva não contem os requisitos de validade previstos na lei (DL 269/98) para valer como título executivo e se esse vício se torna manifesto, o fundamento do indeferimento é a falta ou insuficiência de título e não a sua ineptidão, que apenas se poderia reportar ao requerimento executivo e não ao documento base da execução.
O título executivo não é nulo e é documento suficiente para servir de base à execução, motivo porque o recurso merece provimento.
Face ao exposto, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão (sem que deixe de se afirmar que se ineptidão existisse por falta de causa de pedir, seria completamente insubsistente a pretensão da recorrente ao convite do Sr. Juiz ao suprimento das deficiências, pois a falta de causa de pedir não pode ser suprida por essa via).
VI. Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo e revogar o douto despacho recorrido, com o prosseguimento da execução.
Sem custas.
Porto, 17/03/2005
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira