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ACUSAÇÃO PÚBLICA
DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CRIME
PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL
REMISSÃO PARA DOCUMENTOS
Sumário
I – Atento o disposto no Artº 283º, nº 3, al. b), do C.P.Penal, a acusação a proferir pelo Ministério Público deve conter com precisão a descrição dos factos da vida real que configuram o acontecimento histórico que teve lugar, socialmente relevante e tipificado pela ordem jurídica, e que correspondam aos elementos constitutivos do tipo legal de crime, com grau de exigência que se compatibilize com as garantias de defesa, no sentido de que o arguido conheça o objecto de que é acusado e dele se possa conveniente defender. II – Tal exigência decorre do princípio do acusatório, e surge como forma de assegurar ao arguido todas as garantias de defesa, em respeito pelo Artº 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. III – Face à estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta, os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação, não podendo o juiz suprir as falhas detectadas na elaboração da acusação, nem tampouco formular convites, recomendações e ordens ao titular da acção penal, para aperfeiçoamento, rectificação, complemento, ou dedução de nova acusação, o que, aliás, é extensivo aos demais sujeitos processuais, nomeadamente ao assistente. IV – Ao contrário do que acontece com outras peças processuais, a lei não permite que a narração dos factos da acusação seja feita por mera remissão para outras peças ou documentos do processo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
1. No âmbito do Inquérito nº 630/21...., que correu termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de ..., da Procuradoria da República da Comarca ..., o Ministério Público, no dia 02/05/2022, no momento processual a que alude o Artº 276º do C.P.Penal [1], deduziu acusação contra o arguido AA, para julgamento, e perante tribunal colectivo, nos seguintes termos [2] (transcrição [3]):
“O Ministério Público, para julgamento em processo comum, perante Tribunal Coletivo, deduz acusação contra:
AA, filho de BB e CC, natural da ..., onde nasceu a .../.../1979, casado, motorista de pesados internacionais, com o cartão de cidadão nº ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., atualmente recluso no Estabelecimento Prisional ...,
porquanto:
1. O arguido AA trabalhava como motorista de transportes de mercadorias para a sociedade “T... - Sociedade de Transportes, Lda.”, sendo frequente, no exercício da sua atividade profissional, deslocar-se à ..., onde permanecia por alguns períodos de tempo.
2. Porém, sempre que se encontrava em território português, o arguido residia na
habitação sita na Rua ..., ..., ..., com a sua esposa, de nome DD, e com os seus dois filhos menores de idade, AA, nascido em .../.../2008, e EE, nascido em .../.../2011.
3. Desde jovem idade, o arguido, na sequência de relacionamento sexual precoce com jovens do sexo masculino, menores de 12 anos de idade, passou a manifestar propensão e a sentir desejo e excitação em envolver-se sexualmente com rapazes com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos de idade.
4. Tal tendência intensificou-se, a partir do ano de 2008, com o nascimento do seu
primeiro filho.
5. Assim, pelo menos desde o ano de 2008, o arguido passou a socorrer-se da internet para procurar, importar e divulgar inúmeros ficheiros contendo imagens e vídeos de pornografia de menores, que obtinha junto de crianças, através de perfis “falsos” que criava, para o efeito, em nome de menores de ambos os sexos, com a finalidade de obter delas ficheiros de imagens e vídeos onde estas se exibiam desnudadas, pelo interesse cada vez maior que tinha por este tipo de conteúdos, para depois os partilhar, como “moeda de troca” com outros utilizadores/... do mesmo tipo de ficheiros, que, por sua vez, partilhavam ficheiros de idêntico teor, obtidos do mesmo modo.
6. Neste contexto, o arguido, intencionalmente e com aquela finalidade, com recurso ao programa “...” e utilizando como termos de pesquisa “...” e “...”, acedeu a vários ficheiros de vídeo e imagem de pornografia de menores, designadamente de rapazes desnudos e a masturbarem-se na “webcam”, a praticarem relações de coito oral e coito anal entre si, os quais descarregava e ia guardando em suportes óticos, para posterior visualização própria e divulgação por terceiros, para obter mais ficheiros de conteúdo semelhante.
7. Para além disso, também criou, em diversas redes sociais - entre elas, ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., - inúmeros perfis “falsos”, entre outros, denominados “...” e “...”,
8. nos quais se fazia passar por menor de 12 anos, ora do sexo masculino, ora do sexo feminino, consoante a vítima que lhe surgia, associando-se a grupos de jogos online,
como o “...” e o “...”, onde interagia com menores, com o objetivo que logrou alcançar de obter deles novos ficheiros de conteúdo sexual e pornográfico, para utilização própria e posterior divulgação por outros utilizadores/... com tendência semelhante, como “moeda de troca” para obter destes mais ficheiros com os mesmos conteúdos.
9. No período temporal referido em 5., o arguido produziu, importou, guardou e divulgou centenas de ficheiros – entre fotografias e vídeos - relacionados com pornografia de menores, envolvendo centenas de crianças com menos de 14 anos de idade, que, com
aquela finalidade, abordou, através daqueles perfis “falsos” e até diretamente, de forma dissimulada, figurando, em alguns deles, os seus próprios filhos menores e alguns amigos destes, com as mesmas idades.
10. A partir do ano de 2017, o arguido, apercebendo-se de que a maior parte dos menores da faixa etária que pretendia contactar pelas redes sociais, utilizavam preferencialmente o “...”, também aderiu a esta rede social,
11. e, aí, criou inúmeros perfis “falsos”, fazendo-se passar por raparigas pré-adolescentes, menores de 14 anos, conseguindo, assim, enganar vários menores, obtendo deles ficheiros de imagem e vídeos de nudez e prática de atos sexuais envolvendo as referidas crianças e, para evitar ser bloqueado pelo administrador desta aplicação, passou a efetuar um primeiro contacto através do ... e depois conduzia todos os demais contactos e conversações para uma outra aplicação, concretizando a troca de ficheiros que pretendia obter, através do “...”.
12. Como o interesse por tais conteúdos foi sempre aumentando e sentia uma cada vez maior necessidade de falar sobre os seus desejos sexuais relativamente a menores de 14 anos, no ano de 2019, o arguido decidiu inscrever-se em alguns grupos de redes sociais, entre elas, a “...”, “...”, “...” e “...”, onde utilizava os username “...” e “...”, e onde eram abordadas tais temáticas por pessoas com a mesma tendência sexual que a dele, com relatos escritos de experiência na primeira pessoa de envolvimento sexual com menores de 14 anos, nomeadamente de “pais que tinham relações sexuais com os filhos”.
13. Assim, entre dezembro de 2019 e o mês de março de 2020, o arguido passou a integrar uma rede de pedofilia de âmbito internacional, desmantelada pela Polícia Alemã (...), no decurso da investigação denominada “...”, desenvolvida ao longo do ano de 2020, onde foram apreendidos diversos ficheiros informáticos, cujo conteúdo indiciava a prática pelo aí suspeito FF - nascido 25 de abril de 1993, em ... - de inúmeros atos de abusos sexuais relativamente um seu enteado, à data, com 9 anos de idade, bem como permitiu que este menor fosse também explorado e abusado sexualmente por outros indivíduos, durante viagens que realizava e nas quais aquele menor o acompanhava.
14. Concretamente, entre 11 de dezembro de 2019 e 26 de março de 2020, o arguido manteve conversações, através de um chat, com o referido FF, identificando-se com o nome “AA”, onde falavam sobre fantasias sexuais que tinham envolvendo menores de 14 anos de idade.
15. Nesse contexto, no dia 8 de janeiro de 2020, o arguido enviou ao FF dois ficheiros contendo imagens de órgãos genitais masculinos de uma criança menor de 14 anos de idade – cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
16. Para além disso, o arguido enviou também uma fotografia do seu filho EE, à data, com 8 anos de idade, desnudo, um vídeo de uma criança a brincar numa mesa, e
uma fotografia “selfie” dele próprio com uma peruca e óculos de sol, referindo ainda que se deslocava para uma piscina na companhia de dois amigos dos filhos menores, sendo, neste contexto, acabou por remeter os registos fotográficos da zona genital masculino de uma criança, acrescentando também que o seu dia de aniversário era o 1 de Março - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
17. Enviou, igualmente – através do perfil de ... denominado “AA”, com a URL ... - várias outras fotografias, entre elas, do menor EE, seu filho mais novo, numa delas, retratado dentro da banheira, desnudo, bem como uma fotografia de um veículo da marca ..., cuja matrícula está registada em nome do arguido - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
18. Ainda no âmbito da mesma investigação desenvolvida pelas autoridades policiais alemãs, detido o suspeito GG, pela prática dos crimes de abuso sexual relativamente a um meio irmão de 7 anos de idade, de um sobrinho menor de 14 anos de idade e ainda do enteado do FF, com 9 anos de idade.
19. Sucede que, o arguido manteve com este uma conversação, no período entre os dias 27 de fevereiro de 2020 e 11 de março de 2020, utilizando os perfis “HH” e “HH”, no decurso da qual partilhou com este quatro ficheiros de vídeo, que o mesmo explicou ter recolhido numa sala de videochamada, onde se observa, num deles, um menor de 14 anos de idade, do sexo masculino, desnudo, dentro de um balneário a manipular a zona genital, bem como a introduzir o cabo de uma escova de dentes no ânus,
20. e, num outro a zona genital do arguido, a ser masturbada até ejacular, explicando que obteve tal ficheiro nas redes sociais, fazendo passar-se por uma rapariga, menor de 14 anos de idade - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual..
21. Para além disto, através do messenger das aplicações ... e ..., o arguido enviou a GG vários ficheiros de fotografias dos filhos desnudos, designadamente na banheira,
22. relatando-lhe, ainda, que abusava sexualmente de um vizinho, menor de 14 anos de idade – designadamente, II, nascido em .../.../2008 -, a quem já tinha exibido vídeos de teor pornográfico envolvendo menores e, de
seguida, mantido práticas sexuais com o mesmo - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.. 23. Isto dito, entre 2010 e 2021, o arguido procedeu ao download de, pelo menos, 139079 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia de menores - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
24. Com efeito, no período compreendido entre os anos de 2019 e 2020, no interior da sua habitação referida em 2. ou em locais públicos sitos em ..., o arguido, utilizando uma aplicação que tinha instalado no seu telemóvel para recolher imagens sem que as pessoas se apercebessem, fotografou, pelo menos, 50 vezes, os seus dois filhos, AA e EE, à data com 11 e 8 anos de idade, sozinhos, desnudos, a tomar banho, a despirem-se ou a trocar de roupa, com a zona genital exposta e, em algumas delas, com o rosto exposto, ou ainda quando, acompanhados de outros menores, amigos destes, no interior dos balneários masculinos das piscinas municipais de ..., sempre que estes estavam desnudos e com a região genital exposta – cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
25. Na posse de tais imagens - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual -, o arguido partilhou-as com os utilizadores dos grupos de pedofilia de que fazia parte, permitindo que estes tivessem acesso a tais imagens, em número não apurado, mas nunca inferior a 50, e obtendo deles, como moeda de troca, ficheiros de imagens de igual teor, relativas aos seus filhos menores ou a outras crianças menores de 14 anos.
26. Em data não apurada do ano de 2020, mas nunca posterior ao dia 11 de março de 2020, o arguido gravou uma videochamada que efetuou com um menor, que lhe disse ter 12 anos, de nacionalidade brasileira, que conheceu na rede social ..., inicialmente, através de um perfil falso, onde se fazia passar por uma rapariga menor de idade e, posteriormente, depois de lhe ter revelado a sua identidade verdadeira e a sua idade, e o menor não ter manifestado oposição à continuidade das conversas de cariz sexual, através do seu perfil verdadeiro.
27. No decurso da referida videochamada, o menor de 12 anos, de identidade não apurada, e o arguido masturbaram-se mutuamente - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
28. Na posse de tal ficheiro de gravação, o arguido partilhou-o e divulgou-o por inúmeros utilizadores das redes sociais de pedofilia onde se encontrava inscrito, designadamente com o FF e com o GG, que partilhavam da mesma tendência sexual do arguido - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
29. Em data não apurada, mas situada no mês de junho de 2020, num sábado, após o levantamento do primeiro confinamento, o arguido levou os seus dois filhos menores, AA e o EE, juntamente com os menores JJ, nascido em .../.../2008, e KK, nascido em ..., às piscinas municipais de ..., para passarem lá a tarde.
30. No final, depois de tomarem banho, o arguido, que já tinha se adiantado em relação aos menores, aguardava a saída dos seus filhos e dos menores JJ e KK do chuveiro, com o telemóvel na mão, e assim que destes apareceram, totalmente desnudos, fotografou-os, nesse estado, sem nada lhes dizer - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
31. Na posse de tais imagens - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual - o arguido partilhou-as e divulgou-as por um número indeterminado de utilizadores das redes sociais de pedofilia onde se encontrava inscrito, designadamente com o FF e com o GG, que partilhavam da mesma tendência sexual do arguido.
32. Em data não apurada, mas situada no Verão do ano de 2020, o menor II, vizinho do arguido, foi passar a tarde com os filhos menores deste, na habitação mencionada em 2., onde tinha sido montada uma piscina para eles utilizarem.
33. Nas reportadas circunstâncias, o arguido decidiu abordar o menor II, à data, com 11 anos de idade, para o aliciar a manter com ele contactos de natureza sexual.
34. Na concretização deste seu desígnio, o arguido, apercebendo-se da aproximação do menor II, que se dirigiu à garagem da habitação, onde aquele se encontrava a tratar da manutenção do seu veículo Mini, de matrícula GN-..-.., ativou no seu telemóvel um vídeo de adultos, de conteúdo pornográfico, e de seguida, bloqueou o telemóvel, deixando-o dentro do seu veículo.
35. Quando o menor II ali chegou, o arguido, aproveitando-se da circunstância de se encontrar sozinho com ele naquele espaço, pediu-lhe que fosse buscar o seu telemóvel e que o desbloqueasse, o que aquele fez, permitindo, assim, que o menor acedesse ao vídeo de conteúdo pornográfico, para o excitar sexualmente e para iniciar com ele uma conversa sobre aquele temática.
36. Nesse contexto, o arguido perguntou ao II se este se masturbava e, perante a resposta positiva e a excitação sexual que sentiu, pediu logo ao menor que o fizesse ali
e à sua frente, conduzindo-o para a sala.
37. Ato contínuo, o arguido pediu ao menor II que se desnudasse e, de seguida,
começou a acariciar o pénis do menor com as suas mãos, com sucessivos movimentos de vaivém, para o masturbar.
38. Após, o arguido colocou o pénis do menor na sua boca e efetuou sucessivos movimentos de vaivém.
39. No final, o arguido masturbou-se a si próprio na presença do menor, até ejacular no chão.
40. Em data não apurada, mas situada no mês de setembro de 2020, o menor II
, pretendendo utilizar a piscina, deslocou-se à residência do arguido, onde este se encontrava sozinho.
41. Nas reportadas circunstâncias, o arguido decidiu abordar novamente o menor II, para manter com ele contactos de natureza sexual.
42. Na concretização deste seu desígnio e uma vez que o tio do menor se encontrava a cortar as sebes no quintal da propriedade vizinha, o arguido encaminhou o menor para dentro de casa, mais concretamente para a sala.
43. Uma vez aí, o arguido pediu ao menor II que se despisse, ficando nu, e de seguida, começou a acariciar o pénis do menor com as suas mãos, com sucessivos movimentos de vaivém para o masturbar.
44. Após, o arguido colocou o pénis do menor na sua boca e efetuou sucessivos
movimentos de vaivém.
45. No final, o arguido masturbou-se a si próprio, na presença do menor, até ejacular no chão.
46. Em janeiro de 2021, o arguido adquiriu um novo serviço de internet com mais
“plafond”, que lhe permitisse aceder, através do seu telemóvel e de computador portátil, a novos conteúdos de ficheiros de imagem e de vídeo envolvendo menores de 14 anos de idade, acedendo, novamente, através da aplicação ..., a novos ficheiros de pornografia infantil que adquiriu e partilhou com vários utilizadores de diversas nacionalidades, que fazem do mesmo grupo a que pertencia.
47. No desenvolvimento daquela atividade de procura, importação, exportação e divulgação de ficheiros de pornografia infantil, no dia 14 de maio de 2021, o arguido criou um grupo na rede social “...”, com a designação “...”, ao qual associou uma fotografia de uma criança que, pelo rosto e estrutura corporal, aparenta ter menos de 10 anos de idade, com o objetivo de intensificar e expandir a divulgação e troca de tais conteúdos de cariz pornográfico com menores de 14 anos.
48. Para tanto, enviou várias mensagens aos utilizadores dos grupos que já frequentava para divulgação e troca dos referidos conteúdos, perguntando-lhes se algum “era produtor”, ou seja, “se alguém criava os seus próprios conteúdos de pornografia de menores”.
49. Desde o dia .../.../2021 até ao dia 15 de maio de 2021, o arguido obteve a entrada neste seu grupo de quatro novos membros, indivíduos de nacionalidade estrangeira, tendo um deles remetido um ficheiro contendo registos de uma zona genital de um menor do sexo masculino, tendo o arguido partilhado com eles 39 ficheiros de imagem em que se vislumbra o pénis e a região anal de menores de idade que, pela estrutura corporal, aparentam ter menos de 14 anos de idade - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
50. Para além disso, no dia 15 de maio de 2021, o arguido ainda detinha ativas duas contas do ... que criou, numa delas fazendo-se passar por uma rapariga, com o nome “DD” e, uma outra, onde se fazia passar por um rapaz, com o nome “LL”, com o objetivo de realizar abordagens de cariz sexual e pornográfico de outros perfis de menores de 14 anos e obter deles ficheiros de vídeo ou fotografia de teor pornográfico, para posterior visualização própria e exportação e divulgação dos terceiros.
51. No dia 15 de maio de 2021, no interior da residência do arguido, referida em 2.,
encontravam-se os seguintes objetos, contendo ficheiros de conteúdo pornográfico - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual – envolvendo menores de 14 anos de idade:
a. no sótão: 1 (um) computador portátil, da marca ..., modelo ...;
b. 1 (um) telemóvel utilizado pelo arguido, da marca ..., modelo ..., com os IMEI’s ...33 e ...31, onde funciona o número de telemóvel ...30.
52. Nesse mesmo dia, no veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-..-VQ,
propriedade da sociedade T... - Sociedade de Transportes, na disponibilidade do arguido, para desempenho das duas obrigações profissionais, e no decurso da mesma, encontravam-se:
a. 1 (um) telemóvel da marca ..., com o IMEI ...02;
b. 1 (um) disco externo da marca ...” com o número de série ..., com 120GB de memória;
c. 1 (um) computador portátil da marca ... 210, número de série ...;
d. 2 (dois) cartões SIM das redes “...”, “...”;
e. 1 (um) dispositivo USB de cor ...;
f. 1 (um) cartão de memória da marca “...” 128MB;
g. 1 (um) dispositivo USB com 1GB;
h. 1 (um) disco rígido “...” com o número de série ..., com 320 GB de capacidade;
i. 1 (um) disco rígido da marca ...” com o número de série ..., com capacidade de 80GB;
j. 1 (uma) representação de um pénis em borracha;
k. 1 (um) disco externo da marca ... com o número de serie ... com capacidade de 1 TB; e,
l. 1 (um) telemóvel da marca ...” modelo ... com o IMEI ...32, contendo um cartão SIM da operadora “...”.
53. No período compreendido entre janeiro e fevereiro de 2021, o arguido manteve conversações, de teor sexual, com troca de fotografias e vídeos exibindo órgãos genitais e atos sexuais, com jovens, menores de 14 anos – cujo teor de fls. 628 a 790 se dá por integralmente reproduzido por questões de economia processual -, designadamente, com os utilizadores MM, Eu NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ e com grupo “...”.
54. Destes utilizadores, apenas se logrou apurar a identidade de OO, nascido em .../.../2010, PP, nascido a .../.../2007, QQ, nascido em .../.../2007, SS, nascido em .../.../2009, TT, nascido em .../.../2009, AAA, nascido em .../.../2008, BBB, nascido em .../.../2010, CCC, nascido em .../.../2010 e DDD, nascido em .../.../2008.
55. Nesta senda, no período compreendido entre os dias 22 de março de 2021 e 8 de maio de 2021, o arguido manteve conversações com o utilizador gravado com o nome “XX”, associado ao número ...49, correspondente a BBB, nascido em .../.../2010.
56. Durante as referidas conversações, o arguido enviou-lhe duas fotografias, onde se visualiza um pénis, que aparenta ser de um menor de 14 anos de idade, bem como de
uma zona nadegueira.
57. De seguida, o arguido pediu ao referido JJ que lhe retribuísse, enviando-lhe ficheiros com o mesmo tipo de conteúdo.
58. Assim, no dia 8 de maio de 2021, o arguido remeteu uma mensagem pelo messenger do ... a XX, dizendo-lhe: “chupava-te a pila, espera vou-te mostrar como se bate”,
59. enviando-lhe, de seguida, um ficheiro de vídeo, com 20 segundos de duração, de um indivíduo do sexo masculino, aparentemente menor de 14 anos de idade, a masturbar-se e a ejacular.
60. Nesse mesmo período, o arguido, utilizando o perfil de ... “...” ou a sua conta do ... (...), e dizendo que tinha 12 anos de idade, enviou mensagens:
a. a OO, entre 18 de fevereiro de 2021 e 23 de fevereiro de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos, de ambos os sexos, despidos, a praticar coito anal e oral e pedindo-lhe que lhe enviasse fotografias suas, despido, o que o mesmo não fez;
b. a AAA, entre 10 de março e 25 de março de 2021, enviando-lhe fotografias de órgãos genitais masculinos, o que fez com o mesmo o bloqueasse. No entanto, posteriormente, o arguido disse ao referido menor que lhe oferecia dinheiro para utilizar no jogo “...”, se, em troca, este lhe remetesse fotografias despido, a exibir o pénis, o que nunca fez.
c. a EEE, entre 10 de fevereiro e 12 de maio de 2021, perguntando-lhe se gostava de ver vídeos de pornografia e se se masturbava, enviando-lhe um ficheiro, de um menor da sua idade, totalmente despedido, a masturbar um pénis ereto. O referido menor acabou por remeter ao arguido um vídeo seu, no qual exibia a zona genital enquanto se masturbava;
d. a SS, em 19 de março de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos de ambos os sexos, despidos e a manter contactos sexuais, o que fez com este o bloqueasse;
e. a PP, entre 15 de fevereiro de 2021 e 23 de fevereiro de 2021, questionando-o “se batia punheta?” e enviando-lhe três fotografias de mulheres, completamente despidas;
f. a QQ, entre 9 e 10 de março de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos, de ambos os sexos, a manterem contactos de natureza sexual, questionando-o se se masturbava e remetendo-lhe duas imagens de um pénis despido.
g. a CCC, entre 17 de fevereiro e 10 de maio de 2021, nos termos descritos em f., que lhe chegou a remeter uma fotografia do seu pénis despido, após a insistência do arguido.
61. Pela aplicação “...”, em datas não concretamente apuradas, partilhou, pelo menos, 46 ficheiros de imagem e vídeo onde constam menores do sexo masculino, com menos de 14 anos de idade, em atos sexuais ou a exibir partes íntimas - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
62. Já no que concerne à aplicação “...”, o arguido tinha aí configurada uma conta identificada como “...”, associada ao número ...81, utilizado pelo arguido.
63. Aí, manteve conversações – cujo teor de fls. 794 a 814 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual -, com partilha de ficheiros de cariz sexual, em diferentes formatos, com os utilizadores FFF, GGG, ..., Chatt de ..., ..., ..., ..., D..., ..., ..., I..., ..., (letraschinesas), ..., ..., ..., HHH, III, ..., ..., ..., JJJ, KKK e LLL Da.
64. De facto, nessa sede, o arguido enviou:
a. a GG, no dia 3 de março de 2020, 3 ficheiros de vídeos, nos quais é possível visualizar um menor, do sexo masculino, com menos de 14 anos de idade, a masturbar o pénis e a inserir o cabo da escova de dentes na zona anal e, no dia 10 de março de 2020, uma captação de videochamada com o mesmo menor, a exibir a zona genital;
b. a FFF, 1 ficheiro de um menor, com menos de 10 anos de idade, entre 15 e 16 de março de 2021;
c. a JJJ, 3 ficheiros de cariz sexual, envolvendo menores de 14 anos, no dia 10 de abril de 2021;
d. a LLL, no dia 14 de abril de 2021, 1 ficheiro de imagem onde se pode ver a zona genital de um menor de 14 anos, do sexo masculino;
e. no dia 21 de abril de 2021, a uma conta entretanto excluída, 13 ficheiros de imagem e 12 ficheiros de vídeo, nos quais constavam m menor do sexo masculino a manter comportamentos sexualizados;
f. nesse mesmo dia, com o perfil D..., 13 vídeos e 14 imagens com menores do sexo masculino a praticar atos sexuais ou a exibir partes íntimas do corpo;
g. ainda nesse dia, a III, 25 ficheiros de imagem e vídeo do mesmo teor;
h. no dia 30 de abril de 2021, a ... 33, 1 ficheiro onde se vislumbra um menor de 14 anos, totalmente despido;
i. no dia 13 de maio de 2021, ao grupo ..., 39 ficheiros de imagem nos quais se vislumbra a zona anal e genital de um menor de 14 anos;
j. em data não concretamente apurada, a HHH, 3 ficheiros de vídeo do
mesmo teor.
65. Em suma, entre todos estes utilizadores, o arguido partilhou, pelo menos, 93 ficheiros, de vídeo e imagem, exibindo menores de 14 anos, despidos.
66. Na aplicação “...” o arguido tinha configurado um perfil denominado “...”, com o registo fotográfico de um menor do sexo masculino, com menos de 10 anos de idade, despido, estabelecendo, aí, 14 conversações diferentes, sempre com referências a menores, e cujo teor de fls. 815 a 867 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
67. Concretamente, remeteu:
a. ao perfil I..., 1 ficheiro de vídeo no qual se observa uma zona genital de um menor com menos de 8 anos de idade;
b. ao grupo ..., 3 ficheiros de imagens do mesmo teor;
c. ao grupo ..., 2 ficheiros de imagem de uma zona genital masculina de um menor, com menos de 10 anos de idade.
68. Do mesmo modo, na aplicação “...”, o arguido configurou um perfil com a mesma designação, na qual partilhava vídeos contendo menores de idade de ambos os sexos, de cariz sexualizado, e cujo teor de fls. 868 a 875 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
69. Independentemente de se encontrar expressamente indicado nos locais devidos, é de referir que todos os factos denunciados encontram sustentação nos elementos do processo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, por razões de economia processual.
70. O arguido, ao proceder nos termos supra descritos, agiu sempre motivado pelo propósito de satisfazer os seus instintos sexuais.
71. Não ignorava o arguido que os ofendidos, pessoas a quem tirou fotografias de cariz pornográfico e partilhou nas redes sociais, entre outros, em grupo de pedofilia internacional, aliciando também, com sucesso, entre outros, o II a manter com ele diversos contactos de natureza sexual, mantendo com ele conversas e formulando propostas de teor sexual, eram, na ocasião, menores de idade – com as idades acima referidas - e que os comportamentos que prosseguia eram atentatórios da
sua liberdade e autodeterminação sexual.
72. O arguido sabia que os contactos que promovia com o menor II, tal como supra descritos, eram atos sexuais de relevo, um deles consistente em coito oral.
73. Sabia que molestava e punha em causa a autodeterminação sexual do menor.
74. Sabia ainda que o mesmo tinha, à data, 11 anos de idade, circunstância que não o impediu de agir do modo descrito, o que quis e fez, com o propósito de satisfazer os seus impulsos sexuais.
75. O arguido fotografou os seus filhos, despidos, sabendo que não os podia fotografar naqueles modos, ainda mais por serem menores e fez o mesmo com outros amigos destes, da mesma faixa etária, aproveitando-se do facto de se relacionarem bem com os mesmos e de os acompanhar em atividades do dia-a-dia.
76. Sabia, ainda, nesta sede, que violava dos mais elementares deveres dos progenitores para com os filhos, de proteção e educação, revelando total desprezo pelos mesmos e demonstrando ser indigno do exercício das suas responsabilidades parentais.
77. Ademais, arguido bem sabia que as imagens e vídeos que descarregava e/ou obtinha eram de conteúdo pornográfico, exibindo menores e, não obstante, deteve e partilhou-as com diversos utilizadores.
78. No mais, o arguido partilhou essas mesmas imagens e vídeos, obtidos na internet, junto de menores, ou mesmo próprios seus, partilhando-os com menores, com idades inferiores a 14 anos, aliciando-os a enviar outros ficheiros e agindo, perante estes, de forma atentatória para com a sua liberdade e autodeterminação sexual,
79. bem sabendo que prejudicava o seu desenvolvimento, nesta esfera.
80. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal.
Incorreu, assim, o arguido, na prática, dolosamente, em autoria material e em concurso efetivo, nos termos conjugados dos artigos 14º, nº 1, 26º e 30º, nº 1 do Código Penal, de:
- dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171º, nºs 1 e 2 do Código Penal;
- nove crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos nos termos do artigo 171º, nº 3, alínea a) e b) do Código Penal;
- cinquenta e quatro crimes de pornografia de menores, previstos e punidos nos termos do artigo 176º, nº 1, alíneas b) e c) e nº 8 do Código Penal, com as agravações previstas no artigo 177º, nº 1, alínea a) e n.º 7 do mesmo diploma, com a pena acessória prevista no artigo 69º-C, nº 3 do mesmo diploma.
- cento e trinta e nove mil duzentos e sessenta e oito crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176º, nº 1, alíneas b), c) e d) e nº 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177º, nº 7 do mesmo diploma.
Prova Declarações de arguidos
1. Declarações do arguido, prestadas perante o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, a folhas 353 a 376, cuja reprodução desde já se requer, nos termos do artigo 357 º, n º 1 alínea b), do Código de Processo Penal. Declarações para memória futura
(...) Testemunhal
(...) Pericial
1. Exame preliminar – fls. 242 a 248;
2. Relatório – fls. 601 a 619;
3. Exame pericial aos smartphones, computadores portáteis, discos externos, discos rígidos, dispositivos USB e cartão de memória do arguido – Apenso I. Documental
1. Documentação relativa à investigação “...” – fls. 29v a 145 e 189 a 222.
2. Auto de visionamento de suporte digital – fls. 147 a149;
3. Ficha de registo automóvel – fls. 160;
4. Ficha de registo automóvel – fls. 161;
5. Auto de busca e apreensão – fls. 227 a 230 e 233 a 241;
6. Auto de visionamento – fls. 250 a 251;
7. Assento de nascimento de AA – fls. 440;
8. Assento de nascimento de EE – fls. 442;
9. Assento de nascimento de II – fls. 443;
10. Assento de nascimento de JJ – fls. 445;
11. Assento de nascimento de KK – fls. 447;
12. Assento de nascimento de MMM – fls. 440;
13. Assento de nascimento de NNN – fls. 449;
14. Auto de visionamento de suporte digital – fls. 620 a 875 e 1201 a 1391;
15. Assento de nascimento de OO – fls. 1465;
16. Assento de nascimento de AAA – fls. 1467;
17. Assento de nascimento de EEE – fls. 1469;
18. Assento de nascimento de BBB – fls. 1471;
19. Assento de nascimento de PP – fls. 1473;
20. Assento de nascimento de QQ – fls. 1474;
21. Assento de nascimento de CCC – fls. 1476.
*
II.
Atendendo aos requisitos gerais do art.º 204.º, do Código de Processo Penal, e uma vez que se mostram inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação medida de prisão preventiva ao arguido, sendo certo que com a dedução de acusação se reforçam tais pressupostos, promovo que o mesmo aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à referida medida de prisão preventiva, nos termos dos artigos 191.º, 193.º, n.º 1, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea b), este por referência ao art.º 1.º, alínea j), e 204.º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal. Conclua os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal ..., para os efeitos do disposto no art.º 213.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
(...)”.
*
2. Notificado daquele despacho de acusação, e inconformado com o mesmo, requereu o arguido a abertura da instrução, nos termos constantes da peça processual cuja cópia se mostra junta a fls. 62/ 64 Vº.
Afirmando, a final, a pretensão de não pronúncia (pelo menos parcial), pretensão essa que, em síntese, tem subjacente a seguinte argumentação:
- Após o primeiro interrogatório judicial não mais foi ouvido na fase de inquérito, designadamente quanto aos novos factos levados à acusação, o que configura não só a nulidade prevista no Artº 120º, nº 2, al. d), do C.P.Penal, como a sua não audição na fase de inquérito sobre esses novos factos atenta contra as garantias de defesa e o direito a um processo justo, o que configura violação do disposto nos Artºs. 32º, nº 1 e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa;
- Os novos factos e crimes imputados – para além do que lhe foi imputado em sede de interrogatório judicial – não se encontram suficientemente indiciados, tal como não se encontra suficientemente indiciado o segundo episódio de que teria sido vítima o menor II
*
3. Distribuídos os autos como “instrução” ao Juízo de Instrução Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., o Mmº Juiz declarou aberta a fase de instrução e após a realização do debate instrutório [que teve lugar no dia 02/09/2022 - cfr. acta cuja cópia consta de fls. 83/84], em 08/09/2022 proferiu a decisão instrutória cuja cópia se mostra junta a fls. 95/153, a qual se transcreve, na parte que ora interessa considerar:
“1. Relatório. 1.1. A acusação pública.
A final do inquérito o Ministério Público proferiu despacho de acusação (fls. 2150 e ss – 8.º vol.), para julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de factos que no seu entendimento consubstanciam o cometimento pelo mesmo, em autoria material e concurso efectivo (artigos 14.º/1, 26.º e 30.º/1 do Código Penal), de:
- 2 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º/1 e 2 do Código Penal;
- 9 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do artigo 171.º/3-a) e b) do Código Penal;
- 54 crimes de pornografia de menores, p. e p. nos termos do artigo 176.º/1-b) e c) e 8 do Código Penal, com a agravação do artigo 177.º/1-a) e 7 do mesmo diploma e com a pena acessória prevista no artigo 69.º-C/3 do mesmo diploma.
- 139.268 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177.º/7 do mesmo diploma.
1.2. O requerimento de abertura da instrução.
Veio o arguido (fls. 2331 e ss) requerer a abertura da instrução, afirmando a final a pretensão de não pronúncia (pelo menos parcial), no essencial dizendo que:
- após o primeiro interrogatório judicial não mais foi ouvido na fase de inquérito, designadamente quanto aos novos factos levados à acusação, o que configura não só a nulidade prevista no artigo 120.º/2-d) do CPP, como a sua não audição na fase de inquérito sobre esses novos factos atenta contra as garantias de defesa e o direito a um processo justo, o que configura violação do disposto nos artigos 32.º/1 e 20.º/4 da Constituição da República Portuguesa;
- os novos factos e crimes imputados - para além do que lhe foi imputado em sede de interrogatório judicial – não se encontram suficientemente indiciados, tal como não se encontra suficientemente indiciado o segundo episódio de que teria sido vítima o menor II
1.3. As diligências instrutórias.
Por despacho de fls. 327 foi declarada aberta a instrução.
O arguido não quis prestar declarações na fase da instrução.
Realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo, como da acta consta.
2. Saneamento.
O Tribunal é o competente.
O MP tem legitimidade.
2.1. Da nulidade parcial da acusação.
Consta da acusação (artigo 23) que: Isto dito, entre 2010 e 2021, o arguido procedeu ao download de, pelo menos, 139079 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia de menores - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
E a final o MP faz corresponder a cada download um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177.º/7 do mesmo diploma.
Dispõe o artigo 283.º/3-b) do CPP que: A acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada
No caso não se oferece dúvida que a acusação no referido artigo 23 não descreve minimamente factos, porquanto nela apenas se faz constar uma descrição genérico conclusiva (com referência à acção: download) utilizando os dizeres legais, “ficheiros e vídeos de pornografias de menores”, o que impossibilita qualquer direito de defesa e que nem sequer considera as alterações no tempo do tipo de crime em causa (vejam-se no período de 2010 a 2021 as alterações aos artigos 176º e 177º do CP resultantes das leis 83/2015, de 05/08, 103/2015, de 24/08, 101/2019, de 06/09, e 40/2020, de 18/08).
Ficando claramente a ideia de que para o MP a circunstância de o arguido ter procedido durante um determinado período de tempo alargado (11 anos) a downloads (de pelo menos 139.079 ficheiros), só por si integra várias modalidades típica de acção, que não diz, mas a encontrar nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do referido artigo 176º, como se nelas não houvessem diferentes previsões típicas.
Nem mesmo a remissão cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual se pode considerar fundamento para afirmar bondade ao assim genérico-conclusivamente narrado.
Pois como se afirma no acórdão do TC 674/99 “… efectuar meras remissões para documentos juntos aos autos, sem referência expressa ao seu conteúdo - e, principalmente, sem referir explicitamente o seu significado, porque se não esclarece com precisão qual a conduta criminosa que deles se pretende extrair e que através deles se pretende comprovar - não pode então constituir, como pretende o MP, uma mera «simplificação» da acusação e da correspondente pronúncia, ainda compatível com aquelas exigências de clareza e narração sintética dos factos imputados ao arguido e, consequentemente, com a virtualidade de permitir uma futura condenação também com base nesses factos apenas indirecta e implicitamente referidos, sem que se considere ter verdadeiramente ocorrido uma alteração dos factos, mas tão-só a sua «explicitação», como se sustenta no acórdão recorrido. Com efeito, um tal entendimento afrontará irremissível e irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e o princípio do acusatório, assegurados no artigo 32º da Constituição”
Como se disse, com referência aos referidos downloads de 139.079 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia de menores estão ao arguido imputados, em concurso efectivo, outros tantos crimes, na revisão das três alíneas referidas, sem que se perceba sequer qual o número de vítimas e se o arguido ainda detinha (aquando da busca: lembre-se que a detenção importa uma permanência de conduta-antijurídica) alojados os referidos ficheiros no sistema informático ou se apenas, com referência a tais downloads, havia o registo de terem ocorrido no referido período de 11 anos.
Ora, independentemente da posição que se acolha sobre a controvérsia do concurso efectivo neste tipo de situações (ver o estudo recente do Senhor Juiz Desembargador João Pedro Pereira Cardoso, Revista Data Vénia (online), ano 10, nº 13), como se afirma neste estudo, citando o acórdão do STJ de 06/04/2016 (Conselheiro Santos Cabral), a determinação concreta do número de actos ilícitos que devem ser imputados é um tema que convoca a forma como se faz a investigação criminal e a diligência acusatória e não uma questão de dogmática penal entre unidade e pluralidade de crimes.
E tal como diz Helena Moniz, in o crime de trato sucessivo, Revista Julgar Online, Abril/2018, p. 23, “não nos podemos bastar com imputações genéricas, devemos, tanto quanto possível, especificar a conduta típica e ilícita praticada, com indicação do tempo, lugar e modo da prática do acto; imputações genéricas e imprecisas constituem uma possível lesão do contraditório e do efectivo exercício do direito de defesa”.
Além do acima referido a afirmada acção típica refere-se apenas à realização de downloads.
Acontece que tal modalidade de acção, sem a intenção específica, não encontra previsão em qualquer das referidas alíneas do nº 1, antes apenas no nº 5: Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do nº 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
Mas apenas com referência aos materiais referidos na al. b):Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim.
Sendo certo que (independentemente de questões, v.g., ligadas relacionadas com a prescrição, quando se utiliza um período de tempo entre 2010 e 2021), também aqui a narrativa acusatória não pode bastar-se com os dizeres legais.
Ora, no caso concreto a narrativa acusatória, tal como o MP o fez no referido artigo 23, não acolhe minimamente as exigências legais e como tal fere, nesta parte, a acusação de nulidade, o que decido.
2.2. Das nulidade/inconstitucionalidades invocadas.
Nos termos do disposto no artigo 120.º/2-d) do CPP constitui nulidade, dependente de arguição (no caso a arguir até ao encerramento do debate instrutório (n.º3-c) do CPP), a insuficiência do inquérito, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios.
No caso concreto o arguido entende que ao não ter sido confrontado, na fase de inquérito com a totalidade do conjunto fáctico constante da acusação – porquanto apenas foi confrontado com parte deles, concretamente os factos constantes do auto de interrogatório judicial – relativamente a esses factos, com os quais não foi confrontado, não foi praticado um acto legalmente obrigatório na fase de inquérito.
Ou seja, face à dedução da acusação (com a qual foi encerrado o inquérito) entende o arguido que o MP, antes de a deduzir, o deveria ter ouvido relativamente aos factos novos (porquanto com eles não foi confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial), o que o MP deveria ter feito em sede de interrogatório ao abrigo do artigo 144.º do CPP.
Como não o fez ocorre a referida nulidade (de inquérito) que o arguido entende (ao que se apreende) determinar que todo o processo retorne à fase de inquérito.
Face ao decidido em 2.1., está expurgada da acusação a imputação ao arguido da prática de 139.079 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177º/7 do mesmo diploma.
Para além do assim decidido, com o devido respeito, a posição do arguido não merece acolhimento.
Como resulta dos autos, em determinado tempo processual, o arguido foi confrontado com uma determinada realidade fáctica em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
E ao sê-lo foi dado cumprimento ao disposto no artigo 272.º/1 do CPP “Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido …”.
Está assim claro nos autos que o acto legalmente obrigatório (interrogatório do arguido) foi praticado em sede de inquérito.
É certo que não foi confrontado exactamente com a realidade fáctica que veio a constar da acusação.
Mas também é certo que o Tribunal Constitucional já decidiu (acórdão 72/2012) que “da Constituição não resulta a exigibilidade do conhecimento preciso de todos os factos que venham a ser inseridos na acusação e em momento anterior à formulação desta”.
E como se diz no referido acórdão “…tendo em conta o desenho do processo penal recortado no nosso sistema jurídico, não pode deixar de considerar-se a acusação como constituindo ainda um momento de instrução (conquanto inserida no seu encerramento) e a sua notificação ao arguido como consubstanciando também a sua audição sobre os factos da mesma, até porque este, no exercício dos seus direitos de defesa e de contraditório, pode sempre lançar mão do pedido de instrução e de audição sobre a factualidade sobre a qual, porventura, não tenha já sido ouvido”.
E o arguido persiste num argumentário que esbarra com o acima entendimento, ao ponto de afirmar nos autos que em sede de instrução que não pretende pronunciar-se sobre os factos da acusação que não foi confrontado em sede de interrogatório judicial.
É livre de o fazer.
Tanto que o fez – não prestou declarações na fase de inquérito.
Agora não é por assim o entender que ocorre a referida nulidade.
E já se viu que também não ocorre qualquer inconstitucionalidade.
Como se sabe a obrigatoriedade de interrogatório do arguido visa impedir que o inquérito seja encerrado com uma acusação surpresa, impondo-se que o confronto do arguido com os factos ocorra relativamente aos factos essenciais vertidos na acusação.
No caso, vistos os factos com que o arguido foi confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial (cfr. auto de interrogatório judicial), vemos que o confronto aconteceu com o essencial constante da acusação, tanto mais em face do ora decidido em 2.1..
Na verdade, não só o modus operandi desenvolvido pelo arguido está aí claro, nos mesmos termos que ora está na acusação, como a factualidade essencial constante da acusação é um repositório mais ou menos fidedigno da factualidade com que foi confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial.
Se a final (após o interrogatório) o enquadramento jurídico dado aos factos com que foi confrontado foi pela prática de 2 crimes de abuso sexual de criança (artigos 171.º/2 e 3-b) do CP) e de 52 crimes de pornografia de menores agravados (artigos 176.º/1-b), c) e d) e 177.º/7 do CP), enquanto na acusação o número de crimes de abuso sexual de criança e de pornografia de menores é bem maior, tal não tem necessariamente a ver com o essencial da factualidade com que foi confrontado, mas antes como uma definição mais precisa do enquadramento jurídico desses factos, no âmbito da construção dogmática da pluralidade de crimes.
Isto para dizer que (também em face do decidido em 2.1.) não ocorre qualquer das inconstitucionalidades invocadas, seja no quadro da violação das garantias de defesa ou do direito a um processo equitativo (artigos 32º/1 e 20º/4 da Constituição da República Portuguesa).
Não existem outras nulidades, inconstitucionalidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
3. Fundamentação. 3.1. As finalidades da instrução.
Como se sabe, nos termos do disposto no artigo 286º/1 do Código de Processo Penal, com a fase processual penal (facultativa) de instrução visa-se a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, não estando, consequentemente, em causa a realização de um novo inquérito, mas a comprovação, por parte do juiz de instrução criminal da decisão proferida pelo Ministério Público, de acusação ou de arquivamento, sem prejuízo de o juiz de instrução instruir autonomamente os factos em apreço e não se limitar ao material probatório carreado para os autos.
Mas a instrução não é um julgamento antecipado, antes apenas uma fase (facultativa) que se destina (no que interesse ao caso dos autos) a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação (pública),
Assim constando do processo elementos probatórios que dão solidez suficiente aos factos imputados pelo MP, a versão mesmo que enfraquecedora eventualmente produzida na fase da instrução nada mais deixa nos autos do que duas versões eventualmente contraditórias dos factos: mas duas versões dos factos que apenas o julgamento pode dirimir, pelo que, nos termos do artigo 308º/1 do Código de Processo Penal, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia.
Estabelece o artigo 283.º/2 do Código de Processo Penal, que a suficiência de indícios se encontra dependente de deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Assim, como vem referindo a jurisprudência, em primeiro lugar impõe-se um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, importa indagar de todos os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, que conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada.
Caso se opere essa adequação, proceder-se-á, em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação do(s) facto(s) criminoso(s) ao(s) arguido(s).
A finalizar, cabe efectuar um juízo de prognose condenatório, pelo qual se possa concluir a razoável possibilidade de o arguido vir a ser condenado por esses factos e vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.
Fixadas as directrizes que, de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, a presente decisão abordará a questão de saber se (in)existe prova indiciária que permita sustentar a factualidade vertida na acusação e imputada ao arguido, bem como, havendo-a, se permite afirmar o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo dos tipos de crimes imputados pelo MP.
3.2. Os factos suficientemente indiciados:
1. O arguido AA trabalhava como motorista de transportes de mercadorias para a sociedade “T... - Sociedade de Transportes, Lda.”, sendo frequente, no exercício da sua atividade profissional, deslocar-se à ..., onde permanecia por alguns períodos de tempo.
2. Porém, sempre que se encontrava em território português, o arguido residia na habitação sita na Rua ..., ..., ..., com a sua esposa, de nome DD, e com os seus dois filhos menores de idade, AA, nascido em .../.../2008, e EE, nascido em .../.../2011.
3. Desde jovem idade, o arguido, na sequência de relacionamento sexual precoce com jovens do sexo masculino, menores de 12 anos de idade, passou a manifestar propensão e a sentir desejo e excitação em envolver-se sexualmente com rapazes com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos de idade.
4. Tal tendência intensificou-se, a partir do ano de 2008, com o nascimento do seu primeiro filho.
5. Assim, pelo menos desde o ano de 2008, o arguido passou a socorrer-se da internet para procurar, importar e divulgar inúmeros ficheiros contendo imagens e vídeos de pornografia de menores, que obtinha junto de crianças, através de perfis “falsos” que criava, para o efeito, em nome de menores de ambos os sexos, com a finalidade de obter delas ficheiros de imagens e vídeos onde estas se exibiam desnudadas, pelo interesse cada vez maior que tinha por este tipo de conteúdos, para depois os partilhar, como “moeda de troca” com outros utilizadores/produtores do mesmo tipo de ficheiros, que, por sua vez, partilhavam ficheiros de idêntico teor, obtidos do mesmo modo.
6. Neste contexto, o arguido, intencionalmente e com aquela finalidade, com recurso ao programa “...” e utilizando como termos de pesquisa “...” e “...”, acedeu a vários ficheiros de vídeo e imagem de pornografia de menores, designadamente de rapazes desnudos e a masturbarem-se na “webcam”, a praticarem relações de coito oral e coito anal entre si, os quais descarregava e ia guardando em suportes óticos, para posterior visualização própria e divulgação por terceiros, para obter mais ficheiros de conteúdo semelhante.
7. Para além disso, também criou, em diversas redes sociais - entre elas, ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., - inúmeros perfis “falsos”, entre outros, denominados “...” e “...”,
8. nos quais se fazia passar por menor de 12 anos, ora do sexo masculino, ora do sexo feminino, consoante a vítima que lhe surgia, associando-se a grupos de jogos online, como o “...” e o “...”, onde interagia com menores, com o objetivo que logrou alcançar de obter deles novos ficheiros de conteúdo sexual e pornográfico, para utilização própria e posterior divulgação por outros utilizadores/produtores com tendência semelhante, como “moeda de troca” para obter destes mais ficheiros com os mesmos conteúdos.
9. No período temporal referido em 5., o arguido produziu, importou, guardou e divulgou centenas de ficheiros – entre fotografias e vídeos - relacionados com pornografia de menores, envolvendo centenas de crianças com menos de 14 anos de idade, que, com aquela finalidade, abordou, através daqueles perfis “falsos” e até diretamente, de forma dissimulada, figurando, em alguns deles, os seus próprios filhos menores e alguns amigos destes, com as mesmas idades.
10. A partir do ano de 2017, o arguido, apercebendo-se de que a maior parte dos menores da faixa etária que pretendia contactar pelas redes sociais, utilizavam preferencialmente o “...”, também aderiu a esta rede social,
11. e, aí, criou inúmeros perfis “falsos”, fazendo-se passar por raparigas pré-adolescentes, menores de 14 anos, conseguindo, assim, enganar vários menores, obtendo deles ficheiros de imagem e vídeos de nudez e prática de atos sexuais envolvendo as referidas crianças e, para evitar ser bloqueado pelo administrador desta aplicação, passou a efetuar um primeiro contacto através do ... e depois conduzia todos os demais contactos e conversações para uma outra aplicação, concretizando a troca de ficheiros que pretendia obter, através do “...”.
12. Como o interesse por tais conteúdos foi sempre aumentando e sentia uma cada vez maior necessidade de falar sobre os seus desejos sexuais relativamente a menores de 14 anos, no ano de 2019, o arguido decidiu inscrever-se em alguns grupos de redes sociais, entre elas, a “...”, “...”, “...” e “...”, onde utilizava os username “...” e “...”, e onde eram abordadas tais temáticas por pessoas com a mesma tendência sexual que a dele, com relatos escritos de experiência na primeira pessoa de envolvimento sexual com menores de 14 anos, nomeadamente de “pais que tinham relações sexuais com os filhos”.
13. Assim, entre dezembro de 2019 e o mês de março de 2020, o arguido passou a integrar uma rede de pedofilia de âmbito internacional, desmantelada pela Polícia Alemã (...), no decurso da investigação denominada “...”, desenvolvida ao longo do ano de 2020, onde foram apreendidos diversos ficheiros informáticos, cujo conteúdo indiciava a prática pelo aí suspeito FF - nascido 25 de abril de 1993, em ... - de inúmeros atos de abusos sexuais relativamente um seu enteado, à data, com 9 anos de idade, bem como permitiu que este menor fosse também explorado e abusado sexualmente por outros indivíduos, durante viagens que realizava e nas quais aquele menor o acompanhava.
14. Concretamente, entre 11 de dezembro de 2019 e 26 de março de 2020, o arguido manteve conversações, através de um chat, com o referido FF, identificando-se com o nome “AA”, onde falavam sobre fantasias sexuais que tinham envolvendo menores de 14 anos de idade.
15. Nesse contexto, no dia 8 de janeiro de 2020, o arguido enviou ao FF dois ficheiros contendo imagens de órgãos genitais masculinos de uma criança menor de 14 anos de idade – cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual. 16. Para além disso, o arguido enviou também uma fotografia do seu filho EE, à data, com 8 anos de idade, desnudo, um vídeo de uma criança a brincar numa mesa, e uma fotografia “selfie” dele próprio com uma peruca e óculos de sol, referindo ainda que se deslocava para uma piscina na companhia de dois amigos dos filhos menores, sendo, neste contexto, acabou por remeter os registos fotográficos da zona genital masculino de uma criança, acrescentando também que o seu dia de aniversário era o 1 de Março - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
17. Enviou, igualmente – através do perfil de ... denominado “AA”, com a URL ... - várias outras fotografias, entre elas, do menor EE, seu filho mais novo, numa delas, retratado dentro da banheira, desnudo, bem como uma fotografia de um veículo da marca ..., cuja matrícula está registada em nome do arguido - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
18. Ainda no âmbito da mesma investigação desenvolvida pelas autoridades policiais alemãs, detido o suspeito GG, pela prática dos crimes de abuso sexual relativamente a um meio irmão de 7 anos de idade, de um sobrinho menor de 14 anos de idade e ainda do enteado do FF, com 9 anos de idade.
19. Sucede que, o arguido manteve com este uma conversação, no período entre os dias 27 de fevereiro de 2020 e 11 de março de 2020, utilizando os perfis “HH” e “HH”, no decurso da qual partilhou com este quatro ficheiros de vídeo, que o mesmo explicou ter recolhido numa sala de videochamada, onde se observa, num deles, um menor de 14 anos de idade, do sexo masculino, desnudo, dentro de um balneário a manipular a zona genital, bem como a introduzir o cabo de uma escova de dentes no ânus,
20. e, num outro a zona genital do arguido, a ser masturbada até ejacular, explicando que obteve tal ficheiro nas redes sociais, fazendo passar-se por uma rapariga, menor de 14 anos de idade - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
21. Para além disto, através do messenger das aplicações ... e ..., o arguido enviou a GG vários ficheiros de fotografias dos filhos desnudos, designadamente na banheira,
22. relatando-lhe, ainda, que abusava sexualmente de um vizinho, menor de 14 anos de idade – designadamente, II, nascido em .../.../2008 -, a quem já tinha exibido vídeos de teor pornográfico envolvendo menores e, de seguida, mantido práticas sexuais com o mesmo - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
23. Com efeito, no período compreendido entre os anos de 2019 e 2020, no interior da sua habitação referida em 2. ou em locais públicos sitos em ..., o arguido, utilizando uma aplicação que tinha instalado no seu telemóvel para recolher imagens sem que as pessoas se apercebessem, fotografou, pelo menos, 50 vezes, os seus dois filhos, AA e EE, à data com 11 e 8 anos de idade, sozinhos, desnudos, a tomar banho, a despirem-se ou a trocar de roupa, com a zona genital exposta e, em algumas delas, com o rosto exposto, ou ainda quando, acompanhados de outros menores, amigos destes, no interior dos balneários masculinos das piscinas municipais de ..., sempre que estes estavam desnudos e com a região genital exposta - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
24. Na posse de tais imagens - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual -, o arguido partilhou-as com os utilizadores dos grupos de pedofilia de que fazia parte, permitindo que estes tivessem acesso a tais imagens, em número não apurado, mas nunca inferior a 50, e obtendo deles, como moeda de troca, ficheiros de imagens de igual teor, relativas aos seus filhos menores ou a outras crianças menores de 14 anos.
25. Em data não apurada do ano de 2020, mas nunca posterior ao dia 11 de março de 2020, o arguido gravou uma videochamada que efetuou com um menor, que lhe disse ter 12 anos, de nacionalidade brasileira, que conheceu na rede social ..., inicialmente, através de um perfil falso, onde se fazia passar por uma rapariga menor de idade e, posteriormente, depois de lhe ter revelado a sua identidade verdadeira e a sua idade, e o menor não ter manifestado oposição à continuidade das conversas de cariz sexual, através do seu perfil verdadeiro.
26. No decurso da referida videochamada, o menor de 12 anos, de identidade não apurada, e o arguido masturbaram-se mutuamente - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
27. Na posse de tal ficheiro de gravação, o arguido partilhou-o e divulgou-o por inúmeros utilizadores das redes sociais de pedofilia onde se encontrava inscrito, designadamente com o FF e com o GG, que partilhavam da mesma tendência sexual do arguido - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
28. Em data não apurada, mas situada no mês de junho de 2020, num sábado, após o levantamento do primeiro confinamento, o arguido levou os seus dois filhos menores, AA e o EE, juntamente com os menores JJ, nascido em .../.../2008, e KK, nascido em ..., às piscinas municipais de ..., para passarem lá a tarde.
29. No final, depois de tomarem banho, o arguido, que já tinha se adiantado em relação aos menores, aguardava a saída dos seus filhos e dos menores JJ e KK do chuveiro, com o telemóvel na mão, e assim que destes apareceram, totalmente desnudos, fotografou-os, nesse estado, sem nada lhes dizer - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual. 30. Na posse de tais imagens - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual - o arguido partilhou-as e divulgou-as por um número indeterminado de utilizadores das redes sociais de pedofilia onde se encontrava inscrito, designadamente com o FF e com o GG, que partilhavam da mesma tendência sexual do arguido.
31. Em data não apurada, mas situada no Verão do ano de 2020, o menor II, vizinho do arguido, foi passar a tarde com os filhos menores deste, na habitação mencionada em 2., onde tinha sido montada uma piscina para eles utilizarem.
32. Nas reportadas circunstâncias, o arguido decidiu abordar o menor II, à data, com 11 anos de idade, para o aliciar a manter com ele contactos de natureza sexual.
33. Na concretização deste seu desígnio, o arguido, apercebendo-se da aproximação do menor II, que se dirigiu à garagem da habitação, onde aquele se encontrava a tratar da manutenção do seu veículo Mini, de matrícula GN-..-.., ativou no seu telemóvel um vídeo de adultos, de conteúdo pornográfico, e de seguida, bloqueou o telemóvel, deixando-o dentro do seu veículo.
34. Quando o menor II ali chegou, o arguido, aproveitando-se da circunstância de se encontrar sozinho com ele naquele espaço, pediu-lhe que fosse buscar o seu telemóvel e que o desbloqueasse, o que aquele fez, permitindo, assim, que o menor acedesse ao vídeo de conteúdo pornográfico, para o excitar sexualmente e para iniciar com ele uma conversa sobre aquele temática.
35. Nesse contexto, o arguido perguntou ao II se este se masturbava e, perante a resposta positiva e a excitação sexual que sentiu, pediu logo ao menor que o fizesse ali e à sua frente, conduzindo-o para a sala.
36. Ato contínuo, o arguido pediu ao menor II que se desnudasse e, de seguida, começou a acariciar o pénis do menor com as suas mãos, com sucessivos movimentos de vaivém, para o masturbar.
37. Após, o arguido colocou o pénis do menor na sua boca e efetuou sucessivos movimentos de vaivém.
38. No final, o arguido masturbou-se a si próprio na presença do menor, até ejacular no chão.
39. Em data não apurada, mas situada no mês de setembro de 2020, o menor II, pretendendo utilizar a piscina, deslocou-se à residência do arguido, onde este se encontrava sozinho.
40. Nas reportadas circunstâncias, o arguido decidiu abordar novamente o menor II, para manter com ele contactos de natureza sexual.
41. Na concretização deste seu desígnio e uma vez que o tio do menor se encontrava a cortar as sebes no quintal da propriedade vizinha, o arguido encaminhou o menor para dentro de casa, mais concretamente para a sala.
42. Uma vez aí, o arguido pediu ao menor II que se despisse, ficando nu, e de seguida, começou a acariciar o pénis do menor com as suas mãos, com sucessivos movimentos de vaivém para o masturbar.
43. Após, o arguido colocou o pénis do menor na sua boca e efetuou sucessivos movimentos de vaivém.
44. No final, o arguido masturbou-se a si próprio, na presença do menor, até ejacular no chão.
45. Em janeiro de 2021, o arguido adquiriu um novo serviço de internet com mais “plafond”, que lhe permitisse aceder, através do seu telemóvel e de computador portátil, a novos conteúdos de ficheiros de imagem e de vídeo envolvendo menores de 14 anos de idade, acedendo, novamente, através da aplicação ..., a novos ficheiros de pornografia infantil que adquiriu e partilhou com vários utilizadores de diversas nacionalidades, que fazem do mesmo grupo a que pertencia.
46. No desenvolvimento daquela atividade de procura, importação, exportação e divulgação de ficheiros de pornografia infantil, no dia 14 de maio de 2021, o arguido criou um grupo na rede social “...”, com a designação “...”, ao qual associou uma fotografia de uma criança que, pelo rosto e estrutura corporal, aparenta ter menos de 10 anos de idade, com o objetivo de intensificar e expandir a divulgação e troca de tais conteúdos de cariz pornográfico com menores de 14 anos.
47. Para tanto, enviou várias mensagens aos utilizadores dos grupos que já frequentava para divulgação e troca dos referidos conteúdos, perguntando-lhes se algum “era produtor”, ou seja, “se alguém criava os seus próprios conteúdos de pornografia de menores”.
48. Desde o dia .../.../2021 até ao dia 15 de maio de 2021, o arguido obteve a entrada neste seu grupo de quatro novos membros, indivíduos de nacionalidade estrangeira, tendo um deles remetido um ficheiro contendo registos de uma zona genital de um menor do sexo masculino, tendo o arguido partilhado com eles 39 ficheiros de imagem em que se vislumbra o pénis e a região anal de menores de idade que, pela estrutura corporal, aparentam ter menos de 14 anos de idade - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
49. Para além disso, no dia 15 de maio de 2021, o arguido ainda detinha ativas duas contas do ... que criou, numa delas fazendo-se passar por uma rapariga, com o nome “DD” e, uma outra, onde se fazia passar por um rapaz, com o nome “LL”, com o objetivo de realizar abordagens de cariz sexual e pornográfico de outros perfis de menores de 14 anos e obter deles ficheiros de vídeo ou fotografia de teor pornográfico, para posterior visualização própria e exportação e divulgação dos terceiros.
50. No dia 15 de maio de 2021, no interior da residência do arguido, referida em 2., encontravam-se os seguintes objetos, contendo ficheiros de conteúdo pornográfico - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual - envolvendo menores de 14 anos de idade:
- no sótão:
1 (um) computador portátil, da marca ..., modelo ...;
1 (um) telemóvel utilizado pelo arguido, da marca ..., modelo ..., com os IMEI’s ...33 e ...31, onde funciona o número de telemóvel ...30.
51. Nesse mesmo dia, no veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-..-VQ, propriedade da sociedade T... - Sociedade de Transportes, na disponibilidade do arguido, para desempenho das duas obrigações profissionais, e no decurso da mesma, encontravam-se:
- 1 (um) telemóvel da marca ..., com o IMEI ...02;
- 1 (um) disco externo da marca ...” com o número de série ..., com 120GB de memória;
- 1 (um) computador portátil da marca ... 210, número de série ...;
- 2 (dois) cartões SIM das redes “...”, “...”;
- 1 (um) dispositivo USB de cor ...;
- 1 (um) cartão de memória da marca “...” 128MB;
- 1 (um) dispositivo USB com 1GB;
- 1 (um) disco rígido “...” com o número de série ..., com 320 GB de capacidade;
- 1 (um) disco rígido da marca ...” com o número de série ..., com capacidade de 80GB;
- 1 (uma) representação de um pénis em borracha;
- 1 (um) disco externo da marca ... com o número de serie ... com capacidade de 1 TB; e,
- 1 (um) telemóvel da marca ...” modelo ... com o IMEI ...32, contendo um cartão SIM da operadora “...”.
52. No período compreendido entre janeiro e fevereiro de 2021, o arguido manteve conversações, de teor sexual, com troca de fotografias e vídeos exibindo órgãos genitais e atos sexuais, com jovens, menores de 14 anos – cujo teor de fls. 628 a 790 se dá por integralmente reproduzido por questões de economia processual -, designadamente, com os utilizadores MM, Eu NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ e com grupo “...”.
53. Destes utilizadores, apenas se logrou apurar a identidade de OO, nascido em .../.../2010, PP, nascido a .../.../2007, QQ, nascido em .../.../2007, SS, nascido em .../.../2009, TT, nascido em .../.../2009, AAA, nascido em .../.../2008, BBB, nascido em .../.../2010, CCC, nascido em .../.../2010 e DDD, nascido em .../.../2008.
54. Nesta senda, no período compreendido entre os dias 22 de março de 2021 e 8 de maio de 2021, o arguido manteve conversações com o utilizador gravado com o nome “XX”, associado ao número ...49, correspondente a BBB, nascido em .../.../2010.
55. Durante as referidas conversações, o arguido enviou-lhe duas fotografias, onde se visualiza um pénis, que aparenta ser de um menor de 14 anos de idade, bem como de uma zona nadegueira.
56. De seguida, o arguido pediu ao referido JJ que lhe retribuísse, enviando-lhe ficheiros com o mesmo tipo de conteúdo.
57. Assim, no dia 8 de maio de 2021, o arguido remeteu uma mensagem pelo messenger do ... a XX, dizendo-lhe: “chupava-te a pila, espera vou-te mostrar como se bate”, 58. enviando-lhe, de seguida, um ficheiro de vídeo, com 20 segundos de duração, de um indivíduo do sexo masculino, aparentemente menor de 14 anos de idade, a masturbar-se e a ejacular.
59. Nesse mesmo período, o arguido, utilizando o perfil de ... “...” ou a sua conta do ... (...), e dizendo que tinha 12 anos de idade, enviou mensagens:
- a OO, entre 18 de fevereiro de 2021 e 23 de fevereiro de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos, de ambos os sexos, despidos, a praticar coito anal e oral e pedindo-lhe que lhe enviasse fotografias suas, despido, o que o mesmo não fez;
- a AAA, entre 10 de março e 25 de março de 2021, enviando-lhe fotografias de órgãos genitais masculinos, o que fez com o mesmo o bloqueasse. No entanto, posteriormente, o arguido disse ao referido menor que lhe oferecia dinheiro para utilizar no jogo “...”, se, em troca, este lhe remetesse fotografias despido, a exibir o pénis, o que nunca fez.
- a EEE, entre 10 de fevereiro e 12 de maio de 2021, perguntando-lhe se gostava de ver vídeos de pornografia e se se masturbava, enviando-lhe um ficheiro, de um menor da sua idade, totalmente despedido, a masturbar um pénis ereto. O referido menor acabou por remeter ao arguido um vídeo seu, no qual exibia a zona genital enquanto se masturbava;
- a SS, em 19 de março de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos de ambos os sexos, despidos e a manter contactos sexuais, o que fez com este o bloqueasse;
- a PP, entre 15 de fevereiro de 2021 e 23 de fevereiro de 2021, questionando-o “se batia punheta?” e enviando-lhe três fotografias de mulheres, completamente despidas;
- a QQ, entre 9 e 10 de março de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos, de ambos os sexos, a manterem contactos de natureza sexual, questionando-o se se masturbava e remetendo-lhe duas imagens de um pénis despido.
- a CCC, entre 17 de fevereiro e 10 de maio de 2021, nos termos descritos em f., que lhe chegou a remeter uma fotografia do seu pénis despido, após a insistência do arguido.
60. Pela aplicação “...”, em datas não concretamente apuradas, partilhou, pelo menos, 46 ficheiros de imagem e vídeo onde constam menores do sexo masculino, com menos de 14 anos de idade, em atos sexuais ou a exibir partes íntimas - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual. 61. Já no que concerne à aplicação “...”, o arguido tinha aí configurada uma conta identificada como “...”, associada ao número ...81, utilizado pelo arguido.
62. Aí, manteve conversações – cujo teor de fls. 794 a 814 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual -, com partilha de ficheiros de cariz sexual, em diferentes formatos, com os utilizadores FFF, GGG, ..., Chatt de ..., ..., ..., ..., D..., ..., ..., I..., ..., (letraschinesas), ..., ..., ..., HHH, III, ..., ..., ..., JJJ, KKK e LLL Da.
63. De facto, nessa sede, o arguido enviou:
- a GG, no dia 3 de março de 2020, 3 ficheiros de vídeos, nos quais é possível visualizar um menor, do sexo masculino, com menos de 14 anos de idade, a masturbar o pénis e a inserir o cabo da escova de dentes na zona anal e, no dia 10 de março de 2020, uma captação de videochamada com o mesmo menor, a exibir a zona genital;
- a FFF, 1 ficheiro de um menor, com menos de 10 anos de idade, entre 15 e 16 de março de 2021;
- a JJJ, 3 ficheiros de cariz sexual, envolvendo menores de 14 anos, no dia 10 de abril de 2021;
- a LLL, no dia 14 de abril de 2021, 1 ficheiro de imagem onde se pode ver a zona genital de um menor de 14 anos, do sexo masculino;
- no dia 21 de abril de 2021, a uma conta entretanto excluída, 13 ficheiros de imagem e 12 ficheiros de vídeo, nos quais constavam m menor do sexo masculino a manter comportamentos sexualizados;
- nesse mesmo dia, com o perfil D..., 13 vídeos e 14 imagens com menores do sexo masculino a praticar atos sexuais ou a exibir partes íntimas do corpo;
- ainda nesse dia, a III, 25 ficheiros de imagem e vídeo do mesmo teor;
- no dia 30 de abril de 2021, a ... 33, 1 ficheiro onde se vislumbra um menor de 14 anos, totalmente despido;
- no dia 13 de maio de 2021, ao grupo ..., 39 ficheiros de imagem nos quais se vislumbra a zona anal e genital de um menor de 14 anos;
- em data não concretamente apurada, a HHH, 3 ficheiros de vídeo do mesmo teor.
64. Em suma, entre todos estes utilizadores, o arguido partilhou, pelo menos, 93 ficheiros, de vídeo e imagem, exibindo menores de 14 anos, despidos.
65. Na aplicação “...” o arguido tinha configurado um perfil denominado “...”, com o registo fotográfico de um menor do sexo masculino, com menos de 10 anos de idade, despido, estabelecendo, aí, 14 conversações diferentes, sempre com referências a menores, e cujo teor de fls. 815 a 867 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
66. Concretamente, remeteu:
- ao perfil I..., 1 ficheiro de vídeo no qual se observa uma zona genital de um menor com menos de 8 anos de idade;
- ao grupo ..., 3 ficheiros de imagens do mesmo teor;
- ao grupo ..., 2 ficheiros de imagem de uma zona genital masculina de um menor, com menos de 10 anos de idade.
67. Do mesmo modo, na aplicação “...”, o arguido configurou um perfil com a mesma designação, na qual partilhava vídeos contendo menores de idade de ambos os sexos, de cariz sexualizado, e cujo teor de fls. 868 a 875 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
68. O arguido, ao proceder nos termos supra descritos, agiu sempre motivado pelo propósito de satisfazer os seus instintos sexuais.
69. Não ignorava o arguido que os ofendidos, pessoas a quem tirou fotografias de cariz pornográfico e partilhou nas redes sociais, entre outros, em grupo de pedofilia internacional, aliciando também, com sucesso, entre outros, o II a manter com ele diversos contactos de natureza sexual, mantendo com ele conversas e formulando propostas de teor sexual, eram, na ocasião, menores de idade – com as idades acima referidas - e que os comportamentos que prosseguia eram atentatórios da sua liberdade e autodeterminação sexual.
70. O arguido sabia que os contactos que promovia com o menor II, tal como supra descritos, eram atos sexuais de relevo, um deles consistente em coito oral.
71. Sabia que molestava e punha em causa a autodeterminação sexual do menor.
72. Sabia ainda que o mesmo tinha, à data, 11 anos de idade, circunstância que não o impediu de agir do modo descrito, o que quis e fez, com o propósito de satisfazer os seus impulsos sexuais. 73. O arguido fotografou os seus filhos, despidos, sabendo que não os podia fotografar naqueles modos, ainda mais por serem menores e fez o mesmo com outros amigos destes, da mesma faixa etária, aproveitando-se do facto de se relacionarem bem com os mesmos e de os acompanhar em atividades do dia-a-dia.
74. Sabia, ainda, nesta sede, que violava dos mais elementares deveres dos progenitores para com os filhos, de proteção e educação, revelando total desprezo pelos mesmos e demonstrando ser indigno do exercício das suas responsabilidades parentais.
75. Ademais, arguido bem sabia que as imagens e vídeos que descarregava e/ou obtinha eram de conteúdo pornográfico, exibindo menores e, não obstante, deteve e partilhou as com diversos utilizadores.
76. No mais, o arguido partilhou essas mesmas imagens e vídeos, obtidos na internet, junto de menores, ou mesmo próprios seus, partilhando-os com menores, com idades inferiores a 14 anos, aliciando-os a enviar outros ficheiros e agindo, perante estes, de forma atentatória para com a sua liberdade e autodeterminação sexual,
77. bem sabendo que prejudicava o seu desenvolvimento, nesta esfera.
78. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal.
3.3. Os factos não suficientemente indiciados:
Inexistem.
3.4. Motivação.
Olhando para a acusação tem de afirmar-se que a mesma na afirmação dos factos fica muito aquém do necessário à afirmação quantitativa de ilícitos imputados, sendo também por isso de certa forma confusa, ademais misturando factos com elementos de prova, com narrações genéricas e descrições desnecessárias, criando uma evidente dificuldade para, face à enorme quantidade de crimes imputados (mesmo já excluídos os acima 139.079 crimes de pornografia de menores), encontrar a correspondente factualidade, ademais no âmbito do afirmado concurso efectivo.
De qualquer forma também se deve dizer que da posição do arguido não resulta que não será submetido a julgamento – entre outros, ver acórdão do TRE, de 11/05/2021, proc. 249/19.... – (tenha-se presente a finalidade da instrução: artigo 286.º 1 do CPP – no caso, submeter a causa a julgamento).
Pois, no essencial, o arguido não se insurge contra os factos com que foi confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial, nem quanto à qualificação jurídica então operada e que determinaram a sua prisão preventiva.
Sendo certo que apesar desta constatação, considerando a fase da instrução, o Tribunal não vai proceder a qualquer modificação dos termos da narrativa constante do texto acusatório, ressalvando assim a integralidade da mesma (com excepção da amputação do narrado sob nº 23 da mesma, bem como do afirmado sob o nº 69) tanto mais que – como infra se verá – a decisão será de pronúncia e qualquer modificação do estilo (e o Tribunal não é convocado para afirmar um estilo próprio) de narração poderia ter implicações, mesmo que desprovidas de fundamento, em face do disposto no artigo 310º/1 do CPP, já que quanto ao conteúdo nada de relevante há a considerar, como se verá.
Mas dito isto, tendo por referência os factos constantes do auto de interrogatório judicial (cfr. fls. 353 e ss – 1º Vol.), diz o arguido que, para além deles, os novos factos e crimes imputados na acusação não se encontram suficientemente indiciados, tal como não se encontra suficientemente indiciado o segundo episódio de que teria sido vítima o menor II.
Em face da posição do arguido, fazendo a correspondência entre os factos constantes do despacho que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva – factos que foram então dados como fortemente indiciados – e os factos constantes da acusação (e que ora se afirmam como suficientemente indicados), vemos que o arguido naquele despacho foi considerado fortemente indiciado da prática de:
- 2 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º/2 e 3-b) do CP (punível cada um com pena de prisão de 3 a 10 anos de prisão);
- 52 crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º/1-b), c) e d) e 177.º/7 do CP (punível cada um com pena de prisão de 1 ano e 6 meses a 7 anos e sete meses de prisão).
Como se disse, contra tais factos e crimes o arguido não se insurge, com excepção de um dos crimes de abuso sexual de criança, tendo por vítima o menor II, porquanto afirma não se mostrar suficientemente indiciado o segundo episódio imputado como praticado sobre este menor.
Vejamos desde já esta questão:
Sobre tal segundo episódio (que se encontra descrito na acusação sob os artigos 40 a 45 e que também já constava dos factos com que o arguido foi confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial, sob os números 36 a 41) vemos que o menor se pronunciou a fls. 272/274 e 277/279 (inquirição na PJ) afirmando a ocorrência dos factos. Aliás o arguido – cfr. auto de interrogatório na PJ a fls. 315 – afirma ter tido relações sexuais com o menor, designadamente sexo oral, por duas vezes, a primeira vez nos primeiros meses do ano de 2020 e a segunda vez em Setembro. Factos que o arguido assumiu em sede de interrogatório judicial, o que facilmente se alcança da fundamentação do despacho (fls. 373) quando aí se diz “o arguido assumiu a prática da maioria dos factos, embora tenha pretendido, pelo menos quanto à primeira relação que teve com o menor OOO, dar-lhe um enquadramento mais desculpabilizante”.
É certo que o menor em sede de declarações para memória futura (cfr. transcrição das declarações a fls. 1510/1516) nega o primeiro episódio, as relações sexuais, v.g. de coito oral, praticadas contra si pelo arguido (o episódio que tem o contexto relacionado com a viatura mini). Como se disse, este é o primeiro episódio, ou seja o episódio que o arguido, ao que se apreende, nem sequer contesta em sede de requerimento de abertura da instrução, episódio aliás também descrito factualmente no despacho que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva e que o arguido, como já se disse, admitiu.
E não é por o menor em sede de declarações para memória futura afirmar apenas a ocorrência de um episódio que, em face dos demais elementos de prova já considerados, na fase de instrução se vai afirmar apenas suficientemente indiciado terem ocorrido, apenas por uma vez, os actos sexuais com o referido menor. Ademais o menor pode novamente ser ouvido, o arguido pode confessar, etc, Só o julgamento definirá o facto.
Isto para dizer que os factos imputados na acusação, quanto a ambas as situações, se mostram suficientemente indiciados.
Tal como se mostra suficientemente indiciada a prática dos factos respeitantes aos demais crimes de abuso sexual de criança (estão imputados 9 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do artigo 171.º/3-a) e b) do Código Penal).
Trata-se de factualidade nova – nos dizeres do arguido.
Esta factualidade está descrita (pelo menos) na acusação sob os números 27 e 53 a 60. Tenha-se presente que relativamente ao menor TT, apesar de referido sob o n.º 54 da acusação, não ocorre posterior descrição do teor da conversa ou do objecto pornográfico mantida ou enviado pelo arguido ao menor, sendo que este, no seu depoimento a fls. 113/1115, limita-se a referir não se recordar de as ter recebido nem do teor das mesmas. Aliás este menor nem sequer foi ouvido em declarações para memória futura, conforme resulta do despacho de fls. 1480.
Do que resulta, em face dos elementos probatórios recolhidos e indicados (cfr. entre o mais, as declarações para memória futura dos menores vítimas) que a factualidade constante dos n.os 27 e 53 a 60 da acusação configura, conforme infra se verá, a prática de 9 crimes de abuso sexual de criança, e mostra-se suficientemente indiciada.
Quanto à restante factualidade diz igualmente o arguido que – para além do que lhe foi imputado em sede de interrogatório judicial – não se encontra suficientemente indiciada.
Como já se disse, em sede de primeiro interrogatório judicial, foi imputado (ainda) ao arguido a prática de 52 e dois crimes de pornografia de menores agravados (artigos 176.º/1-b), c) e d) e 177.º/7 do CP).
Em sede de acusação o MP imputa a prática de 54 crimes de pornografia de menores, p. e p. nos termos do artigo 176.º/1-b) e c) e 8 do Código Penal, com a agravação do artigo 177.º/1-a) e 7 do mesmo diploma, bem como com a pena acessória prevista no artigo 69.º-C/3 do mesmo diploma, para além de 139.268 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177.º/7 do mesmo diploma.
Como já se disse, não é fácil perceber a acusação e dela extrair os factos praticados pelo arguido, quantificá-los e subsumi-los ao tipo legal, também em face das diferentes modalidades típicas de acção previstas.
Mas, considerando a agravação resultante da al. a) do artigo 177.º/1 do CP, estes 54 crimes de pornografia de menores (mais dois do que aqueles que foram imputados ao arguido em interrogatório judicial), dizem respeito aos filhos do arguido. Tanto assim que também é afirmada a pretensão de condenação na pena acessória prevista no artigo 69.º-C/3 do mesmo diploma, ou seja a inibição de responsabilidades parentais.
E consta da acusação (nºs. 24 e 25 da mesma) que o arguido fotografou e partilhou imagens, em número não inferior a 50, dos dois filhos (AA e EE), nas quais os mesmos, entre o mais, estão nus e com a zona genital exposta.
Tal como consta da factualidade referida em 29 a 31 que fotografou os dois filhos nus e que partilhou também essas imagens.
Já se disse que o arguido não questiona estes 52 crimes.
Mas efectivamente quanto ao acréscimo de dois crimes de pornografia de menores (com referência às duas vítimas-filhos) não se apreende na acusação a correspondente factualidade, a sua individualização, delimitação no tempo e espaço.
Quanto à restante factualidade respeitante à pornografia de menores, já vimos que relativamente aos imputados 139.079 crimes da acusação não resulta narrada a correspondente factualidade.
E assim sendo, estando ao arguido imputada a prática de 139.268 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177.º/7 do mesmo diploma, descontando os referidos 139.079 crimes, ficam imputados 189 crimes de pornografia de menores.
Perscrutando a factualidade constante da acusação vemos que a mesma se encontra narrada na acusação, pelo menos, sob os nºs. 26/28, 30/31, 49, 61, 64 e 67, da qual resulta afirmada factualidade que mesmo num determinado entendimento possível do concurso de crimes não se vislumbra como fazer corresponder ao referido número de crimes – não basta fazer corresponder o número de crimes ao número de ficheiros, pois importa que sejam igualmente afirmadas e consideradas diferentes vítimas ou, sendo a mesma, em situações de contexto diferentes fundadoras de diferentes resoluções criminosas – afastada que está legalmente a continuação criminosa: artigo 30.º/3 do CP).
Ora toda a factualidade imputada e que descreve minimente a acção está materialmente documentada (ficheiros, conteúdo e partilhas), pelo que está perfeitamente adquirida para os autos, designadamente em face dos meios de obtenção de prova informáticos levados a cabo, com apreensões dos suportes informáticos detidos pelo arguido e a sua análise, como resulta da perícia realizada pela PJ, para além da instalação de programas de partilha o que só por si sustenta indiciariamente a intenção de divulgação, mas também nos casos afirmados a divulgação/partilha.
Como já se disse, uma coisa pode ser (e será certamente) a quantificação do número de crimes, outra coisa bem diferente é a suficiente indiciação da factualidade imputada, cuja narração não padece na sua integralidade dos termos de generalização que já se apontou em 2.1.
De qualquer forma, vista a referida e pertinente factualidade o Tribunal consegue apenas contabilizar 15 crimes, designadamente com referência à factualidade subjacente aos números 61, 64, a), c), d) e), f), h), i) e j) e 67, a), b) e c) da acusação, já que da demais não se retira evidente a densificação do conteúdo dito pornográfico.
De qualquer forma, afirmar, como afirma o arguido, a ausência de indícios suficientes é, com o devido respeito, descurar todo o manancial probatório, seja testemunhal, seja documental e pericial, para além de que o arguido admitiu a maior parte da factualidade e fê-lo perante o juiz, com assistência de defensor (artigo 357.º/1-b) do CPP), pelo que não valendo como confissão (nº 3) são claramente um elemento fundador da suficiente indiciação da factualidade constante da acusação e que se considera como suficientemente indiciada, tendo o arguido evidenciado nos factos um comportamento padrão reiterado.
3.5. Os crimes imputados. 3.5.1. O crime de abuso sexual de crianças.
Dispõe o artigo 171.º do Código Penal que:
1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais; é punido com pena de prisão até três anos.
4 - Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
5 - A tentativa é punível.
Uma vez que está suficientemente indiciado que o arguido manteve com o menor II (com 11 anos ao tempo), nas situações identificadas na acusação, de tempo, lugar e de espaço, actos de natureza sexual, inclusive de coito oral, tem de ser afirmar o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime imputado, bem como os seus elementos subjectivos, porquanto se extrai dos actos externos revelados na acção que o arguido actuou de forma voluntária e consciente e de acordo com o propósito que nas duas situações identificadas formulou no sentido de praticar com o menor tais actos de natureza sexual, incluindo de coito oral.
Será assim pronunciado pela prática de 2 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º/1 e 2 do Código Penal.
E está também suficientemente indiciado que o arguido, para além da situação referida no número 27 da acusação, actuou sobre mais 8 menores com conversas e objectos pornográficos, pelo que será pronunciado pela prática de 9 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do artigo 171º/3-a) e b) do Código Penal.
3.5.2. O crime de pornografia de menores.
Dispõe o artigo 176.º do Código Penal que:
1 - Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do nº 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do nº 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos.
7 - Quem praticar os atos descritos nos nºs. 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.
8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
9 - A tentativa é punível.
Trata-se da redacção dada pela Lei nº 40/2020, de 18/08, mas no que ao caso releva sem relevância, tanto que o entendimento ora afirmado no nº 8 já assim era entendido na anterior versão.
Não se desconhece a polémica (doutrinal e jurisprudencial) em torno do bem jurídico protegido nas diferentes alíneas do nº 1 do artigo 276.º do CP e, como tal, as contingências transferidas para o plano da unidade ou pluralidade de crimes, designadamente em função do número de vítimas e ou do número de ficheiros detidos e ou partilhados com conteúdo que represente menores em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo, em períodos temporais definidos que permitam afirmar outras tantas resoluções criminosas e situações de concurso.
Com um apanhado de todas estas polémicas pode ver-se o estudo acima citado do Senhor Desembargador João Pereira Cardoso.
É certo que no acórdão do TRL, de 17/03/2021, 644/19.7JGLSB-A.L1-3, se afirma que “… perante uma multiplicidade de ficheiros encontrados no computador do arguido, não se pode considerar a existência de um único crime de pornografia de menor, na forma continuada, mas, antes, a prática pelo arguido, em concurso real e efectivo, do número de crimes correspondente ao número de ficheiros e partilhas encontrados, pelo que, tendo o arguido um total de 75 179 ficheiros no seu computador cometeu o mesmo 75 179 crimes de pornografia de menores”.
Mas trata-se de jurisprudência que tem de ser bem interpretada, pois salvo o devido respeito por diversa posição da mesma não pode concluir-se prescindível a narração concretizada da factualidade levada à acusação, nem que deva prescindir-se da individuação de cada vítima ou, se a mesma vítima, da individualização de cada acto sobre a mesma no tempo e espaço a importar diferente resolução criminosa.
Pois se não há crime continuado (a lei afasta-o: artigo 30º/3 do CP) nem de trato sucessivo (a jurisprudência vem sistematicamente afastando), a considerar-se estar em causa em qualquer das modalidades típicas a protecção de bem jurídico eminentemente pessoal (autodeterminação sexual/livre desenvolvimento da vida sexual do menor de 18 anos), tem sempre de afirmar-se que o concurso de crimes não se reporta por atacado, por si e sem mais ao número de ficheiros detidos ou partilhados, mas exige sempre referência à utilização de vítimas directas e individualizadas (mesmo que não identificadas) de carne e osso [no que se refere às alíneas a) e b)] ou utilização de vítimas indirectas, mas também individualizadas (mesmo que não identificadas) [no caso das alíneas c) e d] ou ainda à representação realista de menor [no caso das alíneas c) e d), face ao n.º 4].
Devendo ainda afirmar-se a possibilidade de concurso, v.g. entre a diferentes alíneas do nº 1 do artigo 176.º, ponto é que, p. ex., entre a utilização do menor em fotografia [al.b)] e a cedência (posterior) dessa fotografia a terceiros ocorra nova resolução criminosa, mas sempre a extrair devidamente da narrativa acusatória.
Sendo certo que, conscientes desta polémica, em face da factualidade acusatória e supra considerada como suficientemente indiciada, a quantificação do número de crimes não se apresenta propriamente uma questão que definitivamente seja resolvida na fase da instrução (o julgador tem sempre o mecanismo do artigo 358º do CPP).
Dito isto, uma vez que está suficientemente indiciado que o arguido, relativamente aos dois filhos menores, fotografou-os nus e com a zona genital exposta, partilhando posteriormente tais ficheiros (nºs. 24 e 25 e 29 a 31 da acusação), estando em causa duas vítimas perfeitamente individualizadas, face aos termos acusatórios será o arguido pronunciado pela prática dos referidos 52 crimes (artigos 176º/1-b) e c) e 8 do Código Penal, com a agravação do artigo 177º/1-a) e 7 e 8 do mesmo diploma, com a pena acessória prevista no artigo 69º-C/3 do mesmo diploma) – mesmo que se reconheça dificuldade de definição temporal da acção de fotografar e de partilha num quadro de outras tantas resoluções criminosas.
Quanto aos restantes 189 crimes de pornografia de menores (p. e p. pelo artigo 176º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177º/7 e 8 do mesmo diploma), já se disse que estando suficientemente indiciada a correspondente factualidade constante da acusação (cfr. nºs. 26/28, 30/31, 49, 61, 64 e 67) será o arguido igualmente pronunciado não por todos, mas por aqueles que o Tribunal, em face da factualidade, conseguiu delimitar com referência a diferentes vítimas, nos termos que acima se referiu.
4. Decisão: 4.1. De não pronúncia.
Tendo em conta o acima exposto e o disposto no artigo 308º/1 do Código de Processo Penal, decido:
- Não pronunciar o arguido pela prática de 139 253 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º/1-b), c) e d) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177º/7 do mesmo diploma – face ao decidido em 2.1 (nulidade parcial da acusação);
- Não pronunciar o arguido pela prática de 2 crimes de pornografia de menores, p. e p. nos termos do artigo 176º/1-b) e c) e 8 do Código Penal, com a agravação do artigo 177º/1-a) e 7 do mesmo diploma (referente aos filhos do arguido).
4.2. De pronúncia.
Para julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo. Pronuncio o arguido AA, filho de BB e CC, natural da ..., onde nasceu a .../.../1979, casado, motorista de pesados internacionais, com o cartão de cidadão n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., atualmente recluso no Estabelecimento Prisional ...,
Porquanto,
1. O arguido AA trabalhava como motorista de transportes de mercadorias para a sociedade “T... - Sociedade de Transportes, Lda.”, sendo frequente, no exercício da sua atividade profissional, deslocar-se à ..., onde permanecia por alguns períodos de tempo.
2. Porém, sempre que se encontrava em território português, o arguido residia na habitação sita na Rua ..., ..., ..., com a sua esposa, de nome DD, e com os seus dois filhos menores de idade, AA, nascido em .../.../2008, e EE, nascido em .../.../2011.
3. Desde jovem idade, o arguido, na sequência de relacionamento sexual precoce com jovens do sexo masculino, menores de 12 anos de idade, passou a manifestar propensão e a sentir desejo e excitação em envolver-se sexualmente com rapazes com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos de idade.
4. Tal tendência intensificou-se, a partir do ano de 2008, com o nascimento do seu primeiro filho.
5. Assim, pelo menos desde o ano de 2008, o arguido passou a socorrer-se da internet para procurar, importar e divulgar inúmeros ficheiros contendo imagens e vídeos de pornografia de menores, que obtinha junto de crianças, através de perfis “falsos” que criava, para o efeito, em nome de menores de ambos os sexos, com a finalidade de obter delas ficheiros de imagens e vídeos onde estas se exibiam desnudadas, pelo interesse cada vez maior que tinha por este tipo de conteúdos, para depois os partilhar, como “moeda de troca” com outros utilizadores/produtores do mesmo tipo de ficheiros, que, por sua vez, partilhavam ficheiros de idêntico teor, obtidos do mesmo modo.
6. Neste contexto, o arguido, intencionalmente e com aquela finalidade, com recurso ao programa “...” e utilizando como termos de pesquisa “...” e “...”, acedeu a vários ficheiros de vídeo e imagem de pornografia de menores, designadamente de rapazes desnudos e a masturbarem-se na “webcam”, a praticarem relações de coito oral e coito anal entre si, os quais descarregava e ia guardando em suportes óticos, para posterior visualização própria e divulgação por terceiros, para obter mais ficheiros de conteúdo semelhante.
7. Para além disso, também criou, em diversas redes sociais - entre elas, ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., - inúmeros perfis “falsos”, entre outros, denominados “...” e “...”,
8. nos quais se fazia passar por menor de 12 anos, ora do sexo masculino, ora do sexo feminino, consoante a vítima que lhe surgia, associando-se a grupos de jogos online, como o “...” e o “...”, onde interagia com menores, com o objetivo que logrou alcançar de obter deles novos ficheiros de conteúdo sexual e pornográfico, para utilização própria e posterior divulgação por outros utilizadores/produtores com tendência semelhante, como “moeda de troca” para obter destes mais ficheiros com os mesmos conteúdos.
9. No período temporal referido em 5., o arguido produziu, importou, guardou e divulgou centenas de ficheiros – entre fotografias e vídeos - relacionados com pornografia de menores, envolvendo centenas de crianças com menos de 14 anos de idade, que, com aquela finalidade, abordou, através daqueles perfis “falsos” e até diretamente, de forma dissimulada, figurando, em alguns deles, os seus próprios filhos menores e alguns amigos destes, com as mesmas idades.
10. A partir do ano de 2017, o arguido, apercebendo-se de que a maior parte dos menores da faixa etária que pretendia contactar pelas redes sociais, utilizavam preferencialmente o “...”, também aderiu a esta rede social,
11. e, aí, criou inúmeros perfis “falsos”, fazendo-se passar por raparigas pré-adolescentes, menores de 14 anos, conseguindo, assim, enganar vários menores, obtendo deles ficheiros de imagem e vídeos de nudez e prática de atos sexuais envolvendo as referidas crianças e, para evitar ser bloqueado pelo administrador desta aplicação, passou a efetuar um primeiro contacto através do ... e depois conduzia todos os demais contactos e conversações para uma outra aplicação, concretizando a troca de ficheiros que pretendia obter, através do “...”.
12. Como o interesse por tais conteúdos foi sempre aumentando e sentia uma cada vez maior necessidade de falar sobre os seus desejos sexuais relativamente a menores de 14 anos, no ano de 2019, o arguido decidiu inscrever-se em alguns grupos de redes sociais, entre elas, a “...”, “...”, “...” e “...”, onde utilizava os username “...” e “...”, e onde eram abordadas tais temáticas por pessoas com a mesma tendência sexual que a dele, com relatos escritos de experiência na primeira pessoa de envolvimento sexual com menores de 14 anos, nomeadamente de “pais que tinham relações sexuais com os filhos”.
13. Assim, entre dezembro de 2019 e o mês de março de 2020, o arguido passou a integrar uma rede de pedofilia de âmbito internacional, desmantelada pela Polícia Alemã (...), no decurso da investigação denominada “...”, desenvolvida ao longo do ano de 2020, onde foram apreendidos diversos ficheiros informáticos, cujo conteúdo indiciava a prática pelo aí suspeito FF - nascido 25 de abril de 1993, em ... - de inúmeros atos de abusos sexuais relativamente um seu enteado, à data, com 9 anos de idade, bem como permitiu que este menor fosse também explorado e abusado sexualmente por outros indivíduos, durante viagens que realizava e nas quais aquele menor o acompanhava.
14. Concretamente, entre 11 de dezembro de 2019 e 26 de março de 2020, o arguido manteve conversações, através de um chat, com o referido FF, identificando-se com o nome “AA”, onde falavam sobre fantasias sexuais que tinham envolvendo menores de 14 anos de idade.
15. Nesse contexto, no dia 8 de janeiro de 2020, o arguido enviou ao FF dois ficheiros contendo imagens de órgãos genitais masculinos de uma criança menor de 14 anos de idade – cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual. 16. Para além disso, o arguido enviou também uma fotografia do seu filho EE, à data, com 8 anos de idade, desnudo, um vídeo de uma criança a brincar numa mesa, e uma fotografia “selfie” dele próprio com uma peruca e óculos de sol, referindo ainda que se deslocava para uma piscina na companhia de dois amigos dos filhos menores, sendo, neste contexto, acabou por remeter os registos fotográficos da zona genital masculino de uma criança, acrescentando também que o seu dia de aniversário era o 1 de Março - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
17. Enviou, igualmente – através do perfil de ... denominado “AA”, com a URL ... - várias outras fotografias, entre elas, do menor EE, seu filho mais novo, numa delas, retratado dentro da banheira, desnudo, bem como uma fotografia de um veículo da marca ..., cuja matrícula está registada em nome do arguido - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
18. Ainda no âmbito da mesma investigação desenvolvida pelas autoridades policiais alemãs, detido o suspeito GG, pela prática dos crimes de abuso sexual relativamente a um meio irmão de 7 anos de idade, de um sobrinho menor de 14 anos de idade e ainda do enteado do FF, com 9 anos de idade.
19. Sucede que, o arguido manteve com este uma conversação, no período entre os dias 27 de fevereiro de 2020 e 11 de março de 2020, utilizando os perfis “HH” e “HH”, no decurso da qual partilhou com este quatro ficheiros de vídeo, que o mesmo explicou ter recolhido numa sala de videochamada, onde se observa, num deles, um menor de 14 anos de idade, do sexo masculino, desnudo, dentro de um balneário a manipular a zona genital, bem como a introduzir o cabo de uma escova de dentes no ânus,
20. e, num outro a zona genital do arguido, a ser masturbada até ejacular, explicando que obteve tal ficheiro nas redes sociais, fazendo passar-se por uma rapariga, menor de 14 anos de idade - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
21. Para além disto, através do messenger das aplicações ... e ..., o arguido enviou a GG vários ficheiros de fotografias dos filhos desnudos, designadamente na banheira,
22. relatando-lhe, ainda, que abusava sexualmente de um vizinho, menor de 14 anos de idade – designadamente, II, nascido em .../.../2008 -, a quem já tinha exibido vídeos de teor pornográfico envolvendo menores e, de seguida, mantido práticas sexuais com o mesmo - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
23. Com efeito, no período compreendido entre os anos de 2019 e 2020, no interior da sua habitação referida em 2. ou em locais públicos sitos em ..., o arguido, utilizando uma aplicação que tinha instalado no seu telemóvel para recolher imagens sem que as pessoas se apercebessem, fotografou, pelo menos, 50 vezes, os seus dois filhos, AA e EE, à data com 11 e 8 anos de idade, sozinhos, desnudos, a tomar banho, a despirem-se ou a trocar de roupa, com a zona genital exposta e, em algumas delas, com o rosto exposto, ou ainda quando, acompanhados de outros menores, amigos destes, no interior dos balneários masculinos das piscinas municipais de ..., sempre que estes estavam desnudos e com a região genital exposta - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
24. Na posse de tais imagens - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual -, o arguido partilhou-as com os utilizadores dos grupos de pedofilia de que fazia parte, permitindo que estes tivessem acesso a tais imagens, em número não apurado, mas nunca inferior a 50, e obtendo deles, como moeda de troca, ficheiros de imagens de igual teor, relativas aos seus filhos menores ou a outras crianças menores de 14 anos.
25. Em data não apurada do ano de 2020, mas nunca posterior ao dia 11 de março de 2020, o arguido gravou uma videochamada que efetuou com um menor, que lhe disse ter 12 anos, de nacionalidade brasileira, que conheceu na rede social ..., inicialmente, através de um perfil falso, onde se fazia passar por uma rapariga menor de idade e, posteriormente, depois de lhe ter revelado a sua identidade verdadeira e a sua idade, e o menor não ter manifestado oposição à continuidade das conversas de cariz sexual, através do seu perfil verdadeiro.
26. No decurso da referida videochamada, o menor de 12 anos, de identidade não apurada, e o arguido masturbaram-se mutuamente - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
27. Na posse de tal ficheiro de gravação, o arguido partilhou-o e divulgou-o por inúmeros utilizadores das redes sociais de pedofilia onde se encontrava inscrito, designadamente com o FF e com o GG, que partilhavam da mesma tendência sexual do arguido - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
28. Em data não apurada, mas situada no mês de junho de 2020, num sábado, após o levantamento do primeiro confinamento, o arguido levou os seus dois filhos menores, AA e o EE, juntamente com os menores JJ, nascido em .../.../2008, e KK, nascido em ..., às piscinas municipais de ..., para passarem lá a tarde.
29. No final, depois de tomarem banho, o arguido, que já tinha se adiantado em relação aos menores, aguardava a saída dos seus filhos e dos menores JJ e KK do chuveiro, com o telemóvel na mão, e assim que destes apareceram, totalmente desnudos, fotografou-os, nesse estado, sem nada lhes dizer - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual. 30. Na posse de tais imagens - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual - o arguido partilhou-as e divulgou-as por um número indeterminado de utilizadores das redes sociais de pedofilia onde se encontrava inscrito, designadamente com o FF e com o GG, que partilhavam da mesma tendência sexual do arguido.
31. Em data não apurada, mas situada no Verão do ano de 2020, o menor II, vizinho do arguido, foi passar a tarde com os filhos menores deste, na habitação mencionada em 2., onde tinha sido montada uma piscina para eles utilizarem.
32. Nas reportadas circunstâncias, o arguido decidiu abordar o menor II, à data, com 11 anos de idade, para o aliciar a manter com ele contactos de natureza sexual.
33. Na concretização deste seu desígnio, o arguido, apercebendo-se da aproximação do menor II, que se dirigiu à garagem da habitação, onde aquele se encontrava a tratar da manutenção do seu veículo Mini, de matrícula GN-..-.., ativou no seu telemóvel um vídeo de adultos, de conteúdo pornográfico, e de seguida, bloqueou o telemóvel, deixando-o dentro do seu veículo.
34. Quando o menor II ali chegou, o arguido, aproveitando-se da circunstância de se encontrar sozinho com ele naquele espaço, pediu-lhe que fosse buscar o seu telemóvel e que o desbloqueasse, o que aquele fez, permitindo, assim, que o menor acedesse ao vídeo de conteúdo pornográfico, para o excitar sexualmente e para iniciar com ele uma conversa sobre aquele temática.
35. Nesse contexto, o arguido perguntou ao II se este se masturbava e, perante a resposta positiva e a excitação sexual que sentiu, pediu logo ao menor que o fizesse ali e à sua frente, conduzindo-o para a sala.
36. Ato contínuo, o arguido pediu ao menor II que se desnudasse e, de seguida, começou a acariciar o pénis do menor com as suas mãos, com sucessivos movimentos de vaivém, para o masturbar.
37. Após, o arguido colocou o pénis do menor na sua boca e efetuou sucessivos movimentos de vaivém.
38. No final, o arguido masturbou-se a si próprio na presença do menor, até ejacular no chão.
39. Em data não apurada, mas situada no mês de setembro de 2020, o menor II, pretendendo utilizar a piscina, deslocou-se à residência do arguido, onde este se encontrava sozinho.
40. Nas reportadas circunstâncias, o arguido decidiu abordar novamente o menor II, para manter com ele contactos de natureza sexual.
41. Na concretização deste seu desígnio e uma vez que o tio do menor se encontrava a cortar as sebes no quintal da propriedade vizinha, o arguido encaminhou o menor para dentro de casa, mais concretamente para a sala.
42. Uma vez aí, o arguido pediu ao menor II que se despisse, ficando nu, e de seguida, começou a acariciar o pénis do menor com as suas mãos, com sucessivos movimentos de vaivém para o masturbar.
43. Após, o arguido colocou o pénis do menor na sua boca e efetuou sucessivos movimentos de vaivém.
44. No final, o arguido masturbou-se a si próprio, na presença do menor, até ejacular no chão.
45. Em janeiro de 2021, o arguido adquiriu um novo serviço de internet com mais “plafond”, que lhe permitisse aceder, através do seu telemóvel e de computador portátil, a novos conteúdos de ficheiros de imagem e de vídeo envolvendo menores de 14 anos de idade, acedendo, novamente, através da aplicação ..., a novos ficheiros de pornografia infantil que adquiriu e partilhou com vários utilizadores de diversas nacionalidades, que fazem do mesmo grupo a que pertencia.
46. No desenvolvimento daquela atividade de procura, importação, exportação e divulgação de ficheiros de pornografia infantil, no dia 14 de maio de 2021, o arguido criou um grupo na rede social “...”, com a designação “...”, ao qual associou uma fotografia de uma criança que, pelo rosto e estrutura corporal, aparenta ter menos de 10 anos de idade, com o objetivo de intensificar e expandir a divulgação e troca de tais conteúdos de cariz pornográfico com menores de 14 anos.
47. Para tanto, enviou várias mensagens aos utilizadores dos grupos que já frequentava para divulgação e troca dos referidos conteúdos, perguntando-lhes se algum “era produtor”, ou seja, “se alguém criava os seus próprios conteúdos de pornografia de menores”.
48. Desde o dia .../.../2021 até ao dia 15 de maio de 2021, o arguido obteve a entrada neste seu grupo de quatro novos membros, indivíduos de nacionalidade estrangeira, tendo um deles remetido um ficheiro contendo registos de uma zona genital de um menor do sexo masculino, tendo o arguido partilhado com eles 39 ficheiros de imagem em que se vislumbra o pénis e a região anal de menores de idade que, pela estrutura corporal, aparentam ter menos de 14 anos de idade - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
49. Para além disso, no dia 15 de maio de 2021, o arguido ainda detinha ativas duas contas do ... que criou, numa delas fazendo-se passar por uma rapariga, com o nome “DD” e, uma outra, onde se fazia passar por um rapaz, com o nome “LL”, com o objetivo de realizar abordagens de cariz sexual e pornográfico de outros perfis de menores de 14 anos e obter deles ficheiros de vídeo ou fotografia de teor pornográfico, para posterior visualização própria e exportação e divulgação dos terceiros.
50. No dia 15 de maio de 2021, no interior da residência do arguido, referida em 2., encontravam-se os seguintes objetos, contendo ficheiros de conteúdo pornográfico - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual - envolvendo menores de 14 anos de idade:
- no sótão:
1 (um) computador portátil, da marca ..., modelo ...;
1 (um) telemóvel utilizado pelo arguido, da marca ..., modelo ..., com os IMEI’s ...33 e ...31, onde funciona o número de telemóvel ...30.
51. Nesse mesmo dia, no veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-..-VQ, propriedade da sociedade T... - Sociedade de Transportes, na disponibilidade do arguido, para desempenho das duas obrigações profissionais, e no decurso da mesma, encontravam-se:
- 1 (um) telemóvel da marca ..., com o IMEI ...02;
- 1 (um) disco externo da marca ...” com o número de série ..., com 120GB de memória;
- 1 (um) computador portátil da marca ... 210, número de série ...;
- 2 (dois) cartões SIM das redes “...”, “...”;
- 1 (um) dispositivo USB de cor ...;
- 1 (um) cartão de memória da marca “...” 128MB;
- 1 (um) dispositivo USB com 1GB;
- 1 (um) disco rígido “...” com o número de série ..., com 320 GB de capacidade;
- 1 (um) disco rígido da marca ...” com o número de série ..., com capacidade de 80GB;
- 1 (uma) representação de um pénis em borracha;
- 1 (um) disco externo da marca ... com o número de serie ... com capacidade de 1 TB; e,
- 1 (um) telemóvel da marca ...” modelo ... com o IMEI ...32, contendo um cartão SIM da operadora “...”.
52. No período compreendido entre janeiro e fevereiro de 2021, o arguido manteve conversações, de teor sexual, com troca de fotografias e vídeos exibindo órgãos genitais e atos sexuais, com jovens, menores de 14 anos – cujo teor de fls. 628 a 790 se dá por integralmente reproduzido por questões de economia processual -, designadamente, com os utilizadores MM, Eu NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ e com grupo “...”.
53. Destes utilizadores, apenas se logrou apurar a identidade de OO, nascido em .../.../2010, PP, nascido a .../.../2007, QQ, nascido em .../.../2007, SS, nascido em .../.../2009, TT, nascido em .../.../2009, AAA, nascido em .../.../2008, BBB, nascido em .../.../2010, CCC, nascido em .../.../2010 e DDD, nascido em .../.../2008.
54. Nesta senda, no período compreendido entre os dias 22 de março de 2021 e 8 de maio de 2021, o arguido manteve conversações com o utilizador gravado com o nome “XX”, associado ao número ...49, correspondente a BBB, nascido em .../.../2010.
55. Durante as referidas conversações, o arguido enviou-lhe duas fotografias, onde se visualiza um pénis, que aparenta ser de um menor de 14 anos de idade, bem como de uma zona nadegueira.
56. De seguida, o arguido pediu ao referido JJ que lhe retribuísse, enviando-lhe ficheiros com o mesmo tipo de conteúdo.
57. Assim, no dia 8 de maio de 2021, o arguido remeteu uma mensagem pelo messenger do ... a XX, dizendo-lhe: “chupava-te a pila, espera vou-te mostrar como se bate”,
58. enviando-lhe, de seguida, um ficheiro de vídeo, com 20 segundos de duração, de um indivíduo do sexo masculino, aparentemente menor de 14 anos de idade, a masturbar-se e a ejacular.
59. Nesse mesmo período, o arguido, utilizando o perfil de ... “...” ou a sua conta do ... (...), e dizendo que tinha 12 anos de idade, enviou mensagens:
- a OO, entre 18 de fevereiro de 2021 e 23 de fevereiro de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos, de ambos os sexos, despidos, a praticar coito anal e oral e pedindo-lhe que lhe enviasse fotografias suas, despido, o que o mesmo não fez;
- a AAA, entre 10 de março e 25 de março de 2021, enviando-lhe fotografias de órgãos genitais masculinos, o que fez com o mesmo o bloqueasse. No entanto, posteriormente, o arguido disse ao referido menor que lhe oferecia dinheiro para utilizar no jogo “...”, se, em troca, este lhe remetesse fotografias despido, a exibir o pénis, o que nunca fez.
- a EEE, entre 10 de fevereiro e 12 de maio de 2021, perguntando-lhe se gostava de ver vídeos de pornografia e se se masturbava, enviando-lhe um ficheiro, de um menor da sua idade, totalmente despedido, a masturbar um pénis ereto. O referido menor acabou por remeter ao arguido um vídeo seu, no qual exibia a zona genital enquanto se masturbava;
- a SS, em 19 de março de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos de ambos os sexos, despidos e a manter contactos sexuais, o que fez com este o bloqueasse;
- a PP, entre 15 de fevereiro de 2021 e 23 de fevereiro de 2021, questionando-o “se batia punheta?” e enviando-lhe três fotografias de mulheres, completamente despidas;
- a QQ, entre 9 e 10 de março de 2021, enviando-lhe vídeos de indivíduos, de ambos os sexos, a manterem contactos de natureza sexual, questionando-o se se masturbava e remetendo-lhe duas imagens de um pénis despido.
- a CCC, entre 17 de fevereiro e 10 de maio de 2021, nos termos descritos em f., que lhe chegou a remeter uma fotografia do seu pénis despido, após a insistência do arguido.
60. Pela aplicação “...”, em datas não concretamente apuradas, partilhou, pelo menos, 46 ficheiros de imagem e vídeo onde constam menores do sexo masculino, com menos de 14 anos de idade, em atos sexuais ou a exibir partes íntimas - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual. 61. Já no que concerne à aplicação “...”, o arguido tinha aí configurada uma conta identificada como “...”, associada ao número ...81, utilizado pelo arguido.
62. Aí, manteve conversações – cujo teor de fls. 794 a 814 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual -, com partilha de ficheiros de cariz sexual, em diferentes formatos, com os utilizadores FFF, GGG, ..., Chatt de ..., ..., ..., ..., D..., ..., ..., I..., ..., (letraschinesas), ..., ..., ..., HHH, III, ..., ..., ..., JJJ, KKK e LLL Da.
63. De facto, nessa sede, o arguido enviou:
- a GG, no dia 3 de março de 2020, 3 ficheiros de vídeos, nos quais é possível visualizar um menor, do sexo masculino, com menos de 14 anos de idade, a masturbar o pénis e a inserir o cabo da escova de dentes na zona anal e, no dia 10 de março de 2020, uma captação de videochamada com o mesmo menor, a exibir a zona genital;
- a FFF, 1 ficheiro de um menor, com menos de 10 anos de idade, entre 15 e 16 de março de 2021;
- a JJJ, 3 ficheiros de cariz sexual, envolvendo menores de 14 anos, no dia 10 de abril de 2021;
- a LLL, no dia 14 de abril de 2021, 1 ficheiro de imagem onde se pode ver a zona genital de um menor de 14 anos, do sexo masculino;
- no dia 21 de abril de 2021, a uma conta entretanto excluída, 13 ficheiros de imagem e 12 ficheiros de vídeo, nos quais constavam m menor do sexo masculino a manter comportamentos sexualizados;
- nesse mesmo dia, com o perfil D..., 13 vídeos e 14 imagens com menores do sexo masculino a praticar atos sexuais ou a exibir partes íntimas do corpo;
- ainda nesse dia, a III, 25 ficheiros de imagem e vídeo do mesmo teor;
- no dia 30 de abril de 2021, a ... 33, 1 ficheiro onde se vislumbra um menor de 14 anos, totalmente despido;
- no dia 13 de maio de 2021, ao grupo ..., 39 ficheiros de imagem nos quais se vislumbra a zona anal e genital de um menor de 14 anos;
- em data não concretamente apurada, a HHH, 3 ficheiros de vídeo do mesmo teor.
64. Em suma, entre todos estes utilizadores, o arguido partilhou, pelo menos, 93 ficheiros, de vídeo e imagem, exibindo menores de 14 anos, despidos.
65. Na aplicação “...” o arguido tinha configurado um perfil denominado “...”, com o registo fotográfico de um menor do sexo masculino, com menos de 10 anos de idade, despido, estabelecendo, aí, 14 conversações diferentes, sempre com referências a menores, e cujo teor de fls. 815 a 867 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
66. Concretamente, remeteu:
- ao perfil I..., 1 ficheiro de vídeo no qual se observa uma zona genital de um menor com menos de 8 anos de idade;
- ao grupo ..., 3 ficheiros de imagens do mesmo teor;
- ao grupo ..., 2 ficheiros de imagem de uma zona genital masculina de um menor, com menos de 10 anos de idade.
67. Do mesmo modo, na aplicação “...”, o arguido configurou um perfil com a mesma designação, na qual partilhava vídeos contendo menores de idade de ambos os sexos, de cariz sexualizado, e cujo teor de fls. 868 a 875 se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.
68. O arguido, ao proceder nos termos supra descritos, agiu sempre motivado pelo propósito de satisfazer os seus instintos sexuais.
69. Não ignorava o arguido que os ofendidos, pessoas a quem tirou fotografias de cariz pornográfico e partilhou nas redes sociais, entre outros, em grupo de pedofilia internacional, aliciando também, com sucesso, entre outros, o II a manter com ele diversos contactos de natureza sexual, mantendo com ele conversas e formulando propostas de teor sexual, eram, na ocasião, menores de idade – com as idades acima referidas - e que os comportamentos que prosseguia eram atentatórios da sua liberdade e autodeterminação sexual.
70. O arguido sabia que os contactos que promovia com o menor II, tal como supra descritos, eram atos sexuais de relevo, um deles consistente em coito oral.
71. Sabia que molestava e punha em causa a autodeterminação sexual do menor.
72. Sabia ainda que o mesmo tinha, à data, 11 anos de idade, circunstância que não o impediu de agir do modo descrito, o que quis e fez, com o propósito de satisfazer os seus impulsos sexuais. 73. O arguido fotografou os seus filhos, despidos, sabendo que não os podia fotografar naqueles modos, ainda mais por serem menores e fez o mesmo com outros amigos destes, da mesma faixa etária, aproveitando-se do facto de se relacionarem bem com os mesmos e de os acompanhar em atividades do dia-a-dia.
74. Sabia, ainda, nesta sede, que violava dos mais elementares deveres dos progenitores para com os filhos, de proteção e educação, revelando total desprezo pelos mesmos e demonstrando ser indigno do exercício das suas responsabilidades parentais.
75. Ademais, arguido bem sabia que as imagens e vídeos que descarregava e/ou obtinha eram de conteúdo pornográfico, exibindo menores e, não obstante, deteve e partilhou as com diversos utilizadores.
76. No mais, o arguido partilhou essas mesmas imagens e vídeos, obtidos na internet, junto de menores, ou mesmo próprios seus, partilhando-os com menores, com idades inferiores a 14 anos, aliciando-os a enviar outros ficheiros e agindo, perante estes, de forma atentatória para com a sua liberdade e autodeterminação sexual,
77. bem sabendo que prejudicava o seu desenvolvimento, nesta esfera.
78. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal.
Cometeu o arguido, em autoria material e em concurso efectivo (artigos 14º/1, 26º e 30º/1 do Código Penal):
- 2 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º/1 e 2 do Código Penal;
- 9 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do artigo 171º/3-a) e b) do Código Penal;
- 52 crimes de pornografia de menores, p. e p. nos termos do artigo 176º/1-b) e c) e 8 do Código Penal, com a agravação do artigo 177º/1-a), 7 e 8 do mesmo diploma, com a pena acessória prevista no artigo 69º-C/3 do mesmo diploma.
- 15 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º/1-b) e c) e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 177º/7 do mesmo diploma.
5. Prova: Declarações de arguidos
1. Declarações do arguido prestadas perante o Juiz de Instrução Criminal, a folhas 353 a 376, cuja reprodução desde já se requer, nos termos do artigo 357º, nº 1 alínea b), do Código de Processo Penal. Declarações para memória futura.
(...) Testemunhal
(...) Pericial
1. Exame preliminar – fls. 242 a 248;
2. Relatório – fls. 601 a 619;
3. Exame pericial aos smartphones, computadores portáteis, discos externos, discos rígidos, dispositivos USB e cartão de memória do arguido – Apenso I. Documental
1. Documentação relativa à investigação “...” – fls. 29v a 145 e 189 a 222.
2. Auto de visionamento de suporte digital – fls. 147 a149;
3. Ficha de registo automóvel – fls. 160;
4. Ficha de registo automóvel – fls. 161;
5. Auto de busca e apreensão – fls. 227 a 230 e 233 a 241;
6. Auto de visionamento – fls. 250 a 251;
7. Assento de nascimento de AA – fls. 440;
8. Assento de nascimento de EE – fls. 442;
9. Assento de nascimento de II – fls. 443;
10. Assento de nascimento de JJ – fls. 445;
11. Assento de nascimento de KK – fls. 447;
12. Assento de nascimento de MMM – fls. 440;
13. Assento de nascimento de NNN – fls. 449;
14. Auto de visionamento de suporte digital – fls. 620 a 875 e 1201 a 1391;
15. Assento de nascimento de OO – fls. 1465;
16. Assento de nascimento de AAA – fls. 1467;
17. Assento de nascimento de EEE – fls. 1469;
18. Assento de nascimento de BBB – fls. 1471;
19. Assento de nascimento de PP – fls. 1473;
20. Assento de nascimento de QQ – fls. 1474;
21. Assento de nascimento de CCC – fls. 1476.
6. Medidas de coacção:
O arguido aguarda os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva, situação em que se encontra, porquanto nenhuma circunstância adveio da instrução que importe uma atenuação indiciária – desde logo em face dos termos da pronúncia – ou que importe enfraquecimento das exigências cautelares que foram consideradas aquando da aplicação da medida de coacção a que se encontra sujeito, em face dos perigos que se pretenderam acautelar e que se mantêm, sendo no caso evidente e actual o de continuação da actividade criminosa, já que tem de se conceder que o perigo de perturbação do inquérito já não existe, face ao encerramento deste, tal como não existe o de perturbação da instrução (em sentido amplo), em face das declarações para memória futura das menores, bem como as declarações do arguido perante autoridade judiciária, mesmo relativamente aos filhos, tanto mais que a prova é fundamentalmente documental e pericial. De qualquer forma aquele perigo – continuação da actividade criminosa – é actual. Como se diz no despacho que aplicou ao arguido a prisão preventiva, em face das declarações do mesmo: por diversas vezes tentou parar com a sua conduta, o que não conseguiu, regressando à prática dos factos.
Perigo que, em face da personalidade do arguido e das circunstâncias dos crimes, não é só genérico, ou seja relativamente a toda a qualquer criança, mas também concreto quanto aos menores/vítimas identificados, tal como consta do despacho que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva.
Mantém-se assim a actualidade deste perigo e nada adveio aos autos que importe uma alteração das exigências cautelares, tal como se mantém actual o perigo de o arguido perturbar gravemente a ordem e tranquilidade publicas. A sociedade, perante um arguido com este tipo de personalidade, tal como os factos suportam, não é capaz de dele se proteger (se em liberdade), concretamente quanto os seus elementos mais frágeis (as crianças), face aos ataques indiscriminados à autodeterminação sexual.
Sendo ainda real e actual o perigo de fuga, considerando que o arguido tem nacionalidade ..., aí tem família, tem vastos conhecimentos no exterior e a protecção que o sub-mundo deste tipo de criminalidade lhe oferece é real, ademais para própria protecção do modus criminoso em que se insere.
Deve ainda dizer-se que o facto de se ter operado, face à acusação, uma enorme redução quantitativa do número de crimes imputados, tal circunstância em nada contende, no caso concreto, com a necessidade, adequação e proporcionalidade da prisão preventiva a que se encontra sujeito.
Por todo o exposto, aguarda o arguido os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva (artigos 202.º/1-a) e b), 204.º/-a) e c) e 213.º/1-b) do CPP).
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – artigo 8.º/9 do RCP, uma vez que foi pronunciado.
Notifique.
(...)”.
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4. Inconformado com essa decisão judicial, no segmento em que não pronunciou o arguido pela prática de 139.253 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo Artº 176º, nº 1, als. b), c) e d), e 8, do Código Penal, com a agravação prevista no Artº 177º, nº 7, do mesmo diploma legal [face ao decidido em 2.1 (nulidade parcial da acusação], em 10/10/2022 dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos da peça processual cuja cópia consta de fls. 164/175, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“1 – O arguido foi acusado, além do mais, da prática de 139.079 crimes de pornografia de menores p. e p. pelo artigo 276º, nº1, al. b), c) e d) e nº 8 do Código Penal com a agravação prevista no artigo 177º, nº7 do mesmo código.
2 - A acção típica narrada na acusação não se limita à realização de downloads.
3 - A acusação imputa ao arguido a realização de downloads, de detenção e de partilha de vídeos e imagens de pornografia de menores.
4 - A remissão feita na acusação para os elementos dos autos permite conhecer as circunstâncias de tempo e de lugar em que os factos foram praticados.
5- A narração dos factos, feita com recurso a remissão, é suficiente para afastar a nulidade da acusação e permite a defesa do arguido.
6 - Ainda que assim não entendesse deveria então o arguido ser pronunciado pela prática de um crime de pornografia de menores.
7- o despacho de não pronúncia violou o disposto nos artigos 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal e 276º, nº1, al. b), c) e d) do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que vossas excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho posto em crise e determinado novo que pronuncie o arguido pela prática dos factos e do crime, tal como descritos na acusação pública, assim se fazendo JUSTIÇA.”.
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5. Cumprido o disposto no Artº 413º, nº 1, não se apresentou o arguido a responder ao recurso.
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6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o parecer que consta de fls. 206/211, expressando o entendimento de que deve ser dado provimento ao recurso, pelas razões expendidas pelo Ministério Público em 1ª instância, sublinhando, ainda, que “caso não fosse o entendimento do juiz de instrução criminal de que se verificavam 139253 crimes de pornografia de menores, sempre teria de pronunciar o arguido por um crime de pornografia de menores na esteira do citado acórdão do STJ de 29-11-2012.”.
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7. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi apresentada qualquer resposta.
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8. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [4].
Assim sendo, no caso vertente, a única questão que importa decidir é a de saber se se verifica, ou não, a nulidade parcial da acusação, nos termos considerados na decisão instrutória.
Vejamos, pois.
Como se extrai do antecedente relatório, constata-se que o Ministério Público, no âmbito do despacho de acusação que proferiu contra o arguido AA imputou-lhe a prática, em autoria material, e em concurso efectivo, entre outros ilícitos criminais, de 139.322 crimes de pornografia de menores, 54 p. e p. nos termos do Artº 176º, nºs. 1, als. b) e c), e 8, do Código Penal, com as agravações previstas no Artº 177º, nºs. 1, al. a), e 7, do mesmo diploma legal, e 139.268 p. e p. nos termos do Artº 176º, nºs. 1, als. b), c) e d), e 8, do Código Penal, com a agravação prevista no Artº 177º, nº 7, do mesmo diploma legal.
Mais se consta que, em sede de decisão instrutória, nesse âmbito (dos crimes de pornografia de menores), o Mmº JIC decidiu:
a) Não pronunciar o arguido pela prática de 139.255 crimes de pornografia de menores, 139.253 p. e p. pelo Artº 176º, nºs. 1, als. b), c) e d),e 8 do Código Penal, com a agravação prevista no Artº 177º, nº 7, do mesmo diploma [face ao decidido em 2.1 - nulidade parcial da acusação], e 2 p. e p. nos termos do Artº 176º, nºs. 1, als. b) e c), e 8, do Código Penal, com a agravação do Artº 177º, nºs. 1, al. a), e 7, do mesmo diploma (referente aos filhos do arguido);
b) Pronunciar o arguido pela prática, em autoria material, e em concurso efectivo, de 67 crimes de pornografia de menores, 52 p. e p. nos termos do Artº 176º, nºs. 1, als. b) e c), e 8, do Código Penal, com a agravação do Artº 177º, nºs. 1, al. a), 7 e 8, do mesmo diploma, com a pena acessória prevista no Artº 69º-C, nº 3, do mesmo diploma legal, e 15 p. e p. pelo Artº 176º, nºs. 1, als. b) e c), e 8, do Código Penal, com a agravação prevista no Artº 177º, nº 7, do mesmo diploma.
E que a decisão de não pronúncia do arguido pelos aludidos 139.253 crimes de pornografia de menores estriba-se, em síntese, na circunstância de, na acusação pública, maxime no seu ponto 23, não constar a descrição de factos susceptíveis de se subsumirem na previsão do Artº 176º, nºs. 1, als. b), c) e d), e 8, do Código Penal, não sendo fundamento para tal a remissão que ali se faz para o “expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I”, e que se deu “por integralmente reproduzido, por razões de economia processual”.
Prescreve o Artº 286º, nº 1, ao cuidar da finalidade e âmbito da instrução, que esta fase do processo visa o reconhecimento jurisdicional da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Trata-se de uma fase jurisdicional (facultativa) em que o juiz de instrução investiga autonomamente o caso que lhe é submetido, praticando os actos necessários a fundar a convicção que lhe permita proferir a decisão final de submeter ou não a causa a julgamento, ou seja, de pronunciar ou não pronunciar o arguido (Artº 308º, nº 1).
Estatuindo, por seu turno, o Artº 283º, sob a epígrafe “Acusação pelo Ministério Público”:
“1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) As circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa da pena em que este deve ser condenado;
d) A indicação das disposições legais aplicáveis;
e) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspetos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
f) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
g) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
h) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;
i) A data e assinatura.
(...)”.
Ora, face ao teor da supra transcrita alínea b), é inelutável que a acusação a preferir pelo Ministério Público deve conter com precisão a descrição dos factos da vida real que configuram o acontecimento histórico que teve lugar, socialmente relevante e tipificado pela ordem jurídica, e que correspondam aos elementos constitutivos do tipo legal de crime, com grau de exigência que se compatibilize com as garantias de defesa, no sentido de que o arguido conheça o objecto de que é acusado e dele se possa conveniente defender.
O que mais não é do que uma exigência decorrente do princípio do acusatório, e que surge como forma de assegurar ao arguido todas as garantias de defesa, em respeito pelo Artº 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Primeiro Volume, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 65, a concepção típica de um processo acusatório implica “estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa, tanto na determinação do objecto do processo (thema decidendem), como na extensão da cognição (thema probandum),como nos limites da decisão (ne eat judex ultra vel extra petita partium)”, só assim, quanto àquele objecto e suas consequências, estando asseguradas as garantias de defesa, para que o arguido conheça, na sua real dimensão, os factos de que é acusado, para que deles se possa convenientemente defender.
Por isso, face à estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta, os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação, não podendo o juiz suprir as falhas detectadas na elaboração da acusação, nem tampouco formular convites, recomendações e ordens ao titular da acção penal, para aperfeiçoamento, rectificação, complemento, ou dedução de nova acusação, o que, aliás, é extensivo aos demais sujeitos processuais, nomeadamente ao assistente.
A propósito da acusação, esclarece o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 113 e sgts., que “A acusação é formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado com a pena prevista na lei, eventualmente com as limitações impostas pelo Ministério Público (...). É um pressuposto indispensável da fase de julgamento e por ela se define e fixa o objecto do julgamento.”.
Sublinhando, mais à frente, no que tange à “narração dos factos” a que alude a alínea b), do nº 3, do Artº 383º, supra transcrito:
“É elemento essencial da acusação a indicação dos factos que fundamentam a aplicação da sanção, ou seja, os elementos constitutivos doi crime, objectivos e subjectivos (...). É que são estes que constituem o objecto do processo daí em diante e são eles que serão objecto do julgamento.
A lei manda descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
A descrição dos factos e de todas as circunstâncias pertinentes deve ser muito cuidada, pois se é certo que na fase de julgamento podem ser ainda consideradas as circunstâncias que não impliquem alteração substancial dos factos (art. 358º), é de todo o interesse que todas as circunstâncias conhecidas no momento da acusação sejam nela descritas para serem objecto de defesa, de apreciação no julgamento e ponderadas na decisão.”.
Em suma, como se salientou no acórdão deste TRG, de 09/01/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 628/11.3TABCL.G1, disponível inwww.dgsi.pt, “os “factos” que constituem o “objecto do processo” têm que ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea ( Assim, concluiu o STJ no Ac. de 17-06-2004 (04P908 - Santos Carvalho): «Não são “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado (“procediam à venda de produtos estupefacientes”, “essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos”, “a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína”, utilizavam também “correios”, “utilizavam também crianças”, etc.). As afirmações genéricas, contidas no elenco desses “factos” provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como “factos” inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição.». Ou no Ac. de 2-07-2008 (07P3861 - Raul Borges): «Esta imprecisão da matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, traduzindo aquela uma mera imputação genérica, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido ser insusceptível de sustentar uma condenação penal – cf. Acs. de 06-05-2004, Proc. n.º 908/04 - 5.ª, de 04-05-2005, Proc. n.º 889/05, de 07-12-2005, Proc. n.º 2945/05, de 06-07-2006, Proc. n.º 1924/06 - 5.ª, de 14-09-2006, Proc. n.º 2421/06 - 5.ª, de 24-01-2007, Proc. n.º 3647/06 - 3.ª, de 21-02-2007, Procs. n.ºs 4341/06 - 3.ª e 3932/06 - 3.ª, de 16-05-2007, Proc. n.º 1239/07 - 3.ª, de 15-11-2007, Proc. n.º 3236/07 - 5.ª, e de 02-04-2008, Proc. n.º 4197/07 - 3.ª.».).”.
Ora, na situação em apreço, como se disse, na acusação pública imputava-se ao arguido, no que ora interessa considerar, a prática de 139.322 crimes de pornografia de menores, p. e p. nos termos do Artº 176º, nºs. 1, als. b), c) e d), e 8, do Código Penal, com a agravação prevista no Artº 177º, nº 7, do mesmo diploma legal.
Pelo que, para melhor dilucidarmos a vexata quaestio, teremos de analisar, ainda que sumariamente, os elementos típicos do ilícito criminal em causa, para, num segundo momento, decidirmos se a factualidade que a propósito o Ministério Público alegou na acusação preenche, ou não, tais elementos, com o defende no seu recurso, ou se, pelo contrário, são insuficientes ou inexistentes, como decidiu o Mmº Juiz a quo no despacho em causa.
Vejamos, então.
Inserido na Secção II, do Capítulo V, do Título I, do Livro II, do Código Penal, atinente aos “Crimes contra a autodeterminação sexual”, estatui o Artº 176º, sob a epígrafe “Pornografia de menores”:
“1 - Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
(...)
8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
9 - A tentativa é punível.”.
Como claramente se extrai da transcrita norma, o tipo legal de pornografia de menores pode revestir qualquer acto que se enquadre nas modalidades definidas nas diversas alíneas do nº 1.
O que significa que, objetivamente, se pune a conduta daquele que utiliza (ou alicia para esse fim) menor em espectáculo pornográfico, fotografia, filme ou gravação pornográfica, independentemente do seu suporte, a daquele que produzir, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, material pornográfico em que utilize menor, e ainda, a daquele que adquira esse material com o propósito de o distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder.
O bem jurídico protegido pela referida norma incriminadora é a liberdade ao nível da sexualidade, de pessoas que, situadas abaixo de determinado nível etário, não são ainda suficientemente maduras para se autodeterminarem a esse nível – procura-se proteger a autodeterminação sexual, “face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.” – cfr., neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 541 e sgts., em anotação ao Artº 172º.
Tratando-se, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, de um crime de perigo abstracto, “na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada”; e, trata-se, ainda, de um crime de mera actividade dado o tipo incriminador se preencher através da mera execução de um determinado comportamento.
Quanto ao elemento subjectivo do ilícito, trata-se de um crime doloso, em qualquer
uma das formas previstas no Artº 14º do Código Penal.
Ora, voltando ao caso vertente, constata-se que, em termos objectivos [é sobre esse aspecto que incide a questão em análise], o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, a matéria que (pretensamente) constituiria a prática, por banda do arguido, dos aludidos crimes de pornografia de menores, consta (exclusivamente) do ponto 23, nos seguintes termos:
“23. Isto dito, entre 2010 e 2021, o arguido procedeu ao download de, pelo menos, 139079 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia de menores - cujo teor resulta do expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual.”.
Será que esta alegação satisfaz os requisitos ínsitos no supra mencionado Artº 283º, nº 3, al. b), segundo o qual, a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada?
Afigura-se-nos que a resposta é negativa.
Na verdade, como bem referiu o Mmº Juiz a quo, no aludido ponto da acusação não se descrevem minimamente factos, ali se fazendo constar apenas uma descrição genérico/conclusiva, com referência à acção (download), e utilizando os dizeres legais, “ficheiros e vídeos de pornografias de menores”, sem a necessária concretização e densificação, maxime no que ao conceito “pornográfico” tange, o que, além do mais, impossibilita e coarcta de forma grave qualquer direito de defesa do arguido.
Ficando claramente a ideia de que, para acusação, “a circunstância de o arguido ter procedido durante um determinado período de tempo alargado (11 anos) a downloads (de pelo menos 139.079 ficheiros), só por si integra várias modalidades típica de acção, que não diz, mas a encontrar nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do referido artigo 176º, como se nelas não houvessem diferentes previsões típicas.”.
Igualmente se subscrevendo a posição do Mmº JIC quando, trazendo à liça o acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, de 15/12/1999, afirma que nem mesmo a remissão que naquele ponto da acusação se faz para o “expediente remetido pelas autoridades alemãs, de fls. 29 a 163, auto de busca e apreensão de fls. 227 a 228 e 234 a 241, exame de fls. 242 a 251 e exame pericial aos objetos do apenso I e aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia processual” dá satisfação ao aludido requisito legal, constante do Artº 283º, nº 3, al. b).
Na verdade, como lapidarmente se refere naquele douto aresto do Tribunal Constitucional, após se sublinhar ser “imperativo que a acusação e a pronúncia contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”, “(...), efectuar meras remissões para documentos juntos aos autos, sem referência expressa ao seu conteúdo - e, principalmente, sem referir explicitamente o seu significado, porque se não esclarece com precisão qual a conduta criminosa que deles se pretende extrair e que através deles se pretende comprovar - não pode então constituir, como pretende o MP, uma mera «simplificação» da acusação e da correspondente pronúncia, ainda compatível com aquelas exigências de clareza e narração sintética dos factos imputados ao arguido e, consequentemente, com a virtualidade de permitir uma futura condenação também com base nesses factos apenas indirecta e implicitamente referidos, sem que se considere ter verdadeiramente ocorrido uma alteração dos factos, mas tão-só a sua «explicitação», como se sustenta no acórdão recorrido.”, pois que “(...) um tal entendimento afrontará irremissível e irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e o princípio do acusatório, assegurados no artigo 32º da Constituição.” [5].
Verifica-se, pois, na situação em apreço, uma total omissão na alegação factual decisiva e necessária ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime em causa, de “pornografia de menores”, o que torna a acusação nula, nessa parte, como bem decidiu o Mmº Juiz a quo.
Vício esse que, evidentemente, não deixaria de estar presente mesmo que se considerasse estarmos apenas perante “um crime de pornografia de menores”, como preconiza a Exma. Procuradora da República no recurso, no que é secundada pelo Exmo. PGA no seu parecer.
Outrossim não se acolhendo, com o devido respeito, a posição do Exmo. PGA quando aduz que, no exacto contexto do aludido ponto 23 da acusação, ou seja, “relativamente ao downlood de, pelo menos, 139.079 ficheiros de imagem e vídeo, daí resultando o quando e como tal ocorreu, e o seu conteúdo de pornografia de menores, e constando da acusação os elementos subjetivos do tipo legal de crime, ao juiz de instrução criminal era possível descrevê-los no despacho de pronúncia, por dia, hora, local e descrição do conteúdo das imagens e dos vídeos, sem que tivesse de acrescentar o que quer que fosse, e, consequentemente, sem violação dos princípios do acusatório e do contraditório, nem o princípio da identidade do objeto do processo.”.
Pois, como já se referiu anteriormente, e ora se reitera, está vedado ao juiz de instrução alterar ou criar por si a factualidade em falta, e bem assim convidar o Ministério Público a suprir as falhas detectadas na elaboração da acusação.
Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, não tendo sido violada nenhuma norma legal, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, que se confirma, improcedendo o recurso.
III. DISPOSITIVO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente (Artº 522º, do C.P.Penal).
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
Declaração de voto
Voto vencida pelos seguintes motivos:
Em primeiro lugar, no meu muito modesto ver, o facto vertido em 23 não pode ser divorciado de todo o manancial fáctico referido nos números anteriores, tanto mais que o facto vertido em 23 começa precisamente com as palavras “Isto dito…”.
Afigura-se-me, por um lado, que o facto vertido em 23 acaba por ser o resumo daquilo que o MºPº vinha revelando nos factos anteriores, sendo uma espécie de apanhado relatado nos factos vertidos em 5, 6, 9, 13 e 15. A acusação ainda desenvolve, já depois do facto vertido em 23, mais factos com vista a concretizar este, mormente através dos factos vertidos em 24, 27, 28, 47, 49, 51, 59, 60, 61, 64 e 65.
Por outro lado, também se me afigura, muito modestamente, que no facto vertido em 23 é feita uma remissão clara para as concretas partes do processo onde o teor dos tais ficheiros se encontra retratado.
É certo que a técnica utilizada pelo MºPº, a meu ver, talvez não seja a melhor, mas a verdade é que se me afigura não ser sustentável incluir-se numa acusação a descrição integral do teor de centenas de milhares de ficheiros. Afigure-se-me que, desde que haja uma concreta identificação da localização no processo onde os detalhes pormenorizados se encontrem, e que se consiga ver o teor desses ficheiros, que se pode considerar que o arguido é perfeitamente capaz de se defender.
O que acho que o MºPº não podia fazer era simplesmente dizer que foram cometidos “x” crimes de pornografia infantil e não incluir a referência a páginas concretas onde os exemplares dessa pornografia se encontra. Mas efectivamente o MºPº identifica o lugar no processo onde os ficheiros se encontram, aliás, tiveram de ter sido retirados do computador do arguido.
Não é, a meu ver, exigível que se inclua numa acusação o nome dos quase 140 mil ficheiros.
Por fim, não consigo compreender o raciocínio do Mmº JIC a quo – com todo o respeito – pois, por um lado, parece que não aceita a tese de que cada ficheiro traduz um crime de pornografia (o que até posso compreender muito embora o acórdão por si citado na decisão instrutória – acórdão do TRL, de 17/03/2021 do procº nº 644/19.7JGLSB-A.L1-3 – fosse por mim relatado enquanto estive na 3ª secção da Relação de Lisboa) no entanto, já entende que o arguido cometeu 52 crimes de pornografia infantil contra os seus dois filhos.
Ora, se para o Mmº JIC a quo o que interessa é o facto de existir uma criança de “carne e osso” a verdade é que o arguido só tem dois filhos, pelo que, na tese do Mmº JIC a quo, nunca poderia haver 52 crimes de pornografia infantil mas apenas 2, um por cada filho.
No entanto o Mmº JIC a quo contabiliza e autonomiza como crime individual (e a meu ver bem) todas as vezes que o arguido fotografou e disseminou as fotos dos filhos.
Por outro lado, o Mmº JIC a quo rejeitou o número de crimes identificado no facto vertido em 23 porquanto entende que a remissão para os elementos dos autos não chega e, portanto, não está suficientemente descrito o teor dos ficheiros de modo a poder concluir-se que são pornográficos, no entanto, afigure-se-me, muito modestamente, que o Mmº JIC a quo não contabilizou o número de ficheiros que estão, efectivamente, identificados em termos do seu teor.
Vejamos.
Nos factos vertidos em 64 e 65 há referência a 93 ficheiros.
No facto vertido em 67 há referência a 6 ficheiros.
No facto vertido em 49 há referência a 39 ficheiros.
Nestes 4 factos faz-se referência ao teor dos ficheiros, ou seja, não se limita a dizer que são “pornográficos”.
O que contabilizado já dá 138 ficheiros devidamente identificados em termos do seu teor.
Pelo menos este número de ficheiros teria de ser contabilizado a par dos 52 ficheiros que o Mmº JIC a quo aceita em relação aos filhos menores do arguido.
No entanto, o Mmº JIC a quo apenas contabiliza 15 crimes assente, julgo eu, nos factos vertidos em 60 e 64, contudo, em meu muito modesto entendimento, o que releva nas als. c) e d) do nº 1 do artº 176º do Código Penal é a importação de material pornográfico e essa importação ocorre sempre que se faz um download de um ficheiro com tal teor, daí contabilizarem-se o número de crimes pelo número de ficheiros, desde que, claro, os ficheiros contenham imagens de crianças aptas a revelarem a prática de actos sexuais, mesmo que simulados, ou nudez das mesmas.
Penso, sinceramente, que o Mmº JIC a quo não quis abordar a questão de saber se os 2 tipos de crimes previstos nas alíneas c) e d) do nº 1 do artº 176º do Código Penal podem ser contabilizados por ficheiro, e, se é discutível e aceito que se tenha outra interpretação, penso que o manancial de prova junta aos autos, ademais, com intervenção de uma autoridade judicial estrangeira que é quem denunciou toda esta situação, é muito arriscado pura e simplesmente ignorar as centenas de milhares de ficheiros que constam dos autos e depois afirmar que só há 15 crimes de pornografia infantil como contabiliza o Mmº JIC a quo.
Ou seja, à cautela, eu teria pronunciado o arguido nos termos que constam da acusação e deixaria para a fase do julgamento o melhor apuramento da questão, tanto mais que o arguido consegue perfeitamente compreender os factos que lhe são imputados na acusação.
Até porque o Mmº JIC a quo apoia-se, efectivamente, na prova documental e pericial que consta dos autos, tanto que afirma que: “Ora toda a factualidade imputada e que descreve minimente a acção está materialmente documentada (ficheiros, conteúdo e partilhas), pelo que está perfeitamente adquirida para os autos, designadamente em face dos meios de obtenção de prova informáticos levados a cabo, com apreensões dos suportes informáticos detidos pelo arguido e a sua análise, como resulta da perícia realizada pela PJ, para além da instalação de programas de partilha o que só por si sustenta indiciariamente a intenção de divulgação, mas também nos casos afirmados a divulgação/partilha.”
Como é que, então, se aceita essa prova para os tais 15 crimes de pornografia que o Mmº JIC a quo tem como indiciados e se ignora as restantes centenas de milhares de ficheiros que dessa prova também consta?
Assim, por considerar que o facto vertido em 23 não pode ser isolado dos restantes factos, sendo que se me afigura que há elementos suficientes no referido facto vertido em 23 para que o arguido pudesse desenvolver uma defesa adequada, eu teria julgado o recurso interposto pelo Digno Mº Pº procedente.
Florbela Sebastião e Silva
[1] Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem. [2] Cfr. fls. 3/17. [3] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator. [4] Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade. [5] Neste sentido decidiu este TRG no acórdão de 13/06/2016, proferido no âmbito do Proc. nº 18/14.6T9MNC..G1, disponível inhttps://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2016:18.14.6T9MNC.G1.52/, no qual se afirma:
“Ao contrário do que acontece com outras peças processuais, a lei não permite que a narração dos factos da acusação seja feita por mera remissão para outras peças ou documentos do processo (cfr. arts. 313 nº 1 al. a) e art. 307 nº 1 do CPP).”.
(...)
“Os arguidos defendem-se duma acusação e não do “processo”. Não deve ser confundida a exigência de alegação de todos os factos essenciais à condenação com a prova dos mesmos. A circunstância de determinado facto poder ser provado por documento junto aos autos não dispensa a sua alegação.”