LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
RÉU
REVELIA
FALTA DE CONTESTAÇÃO
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
CONFISSÃO
PROVA
FACTOS PROVADOS
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I. O artigo 568.º, alínea a), do Código de Processo Civil prevê que, no caso de litisconsórcio voluntário, quando um dos réus não contestar, os factos articulados pelo autor, não se consideram provados (confissão ficta) quando algum dos réus contestar e relativamente aos factos que o contestante impugnar.
II. Ao estabelecer nas normas (artigos 574.º, n.ºs2 e 3, e 567.º e 568.º, alínea a), do Código de Processo Civil) que os factos em causa se consideram confessados, quer a lei significar que estamos perante uma situação em que é a própria lei que determina haver um valor do meio de prova (confissão ficta), o que legitima e permite ao STJ conhecer da violação em causa, por via do artigo 674.º, n.º3, do Código de Processo Civil.

Texto Integral


Acórdão



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA intentou a presente ação com processo comum de declaração contra BB, CC, DD, EE e CC, pedindo:

a) Que seja declarada a simulação da partilha junta como documento nº 31 com a petição inicial, assim como da escritura de compra e venda que deu origem ao registo do negócio expresso no documento também junto com a petição inicial com o n.º 33;

b) Em consequência, que os imóveis e o recheio resultantes da partilha regressem ao património dos respetivos réus, antes da outorga dos negócios (partilha e compra e venda);

c) Que se ordene o cancelamento de qualquer registo efetuado em consequência da partilha do património conjugal e da compra e venda efetuadas e aludidas nos artigos 26, 27, 28 e 43 da petição inicial.

Ou, caso assim não se entenda,

a) Que se declarem como verificados os pressupostos da impugnação pauliana e que seja decretada a ineficácia em relação ao autor da partilha do património conjugal e da compra e venda referidas na petição, sendo ordenada a restituição dos bens nos termos do artigo 616º, nº 1, do C.C;

b) Que se ordene o cancelamento de todo e qualquer registo efetuado em consequência dos identificados negócios.

Alega que:

- foi sócio na sociedade C..., Lda., conjuntamente com os aqui primeiro e quarto Réus;

- a sociedade tinha o capital social de €52 373,76, dividido por seis quotas, três de €13 093,44 e três de €4 364,48, cabendo a cada um dos três sócios uma quota de cada um dos referidos valores;

- O objeto da sociedade era comércio de café, snack-bar, restaurante e churrasqueira e para a sua gerência foram designados todos os sócios, obrigando-se a mesma com a intervenção de dois gerentes em conjunto;

- em 24/04/2009 (com registo em 4/05/2009 e efeitos a partir desta data), o quarto Réu renunciou à gerência na sociedade e em .../.../2012 partilhou as suas quotas em processo de divórcio;

- os três sócios da sociedade foram gerentes de facto e de direito até 4/05/2009 e o Autor e o primeiro Réu foram-no a partir dessa data até à insolvência da sociedade, em 17/05/2013;

- ao longo dos últimos anos de atividade a sociedade foi acumulando débitos com o Estado, facto que era do conhecimento de todos os sócios e na altura em que o quarto Réu renunciou à gerência já existiam dívidas fiscais que eram do seu conhecimento e que se comprometeu a liquidar;

- em 2010, a sociedade foi notificada pela Autoridade Tributária para o pagamento de impostos em dívida, os quais em 9/11/2015 totalizavam €24 302,15;

- em face do não pagamento dos impostos pela sociedade, uma vez que não tinha património e estava insolvente, a Administração Fiscal iniciou um processo de reversão contra os sócios gerentes da mesma;

- o Autor e os primeiro e quarto réus foram notificados da reversão e nenhum exerceu o direito de resposta ou impugnou judicialmente a mesma tendo a reversão sido procedente e passaram os gerentes da sociedade a ser notificados pessoalmente para o pagamento da dívida;

- pela Administração Tributária foram penhorados ao Autor saldos bancários em montante superior a €15 000,00. Sucede que, sendo a responsabilidade pelo pagamento dos impostos solidária, só parte da responsabilidade lhe cabe, assistindo-lhe o direito de regresso contra os seus antigos sócios, os primeiro e quarto Réus;

- o Autor tentou saber que bens os seus antigos sócios possuíam antes de avançar com ação de regresso para lhe ser paga a quota-parte dos valores que cabem aos primeiro e quarto Réus, constatando que nada possuem;

- estes, no decurso dos processos de execução fiscal, coordenados entre si, alienaram todos os bens suscetíveis de penhora de forma a diminuírem a garantia patrimonial do crédito que sabiam que iria surgir pelo pagamento pelo Autor das dívidas fiscais contraídas por todos os sócios da sociedade;

- o quarto Réu, após a renúncia à gerência, sabendo da sua responsabilidade pelas dívidas fiscais da sociedade, conluiado com a quinta Ré, sua esposa, resolveu alienar o seu património através de partilha. Assim, dissolveram o seu casamento em processo de divórcio por mútuo consentimento e procederam à partilha do património conjugal, na qual indicaram como ativo um imóvel (casa de morada de família), participações sociais sujeitas a registo (as quotas que detinham na sociedade C..., Lda.) e o recheio da casa de morada de família, indicando como passivo um empréstimo do Banco Comercial Português no valor de €2 536,55. Alegadamente, o casal acordou a partilha com a adjudicação do imóvel, do recheio e do passivo à quinta Ré e das participações sociais ao quarto Réu, devendo este receber a título de tornas €14 885,85 que referiu ter recebido;

- é evidente que os quarto e quinto Réus nada quiseram partilhar;

- o quarto Réu não recebeu as tornas que declara ter recebido e a quinta Ré não as pagou;

- nessa partilha houve uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada, por acordo do casal e com o intuito de enganar o Autor e outros eventuais credores;

- os quarto e quinto Réus acordaram na partilha, mas sabiam que o quarto Réu, enquanto gerente da sociedade C..., Lda., era devedor à administração fiscal e que com a perda de todo o seu património por força da partilha diminuía totalmente a garantia patrimonial do crédito do fisco em primeira linha e do crédito do aqui Autor se revertido naquele;

- por outro lado, o único património do primeiro e segundo Réus era um prédio sito na Rua ..., em ..., ..., o qual decidiram “vender” ao seu filho, terceiro Réu;

- é também aqui evidente que os primeiro e segundo Réus nada quiseram vender e que o terceiro Réu nada quis comprar. Também não foi efetuado o pagamento de qualquer preço. Todos estes Réus sabiam das dívidas da sociedade à administração fiscal e tinham consciência da reversão que iria ocorrer;

- houve assim uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada, por acordo prévio entre os três primeiros Réus e com o intuito de enganar terceiro, ou seja, o Autor e outros credores, nomeadamente, a administração fiscal;

- os alegados vendedores e comprador sabiam que o primeiro Réu, enquanto gerente da sociedade C..., Lda.”, era devedor à administração fiscal e que este, com a perda de todo o seu património por força da venda realizada, diminuía de forma total a garantia patrimonial do crédito do fisco em primeira linha e do crédito do aqui Autor que inevitavelmente seria revertido naquele;

- em ambos os casos, se assim não se entender, considera estarem preenchidos os pressupostos da impugnação pauliana;

- efetivamente, os Réus sócios gerentes, utilizando negócios jurídicos, o primeiro a compra e venda e o quarto a partilha por divórcio, alienaram formalmente os únicos bens que possuíam;

- com essa alienação tornou-se impossível ao credor fiscal obter a satisfação integral do seu crédito, a qual neste momento está a obter do autor, penhorando-lhe todo o seu património por força da reversão da dívida para os sócios.

2. Citados, apenas os Réus EE e CC contestaram.

Alegam que:

- em finais de abril, princípios de maio de 2009, a sociedade C..., Lda., atravessava as dificuldades normais que, nessa altura, afetaram a generalidade das atividades comerciais e em especial a restauração;

- o quarto Réu, ao final de cada mês, não retirava qualquer remuneração, por forma a que a sociedade pudesse enfrentar as dificuldades e cumprir as obrigações perante fornecedores;

- nessa altura a sociedade não tinha débitos significativos, nem perante os fornecedores, nem perante a Fazenda Nacional e Segurança Social;

- na data da sua renúncia à gerência o quarto Réu nada devia à sociedade ou aos outros sócios e não se comprometeu a pagar as dívidas da sociedade, tanto mais que desconhecia a existência concreta das mesmas;

- igualmente desconhece a existência de processos de reversão contra os sócios da sociedade, para os quais não foi notificado, sendo que aqueles que o Autor refere são reportados a impostos do ano de 2012, contra si não existe processo de reversão;

- também não está alegada e muito menos demonstrada a existência de qualquer crédito do Autor, pelo que não lhe assiste o direito de regresso que invoca;

- o divórcio do quarto Réu e da quinta Ré e a partilha subsequente não lesou o Autor e, por isso, este não foi enganado;

- por outro lado, o Autor não interveio como simulador em nenhum ato e não é um herdeiro legitimário que pretenda agir em vida do Autor de sucessão, pelo que não tem legitimidade para arguir a nulidade por simulação que, aliás, não existe;

- acresce que nunca o quarto Réu seria responsável pelo pagamento de dívidas da sociedade em reversão, pois a gerência de facto do estabelecimento esteve sempre nas mãos dos outros sócios, o Autor e o primeiro Réu;

- entre o quarto e quinto Réus não houve qualquer conluio com intenção de prejudicar o Autor;

- o quarto Réu não tinha possibilidades económicas de adjudicar a habitação e pagar pensão à quinta Ré e esta, por seu turno, não pretendia ver-lhe adjudicadas as quotas. A habitação e o passivo relativo à sua aquisição foram adjudicados á quinta Ré e, em contrapartida, a mesma prescindiu do direito a alimentos. Concorreu também para a formação dos respetivos quinhões a adjudicação dos bens móveis;

- o autor carece de legitimidade para propor a presente ação, por não ter sido alegado nem demonstrado qual o crédito que detém sobre os contestantes, não estando, de igual forma, preenchidos os requisitos de que depende a admissibilidade da ação de impugnação pauliana;

3. Notificado para o efeito, o Autor veio responder à matéria de exceção invocada pelos quarto e quinto Réus na contestação, pugnando pela improcedência da mesma.

4. Foi realizada audiência prévia, tendo-se decidido pela improcedência da exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos quarto e quinto Réus, após o que se procedeu a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

5. Por decisão proferida a fls. 262 (do processo físico), foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos Réus EE e CC.

6. Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declarada nula por simulação a escritura pública de compra e venda outorgada no dia 25.07.2014, através da qual o primeiro e segundo réus venderam ao terceiro réu o prédio urbano sito na Rua ..., em ..., ..., composto de cave, ..., águas furtadas, anexos e logradouro, com todas as suas pertenças, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04.

b) Ordenado o cancelamento do registo efetuado em consequência dessa escritura de compra e venda.

7. Inconformados com esta decisão, os Réus CC e DD interpuseram recurso de apelação.

8. O Tribunal da Relação do Porto veio a proferir acórdão, tendo o dispositivo o seguinte teor:

“Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedentes as apelações e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, absolver os réus dos pedidos formulados pelo autor.”

9. Inconformada, o Autor veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I - Não é percetível de forma minimamente entendível como o Tribunal “a quo” chegou à decisão constante do seu Acórdão.

II - As testemunhas indicadas pelo Autor depuseram versando todos os temas de prova, entendendo o Tribunal de primeira instância que todos os depoimentos foram isentos e sinceros, contribuíram, conjugados com os documentos assinalados, para que se considerasse como provada a factualidade contida em 1.7, 1.10 (no que ao autor refere), 1.13 e 1.14.

III - A sentença da primeira instância deu ainda como provados os factos 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.10, 1.13, 1.14, todos provados por documentos, sendo que os mesmos foram juntos com a menção de que os respectivos teores se deram como integralmente reproduzidos e que não foram objecto de impugnação.

IV - Temos assim como provados em sede de audiência e julgamento, quer pela prova testemunhal, quer pela prova documental os pontos 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.10., 1.13, 1.14, 1.16, 1.18, 1.20, 1.25.

V - O Tribunal da primeira instância deu como provados factos que resultaram dos depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram em audiência de julgamento e ainda os factos que não foram alegados na contestação apresentada pelos quarto e quinto réus, e por razões claras não poderiam os outros réus não contestantes aproveitar factos que só se referem a factos dos próprios contestantes.

VI - No ponto 1.19 dos factos provados, opera a revelia dos ora Recorridos, uma vez que tal facto não foi alegado na contestação dos então quarto e quinto réus, não podem, neste facto os recorridos aproveitar da única contestação existente nos autos.

VII - Nos pontos 1.21, 1.22 e 1.23 dos factos dados como provados, “o primeiro e segundo réus nada quiseram vender”, “O terceiro nada quis comprar” e “Não foi efectuado o pagamento de qualquer preço” são factos não contestados, pelo que terão que dar-se como provados, por ter operado a revelia, não podendo os recorridos aproveitar-se de uma contestação onde tais factos nem sequer são aflorados.

VIII - Nos pontos 1.26, 1.27, 1.28, 1.29 e 1.30 dos factos dados como provados, os contestantes não referiram qualquer posição relativamente a tais factos, operando a revelia e por isso factos provados.

IX - Nos pontos 1.32, 1.33 e 1.35 dos factos dados como provados, também opera a revelia quanto a estes factos.

X - A revelia só não operaria relativamente a todos os factos referidos, se ocorresse a excepção contida na alínea a) do artigo 568.º do Código de Processo Civil, ou seja “ Quando havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.”, ora, nestes autos os réus contestantes só impugnaram factos pessoais e relativamente à partilha que efectuaram, não tendo impugnado factos respeitantes aos aqui recorridos, esteve muito mal o Tribunal “a quo”, ao entender tais factos como impugnados na contestação, quando efectivamente não o foram impugnados, que terão como posição relativamente a estes ou o desconhecimento sobre a veracidade ou impugnados no que aos contestante diziam respeito.

XI - Deverão manter-se como provados os factos assim dados na Sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, não podendo a Sentença merecer qualquer reparo, com a consequente alteração in totum do Acórdão de que agora se recorre.

XII - O benefício concedido pela lei aos réus revéis circunscreve-se à matéria efectivamente impugnada.

XIII - Os factos da petição inicial que não hajam sido impugnados são dados como assentes, em relação a todos os réus, pelo que a eficácia da norma excepcionante acaba por se limitar aos factos de interesse para o réu revel e para o réu contestante, dado não ser relevante, fora de uma relação formal de representação, a impugnação de factos que, por só respeitarem ao revel, o réu contestante não tem interesse em contradizer.

XIV - É assim fortemente limitada a possibilidade de se aplicar nos casos de coligação, quando nem a causa de pedir é única nem há factos essenciais comuns).

XV - Deverão manter-se como provados os factos assim dados na Sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, não podendo a Sentença merecer qualquer reparo, com a consequente alteração in totum do Douto Aresto de que agora se recorre.

E conclui pela revogação do Acórdão recorrido e pela repristinação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

10. Os Réus CC e DD vieram contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso.

11. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se os réus revéis beneficiam da impugnação dos factos efetuada pelos réus contestantes e em que medida.

III. Fundamentação

1. A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1.1. O autor foi sócio na sociedade comercial por quotas C..., Lda., conjuntamente com outros dois sócios, os aqui primeiro e quarto réus, tendo a referida sociedade a sua sede na Rua ..., na cidade ....

1.2. A referida sociedade tinha o capital social de €52.373,76, dividido por seis quotas, três de €13.093,44 e três de €4.364,48, cabendo a cada um dos três sócios uma quota de cada um dos referidos valores, sendo cada um deles titular de duas quotas com o valor nominal total de €17.457,92.

1.3. O objeto da sociedade comercial era “comércio de café, snack-bar, restaurante e churrasqueira”, tendo como único estabelecimento comercial o locado na Rua ..., na cidade ....

1.4. Para a gerência da sociedade foram designados todos os sócios, sendo que para a obrigar apenas era exigível a intervenção de dois gerentes em conjunto.

1.5. Pela Ap. ...04 foi registada a renúncia à gerência da sociedade pelo quarto réu.

1.6. Os três sócios iniciais da sociedade foram igualmente gerentes de facto e de direito até 04.05.2009, o autor e o primeiro réu foram-no a partir dessa data até à insolvência da sociedade, declarada no dia 17.05.2013.

1.7. Ao longo dos últimos anos de atividade a sociedade foi acumulando débitos para com o Estado, facto que era do conhecimento do primeiro réu.

1.8. Em maio de 2009 já existiam dívidas fiscais.

1.9. No ano de 2012, a sociedade foi notificada pela Autoridade Tributária para o pagamento de impostos em dívida, totalizando em 09.11.2015 a quantia de €24.896,50.

1.10. Em face do não pagamento dos impostos pela sociedade, uma vez que não tinha património e estava insolvente, a administração fiscal iniciou processo de reversão contra os sócios gerentes da mesma, o autor e o primeiro réu.

1.11. O autor e o primeiro réu foram notificados da reversão fiscal e nenhum deles exerceu o seu direito de resposta ou impugnou judicialmente tal reversão, dada a existência da divida que teria que ser paga à administração fiscal.

1.12. A reversão fiscal prosseguiu e passaram o autor e o primeiro réu, gerentes da sociedade C..., Limitada, a ser notificados pessoalmente para o respetivo pagamento.

1.13. Veio o autor a ser penhorado, iniciando a Administração Tributária a penhora das contas bancárias de que era titular, algumas co-titular com a sua esposa.

1.14. Ao autor já foram penhorados saldos bancários em montante superior a €15.000,00.

1.15. O autor tentou saber quais os bens que o primeiro réu, seu antigo sócio, possuía, antes de avançar com uma ação de regresso contra ele.

1.16. O autor, através do seu mandatário, dirigiu ao primeiro réu a carta datada de 27.11.2015, junta aos autos por cópia a fls. 30 a 30 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe o seguinte:

“Fomos contatados pelo Sr. AA, no sentido de intentarmos ação judicial para anulação da venda que efetuou com CC ao seu filho DD.

Como é do conhecimento de V. Exa. o Sr. AA, por força da reversão fiscal efetuada da sociedade (…), está a ser alvo de execução fiscal e penhora.

A razão desta missiva é de que o N/cliente poderá não avançar com a impugnação pauliana se V. Exa. assumir a sua quota-parte das dívidas fiscais da referida sociedade, facto que me poderá ser transmitido até 15 de Dezembro de 2015.”

1.17. Nada disse o primeiro réu no sentido de pagar a sua parte nos impostos devidos.

1.18. No decurso dos processos de execução fiscal, mediante escritura pública outorgada no dia 25.07.2014, junta aos autos a fls. 135 a 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o primeiro e segundo réus declararam vender ao terceiro réu, que declarou comprar-lhes, pelo preço de €37.409,84 que declararam já ter recebido, o prédio urbano sito na Rua ..., em ..., ..., composto de cave, rés do chão, águas furtadas, anexos e logradouro, com todas as suas pertenças, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04.

1.19. O único património do primeiro e segundo réus era o prédio identificado em 1.18.

1.20. Pela Ap. ...0 de 2014/07/28 foi inscrita a “Aquisição” por “Compra” do prédio identificado em 1.18. a favor do terceiro réu.

1.21. O primeiro e segundo réus nada quiseram vender.

1.22. O terceiro réu nada quis comprar.

1.23. Não foi efetuado o pagamento de qualquer preço.

1.24. O primeiro, segundo e terceiro réus sabiam das dívidas existentes da sociedade comercial à administração fiscal e tinham consciência da reversão que iria ocorrer.

1.25. Na data identificada em 1.18. a sociedade comercial sociedade C..., Lda., já estava declarada insolvente.

1.26. Na escritura pública identificada em 1.18. houve uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada.

1.27. Por acordo prévio entre o primeiro, segundo e terceiro réus.

1.28. E com o intuito de enganar o autor e outros eventuais credores, nomeadamente, a administração fiscal.

1.29. O terceiro réu sabia que as vontades expressas na escritura pública identificada em 1.18 não correspondiam à vontade real das partes.

1.30. O primeiro, segundo e terceiro réus outorgaram a escritura identificada em 1.18., mas bem sabiam que o primeiro réu, enquanto gerente da sociedade C..., Lda., era devedor à administração fiscal, e que com a perda de todo o seu património por força da referida escritura diminuía de forma total a garantia patrimonial do crédito do fisco em primeira linha e do crédito do autor que seria revertido naquele.

1.31. O imóvel identificado em 1.18. continua a ser usado pelo primeiro e segundo réus.

1.32. Com a escritura pública identificada em 1.18. tornou-se impossível ao credor fiscal obter a satisfação integral do seu crédito através do património do primeiro réu, a qual neste momento está a obter do autor, penhorando-lhe o seu património por força da reversão da dívida.

1.33. O primeiro, segundo e terceiro réus estavam conscientes do prejuízo que causariam ao autor com a realização da escritura identificada em 1.18.

1.34. O terceiro réu é filho do primeiro e segundo réus.

1.35. Quiseram o primeiro, segundo e terceiro réus, com a escritura pública identificada em 1.18., inviabilizar totalmente a penhora do imóvel objeto da mesma, impossibilitando o autor de receber o seu crédito.

2. Com as alterações introduzidas na matéria de facto pelo Tribunal da Relação, os factos provados fixados são os seguintes:

2.1. (1.7.) Ao longo dos últimos anos de atividade a sociedade foi acumulando débitos para com o Estado, facto que era do conhecimento do primeiro réu.

2.2. (1.8.) Em maio de 2009 já existiam dívidas fiscais.

2.3. (1.9.) No ano de 2012, a sociedade foi notificada pela Autoridade Tributária para o pagamento de impostos em dívida, totalizando em 09.11.2015 a quantia de €24.896,50.

2.4. (1.10.) Em face do não pagamento dos impostos pela sociedade, uma vez que não tinha património e estava insolvente, a administração fiscal iniciou processo de reversão contra os sócios gerentes da mesma, o autor e o primeiro réu.

2.5. (1.13.) Veio o autor a ser penhorado, iniciando a Administração Tributária a penhora das contas bancárias de que era titular, algumas co-titular com a sua esposa.

2.6. (1.14.) Ao autor já foram penhorados saldos bancários em montante superior a €15.000,00.

3. Com as alterações introduzidas na matéria de facto pelo Tribunal da Relação, os factos não provados são os seguintes (1.1., 1.2., 1.3., 1.4., 1.5., 1.6., 1.11., 1.12., 1.15., 1.16., 1.17., 1.18., 1.19., 1.20., 1.21., 1.22., 1.23., 1.24., 1.25., 1.26., 1.27., 1.28., 1.29., 1.30., 1.31., 1.32., 1.33., 1.34. e 1.35):

1.1. O autor foi sócio na sociedade comercial por quotas C..., Lda., conjuntamente com outros dois sócios, os aqui primeiro e quarto réus, tendo a referida sociedade a sua sede na Rua ..., na cidade ....

1.2. A referida sociedade tinha o capital social de €52.373,76, dividido por seis quotas, três de €13.093,44 e três de €4.364,48, cabendo a cada um dos três sócios uma quota de cada um dos referidos valores, sendo cada um deles titular de duas quotas com o valor nominal total de €17.457,92.

1.3. O objeto da sociedade comercial era “comércio de café, snack-bar, restaurante e churrasqueira”, tendo como único estabelecimento comercial o locado na Rua ..., na cidade ....

1.4. Para a gerência da sociedade foram designados todos os sócios, sendo que para a obrigar apenas era exigível a intervenção de dois gerentes em conjunto.

1.5. Pela Ap. ...04 foi registada a renúncia à gerência da sociedade pelo quarto réu.

1.6. Os três sócios iniciais da sociedade foram igualmente gerentes de facto e de direito até 04.05.2009, o autor e o primeiro réu foram-no a partir dessa data até à insolvência da sociedade, declarada no dia 17.05.2013.

1.11. O autor e o primeiro réu foram notificados da reversão fiscal e nenhum deles exerceu o seu direito de resposta ou impugnou judicialmente tal reversão, dada a existência da divida que teria que ser paga à administração fiscal.

1.12. A reversão fiscal prosseguiu e passaram o autor e o primeiro réu, gerentes da sociedade C..., Limitada, a ser notificados pessoalmente para o respetivo pagamento.

1.15. O autor tentou saber quais os bens que o primeiro réu, seu antigo sócio, possuía, antes de avançar com uma ação de regresso contra ele.

1.16. O autor, através do seu mandatário, dirigiu ao primeiro réu a carta datada de 27.11.2015, junta aos autos por cópia a fls. 30 a 30 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe o seguinte:

“Fomos contatados pelo Sr. AA, no sentido de intentarmos ação judicial para anulação da venda que efetuou com CC ao seu filho DD.

Como é do conhecimento de V. Exa. o Sr. AA, por força da reversão fiscal efetuada da sociedade (…), está a ser alvo de execução fiscal e penhora.

A razão desta missiva é de que o N/cliente poderá não avançar com a impugnação pauliana se V. Exa. assumir a sua quota-parte das dívidas fiscais da referida sociedade, facto que me poderá ser transmitido até 15 de Dezembro de 2015.”

1.17. Nada disse o primeiro réu no sentido de pagar a sua parte nos impostos devidos.

1.18. No decurso dos processos de execução fiscal, mediante escritura pública outorgada no dia 25.07.2014, junta aos autos a fls. 135 a 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o primeiro e segundo réus declararam vender ao terceiro réu, que declarou comprar-lhes, pelo preço de €37.409,84 que declararam já ter recebido, o prédio urbano sito na Rua ..., em ..., ..., composto de cave, rés do chão, águas furtadas, anexos e logradouro, com todas as suas pertenças, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04.

1.19. O único património do primeiro e segundo réus era o prédio identificado em 1.18.

1.20. Pela Ap. ...0 de 2014/07/28 foi inscrita a “Aquisição” por “Compra” do prédio identificado em 1.18. a favor do terceiro réu.

1.21. O primeiro e segundo réus nada quiseram vender.

1.22. O terceiro réu nada quis comprar.

1.23. Não foi efetuado o pagamento de qualquer preço.

1.24. O primeiro, segundo e terceiro réus sabiam das dívidas existentes da sociedade comercial à administração fiscal e tinham consciência da reversão que iria ocorrer.

1.25. Na data identificada em 1.18. a sociedade comercial C..., Lda., já estava declarada insolvente.

1.26. Na escritura pública identificada em 1.18. houve uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada.

1.27. Por acordo prévio entre o primeiro, segundo e terceiro réus.

1.28. E com o intuito de enganar o autor e outros eventuais credores, nomeadamente, a administração fiscal.

1.29. O terceiro réu sabia que as vontades expressas na escritura pública identificada em 1.18 não correspondiam à vontade real das partes.

1.30. O primeiro, segundo e terceiro réus outorgaram a escritura identificada em 1.18., mas bem sabiam que o primeiro réu, enquanto gerente da sociedade C..., Lda., era devedor à administração fiscal, e que com a perda de todo o seu património por força da referida escritura diminuía de forma total a garantia patrimonial do crédito do fisco em primeira linha e do crédito do autor que seria revertido naquele.

1.31. O imóvel identificado em 1.18. continua a ser usado pelo primeiro e segundo réus.

1.32. Com a escritura pública identificada em 1.18. tornou-se impossível ao credor fiscal obter a satisfação integral do seu crédito através do património do primeiro réu, a qual neste momento está a obter do autor, penhorando-lhe o seu património por força da reversão da dívida.

1.33. O primeiro, segundo e terceiro réus estavam conscientes do prejuízo que causariam ao autor com a realização da escritura identificada em 1.18.

1.34. O terceiro réu é filho do primeiro e segundo réus.

1.35. Quiseram o primeiro, segundo e terceiro réus, com a escritura pública identificada em 1.18., inviabilizar totalmente a penhora do imóvel objeto da mesma, impossibilitando o autor de receber o seu crédito.

4. Apreciação do recurso

O Tribunal de 1.ª instância veio a considerar os factos provados atrás descritos e, em consequência desses factos, considerou simulado o negócio celebrados entre os 1.º, 2.º e 3.º Réus, e daí concluiu pela procedência parcial da ação.

Inconformados, os Réus CC e DD interpuseram recurso de apelação.

O Tribunal da Relação do Porto, entendendo que se mostrava violado o disposto no artigo 568.º, alínea a), do Código de Processo Civil, porquanto determinados factos não se poderiam considerar provados quanto aos réus revéis por terem sido impugnados pelos Réus contestantes e que aproveitavam àqueles, alterou a matéria de facto, nos termos atrás referidos” e veio a julgar a ação improcedente.

É deste entendimento que o Autor/Recorrente veio mostrar a sua discordância, não quanto à interpretação da disposição invocada pelo Tribunal da Relação (alínea a) do artigo 568.º do Código de Processo Civil) mas por considerar que os Réus contestantes tivessem impugnado aqueles factos.

Vejamos.

O Autor AA intentou a presente ação contra BB, CC, DD e EE e CC, pedindo:

a) Ser declarada a simulação da partilha junta como documento n.º31 com a petição inicial, assim como a escritura de compra e venda que deu origem ao registo do negócio expresso no documento também junto com a petição inicial com o número 33;

b) Em consequência que os imóveis e o recheio resultantes da partilha regressem ao património dos respectivos Réus, antes da outorga dos negócios (partilha e compra e venda);

c) Ordenar o cancelamento de qualquer registo efectuado em consequência da partilha do património conjugal e da compra e venda efectuadas e aludidas nos artigos 26.º, 27.º, 28.º e 43.º da petição inicial.

Somente os Réus EE e CC vieram contestar.

A instância veio a ser julgada extinta, quanto a estes Réus, por inutilidade superveniente da lide.

Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 32.º do Código de Processo Civil, se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados.

Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor (n.º1 do artigo 567.º do Código de Processo Civil), isto é, estamos em presença da confissão ficta.

Contudo, o artigo 568.º do Código de Processo Civil contém exceções e na sua alínea a) prevê que quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.

Por outro lado, importa ter presente o que dispõe o artigo 574.º do Código de Processo Civil (nos seus n.ºs 1 a 3):

1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.

2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.

3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.

A questão que se coloca no caso presente não é a interpretação do disposto no artigo 568.º, alínea a), do Código de Processo Civil, isto é, não é questionável que, no caso de litisconsórcio voluntário, quando um dos réus não contestar, os factos articulados pelo autor, não se consideram provados (confissão ficta) quando algum dos réus contestar e relativamente aos factos que o contestante impugnar.

Coloca-se somente a questão se é aplicável ao caso concreto.

O Tribunal da Relação entendeu que era aplicável o disposto na alínea a) do artigo 568.º do Código de Processo Civil, argumentando que na motivação da matéria de facto o Juiz de 1.ª instância referiu: Como consta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, «a factualidade elencada como provada em 1.1., 1.2., 1.3., 1.4., 1.5., 1.6., 1.11., 1.12., 1.15., 1.16., 1.17., 1.18., 1.19., 1.20., 1.21., 1.22., 1.23., 1.24., 1.25., 1.26., 1.27., 1.28., 1.29., 1.30., 1.31., 1.32., 1.33., 1.34. e 1.35. encontra-se confessada pelo primeiro, segundo e terceiro réus, uma vez que os mesmos não apresentaram contestação e, aproveita».
E que os Réus contestantes impugnaram os factos alegados pelo autor (artigos 69º e 70º da contestação), pelo que esta impugnação aproveita aos Réus não contestantes.
Vejamos, então, se os Réus contestantes impugnaram os factos relevantes e que estão em causa nos presentes autos.
Em primeiro lugar, importa referir que, na decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e relativamente a diversos factos, a motivação não foi somente na confissão ficta, como resulta desta passagem da sentença:
“De qualquer forma, sempre se dirá que a factualidade elencada como provada em 1.1., 1.2., 1.3., 1.4., 1.5. e 1.6. encontra confirmação na informação emitida pela Conservatória do Registo Comercial ..., junta a fls. 12 verso a 14 verso, conjugada, no que concerne à factualidade elencada em 1.6., com o anúncio relativo à declaração de insolvência da sociedade C..., Lda.”, junto a fls. 15, o qual também confirma a factualidade contida em 1.25.; a factualidade elencada em 1.16. encontra confirmação na carta junta a fls. 30 a 30 verso; a elencada em 1.18. encontra confirmação na escritura pública de compra e venda junta a fls. 135 a 139, conjugada com a certidão emitida pela Autoridade Tributária, junta a fls. 183 a 183 verso; e, a factualidade elencada em 1.20., na informação emitida pela Conservatória do Registo Predial, junta a fls. 34 verso a 35.

No que à demais factualidade elencada como provada se refere, foram considerados os documentos juntos aos autos, de entre os quais de destacam os seguintes:

- a “Lista de Processos” junta a fls. 16, a informação recolhida no “Portal das Finanças” junta a fls. 16 verso a 17 e 18 a 22, as comunicações escritas remetidas pela Autoridade Tributária à sociedade “C..., Lda., Lda” e ao autor, juntas a fls. 17 verso, 22 verso a 24, a certidão emitida pela Autoridade Tributária a fls. 183 a 183 verso, e a informação contida a fls. 173, documentos esses que, conjugados entre si, permitiram considerar como provada a factualidade contida em 1.7., 1.8., 1.9. e 1.10. (este último no que ao autor se refere, sendo que, quanto ao primeiro réu, este e o segundo e terceiro réus confessam tal matéria); e,

- as comunicações escritas remetidas pelo “Novo Banco”, pela “Caixa Geral de Depósitos” e pelo “Millenium BCP” ao autor e sua mulher, juntas a fls. 24 verso a 29 verso, com base nas quais o tribunal considerou como provada a factualidade contida em 1.13. e 1.14.

Foram igualmente valorados os depoimentos das testemunhas inquiridas.

FF foi contabilista da sociedade C..., Lda.” desde 1981 até 2012. Confirmou a existência de dívidas da sociedade à Segurança Social e à Autoridade Tributária, sendo que em 2012 já existiam execuções contra a sociedade. O autor falou consigo sobre as cartas relativas à reversão das dívidas, sobre a execução e a penhora, bem como da sua intenção de pagar, pelo menos, as dívidas relativas à Segurança Social, para que não aumentassem. Sabe que chegou a fazer um acordo com a Segurança Social.

GG é filha do autor. Confirmou a existência de dívidas da sociedade perante a Segurança Social e Finanças, bem como a existência de execuções contra a sociedade. Tomou conhecimento de cartas provenientes da Segurança Social e das Finanças dirigidas ao seu pai. Abriu-as, tirou cópias e levou-as ao terceiro réu, pois era ele quem estava a tratar do assunto junto dessas entidades. A dada altura penhoraram as contas bancárias tituladas pelo pai, o qual chegou a pedir dinheiro emprestado ao seu tio HH para poder pagar à Segurança Social.

HH é irmão do autor. Sabe que a sociedade tinha dívidas para com a Segurança Social e as Finanças, tendo chegado a emprestar dinheiro ao irmão, 10.000,00 €, para ele pagar essas dívidas.

Tais depoimentos, os quais se revelaram, todos eles, isentos e sinceros, contribuíram, conjugados com os documentos acima assinalados, para que se considerasse como provada a factualidade contida em 1.7., 1.10. (no que ao autor se refere), 1.13. e 1.14.”.

Assim, em relação a estes factos discriminados supra não é aplicável o disposto no artigo 568.º, alínea a), do Código de Processo Civil.

Relativamente aos restantes factos a que se refere o Tribunal da Relação, também podemos afirmar que não é aplicável aquela disposição legal, por duas ordens de razão:

Em primeiro lugar, os factos tidos por não provados pelo Tribunal da Relação e impugnados pelos 4.º e 5º Réus não se reportavam à relação entre o A./ou à sociedade na ligação que pudesse existir com estes Réus revéis, tratando-se de factos alheios à defesa dos 4.º e 5.º R e de que estes não teriam conhecimento, por nada terem a ver com eles, o que justifica que não havia motivos para os impugnarem, e também justifica que nos pontos 68.º e 69.º da contestação tenham referido que desconhecem os factos alegados nos art.ºs 40º a 55º e que quanto aos indicados nos pontos 56º a 69º da PI os impugnem apenas na medida da sua versão constante da contestação, sempre voltada para as referências que aí vem feitas a si e nunca quanto aos 1.º, 2.º e 3.º Réus.

Por outro lado, os factos são pessoais e, portanto, deveriam ser impugnados especificadamente pelos Réus não contestantes, pelo não bastaria que os Réus contestantes referissem que não sabiam se determinado facto era real; de outro modo, se os réus revéis contestassem nos termos em que o fizeram os Réus contestantes, os factos considerar-se-iam confessados, mas tendo sido impugnados pelos Réus contestantes já se considerariam impugnados., o que é evidente era uma solução inaceitável e violadora nas normas do processo civil.

Isso significa que a sua inclusão nos factos provados, por efeito da revelia dos 1.º, 2.º e 3.º Réus deveria ter sido confirmada, por a isso obrigar a regra legal disposta nos artigos 574.º, n.ºs2 e 3, e 567.º e 568.º, alínea a), do Código de Processo Civil.

Ao estabelecer nas indicadas normas que os factos em causa se consideram confessados, quer a lei significar que estamos perante uma situação em que é a própria lei que determina haver um valor do meio de prova (confissão ficta), o que legitima e permite ao STJ conhecer da violação em causa, por via do artigo 674.º, n.º3, do Código de Processo Civil.

Por esse motivo, e considerando o exposto, importa alterar a decisão do Tribunal da Relação relativa à alteração da matéria de facto, repristinando a base fáctica apurada e não apurada na 1ª instância.

Ao assim se proceder, a aplicação do direito aos factos provados não permite a sustentação da solução encontrada no acórdão recorrido, o que, mais uma vez, envolve a repristinação da solução constante da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, com a fundamentação que aí consta e que se replica aqui:

Conforme resultou provado, o autor e o primeiro réu foram gerentes da sociedade comercial por quotas “Ca..., Lda.”, a qual veio a ser declarada insolvente.

Atenta a sua qualidade de gerente da referida sociedade, por força da reversão dos processos de execução fiscal que contra a mesma haviam sido instaurados, o autor foi pessoalmente responsabilizado pelo pagamento das dívidas na origem desses processos, para os quais foi oportunamente citado. Na sequência, foram-lhe penhorados saldos bancários em montante superior a 15.000,00 €.

Conforme referimos, de acordo com o art.º 24, n.º 1, da LGT, o autor e o primeiro réu são solidariamente responsáveis pelo pagamento dessas dívidas, pelo que tem aqui plena aplicação o regime das obrigações solidárias previsto no art.º 512 e ss. do CC.

Cumpre ter presente que, de acordo com o art.º 516 do CC, “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.”

Por seu lado, o art.º 524 do CC estabelece que “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.”

Neste enquadramento, e tendo ainda presente que o prédio objeto da escritura pública colocada em crise constituía o único património do primeiro e segundo réus, temos por assente a legitimidade do autor, decorrente da sua qualidade de credor do primeiro réu.

Assim, impõe-se então analisar se deve ser declarada a nulidade da compra e venda em causa nos autos com fundamento em simulação.

Como é sabido, na maioria dos casos, são nulos os negócios celebrados com “falta de vontade”.

Por via de regra, a vontade e a manifestação da mesma coincidem na declaração negocial. Mas podem surgir situações em que falte a coincidência entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa. A vontade que aparece como manifestada não existe como tal. Esta falta é o resultado de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada.

As situações de divergência entre a vontade real e a vontade declarada são muitas e muito diferenciadas entre si (vide artigos 240º a 247º e 248º a 250º do CC). A distinção principal é entre divergências intencionais (voluntárias) e divergências não intencionais (involuntárias). Para todas elas a lei possui as figuras jurídicas correspondentes.

O caso juridicamente mais relevante da divergência entre vontade e declaração é o da simulação (vide artigos 240º a 243º do CC). Na simulação o declarante emite, de acordo com o declaratário, uma declaração não coincidente com a sua vontade no intuito de enganar terceiro. Assim, o declarante faz a declaração, mas não quer o declarado; o declaratário sabe disso; a actuação conjunta visa enganar (ou prejudicar) o terceiro.

O art.º 240º, nº 1, do CC, define negócio simulado como aquele em que, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.

(…)

Revertendo para o caso dos autos, vemos que nos mesmos resultou provado que mediante escritura pública outorgada no dia 25.07.2014, o primeiro e segundo réus declararam vender ao terceiro réu, seu filho, que declarou comprar-lhes, pelo preço de 37.409,84 €, que declararam já ter recebido, o prédio urbano sito na Rua ..., em ..., ..., composto de cave, rés-do-chão, águas furtadas, anexos e logradouro, com todas as suas pertenças, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04.

No entanto, o primeiro e segundo réus nada quiseram vender, o terceiro réu nada quis comprar e não foi efetuado o pagamento de qualquer preço. Todos os três réus sabiam da existência das dívidas da sociedade comercial à administração fiscal e tinham consciência da reversão que iria ocorrer. Na referida escritura pública ocorreu uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada, por acordo prévio entre os três réus e com o intuito de enganar o autor e outros eventuais credores, nomeadamente, a administração fiscal. Quiseram os três réus, com a dita escritura pública, inviabilizar totalmente a penhora do imóvel objeto da mesma, impossibilitando o autor de receber o seu crédito.

Perante tal factualidade, dúvidas não temos de que se verificam todos os requisitos para que se declare o negócio em causa simulado, o que significa a procedência, relativamente ao primeiro, segundo e terceiros réus, da presente ação.”

Deste modo, o recurso tem de proceder.


IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, e, consequentemente, em revogar o Acórdão recorrido, repristinando-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Custas pelos Recorridos.

Lisboa, 28 de março de 2023

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

António Magalhães

Maria João Vaz Tomé