Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
LEGITIMIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
Sumário
I - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC. II – Em acção de impugnação de escritura de justificação notarial, a legitimidade activa radica em quem alegar uma qualquer relação ou direito que seja posto seriamente em crise pela justificação notarial. III – Deve ser condenado como litigantes de má-fé quem, para ter legitimidade processual, invoca ser titular de um direito que confessa em juízo não ter.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório.
AA, viúva, BB, casado, CC, casado, todos com residência no Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho ..., por si e em representação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, instauraram presente acção sob a forma de processo comum contra EE e mulher, FF, com residência na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., doravante designados de 1.ºs réus e GG, divorciado, de nacionalidade ..., residente na Rua ..., HH, ..., ..., doravante designado de 2.º réu e II, divorciada, de nacionalidade ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., doravante designada de 3.ª ré, pedindo:
1. A declaração de nulidade, por falsidade, do teor da declaração formulada pelos 1.ºs réus quanto ao facto justificado em escritura de justificação, mais se declarando sem nenhum efeito a referida escritura de justificação;
2. A declaração de nulidade da compra e venda subsequente à justificação ora impugnada, quer no tocante ao usufruto vitalício do prédio ora justificado em favor do 2.º réu, como também no que concerne à raiz ou nua-propriedade do prédio ora justificado em favor da 3.ª ré, por carecerem os vendedores, aqui 1.ºs réus., de legitimidade para a realizar, nos termos do artigo 892.º do Código Civil;
3. O cancelamento da inscrição de aquisição que, com base na mencionada escritura de justificação notarial, vier a ser efectuada por qualquer um dos réus ou por terceiros na Conservatória do Registo Predial em seu favor, bem como de inscrições posteriores que venham a ser registadas;
4. Declaração de que os autores são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casa de morada com dois pavimentos, uma dependência e rossios, destinado à habitação, com a área total de duzentos e vinte e nove metros quadrados, área coberta de quarenta e oito metros quadrados e área descoberta de cento e oito metros quadrados, a confrontar de Norte com Caminho, de Sul com JJ, de Nascente com KK e de Poente com Caminho, não descrito na competente Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...84, que teve origem no artigo ...2 urbano (metade) da referida matriz, com o valor patrimonial e atribuído de € 11.449,20;
5. Condenação de todos os réus a reconhecerem os anteriores pedidos alinhados;
6. Condenação dos 1.ºs réus por má-fé, em multa e indemnização aos autores, que deverá consistir no pagamento da quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros).
A título subsidiário, peticionaram ainda:
7. Declaração do direito de preferência dos autores enquanto representantes da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, nos de negócios de compra e venda alegados nesta acção, por força do disposto no artigo 1409.º n.º 1, do Código Civil;
8. Condenação dos 2.ºs e 3.º réus a entregarem o prédio em causa aos autores;
9. Condenação dos réus em custas.
Alegaram, para tanto, em síntese, que a escritura notarial para justificação do direito de propriedade sobre o prédio descrito na matriz sob art. ...84.º padece de falsidade no que diz respeito às declarações dos 1.ºs réus e testemunhas aí indicadas, nomeadamente quanto à aquisição do referido prédio em 1998, por acordo verbal de partilhas, e ao exercício da posse pelos autores desde então, na convicção de proprietários.
Mais disseram que o prédio em causa está na posse da autora AA, cabeça de casal, e falecido marido, há mais de 20 e 30 anos, tendo sido adquirido por usucapião e pertencendo à herança indivisa aberta por óbito de DD.
Invocaram que os 1.ºs réus actuaram com dolo e má-fé, pelo que devem ser condenados como litigantes de má-fé.
Finalmente, a título subsidiário, alegaram que apenas em Outubro de 2020 tiveram conhecimento da alienação do prédio, sendo donos e legítimos possuidores de ½ do prédio urbano inscrito sob o art. ...2 (antigo), não lhes tendo sido transmitido pelos vendedores os caracteres da projectada venda.
*
Devidamente citados contestaram os 1.ºs réus, dizendo que o prédio ...84.º, proveniente do antigo 72.º, é da sua plena e exclusiva propriedade por o terem adquirido por morte dos pais da 1.ª ré mulher, LL e MM, falecidos, respectivamente, em .../.../1998 e .../.../1985; que a posse exercida pelos pais da ré FF sempre foi pública, pacífica, de boa fé e ininterrupta e manteve-se por mais de 40 ou 50 anos.
Após o falecimento do pai da ré (MM), a mãe da Ré FF, LL, manteve aí a sua residência, até falecer. O falecido casal LL e MM teve quatro filhos, todos nascidos, criados e educados no prédio onde residiam. Quando o pai da 1ª ré faleceu, a mãe LL reuniu os filhos vivos, a FF, a NN e o GG e o neto OO, filho da falecida PP, em representação dos seus cinco irmãos e todos acordaram que os bens pertencentes à herança do seu marido, pai e avô, apenas, seriam partilhados após o seu falecimento, ou seja, da LL.
Quando faleceu LL, os filhos vivos e o neto OO, filho da falecida PP, em representação dos seus cinco irmãos, reuniram-se na casa de morada de família do casal MM e LL (o prédio justificado) e procederam, verbalmente, à partilha dos bens da herança aberta por óbito de seus pais e avós. Após esta partilha por óbito dos seus falecidos pais, os 1ºs réus adquiriram o direito de propriedade pleno e exclusivo, sobre o imóvel descrito no artigo 2º desta contestação, por sucessão por morte.
Como o prédio estava omisso, no Cartório Notarial foi dito aos 1.ºs réus, através da testemunha QQ que poderia resolver o problema efectuando a partilha verbal celebrada entre os herdeiros, através de uma habilitação de herdeiros e escritura de partilha ou, na impossibilidade de os juntar a todos, o casal a quem foi adjudicado o bem imóvel outorgar uma escritura de justificação do seu direito de propriedade, juntando, para o efeito, três testemunhas.
Sendo impossível juntar todos os herdeiros dos senhores MM e LL, principalmente os que residem em ..., seus netos, e em ..., os 1ºs réus optaram por outorgar a sugerida escritura pública de justificação do seu direito. Logo, as declarações que os 1ºs réus prestaram perante o Senhor Notário ... são verdadeiras e traduzem, com verdade, a realidade dos factos ocorridos ao longo dos anos.
Mais invocaram que os autores faltaram à verdade na sua alegação na petição inicial, sabendo que o prédio ...84.º sempre pertenceu à herança dos pais dos 1.ºs réus e, após partilha, a estes últimos, devendo ser condenados como litigantes de má-fé.
Alegaram ainda que os autores nunca foram proprietários de metade do art. 72.º do mesmo Lugar ..., que pertencem aos avós maternos do falecido DD e da ré FF, falecidos muito antes de qualquer um deles ter nascido, sendo certo que os tais avós dividiram o art. 72.º em três novos prédios, distintos, autónomos e independentes, que foram doados a cada um dos seus três filhos.
Alegaram ainda que o preço pago pelos 2ºs réus pela aquisição do imóvel justificado foi de dezasseis mil euros e não o que os autores indicam no artigo 36º da p.i.
Concluíram pela improcedência de todos os pedidos formulados e pela condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a favor dos réus, em montante nunca inferior a €3.000,00.
*
Foi proferido despacho saneador, tendo os autores sido convidados a cumprir o disposto no rt. 1410.º, n.º 1 do Código Civil, tendo em vista a prossecução da apreciação do pedido subsidiário formulado no prazo de 10 dias.
Foram advertidos de que, não o fazendo no prazo fixado, precludir-se-ia a apreciação do pedido subsidiário, por falta de verificação dos pressupostos legais da acção de preferência.
*
Realizou-se a audiência final, onde a título de questão prévia, foi proferido o seguinte despacho: “No mais, verifico que, aquando da prolação do despacho saneador, foram os autores notificados para o cumprimento do disposto no art. 1410.º, n.º 1 do Código Civil, tendo em vista a prossecução da apreciação do pedido subsidiário, tendo sido atribuído um prazo de 10 dias para o efeito. Mais se cominaram os AA., à data, de que, não o fazendo no prazo fixado, se precludiria a apreciação do pedido subsidiário formulado, por falta de verificação dos pressupostos legais da ação de preferência, nos termos do art. 1410º, nº 1 do Código Penal. Isto posto, verifico que até a presente data, o preço depositado corresponde ao valor patrimonial de usufruto e do imóvel transacionado aludido na escritura de compra e venda, e não ao valor do preço devido, ou seja, o preço efetivamente pago aquando da realização da transação. Aliás, resulta da própria prova documental junto com a petição inicial, pelos próprios autores, que o valor globalmente pago pelos réus adquirentes foi de 16.000,00€, o que é justamente alegado na contestação dos réus EE e FF. Consequentemente, entendo que não estão verificados os pressupostos liminares para apreciação da ação de preferência, ou seja, o deposito do preço devido no prazo de 15 dias após a prepositura da ação, tendo em vista apreciação destes pressupostos legais, por referência ao art. 1410º, nº 1 do Código Penal. Como consequência, previamente advertida aos AA., preclude-se a apreciação do pedido subsidiário formulado pelos autores quanto ao direito de preferência, e o tribunal considerará como não escrita a matéria que consta na petição inicial, relativamente a tal matéria, nomeadamente factos alegados quanto ao exercício de direito de preferência, bem como respetivo pedido formulado”.
O despacho proferido não foi objecto de reclamação ou recurso.
Findo o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“VI. Decisão. Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais citadas, julgo a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os RR. de tudo quanto foi peticionado pelos AA. No mais, condeno os AA. como litigantes de má-fé no pagamento de multa de 4UC, bem como no pagamento de indemnização aos RR. contestantes, a fixar em incidente posterior nos termos do art. 453.º do Código de Processo Civil, após trânsito em julgado. Absolvo os RR. do pedido de condenação como litigantes de má-fé, formulado pelos AA. Valor da ação: o fixado em sede de saneador. Custas pelos AA. Registe e notifique. Comunique de imediato ao Cartório Notarial e à Competente Conservatória de Registo Predial a propositura e pendência da ação, nos termos conjuntos dos arts. 3.º, n.º 1, als. a) e b), art. 8.º-A, n.º 1, al. b), 8.º-B, n.º 3, al. a) do Decreto-lei n.º 224/84, de 06 de julho, com menção de que a sentença não transitou em julgado. Após trânsito, notifique as partes para se pronunciarem nos termos do art. 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, no prazo de 10 dias.”.
*
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os autores, os quais a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões, que se transcrevem: “CONCLUSÕES:
A. Do erro de julgamento da matéria de facto – reapreciação e alteração dos factos dados como provados: 1) O julgamento da matéria de facto não traduz aquilo que efectivamente foi evidenciado em juízo, na medida em que o tribunal a quo deu como provada a matéria de facto conforme vem descrita nos pontos 27, 29, 30, 31, 33, 34, 45, 48, 49 e 58 mas, salvo o devido respeito por opinião de sinal diverso, devê-la-ia ter dado como “não provada”. 2) Além da correcta análise e interpretação de documentação relevante (escritura notarial de justificação), torna-se imperiosa a reapreciação da prova gravada, passando-se, infra, à indicação dos depoimentos colhidos em audiência de julgamento e que sustentaram a decisão do Tribunal a quo, só na parte em que são relevantes para a alteração da decisão sobre a matéria de facto. São eles os seguintes: (Cfr. Depoimento prestado pela pelo Réu, EE, perante o Julgador no mesmo dia 07.03.2022 e gravadas em CD, através do sistema integrado da gravação digital (H@bilus Media Studio), desde 00.03.00 a 00.06.15, desde 00.07.35 a 00.12.00, desde 00.12.00 a 00.12.20, e desde 00.14.19 a 00.16.03, que aqui se considera por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) (Depoimento de parte prestado pela Ré FF perante o Julgador no dia 07.03.2022 e gravadas em CD, através do sistema integrado da gravação digital (H@bilus Media Studio), desde 00.03.58 a 00.08.51, desde 00.09.19 a 00.12.00, desde 00.13.05 a 00.13.50, e desde 00.19.50 a 00.32.05, que aqui se considera por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) 3) No tocante à reapreciação/alteração da matéria de facto - pontos I e II - afigura-se-nos por demais evidente que o tribunal a quo incorreu em erro manifesto e grosseiro aquando da apreciação que fez de toda a prova documental e testemunhal carreada nos autos, sendo certo que, tendo em linha de atenção o narrado pelas partes no decorrer da fase dos articulados, o teor dos documentos ali juntos e os depoimentos das partes prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, devem ser alterados os seguintes factos dados como provados: Os factos referidos em 27. (onde se deve suprimir “com a referida ressalva no que diz respeito ao usufruto do prédio ...84.º”), em 29. (onde se deve suprimir “e cujo usufruto lhes foi adjudicado no acordo verbal referido entre os herdeiros, a qual sempre esteve mobilada e equipada com tudo o necessário para viver e aí dormiam, faziam as suas refeições e recebiam os familiares e amigos”), em 30. (a partir de “…era a filha de ambos, RR, residente em ..., ..., que frequentava e zelava pela conservação da casa, abria as janelas e portas para arejar e entrar luz, tratava das limpezas, pagava os consumos de água e luz e os impostos, nomeadamente o IMI, liquidado ainda em nome da sua avó LL”), em 31., em 33., em 34., em 45., em 48. (onde se deve suprimir “tendo-lhe sido dito que poderia resolver o problema através de uma habilitação de herdeiros e escritura de partilha ou, na impossibilidade de os juntar a todos, o casal a quem foi adjudicada posse do bem imóvel outorgar uma escritura de justificação do seu direito de propriedade, juntando, para o efeito, três testemunhas …”), em 50., e em 58. 4) De toda esta matéria, facilmente verificamos que a verdadeira redacção aos factos provados nos pontos 27, 29, 30, 31, 33, 34,45, 48, 50 e 58., deverá ser a seguinte: Facto Provado 27 Assim sendo, após a morte da mãe da 1.ª R., em 1998, todos bens integrados na herança aberta por óbito de seus pais LL e MM, ficaram em comum e sem determinação de parte ou direito. Facto Provado 29. Quando cá estavam a gozar férias, permaneciam na residência que foi dos seus pais e sogros Facto Provado 30. Não provado Facto Provado 31. Não provado Facto Provado 33. Não provado Facto Provado 34. Não provado. Facto Provado 45. Ambas responderam que pretendiam adquirir a referida casa. Facto Provado 48. Dirigiu-se ao Cartório Notarial para saber como proceder neste caso. Facto Provado 50. Os Autores, devido ao abandono por mais de 20 anos do prédio justificado, passaram a ser os únicos que limpavam os seus rossios, fazendo as obras necessárias à sua manutenção, Facto Provado 58. Não provado 5) Assim, no que tange ao julgamento sobre a matéria de facto, deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra, conforme à Lei e ao Direito, que, dando os factos provados nos termos do acima exposto, determine a nulidade e ineficácia da escritura de justificação e venda celebrada entre os Réus, ordenando o cancelamento do registo predial sobre o prédio justificado que vier a ser realizado em favor do 3.º Réu. B. Do erro de julgamento da matéria de Direito: 6) Se alterada, como deve ser, a factualidade dada como provada, forçoso será concluir que o juízo lógico-subsuntivo dos factos ao Direito levado efeito pelo tribunal a quo não mais poderá prevalecer. 7) Ora, dos documentos juntos pelas partes, das declarações e depoimentos gravados e prestados em audiência de julgamento, por nós, em parte, já transcritos, resultou provado, à saciedade, que os Réus, prestaram declarações falsas, com o objectivo de justificar um prédio que ainda integra a herança aberta por óbito de MM, falecido no dia .../.../1985, e LL, falecida em .../.../1998, frustrando os quinhões hereditários de familiares com residência habitual no ..., disso estando bem conscientes, conforme confessado inequivocamente pela Ré, em sede de audiência de discussão e julgamento, em 07.03.2022 – vide acta de julagamento e trechos da gravação da audiência de julgamento transcritos supra. 8) Os Réus FF e EE, à data da celebração da escritura de justificação, bem sabendo nenhuma partilha verbal pré-existir relativa às heranças dos pais, induziram conscientemente o Exmo. Sr. Notário em erro, prestando declarações falsas, o que se mostra gerador de nulidade, de conhecimento oficioso. Nulidade que que se repete por terem vendido, aos 3.º e 4.º Réus, coisa alheia, nos termos do artigo 892.º do Código Civil, preterindo-se, dessa forma, um princípio jurídico estruturante dos negócios jurídicos: nemo plus iuris transfere (ad alium) potest quam ipse habet, senão vejamos: 9) Fazendo a escritura de justificação notarial prova plena da declaração efectuada perante o oficial público, não a faz, porém, da verdade dessa declaração (artigos. 371.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, do Código Civil). 10) Por isso, perante a impugnação judicial do teor das declarações escrituradas, competia aos réus provar o conteúdo substantivo dos factos ali vertidos, agora em sede de julgamento, conforme exigência do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil. 11) Sobre a impugnação judicial das justificações, reza o n.º 1 do artigo 117.º do Código de Registo Predial que “O Ministério Público e qualquer interessado podem recorrer da decisão do conservador para o tribunal de 1.ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória onde pende o processo”. 12) A legitimidade de impugnação conferida ao Ministério Público é o reflexo do interesse público em evitar-se a justificação de direitos com base em falsas declarações. 13) O legislador, no que toca ao regime das invalidades, procurou outrossim cominar com a sanção mais severa – nulidade – os actos justificados que tenham na sua base informação ou declarações falsas e que afectem a fé pública de documento autêntico. 14) Já o artigo 97.º do Código do Notariado define que “Os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura”. 15) Por seu turno, o artigo 294.º do Código Civil estatui que “Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”. 16) A nulidade, nos termos do artigo 286.º do mesmo diploma legal, é “invocável a todo o tempo” e “pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”. 17) E o n.º 1 artigo 289.º do mesmo diploma legal preceitua que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. 18) Por isso, decisão recorrida, salvo o devido respeito, ao reconhecer com provado (na sequência de confissão expressa da Ré FF) que: “No que diz respeito à escritura de justificação, as declarações aí prestadas pelos 1.ºs RR e testemunhas não reproduzem fielmente o teor do acordado entre LL, os 1.ºs RR e os demais herdeiros quanto ao destino do prédio n.º ...84” “(…) daí que se considere provado que não tenha ocorrido, antes da escritura de justificação, qualquer partilha verbal do referido bem, nem tão-pouco a aquisição originária por usucapião do imóvel pelos 1.ºs R” “Todos estes elementos levam a considerar que, pese embora, as declarações na escritura não retratem fielmente a realidade do trato sucessivo do prédio não pode considerar-se que os 1.ºs RR tenham agido com dolo procurando enganar o Sr. Notário, e a fé pública do referido documento (…)” 19) Incorreu em erro grosseiro de julgamento quanto à matéria de facto e de Direito, com sério prejuízo dos herdeiros de MM e LL que não figuram na falada escritura de justificação, e com sério prejuízo do interesse público na defesa da fé pública dos documentos autênticos exarados nos cartórios notariais. 20) Em verdade, parece-nos surpreendente que a decisão recorrida, no mesmo parágrafo, considere falsas as declarações dos justificantes, mas, em simultâneo, admita que as dificuldades em garantir a presença, como declarantes, de todos os herdeiros na escritura de justificação sirva de desculpa para se “deixar passar” a nulidade do negócio jurídico, de conhecimento oficioso e arguível a todo o tempo (artigos 286.º, 289.º e 294.º do Código Civil). 21) Da análise dos trechos de gravação de audiência transcritos supra, salvo melhor opinião, comprova-se que o tribunal a quo não poderia fugir de sancionar a nulidade da escritura notarial de justificação e venda celebrada entre ambos os Réus, na medida em que os justificantes confessaram em juízo, e sem margem para a mais ínfima das dúvidas, que aquilo que declararam em sede de escritura não correspondia à verdade, disso já na ocasião estando bem cientes. 22) Ou seja, os Réus FF e EE, bem sabendo que tal não correspondia à verdade, declararam ser os únicos donos e legítimos possuidores (com exclusão de outrem, portanto) do imóvel em discussão, por o terem adquirido na sequência da morte da mãe da Ré-mulher, mediante uma partilha verbal de bens que celebraram com os restantes irmãos desta. 23) Induziram o Sr. Notário em erro, prestando perante si declarações consabidamente falsas! Assim o confessaram em juízo repetidamente! – violação dos artigos 116.º do Código de Registo Predial, dos artigos 89.º e 101.º do Código do Notariado e dos artigos 371.º e 372.º do Código Civil. 24) A venda que se seguiu à justificação configura uma venda de coisa alheia (no tocante aos quinhões dos demais herdeiros – irmãos e sobrinhos da Ré-mulher), nula e de nenhum efeito – violação dos artigos 286.º, 289.º e 294.º do Código Civil 25) Sendo ainda certo que, tendo sonegado os bens à herança, prejudicaram o direito e acção ao quinhão hereditário dos demais herdeiros nas heranças abertas por óbito de MM e LL, que não figuram na redita escritura notarial e a quem lhes foi sonegado, entre outros, o direito de preferência consagrado pelo artigo 2130.º do CC, e onde se incluem, não só os irmãos vivos da Ré-mulher, como também os sobrinhos da mesma, titulares que são do direito de representação das herdeiras NN e PP, pré-falecidas – violação dos artigos 2091.º, 2096.º, 2102.º, 2124.º, 2126.º, 2130.º e 2138.º, ambos do Código Civil. 26) Houve, outrossim, sério prejuízo do interesse público na defesa da fé pública dos documentos autênticos exarados nos cartórios notariais – artigos 371.º e 372.º do Código Civil, e artigos 89.º e 101.º do Código do Notariado. 27) O facto de os Réus terem justificado as suas falsas declarações na escritura no facto de dessa forma lograrem maior facilidade na venda do imóvel a terceiros, no caso o 3.º Réu, mostra que houve intenção de cometer fraude à lei. Código Civil. A fraude à lei, em face da inexistência no nosso ordenamento jurídico de regra de índole geral que trate o conceito (para lá das referências, entre outras, nos artigos 21.º, n.º 2, 280.º, 281.º, 330.º, n.º 1, 418.º e 2067.º todos do CC), obtém-se pela via da interpretação da lei e do negócio jurídico no sentido de as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis serem irrelevantes/ineficazes. 28) Aliás, a sentença em crise origina o precedente de convalidar a escritura notarial alvo de impugnação, sem, contudo, dar como provados os factos nela declarados pelos Réus justificantes, EE e SS. Incompreensível! 29) E continua incompreensível a sentença recorrida ao deixar expresso que “antes da escritura de justificação, não ocorreu qualquer partilha verbal do referido bem (484.º), nem tão-pouco a aquisição originária por usucapião do imóvel pelos 1.ºs RR. (…) a 1.ª Ré nunca se considerou dona do prédio, estando obrigada a partilhar com os herdeiros o produto da venda, pela vontade dos falecidos pais, apesar de ser possuidora do mesmo e de assim se arrogarem desde o falecimento da sua mãe (mas agindo, na convicção de que era usufrutuária e não proprietária do bem, logo não concorrendo a sua posse para a prescrição aquisitiva como declarado na escritura em crise”. Como pode a sentença recorrida reconhecer a falsidade do teor da escritura de justificação in litem, e não a sancionar com a nulidade, como devia?! A mera dificuldade (e não impossibilidade, note-se!) em reunir todos os herdeiros é argumento idóneo e suficiente para se deixar prejudicados os herdeiros que não outorgaram a escritura e viram o seu quinhão sonegado, sem que pudessem exercer o seu direito legal de preempção na aquisição dos demais quinhões ou até mesmo da propriedade integral do imóvel em discussão? Permite-se a venda de coisa alheia? Deixa-se passar uma tamanha fraude à lei? E quanto à fé pública dos actos notariais? É posta de parte com tal leviandade? 30) Atentemos ao FACTO PROVADO 49: “SENDO DIFÍCIL juntar todos os herdeiros dos senhores MM e LL, principalmente os que residem em ..., seus netos, e em ..., os 1ºs RR. optaram por outorgar a sugerida escritura pública de justificação, o que ocorreu no dia 21 de setembro do corrente ano de 2020” (o destaque a negrito é de nossa autoria) 31) Ou seja, o tribunal a quo vê (ou lê) no teor da escritura de justificação o que lá não consta, ficcionando ex novo um acordo inter partes paralelo, não escrito, “apenas redigido pelo ou no convencimento interno dos Réus justificantes”, que, apesar de terem a ciência de um homem médio, deve merecer comiseração por não dominarem a legislação aplicável ao caso em concreto! Esta decisão, entre o mais, viola ostensivamente o princípio da fé pública dos actos notariais, o princípio estruturante dos negócios jurídicos: nemo plus iuris transfere (ad alium) potest quam ipse habet, e bem assim os artigos 286.º, 289.º e 294.º do Código Civil; artigo 116.º e seguintes do Código de Registo Predial e artigo 101.º do Códogo do Notariado, e, ainda, as mais elementares regras de interpretação do sentido e alcance dos comandos jurídicos integrados na legislação ordinária e nos contratos. C. Da Condenação dos AA como litigantes de má-fé: artigos 542.º e seguintes do CPC: 32) A sentença recorrida, além de ter cometido os erros de julgamento da matéria de facto e de Direito a que aludimos, ainda foi mais longe ao precipitar-se na condenação dos Autores como litigantes de má-fé, tendo-lhe aplicado uma multa ao na monta de 4 UC. 33) Afirma a dita sentença, em suma, que os Autores vieram confessar, em sede de audiência de julgamento, “não ter qualquer interesse ou direito conflituante com o dos 1.ºs RR em relação ao prédio n.º ...84..., pois negaram, em absoluto, qualquer posse ou propriedade em relação ao 484.º”. 34) Ora, tal não corresponde à verdade. Como pode o tribunal verificar aquando da inspecção judicial ao local, a qual antecedeu os depoimentos de parte, os Autores, enquanto herdeiros únicos e universais de DD, são donos e legítimos possuidores de prédio contíguo ao imóvel justificado pelos Réus, sendo certo que ambos os imóveis, juntamente com o imóvel pertença da testemunha TT, se encontram no interior de um lote comum, sem divisões e com logradouro comum. 35) Ora, após a morte da mãe da Ré FF, em 1998, o prédio urbano justificado ficou devoluto, entregue ao abandono e não teve qualquer utilização. 36) Assim, os Autores, mormente a Autora AA e o seu falecido marido, o dito DD, que sempre ali permaneciam e cuidavam do logradouro comum às três casas contíguas, passaram, com o passar dos anos (mais de 20!) a convencer-se que o urbano justificado passara a integrar o seu património. 37) E foi desse modo que, em sede petição inicial, arguiram em seu favor o instituto da usucapião. 38) Não quiseram, pois, os Autores alterar a verdade dos factos ou deturpar a acção da justiça, estando genuinamente convencidos de que haviam adquirido a propriedade do imóvel. 39) A Autora AA é pessoa idosa, de condição humilde e não domina, naturalmente, todos os contornos jurídicos do animus possidendi. Afirmou-se dona do prédio em causa pelo simples facto de ser a única que, por si e em representação da herança aberta por óbito do seu marido, que ali permanecia e levava a cabo trabalhos de limpeza e manutenção do logradouro comum dos três imóveis, tendo usado até os “fundos” do urbano ilicitamente justificados pelos Réus EE e FF. 40) Na verdade, a esse respeito não mostrou o julgado a quo a mesma “compreensão” e benevolência com que brindou as declarações confessadamente falsas que aqueles Réus deixaram na escritura notarial de justificação e venda alvo de impugnação, com violação ostensiva do Direito. Justifica a sentença que os Réus “depuseram de modo sincero, espontâneo e direto, explicando os caracteres do acordo celebrado, sendo perfeitamente admissível que não tivessem sequer percebido o teor das declarações prestadas perante o Sr. Notário, sendo pessoas de condição humilde e totalmente desconhecedoras da terminologia jurídica constante da dita escritura”. Ora, ambos os Autores, sem excepção, sendo outrossim pessoas de condição humilde, depuseram com sinceridade, de forma espontânea e directa, e sem hesitações, diante das perguntas dirigidas pelos demais intervenientes processuais, reconhecendo factos que até nem abonavam em favor da sua posição processual. 41) Com efeito, o tribunal usou de dois pesos e de duas medidas na avaliação do carácter e credibilidade das partes. 42) É que, se por um lado desvalorizou a falsidade repetidamente confessada das declarações dos Réus justificantes fizeram perante o Sr. Notário para convalidar à força de argumentos como o da “dificuldade em reunir todos os herdeiros” (?!) um negócio jurídico violador de inúmeras disposições legais de carácter imperativo, sendo, por isso, nulo e de nenhum efeito; por outro, valoriza, para efeitos de condenação por litigância de má-fé, as imprecisões deixadas pelos Autores na sua petição inicial quando estes alegaram estarem convencidos de que eram donos do prédio in litem. 43) A condenação dos Autores como litigante de má-fé não tem assim qualquer cabimento, sendo injusta, e devendo ser revogada (vide o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, exarado em 30.11.2021, votado por unanimidade, disponível para consulta online no sítio www.dgsi.pt).
*
Em conformidade com as conclusões expostas e o douto suprimento de V.as Ex.as, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a Sentença recorrida, substituindo-a por uma outra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de Direito, que, fazendo a correcta apreciação dos elementos de prova, determine a nulidade e ineficácia da escritura de justificação e venda celebrada entre os Réus, porque de teor confessadamente falso, sendo violador, não só do direito e acção ao quinhão hereditário dos demais herdeiros nas heranças abertas por óbito de MM e LL, como também do interesse público que resulta das normas jurídicas contidas nos artigos 116.º e 117.º do Código de Registo Predial; artigos 89.º e 101.º do Código do Notariado; 21.º, 280.º, 282.º, 286.º, 289.º, 294.º, 330.º, n.º 1, 418.º, 371.º, 372.º, 892.º, 2067.º, 2091.º, 2096.º, 2102.º, 2124.º, 2126.º, 2130.º e 2138.º, do Código Civil; e dos artigos 542.º e 543.º do Código de Processo Civil, ordenando-se, em concomitância, o cancelamento do registo predial sobre o prédio justificado que vier a ser realizado em favor do 3.º Réu. Como é de inteira e sã JUSTIÇA.”.
*
Os réus/apelados contra-alegaram, terminando da seguinte forma: “Nestes termos e sempre com o douto suprimento a V.ª Ex.ªs, Deverá negar-se provimento ao presente recurso e em consequência confirmar a douta sentença recorrida proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, apenas com a alteração da multa a aplicar aos AA, em montante nunca inferior a 20 UC, pela manifesta má-fé com que agiram em todo o processo, assim se fazendo a mais lídima JUSTIÇA.”.
*
Já nesta instância, por terem os apelados requerido no final das suas contra-alegações a alteração da multa a aplicar aos apelantes, em montante nunca inferior a 20 UC, pela manifesta má-fé com que agiram em todo o processo, foi determinada a notificação dos apelantes, para querendo, quanto a tal exercerem o contraditório.
Quanto a tal não houve qualquer pronúncia.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. Objecto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1 – da impugnação da matéria de facto;
2 – se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação dos autores/apelantes - decidindo-se pela procedência da acção.
*
III. Fundamentação de facto.
Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “1. DD faleceu no dia .../.../2018, na cidade ..., em ..., sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade. 2. Sucedendo-lhe, como únicos e legítimos herdeiros AA (cônjuge), BB (filho) e CC (filho). 3. No dia 21 de Setembro de 2020, os Réus EE e esposa, FF, 1.ºs Réus, compareceram no Cartório Notarial ..., a cargo do Exmo. Sr. Notário UU, e outorgaram escritura notarial para justificação do direito de propriedade sobre um prédio urbano. 4. Declararam o seguinte: “…”que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do seguinte imóvel, sito no Lugar ..., na dia freguesia ..., não descrito na competente Conservatória do Registo Predial: prédio urbano, composto por casa de morada com dois pavimentos, uma dependência e rossios, destinado à habitação, com a área total de duzentos e vinte e nove metros quadrados, área coberta de quarenta e oito metros quadrados e área descoberta de cento e oito metros quadrados, a confrontar de NORTE com Caminho, de SUL com JJ, de NASCENTE com KK e de POENTE com Caminho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...84, que teve origem no artigo ...2 urbano (metade) da referida matriz, com o valor patrimonial e atribuído de € 11.449,20…” (…) “o referido prédio foi por eles adquirido, já no estado de casados, em dia e mês que não conseguem precisar mas que se situa no ano de mil novecentos e noventa e oito, por acordo verbal de partilhas que fizeram com os demais herdeiros por óbito dos pais da justificante mulher, MM e LL, residentes que foram no citado Lugar ..., não tendo nunca chegado a formalizar a respetiva escritura, pelo que não dispõem de nenhum título para registo na Conservatória” (…) “…desde essa data entraram na posse do referido prédio, em nome próprio, posse que se tem mantido sem qualquer interrupção, até hoje, com reconhecimento como seus donos por toda a gente, sem violência e sem oposição de quem quer que seja, ostensivamente agindo sempre com o ânimo e a forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, limpando os rossios, mantendo o imóvel, nele fazendo obras de conservação e sempre usufruindo de todas as utilidades por ele proporcionadas, suportando os respetivos encargos e despesas de fruição…” “…que, assim, a posse pública, pacífica, contínua e em nome próprio do prédio desde o referido ano de mil novecentos e noventa e oito conduziu à aquisição do mesmo por usucapião, que invocam para justificar o direito de propriedade para fins de inscrição a seu favor, na competente Conservatória de Registo Predial…” 5. Os 1.ºs Réus não adquiriram a raiz ou nua-propriedade do dito prédio no ano de 1998, por acordo verbal de partilhas feito com os demais herdeiros por óbito dos pais da justificante mulher, MM e LL. 6. Não houve partilha alguma na sequência do óbito daqueles MM e LL, nem sequer verbal. 7. Os 1.ºs Réus, pelo menos desde 1998, praticaram atos de posse sobre o aludido prédio, designadamente limpezas e obras de recuperação.
*
8. O prédio urbano, destinado a habitação, composto de ... e andar, com a área coberta a rondar os 48 m2, com um pequeno rossio à frente, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...84º, à data da escritura de justificação impugnada, pertencia à herança aberta por óbito dos pais da 1.ª R., LL e MM, falecidos, respetivamente, em .../.../1998 e .../.../1985. 9. Este prédio urbano veio à posse dos pais da Ré FF, LL e MM, por doação verbal, feita pelos pais dela – VV e WW, casados que foram no regime da comunhão geral de bens, ambos naturais da freguesia ..., concelho ..., onde sempre residiram no lugar ..., falecidos, respetivamente, em 1941 e em 1938. 10. Este casal, VV e WW, foram, ao tempo, donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, composto de casa do ... e andar, com rossio à frente, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...2º. 11. O casal, até à morte do último, que ocorreu no ano de 1941, sempre residiu nesse prédio inscrito sob o artigo ...2º de ..., onde nasceram, criaram e cresceram os seus três filhos: XX, o mais velho, LL (mãe da Ré FF) e YY (mãe do falecido marido e pai dos AA.). 12. Para resolver os problemas habitacionais dos três filhos, ainda em vida, o referido casal dividiu em três partes o identificado prédio urbano, inscrito sob o artigo ...2º, com áreas muito aproximadas e, dessa forma, criaram três novos prédios, composto, cada um, de ... e andar, todos destinados a habitação, completamente autónomos, isolados e independentes entre si, com saída própria para o rossio existente na parte da frente e daí para o caminho público. 13. Operada a divisão, doaram a cada um dos filhos, cada uma das três casas, pela seguinte forma, para um observador colocado no portão de acesso à via pública, virado de frente para as três casas: a casa do lado direito, foi doada à filha LL (mãe da Ré FF), a casa do meio, foi doada à filha YY e a casa do lado esquerdo, foi doada ao filho XX. 14. Ainda em vida dos pais (faleceram em 1938 e 1941), os filhos donatários foram investidos na posse dos três imóveis, conforme descrito no artigo anterior e aí fixaram as suas residências permanentes e habituais. 15. A mãe e o pai da Ré FF, LL e MM, nos anos 30, fixaram a sua residência na casa que os pais lhe doaram – a casa da direita. 16. Onde passaram a dormir, a tomar as suas refeições, a receber a família e o correio, onde nasceram e foram criados os seus filhos, tornando-a o centro da sua vida familiar, económica e social, tanto que, para os vizinhos, familiares e público em geral, eram os seus donos e legítimos possuidores do identificado prédio urbano. 17. Essa posse exercida pelos pais da Ré FF sempre foi pública, porque exercida à vista de todos os familiares e vizinhos, bem como, do público em geral, pacífica, porque adquirida e mantida durante mais de 30 ou 40 anos, sem o uso ou o recurso à força ou qualquer outro meio de violência, de boa fé, porque atuaram sempre convencidos de que exerciam um direito próprio e legítimo, pleno e exclusivo, que lhes pertencia e ininterruptamente, sempre habitaram a casa em questão, zelando por ela, realizando obras de conservação e melhoramento, pagando os impostos inerentes ao direito de propriedade e os consumos de água, gás e eletricidade que consumiam diariamente. 18. Essa posse pública, pacífica, de boa fé e ininterrupta teve o seu início ainda em vida dos doadores e manteve-se durante mais de 40 ou 50 anos. 19. Após o falecimento do marido MM, a mãe da Ré FF, LL, manteve aí a sua residência, até falecer em 04 de janeiro de 1998, ausentando-se, apenas, por curtos períodos de tempo, por motivos de saúde, para a casa da neta RR, filha dos 1º RR e residente em .... 20. Foi na residência desta neta que LL se instalou provisoriamente, quando fez algumas obras na sua habitação, no ano de 1997, que consistiram na substituição do telhado, das janelas e portas, na substituição do revestimento do chão da sala e dos quartos em madeira e da cozinha e WC em pavimento cerâmico, na substituição dos azulejos que revestiam as paredes do WC e cozinha e na pintura de todo o interior e exterior da habitação. 21. Estas obras, em materiais e mão de obra, importaram o montante de dois mil contos, atualmente, cerca de 9.980,00€ (nove mil novecentos e oitenta euros), que foi pago pela referida RR, a solicitação dos 1ºs RR., seus pais, então emigrantes em ..., ao empreiteiro Sr. ZZ, residente no mesmo Lugar ..., freguesia ...; 22. Após a conclusão das obras, em final de abril de 1997, a LL, por motivos de saúde, passou a maior parte do tempo em casa da neta, indo à sua casa nos fins de semana ou quando a sua neta e o marido lá a podiam levar, para ver a sua casa, os vizinhos e amigos e também os familiares mais próximos, como a Sr.ª TT, filha da falecida irmã YY, que residia e reside na casa do meio. 23. O falecido casal LL e MM teve quatro filhos, todos nascidos, criados e educados no prédio onde residiam (a casa da direita): PP, a mais velha, nascida em 1933, falecida antes dos seus pais, a NN, nascida no dia .../.../1936, que faleceu no dia .../.../2020, a Ré FF, nascida no dia .../.../1948 e QQ, nascido em .../.../1952. 24. O pai e sogro dos 1ºs RR., MM, faleceu no dia .../.../1985, na sua residência sita no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., tendo a viúva LL continuado a residir no mesmo local, a casa que os pais lhe haviam doado, até ao seu falecimento, ocorrido em .../.../1998 25. Quando o pai da 1ª Ré faleceu, a mãe LL reuniu os filhos vivos, a FF, a NN e o GG e o neto OO, filho da falecida PP, em representação dos seus cinco irmãos e todos acordaram que os bens pertencentes à herança do seu marido, pai e avô, apenas, seriam partilhados após o seu falecimento, ou seja, da LL. 26. Ainda em vida de LL, os filhos vivos e o neto OO, filho da falecida PP, em representação dos seus cinco irmãos, reuniram-se na casa de morada de família do casal MM e LL (o prédio justificado) e acordaram verbalmente que, após a morte daquela LL, à 1.ª Ré e marido seria adjudicado o usufruto do prédio n.º ...84... (a casa que pertencia aos seus pais, doado pelos avós), com incumbência da sua administração, até à eventual venda da sua raiz ou nua-propriedade, caso em que o respetivo produto seria repartido por todos os herdeiros do casal. 27. Assim sendo, após a morte da mãe da 1.ª R., em 1998, todos bens integrados na herança aberta por óbito de seus pais LL e MM, ficaram em comum e sem determinação de parte ou direito, com a referida ressalva no que diz respeito ao usufruto do prédio ...84.º. 28. Quando fizeram o referido acordo e mesmo após a morte da mãe LL, em janeiro de 1998, os 1ºs RR ainda estavam emigrados em ..., pelo que, apenas vinham a Portugal e a ..., à casa em questão, nas férias de Verão, no Natal e na Páscoa. 29. Quando cá estavam a gozar férias, permaneciam na residência que foi dos seus pais e sogros e cujo usufruto lhes foi adjudicado no acordo verbal referido entre os herdeiros, a qual sempre esteve mobilada e equipada com tudo o necessário para viver e aí dormiam, faziam as suas refeições e recebiam os familiares e amigos. 30. Nas outras épocas do ano que forçosamente tinham que se ausentar para ..., era a filha de ambos, RR, residente em ..., ..., que frequentava e zelava pela conservação da casa, abria as janelas e portas para arejar e entrar luz, tratava das limpezas, pagava os consumos de água e luz e os impostos, nomeadamente o IMI, liquidado ainda em nome da sua avó LL. 31. Para além de cuidar e zelar pela casa que foi da sua estimada avó, a RR deslocava-se com frequência ao local para também visitar e prestar assistência e apoio à sua tia TT, que ainda vive na casa do meio, ao lado da casa dos seus pais; 32. No ano de 2006, os 1ºs RR. regressaram, definitivamente, a Portugal, fixando a sua residência na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., numa propriedade adquirida em 1985, quando ainda estavam emigrados em .... 33. Nos anos seguintes e até ao ano de 2013, o casal deslocava-se com frequência até à sua casa no lugar ..., em ..., sobretudo aos fins de semana, sempre nas quadras festivas e em agosto, quando ali passavam mais tempo seguido. 34. Dava-lhes grande prazer aí receber os seus familiares, amigos e vizinhos, sendo que, a alguns davam alojamento, quando vinham a lazer. 35. Porém, com o passar dos anos, as idas dos 1ºs RR. à sua habitação em ... começaram a escassear, pelo que, quem passou a ir lá mais vezes foi a filha do casal, que também ia visitar a tia TT. 36. Em finais do ano de 2013, os 1ºs RR. decidiram cancelar os contratos de fornecimento de água e luz, solicitando o levantamento dos respetivos contadores, o que ocorreu a 29 de novembro do mesmo ano. 37. No Verão de 2015, decidiram que o melhor seria vender a casa de ..., pois estava a degradar-se. 38. Deram conhecimento da sua intenção a todos os familiares, amigos e vizinhos, incluindo os AA., e colocaram sobre a porta da entrada da habitação, em lugar bem visível do caminho público, uma placa de madeira com a palavra “VENDE-SE” e o contacto telefónico (...80). 39. Esta placa esteve colocada no mesmo local desde o Verão de 2015 até ao Verão de 2020 e, durante este período de cinco anos, não surgiu um único interessado. 40. No Verão de 2020, através do irmão da 1ª Ré, o Sr. QQ, surgiu um cidadão espanhol interessado em visitar a habitação, pois pretendia comprar um imóvel em Portugal. 41. O irmão da Ré FF informou-a sobre a existência de um interessado e esta e o marido pediram-lhe que lhe mostrasse a casa, devendo ir buscar as respetivas chaves a casa da sua filha RR, residente em .... 42. Com as chaves na sua posse, o Sr. QQ mostrou o imóvel ao cidadão espanhol e este gostou do que viu, mas solicitou uma segunda visita com a sua companheira. 43. No dia seguinte, o senhor espanhol e a companheira – 2º e 3.º RR. - visitaram novamente o imóvel e ofereceram a quantia de 16.000,00€ (dezasseis mil euros) para o adquirir. 44. Dado que as referidas vizinhas se encontravam no rossio nesse mesmo momento, o Sr. GG, de imediato, as informou que a irmã e cunhado pretendiam vender a sua casa e que tinham um casal interessado. 45. Ambas responderam que não pretendiam adquirir a referida casa. 46. Mediante essa resposta, no mesmo dia comunicada aos 1ºs RR., estes deram o aval para o irmão alinhavar o negócio com os espanhóis, aqui 2º e 3.º RR., pelo preço acordado de 16.000,00€ (dezasseis mil euros), já que se encontrava a passar uns dias em .... 47. Assim, no dia seguinte, o Sr. QQ foi à Conservatória do Registo Predial ... para obter uma certidão predial para instruir a escritura pública, mas foi informado que o prédio estava omisso. 48. Dirigiu-se ao Cartório Notarial para saber como proceder neste caso, tendo-lhe sido dito que poderia resolver o problema através de uma habilitação de herdeiros e escritura de partilha ou, na impossibilidade de os juntar a todos, o casal a quem foi adjudicada posse do bem imóvel outorgar uma escritura de justificação do seu direito de propriedade, juntando, para o efeito, três testemunhas. 49. Sendo difícil juntar todos os herdeiros dos senhores MM e LL, principalmente os que residem em ..., seus netos, e em ..., os 1ºs RR. optaram por outorgar a sugerida escritura pública de justificação, o que ocorreu no dia 21 de setembro do corrente ano de 2020. 50. Os AA. tinham e têm perfeito conhecimento que o prédio urbano, destinado a habitação, composto de ... e andar, com a área coberta a rondar os 48 m2, com um pequeno rossio à frente, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...84º, proveniente do antigo artigo 72º, melhor identificado na escritura pública de justificação e compra e venda, pertencia às heranças dos falecidos pais da Ré FF, os quais, enquanto vivos, sempre foram seus donos e legítimos possuidores, desde a data da doação feita pelos antecessores VV e WW. 51. A A. AA, para além de nascida e criada na mesma freguesia ..., foi casada com DD, que nasceu, cresceu e residiu com os pais YY e KK, na casa do meio (fls. 46), que lhes foi doada pelos pais e sogros VV e WW. 52. A A. AA e o falecido marido, juntamente com os dois filhos, passavam, nessa casa, as férias de Verão na companhia da mencionada TT, pelo menos, até comprarem a casa sita ao lado desta (a casa da esquerda), composta de casa de ... e andar, inscrita na matriz sob o artigo ...83º. 53. A A. AA e o seu falecido marido, e desde então a sua herança indivisa, jamais estiveram na posse do prédio identificado no artigo 2º deste articulado, nunca nele viveram, nunca nele efetuaram quaisquer obras ou benfeitorias, nunca o limparam ou dele cuidaram, nunca pagaram quaisquer impostos e só nele entraram quando convidados pelos 1ºs RR. 54. Os AA. nunca tiveram as chaves desse prédio, nem sequer acesso livre quando os proprietários lá estavam. 55. O prédio (484.º) ainda está inscrito na matriz em nome de MM. 56. Os contadores da água e da luz, à data do cancelamento, estavam em nome de LL. 57. Os AA. têm pleno conhecimento da verdade destes factos. 58. Os legítimos proprietários e possuidores desse prédio inscrito sob o artigo ...2º foram os avós maternos do falecido DD e da Ré FF, falecidos muito antes do nascimento de qualquer um deles, os quais, dividiram o referido artigo 72º, em três partes, criando três novos prédios, distintos, autónomos e independentes, que foram doados a cada um dos seus três filhos. 59. O preço pago pelos 2ºs e 3.º RR. pela aquisição do imóvel justificado foi de dezasseis mil euros.”. *
Foram considerados como não provados os seguintes factos: “60. O prédio inscrito na matriz sob o n.º ...84, desde há mais de 20 e 30 anos, vem sendo possuído, num primeiro momento, pela Autora e pelo falecido marido, DD, e após a morte deste, ocorrida em 18.11.2018, pela respetiva herança ilíquida e indivisa, de que são únicos e legítimos herdeiros todos os AA, que também para esse efeito a representam. 61. Fazendo este prédio parte integrante do acervo patrimonial que compõe a sobredita herança, tendo sido adquirido pelo regime da prescrição aquisitiva. 62. O prédio identificado na escritura de justificação é agora propriedade da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, de que são representantes os ora Autores. 63. Assim, desde pelo menos 1985, foram a Autora e o falecido marido, até .../.../2018, e após tal data, ambos os Autores, que sempre cuidaram do imóvel e do seu logradouro, conservando-o, limpando-o e usando-o para os mais diversos fins, suportando os inerentes encargos próprios de quem é proprietário. 64. Atos que sempre foram praticados desde há mais de 20 e 30 anos pela Autora e pelo seu falecido marido, e após a morte deste, pelos respetivos herdeiros, os aqui Autores, até à presente data. 65. À vista de toda a gente, continuadamente, sem oposição de quaisquer terceiros e na plena convicção de que, sobre o redito prédio, vinham exercendo os poderes correspondentes ao direito de propriedade pleno. 66. Os AA. adquiriram o referido prédio (484.º) em 2005 por usucapião. 67. O prédio alvo da justificação (484.º) desde há mais de 20 e 30, vem sendo possuído, na sua totalidade pelos Autores. 68. Ao outorgar e declarar nos moldes em que o fizeram, na escritura de justificação, os 1.ºs Réus deturparam, conscientemente, factos que não ignoravam. 69. Ludibriaram e enganaram o Sr. Notário, levando-o, exatamente, a conferir autenticidade e fé pública a facto que é falso e cuja falsidade não desconheciam. 70. Os 1.ºs Réus atuaram com dolo e má-fé. ** 71. Os 1ºs RR. informaram a Sr. TT e a A. desta proposta concreta (€16.000,00), para saber se, pelo mesmo preço, quereriam comprar a habitação. 72. O irmão e cunhado dos 1.ºs RR. transmitiu aos AA. que recebera uma proposta de aquisição por 16.000,00€ (dezasseis mil euros).”.
*
IV. Do objecto do recurso.
Delimitadas que estão, sob o n.º IV, as questões a decidir, é o momento de as apreciar.
1. Da impugnação da matéria de facto.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no art. 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objecto do recurso.
Preceitua o artigo 640º do CPC:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, disponível in www.dgsi.pt:
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”. (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual).
Diz-se também no acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015, acessível em www.dgsi.pt, que: “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto”. “…Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC”. “…É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”. “…Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do art. 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
“O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.155).
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar.
Nesse sentido, veja-se o Ac. do S.T.J., de 20.12.2017, onde, no sumário, se escreveu o seguinte: “I- A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”.
No mesmo sentido o Ac. do STJ de 05.09.2018, disponível in www.dgsi.pt, ou ainda o Ac. do STJ de 14.10.2021, cujo sumário se mostra disponível in https://www.stj.pt/: “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC. IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.”.
O Conselheiro Abrantes Geraldes na sua obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, 2108, Almedina, págs. 165 e 166, resume as obrigações impostas ao recorrente que impugne a matéria de facto no domínio actual do seguinte modo:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b).(…); e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
(...)”
A verificação do cumprimento destas exigências deve ser feita à “luz de um critério de rigor”, pois “trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, e na medida em que tais exigências devem ser o “contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento de realização de justiça” (Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 169).
Acresce salientar que a crítica de quem impugna a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção sobre a prova produzida. Ou seja, não basta afirmar ou transcrever aquilo que foi afirmado pelas testemunhas, para se concluir que um determinado facto foi ou não incorrectamente julgado. Na verdade, a parte que impugne a decisão da matéria de facto não está dispensada de efectuar a análise crítica da prova, já que pretendendo contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (vide Acs. desta Relação de 11.07.2017, e Ac. R.L. de 26.09.2019, in www.dgsi.pt).
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no art. 639.º, nº 1 do CPC, onde se lê que o «recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objecto.
Como se refere no Acórdão do STJ de 16/05/2018 disponível in www.dgsi.pt: “Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.06.2013, disponível no mesmo sítio).
No caso dos autos, verifica-se que, pese embora os apelantes indiquem quais os factos que pretendem impugnar e a redacção que entendem deve ser dada aos mesmos, o facto é que não especificam os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um desses factos, não indicando com detalhe, quanto a cada um desses factos os meios de prova deficientemente valorados, posto que os agrupam num bloco.
Recai sobre os recorrentes, face ao regime em vigor, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objecto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Os apelantes, manifestamente não cumpriram esses ónus.
Tal não bastasse, verifica-se igualmente que os apelantes se limitaram a transcrever declarações e depoimentos prestados em audiência, sem que tenham feito qualquer análise crítica dos mesmos e sem que tenham de forma alguma posto em causa a convicção a que chegou o Tribunal a quo.
De acordo com disposto pelo já citado art. 640º do CPC, o recorrente que impugne a matéria de facto, para além de obrigatoriamente ter de indicar os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento e indicar a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, tem de fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa daquela que foi proferida, tendo em conta a apreciação crítica dos meios e prova produzidos.
É que, o Tribunal da Relação para a reapreciação da decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu o Tribunal de 1ª instância a julgar o facto como provado ou não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na construção dessa motivação evidenciada pelo Tribunal de 1ª instância se surpreende uma violação das regras da experiência, da lógica ou da ciência aplicáveis ao caso.
Nessa medida, impõe-se ao recorrente (do mesmo modo que se impôs ao tribunal recorrido) quando pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo, que apresente razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados ou interpretação do que nestes foi dito, feita pelo recorrente, depoimentos estes já antes ouvidos pelo julgador e sindicados e ponderados na decisão recorrida.
Lendo a impugnação, o que verificamos é que os apelantes se limitam a transcrever depoimentos e declarações prestados em audiência, indicando (ainda que muito sumariamente) a valoração que fazem dos meios de prova e que no seu entender conduziria ao resultado gizado no recurso.
Ou seja, os apelantes não sindicam verdadeiramente e de forma concretizada os fundamentos em que assentou o juízo probatório e crítico da prova feito pelo tribunal recorrido, ao qual não é feito qualquer questionamento ou apontado erro ou censura na valoração feita, que indicasse o seu desacerto. Ao invés, os recorrentes limitam-se a alegar que perante os meios de prova que ora indicam, documentais, por depoimento de parte e testemunhais, aqueles factos deviam ter outra resposta.
Não imputam os apelantes qualquer deficiência ou errada valoração por parte do tribunal recorrido quanto à apreciação que fez dos factos em causa.
Diga-se ainda que a prova testemunhal e por declarações/depoimento de parte não é, uma avaliação aritmética dos depoimentos, não bastando que haja mais testemunhas chamadas a depor a pronunciar-se sobre determinado facto num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão, já que a actividade judicatória na valoração dos depoimentos deverá atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas e hesitações, entre muitos outros factores de aferição na sua concatenação com a razoabilidade, normalidade e regras da experiência e a conjunção com a restante prova produzida. (cfr. Ac. desta Relação de Guimarães, de 02.02.2023, em que a aqui relatora interveio como 1ª adjunta).
Ora, tem sido também jurisprudência pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito.
Com efeito, a intenção da lei é não permitir impugnações vagas e genéricas da decisão da matéria de facto (sendo aqui mais exigente no princípio da auto-responsabilização das partes). É que, essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando o recurso se funda também na impugnação da matéria de facto.
A tal acresce que, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do Código de Processo Civil.
Considerando o que ficou exposto, temos que, no caso dos autos não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida, que assim se rejeita. E ainda que não fosse de rejeitar tal impugnação, porque não houve uma verdadeira impugnação da matéria de facto, a mesma sempre seria improcedente.
*
2. Sendo rejeitada a impugnação da matéria de facto, cabe agora verificar se a solução alcançada na sentença recorrida é de manter.
Entendem os apelantes que a acção deveria proceder, pois que consideram que os réus FF e EE, à data da celebração da escritura de justificação, bem sabiam que nenhuma partilha verbal pré-existia relativa às heranças dos pais, induzindo conscientemente o Exmo. Sr. Notário em erro, prestando declarações falsas, o que se mostra gerador de nulidade, de conhecimento oficioso. Nulidade que que se repete por terem vendido, aos 3.º e 4.º Réus, coisa alheia, nos termos do artigo 892.º do Código Civil.
Vejamos.
A escritura de justificação é um instrumento destinado a suprir a falta de documento bastante para a prova do direito do interessado na primeira inscrição no registo.
A justificação, para os efeitos do nº 1, do artigo 116º, do C.R.Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais (artigo 89º, nº 1, do Código do Notariado).
As declarações feitas na escritura apenas relevam para efeitos de descrição registral, se não impugnadas no prazo de 30 dias.
Esta escritura constitui um meio destinado a possibilitar o registo de um direito e, por outro lado, um acto de natureza probatória que permite harmonizar a situação jurídica com a registral e, assim, a publicitação dos direitos inerentes às coisas imóveis e a concretização dos interesses dos particulares no que respeita a possibilidade de formalização de certos negócios jurídicos na falta de consonância entre o registo e a realidade jurídica.
No art. 101º, nº 1 do Código do Notariado, prevê-se que qualquer interessado possa impugnar em juízo uma justificação notarial, sendo esta acção de justificação uma acção de simples apreciação negativa, na qual compete aos réus justificantes, nos termos do artº 343º nº 1 do CC, o ónus da prova dos factos em que baseavam a invocação do seu direito real sobre o prédio em causa.
Corresponde a um entendimento pacífico na jurisprudência que a acção de impugnação de justificação notarial não está sujeita a qualquer prazo de caducidade/prescrição.
O acima mencionado prazo de 30 dias é necessário apenas para que, uma vez decorrido, após a publicação do extracto do conteúdo da escritura de justificação, poderem ser passadas certidões desta a fim de, com base nelas, se levar ao registo predial o reatamento do trato sucessivo ou um novo trato sucessivo (artº 116º, nºs 2 e 3, do C.R.Predial).
Para evitar a prática de actos inúteis, entendeu o legislador ser conveniente retardar a feitura do registo predial, com base na respectiva escritura, por um período de tempo tido por adequado e suficiente para o surgimento de uma eventual impugnação.
Se, decorridos 30 dias após a publicação do extracto, o notário não tiver recebido comunicação da pendência da impugnação, poderá então ser passada certidão da escritura e deixará de haver obstáculo à realização do registo.
Isso não significa, porém, que o facto justificado deixe de ser impugnável em juízo.
No caso dos autos, os apelantes incorrem em erro ao entenderem que a falsidade das afirmações dos réus outorgantes determina a nulidade da escritura.
É que, tal falsidade não figura entre as causas típicas de nulidade dos actos notariais, previstas nos arts 70º e 71º do Código do Notariado.
Do que se trata é antes da ineficácia de tal escritura, declarando-se que não produz efeitos, por os réus não terem adquirido o prédio.
Assim, caso tal pedido viesse a proceder, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em vez da sua nulidade, o tribunal sempre poderia corrigir, oficiosamente, tal erro.
In caso, ficou demonstrada a desconformidade das declarações formalizadas na escritura pública à luz da realidade constatável, na medida em que os réus /apelados afirmaram na mesma que o prédio em discussão foi por eles adquirido por acordo verbal de partilhas que fizeram com os demais herdeiros por óbito dos pais da justificante mulher, o que não aconteceu.
Contudo, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, pensamos que de tal não resulta que a escritura em causa é probatoriamente insuficiente para a demonstração dos eventos que ali se afirmaram e que suportavam a aquisição.
É que, na escritura em apreço indica-se a usucapião como causa de aquisição do direito de propriedade invocado, sendo que o acordo verbal de partilhas é alegado tão-só para justificar o início da posse por via da tradição operada num dado momento por um dos anteriores possuidores (art.ºs 1255º e 1263º b) do Cód. Civil).
Nessa medida, ainda que não tenha ocorrido o invocado acordo verbal de partilha, para efeitos de traditio, tal é irrelevante: em termos possessórios esta opera através dos simples actos materiais de entregar e receber (cfr. Menezes Cordeiro in “A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais”, 3ª Edição, Almedina, pag.107).
De qualquer modo (e uma vez que tal não veio invocado na apelação), ainda que assim não fosse, o vício que inquinaria a sobredita escritura de justificação notarial reconduzir-se-ia à sua ineficácia, em relação ao interessado titular de direito incompatível prejudicado pelo teor da justificação(vd. artigos 70.º e 71.º, a contrario do Código do Notariado).
Entendeu o Tribunal a quo que os autores/apelantes não têm legitimidade para propor a presente acção, visto ter-se demonstrado em juízo que os autores, por si, ou em representação da herança do falecido DD, não são titulares ou sujeitos de qualquer relação jurídica afectada, pelos efeitos da declaração de justificação.
Também aqui entendemos que a solução encontrada não é a mais correcta.
De facto, como se afirma no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 13.09.2018, in www.dgsi.pt, citado na decisão apelada: “Tem legitimidade para instaurar ação de impugnação de escritura de justificação notarial, o interessado que relativamente ao prédio justificado invoque ser titular de direito ou interesse incompatível com o declarado na escritura de justificação;”.
A legitimidade processual, “pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa” não se confunde com a denominada “legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido” (cfr. Ac. do STJ de 14.10.2004, relator Araújo de Barros, disponível in www.dgsi.pt).
Na lei está consagrada a tese subjectivista, que defende que a legitimidade processual deve ser apurada em função da relação controvertida, tal como configurada unicamente pelo autor na petição inicial, como decorre do nº 3 do artigo 30º do CPC.
De facto, nos termos dos nºs 1 e 3 deste artigo, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer; estes têm interesse directo na causa quando são sujeitos da relação material controvertida tal como ela é configurada pelo autor.
Na verdade, "a relação controvertida, tal como a apresenta o autor e forma o conteúdo jurídico da pretensão deste é que é - em orientação jurídica - o objecto do processo, em face do qual (e, por isso, quase sempre determinável por simples exame da petição inicial) se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objecto dependam". A "parte é legítima quando, admitindo-se que existe a relação material controvertida, ela for efectivamente seu titular". (cfr. Castro Mendes, Manual de Processo Civil, Coimbra, 1963, págs. 260, 261, 262).
Será, desta forma, apenas pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que há-de decidir-se da excepção dilatória em causa – a ilegitimidade activa.
E, como afirmámos já, a legitimidade processualou “ad causam” nada tem a ver com a chamada “legitimidade substantiva”, como é entendimento pacífico.
Assim, “a legitimidade formal ou processual nada tem a ver com a verdadeira titularidade da relação material ou substantiva tal como apurada depois de apreciada e decidida a final e em função de cujo mérito a acção será julgada procedente ou improcedente. O que importa é que, tal como o autor a configura na petição, dela resulte o seu interesse em demandar e fazer prevalecer a correspondente pretensão, e, para o sujeito que ele demanda, o interesse em desta se defender.” (cfr. Ac. desta Relação de Guimarães de 05.04.2018, relator José Amaral, disponível in www.dgsi.pt).
Ou como se afirma no Ac. da Relação de Lisboa, de 21.03.2012, relator Ramalho Pinto, disponível no mesmo sítio: “O julgador para aferir da legitimidade das partes tem apenas que atentar na relação material controvertida como o autor a apresenta na petição inicial, para em face dela verificar se o autor e o réu são sujeitos com interesse directo em demandar ou contradizer. Não importa saber se essa relação é verídica ou não, não importa indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir, não importa considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito.”
Como acima já deixamos dito, tem legitimidade para instaurar acção de impugnação de escritura de justificação notarial, o interessado que relativamente ao prédio justificado invoque ser titular de direito ou interesse incompatível com o declarado na escritura de justificação.
Ou seja, em acção de impugnação de escritura de justificação notarial, a legitimidade activa radica em quem alegar uma qualquer relação ou direito que seja posto seriamente em crise pela justificação notarial (cfr. Ac. Relação de Lisboa de 27.11.2003, in www.dgsi.pt.).
Deve entender-se por “interessado” para efeitos de impugnação, alguém afectado com a justificação. Ou seja, é necessário que com a declaração do direito constante da escritura seja afectado algum direito de outrem. Se assim for, então este outrem é interessado na impugnação.
No caso dos autos, temos que os autores/apelantes, interpuseram a presente acção de impugnação de justificação notarial, invocando serem eles os proprietários do prédio justificado, que adquiriram por usucapião.
São assim parte processualmente legítima para a presente acção.
Mas, se as partes nos presentes autos são processualmente legítimas, pois que são elas os sujeitos da relação material controvertida tal como é esta desenhada pelos autores na petição inicial, já não são os autores/apelantes partes material ou substantivamente legítimas, já que a legitimidade material ou substantiva, pelo contrário, respeita às condições subjectivas da titularidade do direito invocado. Diz-nos Castro Mendes, in Direito Processual Civil, Vol.II, págs. 151 e ss., que “A falta de tais condições dá também lugar a uma ilegitimidade, mas trata-se de uma ilegitimidade de sentido diferente, porque se o tribunal conclui pela ilegitimidade material entra na apreciação do mérito da causa. Por isso, enquanto a ilegitimidade processual leva à absolvição da instância, pelo contrário, a ilegitimidade material ou substancial conduz à absolvição do pedido”.
Assim, pese embora os autores/apelantes, possuam legitimidade processual para intervir nestes autos, o facto é que carecem de legitimidade substantiva, uma vez que se provou que os autores se arrogaram, sem qualquer fundamento, proprietários ou, subsidiariamente, preferentes, do prédio justificado. Com efeito, o que se provou é que nunca os autores/apelantes foram possuidores, proprietários, preferentes ou titulares de qualquer expectativa jurídica legítima de aquisição do prédio justificado.
Ora, a ilegitimidade material ou substantiva constitui uma excepção peremptória que implica o conhecimento do mérito, e em consequência, a absolvição do pedido.
Considerando este Tribunal que não está em causa qualquer nulidade, como acima se deixou afirmado, inútil se torna o conhecimento das restantes questões suscitadas quanto a tal.
Nesta medida, improcede nesta parte a apelação.
*
Mais entendem os autores/apelantes que não deveriam ter sido condenados como litigantes de má-fé.
Por sua vez, os réus/apelados requereram a alteração da multa a aplicar aos apelantes, em montante nunca inferior a 20 UC.
Nos termos do disposto pelo artº 542º nº 1 do CPC, deve ser condenado como litigante de má-fé, quem, nomeadamente, deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar (artº 542º nº2 al. a) do CPC); quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (artº 542 nº 2 al. b) do CPC).
Resulta deste preceito que é sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
Assim, há que averiguar se no caso dos autos os autores ultrapassaram os limites toleráveis de exercitação dos meios legais de reacção ao seu alcance, em termos de podermos considerar a sua litigância como uma afronta dos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
Da factualidade que se apurou, bem como da fundamentação da sentença apelada, resulta que os autores alteraram a verdade dos factos na sua alegação constante da petição inicial, pois vieram a confessar em juízo não ter qualquer interesse ou direito conflituante com o dos 1.ºs réus em relação ao prédio n.º ...84..., e negaram, em absoluto, qualquer posse ou propriedade em relação ao 484.º.
Trata-se de factos que os autores não poderiam ignorar, mormente quanto à alegada posse do prédio n.º ...84..., que foi rejeitada em juízo pelos próprios, liminarmente.
De tal resulta que os autores alegaram falsamente e de modo manifesto, pretendendo a partir dessa arguição falsa, fundar a sua legitimidade para ver decretada a nulidade da escritura de justificação e venda subsequente do prédio justificado.
Mas, será tal actuação processual dos autores de tal modo relevante que seja censurável a ponto de serem condenados como litigantes de má-fé?
Pensamos que sim.
De facto, exige-se que as partes ajam com probidade processual nas acções por si propostas ou contestadas. E, nos termos dispostos pelo art. 542º nº 2 do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (al.b).
No caso dos autos, os autores manifestamente alteraram a verdade dos factos. Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, de acordo com o artº 542º nº2 do CPC.
Com efeito, o dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artºs 7º e 8º do Código de Processo Civil para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes.
Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé.
Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.
E esta actuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do actuante (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259).
Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/5/2019, disponível in www.dgsi.pt: “Vem hoje constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artº. 542º do nCPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daí que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé. Donde que, como constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (No sentido do que se deixou exposto, vide, entre, outros, Acs. do STJ de 21.04.2018; de 26.01.2017; de 02.06.2016; de 21.04.2016; de 11.09.2012; Ac. da RC de 16.12.2015 e Ac. da RE de 26.02.2014, todos publicados in www.dgsi.pt)”.
Assim, não podemos confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (Vide Ac. TRP de 09.03.2006 disponível em www.dgsi.pt).
A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.
Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada" (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263).
No caso dos autos cremos seguramente que os autores litigaram com má-fé.
Como se disse já, trouxeram a Tribunal uma versão dos factos falsa, que não tinha qualquer correspondência com a realidade, e que se veio a apurar ser efectivamente falsa, nomeadamente através dos seus próprios depoimentos de parte. Com efeito, resulta destes depoimentos que os factos que alegaram e que não se provaram, não correspondiam à verdade. De forma manifesta e inequívoca, os autores agiram pelo menos com negligência grave neste processo.
Assim, tal como o Tribunal a quo, entendemos que os autores litigaram com má-fé.
Nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (art.º 27º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais/RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02, na redacção conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02).
O Tribunal apelado fixou tal multa em 4 uc`s.
O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (n.º 4 do mesmo preceito legal). “A multa por litigância de má fé, como qualquer outra sanção, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correcção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual). Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo. (vide Marta Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à FDUC no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, 2014, Coimbra, pág. 69, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt.).
Tendo em conta a factualidade apurada, os referidos factores a ponderar e sabendo-se, ainda, que a multa a aplicar só teráverdadeiro efeito sancionatório e punitivo se adequada à gravidadeda actuação do litigante prevaricador e às suaspossibilidades patrimoniais (de que, no caso, apenas se conhece a propriedade do imóvel contíguo ao discutido nos autos), conclui-se que a multa aplicada pela 1ª instância é a adequada e cumpre as assinaladas funções repressiva e preventiva.
Improcede, pois, a apelação.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC.
II – Em acção de impugnação de escritura de justificação notarial, a legitimidade activa radica em quem alegar uma qualquer relação ou direito que seja posto seriamente em crise pela justificação notarial.
III – Deve ser condenado como litigantes de má-fé quem, para ter legitimidade processual, invoca ser titular de um direito que confessa em juízo não ter.
*
V. Decisão.
Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação interposta, e em consequência confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos apelantes.