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CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSPORTE MARÍTIMO
CLÁUSULA CAD
CLÁUSULA FOB
Sumário
O contrato de transporte marítimo de mercadorias pode, ser definido como aquele pelo qual um determinado transportador se obriga a transportar por mar uma certa quantidade de mercadorias que lhe foram entregues em determinado porto por um carregador e entregá-las num outro porto a um destinatário, mediante o pagamento de uma determinada remuneração, o frete.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
B.......................... Lda instaurou os presentes autos de acção com processo sumário contra C........... - .......... Lda, inicialmente configurada como procedimento de injunção, pedindo o pagamento da quantia de € 4.996,80, acrescida de juros, alegando ter celebrado com a Ré contrato de transporte da mercadoria referente à factura que juntou e que foi entregue ao cliente final sem respeitar as condições contratuais da CAD.
Devidamente citada, contestou a Ré, alegando em síntese, que não foi celebrado qualquer contrato de transporte de mercadorias - sendo certo que, mesmo nesse caso, já teria ocorrido a prescrição da demanda - e que foi cumprida a cláusula CAD, estando a Autora equivocada quanto ao significado desta sigla.
Foi proferido despacho saneador, e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e da base instrutória.
Realizou-se a audiência, tendo sido decidida a matéria de facto por despacho a que não foi deduzida qualquer reclamação.
Foi proferida decisão que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Inconformada a A. veio interpor recurso, oferecendo as suas alegações, que terminaram com as seguintes conclusões:
1 - A Ré, exercendo a actividade de Agente de Navegação, está sujeita ao regime do Dec. Lei nº 76/89 de 3 de Março, nos termos do qual, tem como objecto, entre outros, actuar em nome e por conta de armadores ou transportadores marítimos a celebração de contratos de transporte marítimo, nomeadamente dos que resulte da actividade de angariação de a carga por eles desenvolvida (art. 1º nº 1 al. b)).
2 - Foi a Ré que emitiu e assinou o conhecimento de carga ou Bill of Lading, juntos ao processo a fls. 77 a 79, o qual prova o contrato de transporte de mercadoria nele inscrito;
3 - Este documento, absolutamente essencial para a qualificação do contrato celebrado entre A. e Ré, não mereceu qualquer tipo de apreciação e consequente valorização por parte do Meritíssimo Juiz a quo;
4 - A ser considerado implicava, necessariamente, uma decisão diversa da proferida, ou seja, a existência de um contrato de transporte marítimo, com as devidas consequências legais;
5 - Foi dado como provado que a sigla FOB/PORT a seguir à expressão Terms of Delivery significada que a A. acordou com o comprador da mercadoria um preço que apenas incluía o valor da mercadoria e os custos a suportar pela A. até a mercadoria ser colocada (entregue) a bordo do navio em Leixões e que o trajecto desde Leixões até ao destino ficava inteiramente por conta do comprador. Pelo que, houve, de facto, o pagamento do frete correspondente ao transporte da mercadoria até á Dinamarca, ao contrário do referido na sentença recorrida;
6 - A condição contratual CAD - Cash Against Document, que regula as relações n entre comprador e vendedor, não pode existir sem a condição DAD - Delevry Against Document, a qual envolve o transportador, ainda que esta não expressamente mencionada;
7 - O contrato de transporte de mercadorias celebrado abrange a recepção, o embarque e a entrega da mercadoria, pelo que a Ré não cumpriu o contrato no que concerne á entrega da mercadoria, dado que não foram cumpridas as formalidades de entrega contra apresentação dos originais BL´s entregues pelo Banco (art. 18º do Dec. Lei nº 352/86 de 27 de outubro);
8 - Acresce que a própria Ré em carta de 8 de Julho de 2003, de fls. 87, reconhece expressamente que a mercadoria foi entregue ao cliente sem a apresentação da documentação devida, documento esse que o Meritíssimo Juiz a quo não tomou em consideração na elaboração da sentença;
9 - Não se verifica a alegada prescrição invocada pela Ré, já que o prazo estabelecido na Convenção de Bruxelas é um prazo de caducidade, o qual foi interrompido pela já referida carta de 8 de Julho de 2003, de fls. 87, em que reconheceu o direito invocado pela A. e assumiu a responsabilidade (art. 331º nº 2 do CPC);
10 - Os documentos de fls. 77 a 87 não foram tomados em consideração pelo M. Mo Juiz. A tê-lo sido implicariam, necessariamente, uma decisão diversa da proferida, com a consequente condenação da Ré no pedido, pelo que os mesmos deverão agora ser considerados nos termos do art. 669º nº 2 al. b) e nº 3 do CP;
11 - Por outro lado, foi feita uma incorrecta interpretação do regime jurídico do contrato de transporte de mercadorias por mar, constante do Dec. Lei nº 352/86 de 21.10.
12 - A serem considerados os documentos supra referidos e a ter-se verificado uma correcta aplicação do direito aos factos, teria a Ré que ser condenada no pedido.
Termina no sentido da revogação da sentença recorrida, e procedência da acção.
A Ré, recorrida, ofereceu as suas contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art.s 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC).
Para o efeito, reunamos aqui a matéria de facto que foi considerada provada:
A Ré efectuou, a pedido da Autora, as diligências necessárias ao embarque para transporte enunciado no doc. junto a fls. 3 (cujo teor se considera reproduzido).
A entrega da mercadoria ocorreu dias após a data constante do doc. de fls. 3, no máximo até ao fim do mês de Setembro de 2002.
A requerida exerce apenas a actividade de agente de navegação.
A sigla FOB/PORT a seguir à expressão Terms of Delivery significa que a A. acordou com o comprador um preço que apenas incluía o valor da mercadoria e os custos a suportar pelo vendedor até a mercadoria ser colocada (entregue) a bordo do navio (Leixões).
Sendo o trajecto desde Leixões até ao destino, inteiramente por conta do comprador
1ª QUESTÃO
Sustenta a recorrente que a Ré, na sua qualidade de Agente de Navegação, celebrou contrato de transporte de mercadorias.
Parece-nos que tem razão, contrariamente ao entendimentos do senhor Juiz a quo.
Vejamos:
Na ordem jurídica portuguesa sobre o contrato de transporte de mercadorias por mar, estão em vigor a Convenção Internacional Para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas a 25.8.1924, publicada no Diário do Governo, Iª Série, de 2.6.1932, e rectificada em 11.7.1932, tornada direito interno pelo DL. 37.748, de 1.2.1950 Convenção de Bruxelas - e o DL. 352/86, de 31/10.
Nos termos do art. 1º do Dec. Lei nº 352/98 de 21.10, “contrato de transporte de mercadorias por mar é aquele em que uma das partes se obriga em relação á outra a transportar determinada mercadoria, de um porto para porto diverso, mediante uma retribuição pecuniária, denominada “frete”.
Por seu turno, nos termos do art. 2º deste diploma, “este contrato é disciplinado pelos tratados e convenções internacionais vigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do presente diploma”.
O contrato de transporte marítimo de mercadorias pode, assim, ser definido como aquele pelo qual um determinado transportador se obriga a transportar por mar uma certa quantidade de mercadorias que lhe foram entregues em determinado porto por um carregador e entregá-las num outro porto a um destinatário, mediante o pagamento de uma determinada remuneração, o frete.
Por aqui se vê que são geralmente três as partes nesse contrato: o transportador, o carregador e o destinatário se designado no contrato (Contratos de Utilização do Navio, de José M. P. Vasconcelos Esteves, 1988, vol. II, pág.84.
O contrato em causa implica uma obrigação de resultado, ou seja, o transportador ou armador, na designação do art. 1º da Convenção de Bruxelas de 1924, obriga-se a deslocar as mercadorias de um porto para outro, o do destino, entregando-as incólumes.
È um contrato de resultado, e não de meios, porquanto o transportador obriga-se a colocar no local do destino a coisa objecto do contrato, sendo de sua responsabilidade os meios humanos e materiais a utilizar na sua execução, assim como a responsabilidade pela sua boa execução.[Vide “Transporte de Mercadorias por Estrada”, Alfredo Proença, 1998, pág. 14]
Qualquer expedidor que pretenda transportar mercadoria pode, ou conceber ele próprio o transporte, organiza os transportes efectivos, assegura-se das suas capacidades e competência, das pessoas jurídicas com quem contrata, determina datas horas e locais e além disso cumpre todas as formalidades administrativas e alfandegárias, ou confia contratualmente a direcção do conjunto dessas operações a um profissional especializado, que mediante remuneração, se encarregará autonomamente, por sua conta, do encaminhamento das mercadorias desde o lugar do carregamento até ao seu destino.
Nesta última situação, esta pessoa, que pode ser, como no caso vertente, uma agente de navegação, actua como comissário do transporte, e assume uma responsabilidade particularmente alargada, porque para além de responder pelos seus actos pessoais, abrangendo aqui todas as pessoas de que se sirva para o cumprimento da sua obrigação, responderá pelos actos de terceiro a quem incumba a efectivação material do transporte.
Ora neste caso, o expedidor só pedirá responsabilidades ao agente, já que lhe é estranho, sob o ponto de vista contratual, qualquer interveniente na realização material da deslocação das mercadorias.
No caso vertente, sendo a Ré agente de navegação, assumiu perante a A. a obrigação de promover o transporte por via marítima de mercadorias da actividade industrial e comercial da A., desta recebendo as mercadorias e assumindo o encargo de as transportar ao destinatário comprador final.
Entre a A. e a Ré foi , assim, ao fim de contas, como veremos melhor, celebrado um contrato de transporte.
O contrato de transporte é aquele “que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas coisas de um lugar para outro e aquele que, por um determinado preço se encarrega dessa condução” [cf. Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, 2º, pág. 394]
Trata-se de um contrato comercial oneroso, bilateral, sinalagmático, e quanto à sua forma meramente consensual. É ainda um contrato de execução continuada, uma vez que a sua execução compreende as operações de carregamento, expedição ou deslocação, descarregamento e entrega ao destinatário e ainda de depósito, já que o transportador recebe coisas alheias, que se obriga a guardar durante o transporte e a restituir no mesmo estado. [Neste sentido Aureliano S. Ribeiro, Código Comercial Anotado, 2º, 267, CCom. Abilio Neto, pág. 176]
È um contrato de resultado, e não de meios, porquanto o transportador obriga-se a colocar no local do destino a coisa objecto do contrato, sendo de sua responsabilidade os meios humanos e materiais a utilizar na sua execução, assim como a responsabilidade pela sua boa execução.
Esse contrato abrange as obrigações de carga e descarga, que correm por conta do transportador (Ac. RP de 4.3.02, processo nº 0250194, in www.dgsi.pt).
Como agente de navegação, encontra-se a Ré C.............. subordinada à disciplina constante do Dec. Lei nº 76/89 de 3 de Março.
Dispõe o art. 1º deste diploma nos termos seguintes:
São considerados agentes de navegação as sociedades comerciais regularmente constituídas que obedecendo aos requisitos estabelecidos no presente diploma e suas disposições regulamentares, tenham por objecto qualquer das seguintes actividades:
Dar cumprimento em nome e por conta e ordem de armadores ou transportadores marítimos, a disposições legais ou contratuais, executando e promovendo, junto das autoridades portuárias ou de outras entidades, os actos ou diligências relacionadas com a estadia dos navios que lhes estejam consignados e defesa dos respectivos interesses;
Promover, em nome e por conta e ordem de armadores ou transportadores marítimos, a celebração de contratos de transporte marítimo, nomeadamente dos que resultem da actividade de angariação de carga por eles desenvolvida;
Actuar como mandatários dos armadores ou transportadores marítimos, podendo, em tal qualidade, ser-lhes cometidos poderes, nomeadamente para emitir, assinar, alterar ou validar conhecimentos de carga, proceder ou mandar proceder aos trâmites exigidos á recepção de mercadorias para embarque ou à entrega de mercadorias desembarcadas e desenvolver as acções complementares do transporte marítimo que a lei lhes faculte;
…
Para efeitos deste diploma, entende-se que todas as referências a armadores ou transportadores marítimos abrangem também os fretadores e ainda os proprietários de navios que os não explorem directamente.
…
Por seu turno, dispõe o art. 8º do Dec. Lei nº 352/98:
Após o início do transporte marítimo, o transportador deve entregar ao carregador um conhecimento de carga de acordo com o que determinarem os tratados e convenções referidos no art. 2º;
O conhecimento de carga indicado no número anterior pode ser substituído pelo conhecimento de carga a que laúde o artigo 5º, depois de nele terem sido exaradas as expressões “ carregado a abordo” e a data do embarque;
O conhecimento de carga deve mencionar o número de originais emitidos;
Depois de ter sido dado cumprimento a um dos originais mencionados no número anterior, todos os outros ficam sem efeito;
Só transportador da mercadoria tem legitimidade para emitir o respectivo conhecimento de carga.
De harmonia com o art. 10º nº 1 deste diploma, “são nulos os conhecimentos de carga emitidos por quem não tenha a qualidade de transportador marítimo”, impondo o nº 2 àquele que procedeu á emissão em tais condições a obrigação de indemnizar o carregador e outros interessados pelos danos eventualmente causados com tal conduta.
O nº 3 deste preceito dispõe, porém, que “o disposto neste artigo não prejudica a possibilidade de o agente do transportador assinar os conhecimentos de carga em sua representação”.
No caso vertente a Ré assinou o conhecimento de carga constante de fls. 77 a 79, em representação da sociedade D............ - .............., Ldt, que nele consta como transportadora, ao abrigo deste último normativo.
Ensina Azevedo Matos [Princípios de Direito Marítimo, II, 55] que o contrato de fretamento também se verifica pelo conhecimento de carga.
O conhecimento de carga é tão importante que a carta partida só se emprega, normalmente, quando o fretamento é total, sendo aquele passado em todos os outros casos e até neste, por causa do crédito documentário.
Palma Carlos [op. cit., 19] prefere a definição de Lyon-Caen & Renault: conhecimento de carga é o título entregue pelo capitão para prova de que recebeu e se encarregou da carga.
Por meio deste título é que efectivamente se comprova que os contratos de fretamento (como Palma Carlos prefere designar o contrato de transporte de mercadorias por mar) começaram a ter execução pela entrega ao fretador das mercadorias a cujo transporte ele deve proceder; por meio deles também é que se pode exigir do capitão a entrega das mercadorias que ele tomou à sua guarda e cujo recebimento no conhecimento de carga confessa.
Tal como no antigo art. 541º do Código Comercial se regulava a carta de fretamento, também o actual art. 538º regula o conhecimento de carga.
A nova lei - art. 8º do Dec-Lei nº 352/86 - equipara o conhecimento de carga - a emitir após o início do transporte - à declaração de carga ou conhecimento de carga contemporâneo da recepção da mercadoria para embarque (art.5º) desde que nele sejam exaradas as expressões carregado abordo.
A este conhecimento se refere A. Matos [op. cit., II, 253], ensinando que, uma vez carregado o navio, embarcada a mercadoria, troca-se o bill of lading for shipment ou permis d'embarquement ou o mate's recept pelo bill of lading shipped, o chamado conhecimento embarcado.
Cunha Gonçalves - Comentário ao Código comercial Português, III, citado no Ac. da Relação de Lisboa, de 15.3.78, na Col. Jur., 1978, II, 459, escreve:
Concluído o embarque das mercadorias e entregues os conhecimentos aos carregadores, fica o capitão obrigado, desde esse momento, a transportar aquelas para o porto de destino e a entregá-las ao destinatário.
Conhecimento é um título com vida autónoma que exerce no transporte marítimo a mesma função que a guia de transporte no transporte terrestre; uma dupla função jurídica e económica: é o documento constitutivo do contrato de transporte e o título representativo da mercadoria.
A importância do conhecimento de embarque (bill of lading shipped), sempre posta em relevo pelos tratadistas da matéria, revela-se ainda na lei positiva.
Como se vê do art. 539º do C. Comercial, as fazendas serão entregues pelo capitão no lugar do destino, a bordo ou na alfândega, conforme for o estilo do porto, ou conforme estiver pactuado no ... conhecimento, à pessoa designada neste último título.
A descarga consiste no desarrumar, formar pilhas de mercadorias, extraí-las do navio e colocá-las no convés ou descê-las para o cais ou para barcas, fragatas ou batelões.
As companhias de navegação costumam inserir nos seus conhecimentos, para evitar demoras, a autorização de descarregar desde logo à custa das fazendas ou para consignatários.
O contrato só se cumpre com a mercadoria completamente descarregada e entregue - [Ib., 144 a 146].
Mais diz este Autor que há-de ter-se em atenção o pactuado sobre conhecimentos de carga para se definir o começo e o fim do contrato de transporte.
A entrega da mercadoria ao destinatário é o último acto de execução do contrato: com a entrega da carga ao seu destinatário, o fretador cumpre integralmente o contrato de transporte, não se confundindo entrega com descarga das mercadorias. (Ac. RP de 5.3.96, processo nº 9231070, in www.dgsi.pt)
A descarga é um acto material, que pode preceder ou seguir a entrega..., a entrega é um acto jurídico que, além de marcar o termo da execução do contrato tem, praticamente, efeitos importantíssimos: depois da entrega, todos os riscos da carga, ainda que ela esteja a bordo, são por conta do afretador [P.Carlos,op.cit,29].
A carga deve ser entregue ao destinatário que é o legitimo possuidor do conhecimento... na prática, o destinatário, ao receber a carga, entrega ao capitão o conhecimento respectivo, com a menção, nele exarada, de haver recebido as mercadorias a que ele respeitava [8 - ib., 20. No mesmo sentido ensina Azevedo Matos, 150 e ss.].
Da leitura global do Decreto-Lei nº 352/86, de 21 de Outubro, ressalta que contrato de transporte de mercadorias por mar é um contrato solene, sujeito a escrito particular» (artigo 3º), em que o chamado «conhecimento de embarque ou de carga» se reveste de importância capital.
De facto, emitido e entregue pelo transportador ao carregador o chamado conhecimento de embarque ou de carga», o mesmo, por um lado, «constitui título representativo da mercadoria nele descrita e pode ser nominativo, à ordem e ao portador», e, por outro, é transmissível de acordo com o regime geral dos títulos de crédito (artigo 11º).
O conhecimento de embarque ou de carga desempenha uma tríplice função:
1) - serve de recibo de entrega ao transportador de uma certa e determinada mercadoria nele descrita;
2) - prova o contrato de transporte firmado entre carregador e transportador e as condições do mesmo;
3) - representa a mercadoria nele escrita, sendo negociável e transmissível, de acordo com o regime geral dos títulos de crédito» [Calvão da Silva, «Crédito documentário e conhecimento de embarque», Colectânea de Jurisprudência Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1994, tomo 1, págs. 16 e segs., citando René Rodière, «Traité général de droit maritime, aprêtements et transports», tomo II, Les contrats de transport de de marchandises, Paris, pág. 98].
Tal documento constitui presunção de que a recepção das mercadorias entregues pelo carregador ao transportador, se verificou nas condições e no estado nele indicado (Ac. RP de 22.05.03, processo nº 0330846, in www. Dgsi.pt).
Tudo para dizer que na decisão recorrida se não atendeu, salvo o respeito devido, ao conhecimento de embarque de fls. 77 a 79 e à importância que vimos ter este documento - forma do contrato de transporte de mercadorias por mar, na sua dupla função de recibo de entrega ao transportador de uma certa e determinada mercadoria nele descrita e de prova do contrato de transporte firmado entre carregador e transportador e condições do mesmo.
No nosso caso, foi tal contrato de transporte outorgado pela Ré C..........., “as agent” - como agente da referida transportadora D..........., pelo que não pode eximir-se a assumir as responsabilidades decorrentes do incumprimento culposo das obrigações do mesmo decorrentes.
2ª QUESTÃO - A CLÁUSULA FOB
Quanto à cláusula FOB (free on board), significa a mesma que o transporte fica cargo do comprador, responsabilizando-se o vendedor tão só pela colocação da mercadoria a bordo, ou em sítio de ser carregado em outro transporte (Ac. STJ de 22.6.99, processo nº 99ª378, in www.dgsi.pt).
Pela cláusula FOB, incluída num contrato de compra e venda, o vendedor obriga-se a enviar a mercadoria para o cais de embarque com todas as despesas feitas por ele até ao momento de ela entrar a bordo, sendo as despesas que se seguem (frete do vagon, seguros e outras), até à chegada da mercadoria ao seu destino, pagas pelo comprador (Ac. STJ de 23.4.92, processo nº 081667, in www.dgsi.pt).
Compreende-se, assim, que o preço pago pela A. À Ré se tenha limitado a € 20, pois só visou o pagamento do transporte da mercadoria, num contentor (1 (one) container only - BL de fls. 77), até ao navio.
Tal não obsta, porém, à sua qualidade de representante da referida transportadora D............, e consequências daí decorrentes.
3ª QUESTÂO - A CLÁUSULA CAD
Ao ser inserida no contrato de transporte a cláusula CAD, assumiu a Ré perante a A. a obrigação de entrega das mercadorias ao destinatário contra a entrega por este de documentos demonstrativos de que o pagamento já estava efectuado perante entidade bancária.
A cláusula CAD quer significar isso mesmo, que o pagamento deve ser efectuado pelo comprador perante o banco do seu país, encarregado da operação, a favor do exportador, recebendo do banco os documentos que titulam a mercadoria e comprovam o pagamento desta, documentos estes que virão a ser entregues ao transportador, ou seja, o destinatário recebe do transportador as mercadorias por si compradas contra a entrega da documentação, a que podemos chamar bancária, pela circunstância de da mesma resultar o comprovativo de que o pagamento se encontra efectivamente feito.
Porque se refere a prestação acessória do transportador, a cláusula CAD, inserível no conteúdo do próprio contrato de transporte, não descaracteriza o contrato como de transporte internacional de mercadorias, não o tornando contrato misto de transporte e de mandado, de modo a que à violação do mesmo sejam de aplicar as regras deste último (Ac. RP de 7.6.90, processo nº 0309898, in www).
Viola o contrato de transporte aquele que, tendo sido acordada a cláusula CAD (casa against documents), entrega a mercadoria transportada sem que o destinatário apresente documentos comprovativos do pagamento do respectivo preço (Ac RP de 4.11.99, processo nº 9931056, in www).
Vendida a mercadoria com a cláusula CAD (cash against documents), o comprador só a podia receber depois de comprovado o pagamento do preço facturado, pelo que o transportador é obrigado a indemnizar o vendedor se fizer a entrega da mercadoria sem exibição do documento comprovativo daquele pagamento (Ac RP de 17.6.97, processo nº 9630595, in www).
A Ré interveio no contrato de transporte marítimo em causa como representante da transportadora D............., no tocante à execução material do transporte, assumindo assim o encargo de entregar as mercadorias à compradora nas condições acordadas.
Tal tarefa não foi cumprida devidamente pelas pessoas que materialmente estavam disso encarregadas pelo transportador D............., tanto quanto é certo ter sido a entrega feita sem a contrapartida da contraprova documental de que o pagamento estava feito.
Assim, sendo certo que o transportador responde, como se fosse cometido por ele próprio, pelos actos dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorre, para a execução do transporte, quando essa pessoa actue no exercício das suas funções, será por essa via imputável à Ré, sua agente, que representou aquele perante a A., os prejuízos que de tal incumprimento resultaram para a A. (cfr. art. 377º, do C.Com, e art. 800º, do CC. “ex vi” art. 3º do C. Com.).
Aqui chegados, teremos de concluir pelo incumprimento do contrato por parte da Ré, pelo que fica a mesma responsável pelos prejuízos que causou à A., que se cifraram no montante global de € 4.996,80, correspondente ao preço das mercadorias exportadas e não pagas.
4ª QUESTÃO
Entendeu os Senhor Juiz, como sabemos, não estarmos em face de um contrato de transporte, pelo que, “torna-se absolutamente inútil apreciar a prescrição invocada pela Ré, na medida em que a mesma apenas seria de considerar se no caso em concreto tivesse sido celebrado um contrato de transporte marítimo - que como já se afirmou, não ocorreu…”.
Uma vez que, em nosso entender, estamos em face de um contrato de transporte, no qual a Ré foi interveniente, cumpre-nos apreciar a excepção de prescrição.
O prazo para a instauração de acção de indemnização por alegados prejuízos sofridos por virtude de atraso da entrega de mercadorias transportadas por mar é de um ano a contar da entrega das mesmas ou da data em que deveriam ser entregues, conforme estabelece o nº 6 do art. 3º da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinado em Bruxelas em 25 de Agosto de 1924 (publicado no Diário do Governo de 2 de Agosto de 1932, ratificado em 11 de Julho de 1932 e tornado direito interno pelo Dec. Lei nº 352/86 de 31 de Outubro (Ac RP de 10.12.2001, processo nº 0151125, e Ac. RP de 19.11.2001, processo nº 0151331, ambos in www).
A sujeição do Estado Português aos tratados ou Convenções de Direito Internacional pode ser absoluta (valendo na ordem internacional e interna) ou relativa (valendo na ordem interna, mas podendo ser modificada nas relações em que haja apenas interessados nacionais).
Assim, o Estado Português, numa relação jurídica em que haja tão só interessados nacionais, pode alterar o prazo de caducidade do direito á indemnização relativo a contratos de transporte marítimo de mercadorias previsto na Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, que é de um ano, para dois anos, previsto no art. 27º do Dec. Lei nº 352/86 de 21 de Outubro.
No caso vertente, sendo o prazo de caducidade de um ano, deveria a A. Reclamar a indemnização da Ré até um ano depois da entrega indevida das mercadorias.
Tendo ficado provado que a entrega das mercadorias ocorreu no máximo até ao fim de Setembro de 2002, deveria a A. Ter instaurado o presente pleito até ao último dia de Setembro de 2003.
A acção deu entrada em juízo, sob a forma processual de injunção depois de tal data, em 20 de Novembro de 2003.
Contudo, nem por isso se verificou a arguida caducidade, uma vez que, pela carta junta a fls. 87, a Ré, datada de 8 de Julho de 2003, em representação da dita D.............., reconheceu o seu incumprimento desta e a correspondente obrigação de indemnizar a A. Pelos prejuízos daí decorrentes.
De facto, nessa carta diz a Ré: “Ao que parece, a mercadoria foi, pelos agentes da D............. em Copenhague, entregue sem apresentação da documentação que o cliente de V.Ex.as, deverá ter enviado para o destino através do seu Banco, e que lhe foi, em Portugal, entregue pela C............, facto pelo qual a C............ não é responsável.
No entanto, e de acordo com as cláusulas do conhecimento de embarque, a nossa representada D.............., através da sua seguradora, está pronta a indemnizar o vosso cliente, nos termos legais.
Para tanto deverão ser-nos presentes os originais do conhecimento de embarque referido”
Tal conduta da Ré constitui facto impeditivo da caducidade nos termos do art. 331º nº 2 do CCivil.
O reconhecimento a que se refere o nº 2 do art. 331º não é uma simples admissão genérica de um direito de crédito, mas um reconhecimento em concreto, preciso, sem ambiguidades, com valor idêntico ao do acto impeditivo, que torna desnecessária a sua exigência por meios judiciais. Deve tratar-se de um reconhecimento que torne o direito certo e faça as vezes de sentença [Neste sentido o Ac. RP de 25.6.87, in CJ 1987, 3º, 212; Ac. STJ de 8.1.1991, in BMJ 303º, 190].
Assim, ficou definitivamente vedado à Ré invocar a caducidade do direito do A. nos termos do art. 3º nº 6 da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga.
Aqui chegados, concluiremos que deverá a Ré assumir perante a A. os prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato de transporte marítimo em causa nos autos, devendo proceder a acção na sua totalidade, por procedência total da apelação.
DECISÃO
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, e em consequência revogar a sentença recorrida, julgando inteiramente procedente a acção que a A. Apelante B............ - ............., Lda moveu contra a Ré C......... - ............, Lda, condenado esta a pagar àquela a quantia de 4.996,80 (quatro mil novecentos e noventa e seis Euros e oitenta cêntimos), acrescida dos juros à taxa legal vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Custas pela Ré recorrida.
Porto, 31 de Março de 2005
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha