CONTRATO DE TRABALHO
OCUPAÇÃO EFECTIVA
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS DECORRENTES DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário


I – Tendo a trabalhadora sido enviada para casa pela sua entidade empregadora, não lhe sendo atribuído, durante cerca de cinco meses, qualquer posto de trabalho, é-lhe devido subsídio de alimentação durante esse período, visto que esteve na inteira disponibilidade da sua entidade empregadora, atuando segundo as suas instruções e orientações.
II – A cláusula 45.ª do CCT celebrado entre a AES e a STAD atribui automaticamente o direito indemnizatório ao trabalhador que prove (i) ter em dívida um ou vários dos créditos elencados no capítulo IX; e (ii) que essa dívida ultrapassa os 60 dias.
III – Para que haja direito à indemnização por danos morais, nos termos do art. 496.º do Código Civil, é necessário que (i) tenha existido um comportamento ilícito e culposo da entidade patronal; (ii) existam danos por parte da trabalhadora; (iii) tais danos, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito (não sendo indemnizáveis meros incómodos); e (iv) exista um nexo causal entre o referido comportamento e os danos sofridos.
IV – São de indemnizar os danos da trabalhadora referentes ao sofrimento, advindo de sentimentos de humilhação, angústia e inquietação, ocorrido durante cerca de cinco meses, em virtude de não lhe ter sido atribuído, nesse período, qualquer posto de trabalho e de lhe ter sido pago, fora dos períodos devidos, algumas das retribuições, sendo que, a partir de certa altura, não lhe foram pagas mais retribuições.
V – Todo o trabalhador merece ser tratado com dignidade (art. 127.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho), sendo a violação deste dever por parte da entidade empregadora uma das mais gravosas, uma vez que afeta a própria dignidade da pessoa humana.
VI – A circunstância de o trabalhador ser atirado para uma espécie de limbo, no qual nem lhe é cessado o contrato de trabalho, nem lhe é atribuído posto de trabalho, deixando, a partir de certa altura, até de lhe ser paga qualquer retribuição, determina um intenso e perturbador estado de ansiedade, angústia e humilhação, estado esse que será tanto maior quanto a situação económica do trabalhador assente exclusivamente nos rendimentos provenientes do seu trabalho para aquela entidade patronal.
VII – A gravidade dos danos morais afere-se em face da intensidade do grau de sofrimento que a conduta da entidade empregadora causou no trabalhador, sendo esse grau tanto maior quanto maior for a gravidade e variedade de atos ilícitos a que a entidade empregadora sujeitou o trabalhador e quanto maior for a sua duração temporal.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Proc. n.º 2641/20.0T8PTM.E2
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA (Autora), patrocinada pelo Ministério Público, intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “PSG – Segurança Privada, S.A.” (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência, seja a Ré condenada a pagar à Autora:
1. A indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho, no valor de €2.296,71;
2. A quantia global de €1.786,33, relativa à retribuição dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2020;
3. A quantia de €729,11, referente aos dias de trabalho disponibilizado e prestado à Ré no mês de setembro de 2019;
4. A quantia de €364,55, referente ao subsídio de férias das férias gozadas entre 22 de agosto e 23 de setembro de 2019;
5. A quantia de €954,72, referente à retribuição dos dias de férias a que tinha direito e que não gozou no ano de 2020;
6. A quantia de €954,72, referente ao subsídio de férias do ano de 2020;
7. A quantia de €146,74, referente aos duodécimos do subsídio de Natal dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2020;
8. A quantia de €721,56, relativa ao subsídio de alimentação em falta de 01 de agosto de 2019 a 09 de março de 2020;
9. A quantia de €194,04, relativa aos créditos de horas por falta de formação profissional;
10. Devendo ser deduzido, ao valor dos créditos acima enunciados, o valor de €595,91, depositado na conta da Autora pela Ré, no dia 13-12-2019;
11. Uma indemnização, nos termos previstos na Cláusula 45ª do CCT aplicável, no valor mínimo de 3 vezes do montante em dívida, o qual, tendo por base os valores pedidos, se calcula num valor mínimo de €16.973,19;
12. Quantia não inferior a €10.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais de que a Autora foi vítima em consequência de toda a conduta ilícita descrita nos artigos 8º a 37º.
Deve ainda a Ré ser condenada a pagar juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% sobre todas as quantias em dívida e até ao seu integral pagamento.
Alegou, em síntese, que a Autora celebrou com a Ré, em 01-12-2017, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início nesse dia, no qual a Autora passou a prestar serviços à categoria profissional de vigilante, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, com remuneração inicial de €651,56 e em 2020 de €765,57, por um período normal de 40 horas de trabalho semanal, por turnos rotativos.
Mais alegou que a esta relação laboral aplicava-se o CCT subscrito entre a AES e o STAD.
Alegou ainda que, em 05-10-2018, a Autora entrou de baixa médica por causa de um acidente de trabalho de que foi vítima, tendo tido alta em 13-03-2019, altura em que se apresentou nas instalações da Ré para retomar as suas funções, não tendo, porém, a Ré lhe arranjado qualquer posto de trabalho, o que veio a ocorrer, posteriormente, em face da insistência da Autora em solicitar a intervenção da ACT, no entanto, por diversas vezes, foi colocada unilateralmente de férias e, após o regresso, lhe foi dito que inexistia qualquer posto de trabalho para lhe atribuir, tendo havido irregularidades no pagamento dos seus salários a partir de agosto de 2019.
Alegou igualmente que, em 14-02-2020, a Ré atribuiu-lhe um posto de trabalho em Albufeira, ou seja, a cerca de 68 km de Portimão, pelo que a Autora lhe comunicou que apenas o aceitaria se lhe disponibilizassem uma viatura devidamente abastecida, o que não foi aceite pela Ré.
Alegou, de igual modo, que a Ré lhe deixou de pagar os salários a partir de janeiro de 2020, pelo que a Autora, por carta datada de 10-03-2020, resolveu o contrato por justa causa por falta de pagamento pontual das remunerações que lhe são devidas, não tendo a Ré acertado as contas em face da cessação do contrato de trabalho
Alegou, também, que a Autora, enquanto esteve sem posto de trabalho e sem receber a retribuição devida, vivenciou inúmeras dificuldades económicas, sentimentos de humilhação, angústia e inquietação, por não ter outros meios de sustento distinto do trabalho para suportar as despesas do dia a dia e ter de recorrer a terceiros para fazer face às despesas mais básicas.
Alegou, por fim, que a Ré lhe deve, a título de créditos laborais, a quantia de €7.552,57; que, em face do art. 45.ª do CCT aplicável, deverá ainda a Ré lhe pagar, a título de indemnização, a quantia de €16.973,19, bem como os respetivos juros de mora; e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €10.000,00, pelo intenso sofrimento psicológico, tristeza, desgosto e humilhação causados à Autora pela conduta ilícita da Ré.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
A Ré “PSG – Segurança Privada, S.A.” apresentou contestação, pugnando, a final, que:
- fosse julgada procedente, por provada, a exceção perentória extintiva por abandono do trabalho, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra si formulados; ou
caso assim se não entenda:
- Ser julgada procedente, por provada, a exceção perentória extintiva por ilicitude da resolução do contrato de trabalho, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra si formulados; ou
caso assim se não entenda:
- ser julgada procedente, por provada, a exceção perentória extintiva por abuso de direito da trabalhadora, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra si formulados; ou
caso assim se não entenda:
- deve a ação intentada pela Autora ser julgada improcedente por não provada, sendo a Ré absolvida dos pedidos contra si formulados;
Deve ainda
- o pedido reconvencional ser julgado procedente por provado, sendo declarada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora, nos termos do art. 398.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sendo a Autora, nos termos dos arts. 399.º, 400.º e 401.º, todos do Código do Trabalho, condenada a pagar à Ré uma indemnização, no valor de €1.458,22, acrescida de juros de mora vincendos, contabilizados à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.
Para o efeito, em súmula, alegou que, quando a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato por justa causa, a relação laboral havida entre ambas já não existia, por iniciativa da Autora, uma vez que esta deixou de comparecer no seu local de trabalho, atribuído pela Ré à Autora, em dezembro de 2019, configurando estes factos uma situação de abandono do trabalho nos termos do art. 403.º, n.º 2, do Código do Trabalho, devendo considerar-se que houve uma situação de contrato de trabalho denunciado pela Autora, sem aviso prévio.
Mais alegou que a Autora não possui qualquer fundamento que sustente nem a justa causa, nem o comportamento culposo da Ré, pelo que a resolução operada não produz quaisquer efeitos, a que acresce a circunstância de a Autora agir em abuso de direito, visto ter sido esta quem não compareceu ao trabalho.
Por fim, impugnou os factos vertidos pela Autora na sua petição inicial, alegou inexistir fundamento para a aplicação da cláusula 45.ª à situação dos autos e formulou pedido reconvencional.
A Autora AA, patrocinada pelo Ministério Público, veio responder à reconvenção, impugnando os factos e solicitando que a mesma seja julgada improcedente, por não provada.
Proferido despacho saneador, por ineptidão do pedido reconvencional, foi o mesmo julgado nulo, absolvendo-se a Autora de tal pedido. Foi ainda dispensada a realização de audiência prévia e fixado o valor da causa em €35.983,98.
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 05-07-2021, com a seguinte decisão:
Por tudo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-se a ré do demais peticionado, declarando-se a licitude da resolução do contrato de trabalho promovida pela autora, condena-se a ré “PSG – Segurança Privada, S.A.” a pagar à autora AA:
a) a indemnização (pedido 1) na quantia líquida de €2.296,71 (dois mil, duzentos e noventa e seis euros e setenta e um cêntimos) acrescida de juros contados à taxa legal desde a presente data até integral pagamento;
b) a quantia líquida (pedido 9) de €178,29 (cento e setenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde 10/03/2020 até integral pagamento;
c) a quantia ilíquida (pedidos 4 a 8 com a dedução do pedido 10) de €4.332,71 (quatro mil, trezentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos);
d) a indemnização na quantia líquida (pedido 11) de €12.998,13 (doze mil, novecentos e noventa e oito euros e treze cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a presente data e até integral pagamento;
e) a indemnização (pedido 12) na quantia líquida de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), acrescida de juros contados à taxa legal desde a presente data.
Custas por autora e ré, em função do respectivo decaimento que se fixa em 30,47/100 para a primeira e 69,53/100 para a segunda, sem prejuízo da isenção de que beneficia a primeira.
Registe e notifique.
Junte-se a estes autos certidão da sentença proferida no processo deste juízo com o n.º 1191/20.0T8PTM.
Extraia certidão dessa sentença e da presente sentença, acompanhada dos registos dos depoimentos prestadas neste processo pelas testemunhas BB, CC e DD e, no tocante à por si invocada de inexistência de posto de trabalho disponível para a autora nestes autos (em clara contradição com o que foi dito no referido processo n.º 1191/20.0T8PTM) e remeta-se a mesma aos serviços do Ministério Público para eventual instauração de procedimento criminal por falsidade de testemunho (artigo 360.º, n.º 1 e 3, do Código Penal).
Atento o disposto nos artigos 129.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 131.º, n.ºs 2 e 10, 263.º, n.º 3, 264.º, n.º 4, 278.º, n.º 6 e 521.º todos do Código do Trabalho, após trânsito comunique à Autoridade para as Condições do Trabalho, com certidão da presente sentença.
Em 05-07-2021, foi junto aos autos certidão da sentença proferida no âmbito do processo n.º 1191/20.0T8PTM, que correu termos no mesmo Juízo do Trabalho de Portimão, Juiz 1.
Por despacho judicial proferido em 12-07-2021, o juiz do tribunal a quo procedeu à retificação da parte decisória da sentença, passando a al. c) a ter a seguinte redação:
c) a quantia ilíquida (pedidos 2 e 4 a 8 com a dedução do pedido 10) de €4.332,71 (quatro mil, trezentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos);
Não se conformando com a sentença, veio a Ré “PSG – Segurança Privada, S.A.” interpor recurso de apelação, o qual determinou o acórdão deste tribunal, proferido em 24-02-2022, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso e, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia, determinando a remessa do processo ao tribunal de 1.ª instância para aí prosseguirem os autos, dando-se integral cumprimento ao disposto no art. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Custas pela Apelada, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
Em 20-04-2022, foi proferido despacho judicial pela 1.ª instância a ordenar a notificação das partes da certidão junta, determinando ainda data para a continuação da audiência de julgamento.
Realizada a continuação da audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 30-05-2022, com a seguinte decisão:
Por tudo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-se a ré do demais peticionado, declarando-se a licitude da resolução do contrato de trabalho promovida pela autora, condena-se a ré “PSG – Segurança
Privada, S.A.” a pagar à autora AA:
a) a indemnização (pedido 1) na quantia líquida de €2.296,71 (dois mil, duzentos e noventa e seis euros e setenta e um cêntimos) acrescida de juros contados à taxa legal desde a presente data até integral pagamento;
b) a quantia líquida (pedido 9) de €181,38 (cento e oitenta e um euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde 10/03/2020 até integral pagamento;
c) a quantia ilíquida (pedidos 4 a 8 com a dedução do pedido 10) de €4.332,71 (quatro mil, trezentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos);
d) a indemnização na quantia líquida (pedido 11) de €12.998,13 (doze mil, novecentos e noventa e oito euros e treze cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a presente data e até integral pagamento;
e) a indemnização (pedido 12) na quantia líquida de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), acrescida de juros contados à taxa legal desde a presente data.
Custas por autora e ré, em função do respectivo decaimento que se fixa em 30,47/100 para a primeira e 69,53/100 para a segunda, sem prejuízo da isenção de que beneficia a primeira.
Registe e notifique.
Atento o disposto nos artigos 129.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 131.º, n.ºs 2 e 10, 263.º, n.º 3, 264.º, n.º 4, 278.º, n.º 6 e 521.º todos do Código do Trabalho, após trânsito comunique à Autoridade para as Condições do Trabalho, com certidão da presente sentença.
Inconformada com a sentença, veio a Ré “PSG – Segurança Privada, S.A.” interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
(…)
A Autora AA, patrocinada pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, solicitando a improcedência do recurso e terminando com a seguinte conclusão:
Pelo que ficou dito, não sofre a sentença recorrida qualquer gravame, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (em face da prestação de caução), tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos, pelo que, tendo ido os autos aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Apesar de as conclusões serem manifestamente prolixas, por ainda assim se conseguir apreender as pretensões da Apelante, não se determina a aplicação do disposto no art. 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável em face do disposto no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Impugnação da matéria de facto;
2) Licitude da mudança do posto de trabalho;
3) Inexistência do direito a receber o subsídio de alimentação;
4) Inexistência dos requisitos para a aplicação da cláusula 45.ª do CCT;
5) Redução oficiosa do quantum indemnizatório a aplicar nos termos da cláusula 45.ª do CCT; e
6) Inexistência dos requisitos para a atribuição de indemnização por danos morais.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.1 No dia 1 de Dezembro de 2017, a Autora celebrou com a Ré “PSG – SEGURANÇA PRIVADA, SA”, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início nesse mesmo dia.
1.2 A Ré é uma empresa comercial cuja atividade principal consiste na prestação de serviços de segurança privada.
1.3 Nos termos do sobredito contrato, a Autora passou a prestar serviços correspondentes à categoria profissional de “vigilante”, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, nas instalações de diversos clientes desta, auferindo inicialmente uma remuneração base mensal de 651.56 €.
1.4 Com um período normal de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, em horário organizado em sistema de turnos rotativos previamente designado pela entidade empregadora, ora Ré.
1.5 De acordo com o referido contrato, nas alíneas elencadas no n.º 2 da Cláusula Segunda, a Autora, na qualidade de vigilante, encontrava-se especialmente obrigada a desempenhar as seguintes funções: a) Vigiar e proteger pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, bem como prevenir a prática de crimes; b) Controlar a entrada, a presença e a saída de pessoas e bens em locais de acesso vedado ou condicionado o público; c) Prevenir a prática de crimes em relação ao objecto da sua proteção; d) Executar serviços de resposta e intervenção relativamente a alarmes que se produzam em centrais de receção e monitorização de alarmes; e e) Realizar revistas pessoais de prevenção e segurança, quando autorizadas expressamente por despacho o membro do Governo responsável pela área da administração interna, em locais de acesso vedado ou condicionado ao público, sujeitos a medidas de segurança reforçada.
1.6 Conforme Cláusula Oitava do Contrato de Trabalho, a autora obrigou-se a: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que e relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; d) Participar de modo diligente em ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas; e) Cumprir as ordens e instruções da Entidade Empregadora respeitantes à execução ou disciplinado trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seu direitos e garantias; f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; g) Zelar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho, quer os mesmo lhe seja confiado pela sua Entidade Empregadora quer por um cliente junto do qual desempenhe funções; h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; i) Cooperar para a melhoria da segurança privada e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim; j) Andar sempre munido do seu cartão profissional de vigilante e mantê-lo sempre aposto visivelmente; k) Apresentar-se sempre fardado e cuidado, com o uniforme que lhe for facultado pela Entidade Empregadora; l) Proceder à entrega atempada do certificado do registo criminal e suas renovações; e, m) Proceder à entrega de cópia do cartão profissional de vigilante, assim que recebido, quando o mesmo tenha sido alvo de qualquer renovação ou substituição.
1.7 Na cláusula décima do indicado contrato, ficou a constar que: a autora se obrigada a prestar trabalho nas instalações da ré ou em qualquer outro local que aquela lhe venha a indicar, nomeadamente nas instalações dos clientes da entidade empregadora; a estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da actividade da ré, dentro da mesma área geográfica; a autora poderia ser transferida do seu local de trabalho quando: houver cessação do contrato entre a ré e o cliente, autora assim o pretenda e tal seja possível, sem prejuízo para terceiros, o cliente solicite a sua substituição, por falta de cumprimento das normas de trabalho ou por infracção disciplinar e os motivos não constituam justa causa de despedimento, haja necessidade para o serviço de mudança de local de trabalho e desde que não se verifique prejuízo sério para a autora;
1.8 Inicialmente a Autora exerceu funções no Mercado Municipal de Portimão e, em junho de 2018, passou para o posto da Marina de Portimão, onde exerceu funções até 5 de Outubro de 2018, data em que entrou de baixa por causa de um acidente de trabalho de que foi vítima (o qual é objeto do processo de acidente de trabalho que corre termos no Juízo do Trabalho de Portimão – J2 – com o n.º 1060/19.6T8PTM).
1.9 A Autora trabalhou no posto do supermercado “Intermarché” de Lagos de 19 de Janeiro de 2019 até ao dia 20 de Fevereiro de 2019.
1.10 A 12 de Fevereiro de 2019, a ré recebeu email remetido pela responsável de frescos do “Intermarché” de Lagos, solicitando a saída da autora por reclamações verbais e escritas de clientes.
1.11 No dia 21 de Fevereiro de 2019, a Ré enviou uma carta à Autora, através do supervisor CC, a informá-la que entrava de férias a partir de 25 de Fevereiro de 2019 até 26 de Março de 2019.
1.12 A Autora informou a Ré que não concordava que tivesse que gozar férias naquele período, mas não obteve resposta por parte daquela.
1.13 Acatou a decisão da Ré e, uma vez terminado tal período, apresentou-se nas instalações da Ré, em Portimão, com o propósito de retomar as suas funções.
1.14 Tendo sido colocada pela Ré no supermercado “ALDI” de Lagos, onde se manteve, em exercício de funções, desde o dia 27 de Março de 2019 até ao dia 19 de Agosto de 2019.
1.15 No dia 22 de Maio de 2019, foi reportada através do livro de reclamações uma queixa contra actuação da autora.
1.16 No dia 14 de agosto de 2019, a Ré recebeu um pedido escrito da Cliente, “ALDI PORTUGAL – SUPERMERCADOS, LDA.”, através da Assistente do Responsável de Vendas a solicitar que a vigilante de Lagos fosse substituída pela forma de abordagem dos clientes desse estabelecimento.
1.17 No dia 22 de Agosto de 2019 a Ré informou a autora que não tinha qualquer posto de trabalho para lhe atribuir, e que entrava de férias por um período de 11 (onze) dias.
1.18 Findo esse período, a Autora apresentou-se nas instalações da Ré com o propósito de retomar as suas funções, tendo sido informada que teria de ficar de férias até atingir os 22 (vinte e dois) dias.
1.19 No da 23 de Setembro de 2019 a Autora apresentou-se novamente nas instalações da Ré, em Portimão, onde foi informada que esta não dispunha de posto de trabalho para lhe atribuir, devendo manter-se em casa a aguardar contacto.
1.20 A ré pagou à autora:
1.20.1 em Agosto de 2019 a quantia global de €1.105,63 (€126,00 no dia 8 e €979,63 no dia 30);
1.20.2 em Setembro de 2019 as quantias de €595,91 (no dia 8) e de €33,60 (no dia 10);
1.20.3 em Outubro de 2019 a quantia de €595,91;
1.20.4 em Novembro de 2019 a quantia de €595,91;
1.20.5 em Dezembro de 2019 as seguintes quantias: €595,91 (no dia 05), €595,91 (no dia 13) e €595,91 (no dia 31);
1.20.6 e apenas em Novembro de 2020, a solicitação da Procuradoria do Juízo do Trabalho de Portimão, a Ré fez entrega dos documentos contendo a discriminação dos pagamentos.
1.21 No dia 14 de Fevereiro de 2020, a Autora recebeu um e-mail proveniente da Ré, informando-a de que lhe tinha sido atribuído um posto de trabalho no Hotel Santa Eulália, em Albufeira, onde se devia apresentar no dia 18 de Fevereiro, pelas 08h00.
1.22 Ao que a Autora respondeu por e-mail, com o fundamento de que a distância entre a sua residência e aquele posto era quase de 100km e não tinha como se deslocar para o mesmo, pedindo que a esclarecessem se lhe iriam dar viatura para a deslocação e que, se não fosse dado transporte, não poderia aceitar o posto por tal distância implicar grande transtorno para a sua vida pessoal.
1.23 O chefe de grupo da ré respondeu telefonicamente à autora que a Ré não tinha viaturas disponíveis para atender ao pedido desta e informando que as despesas que a mesma tivesse devido a tal deslocação sempre seriam suportadas pela Ré a título de ajudas de custo.
1.24 A autora não aceitou, invocando a irregularidade e falta de pagamentos anteriores por parte da ré.
1.25 A partir do mês de janeiro de 2020 a Ré não voltou a pagar à Autora qualquer quantia nem não emitiu nem lhe entregou qualquer documento contendo discriminação de valores.
1.26 Por carta datada de 10 de Março de 2020, a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho com efeitos imediatos, invocando justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição por período superior a 60 dias, bem como a violação culposa por parte do empregador das suas garantias legais, nela mencionando os créditos em causa, e solicitando a entrega do modelo RP 5044 DGSS, devidamente assinado e carimbado.
1.27 Por créditos anteriores relacionados, entre outros, com o trabalho noturno, suplementar, em dias de descanso, e feriados, férias não gozadas, subsídio de férias e de Natal no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2017 e Outubro de 2018, corre termos a acção n.º 2863/19.7T8PTM (Juiz 2 do Juízo do Trabalho de Portimão), proposta pela Autora contra a Ré em 20 de Novembro de 2019.
1.28 A Ré actuou com o objetivo de perturbar e constranger a Autora, afectando-a na sua dignidade e proporcionando-lhe um ambiente de trabalho hostil e humilhante, de modo a que esta tomasse a iniciativa de fazer cessar o seu contrato de trabalho.
1.29 Enquanto esteve sem posto de trabalho atribuído e sem receber a retribuição que lhe era devida, a Autora vivenciou inúmeras dificuldades económicas sentimentos de humilhação, angústia e inquietação, por não ter outros meios de sustento distintos do trabalho para suportar as suas despesas do dia a dia.
1.30 Tendo-se socorrido da ajuda de terceiros para fazer face às despesas mais básicas, como pagar a renda da casa no valor mensal de € 400,00, as despesas com água, luz e gás.
1.31 A Ré fez com que a Autora passasse a viver um período de carência económica que implicou que tivesse que acumular dívidas e passar dificuldades, vivendo com a ajuda de terceiros, de quem dependia para suportar as suas despesas habituais.
E não foram dados como provados os seguintes factos:
a. No mês de Dezembro de 2019, a ré comunicou à Autora, através do Diretor Responsável pela Zona Sul, CC, que a mesma seria alocada ao posto de trabalho sito em Albufeira, no Hotel Real Santa Eulália e Autora recusou-se a trabalhar no referido posto, com a ressalva de que caso a empresa, ora Ré, lhe entregasse uma viatura a “situação se resolvesse”.
b. A Ré ficou sem postos que pudesse alocar à Autora.
c. A Ré sempre diligenciou no sentido de encontrar um novo posto para a Autora.
d. A Ré sempre respondeu aos pedidos de informação que lhe foram direcionados pela Autora.
e. Logo que surgiu um novo posto a Autora foi imediatamente contactada.
Os restantes artigos dos articulados não merecem resposta, por não interessarem à decisão da causa, por apenas conterem matéria conclusiva ou de direito (ou, no caso da contestação, meras impugnações de factos).
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se a sentença recorrida (i) fez um incorreto julgamento da matéria de facto; (ii) errou ao considerar que a mudança do posto de trabalho era ilícita; (iii) errou ao determinar o pagamento pela Ré à Autora do subsídio de alimentação; (iv) errou ao considerar preenchidos os requisitos para a aplicação da cláusula 45.ª do CCT; (V) errou ao não reduzir oficiosamente o quantum indemnizatório atribuído a título da cláusula 45.ª do CCT; e (vi) errou por ter considerado preenchidos os requisitos para a atribuição de indemnização por danos morais.
1 – Impugnação da matéria de facto
Pretende a Ré que os factos provados 1.28, 1.29, 1.30 e 1.31 passem a não provados e que os factos não provados a) e d) passem a provados, tudo com base no teor dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF, que não foram valoradas devido à subjetividade, tendenciosidade e arbitrariedade do juiz do tribunal da 1.ª instância, e ainda com base no disposto no art. 364.º do Código Civil.

Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Apelante, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016[2]:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal.
No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016[3]:
I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.
II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância.

Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016[4]:
I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.

E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso.
Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015[5]:
XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.

Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento.
Consigna-se que se procedeu à audição integral da audiência de julgamento.
Mais se faz consignar que a Ré deu integralmente cumprimento ao disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil.
Assim, decidamos.

a) Facto provado 1.28
Consta do facto provado 1.28 que:
1.28 A Ré actuou com o objetivo de perturbar e constranger a Autora, afectando-a na sua dignidade e proporcionando-lhe um ambiente de trabalho hostil e humilhante, de modo a que esta tomasse a iniciativa de fazer cessar o seu contrato de trabalho.

Considera a Ré que este facto deve ser dado como não provado, em face dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF, devendo o depoimento destas testemunhas ser valorado.
Na realidade, a comprovação deste facto resulta não apenas das declarações de parte da Autora AA e da testemunha GG, como dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, quando afirmaram que a situação em que colocaram a Autora (de não lhe atribuírem um posto e de a enviarem para casa, ficando vários meses à espera que lhe atribuíssem um posto) é caso único na Ré. Atente-se que a testemunha CC, responsável da Ré no Algarve, afirmou que apenas no Algarve geria entre 190 a 200 vigilantes. Deste modo, a circunstância de a Autora ter ficado, desde 23-09-2019 até 14 de fevereiro de 2020 (factos provados 1.19 e 1.21), em casa, sem que lhe tenha sido atribuído qualquer posto de trabalho, sendo que no universo de cerca de 200 vigilantes nunca houve um outro vigilante que fosse enviado para casa, sem posto de trabalho (visto que, sempre que não existia de imediato posto, aquando das substituições de posto a pedido do cliente, a Ré colocava o vigilante de férias, atribuindo-lhe de seguida o posto que vagasse, como, aliás, fez com a Autora em 21-02-2019 – factos provados 1.11 a 1.13), permite inferir que efetivamente o tratamento dado pela Ré à Autora foi bastante diferente daquele que era dado aos quase duzentos vigilantes que geria na zona do Algarve. Acresce que não é credível que durante quase cinco meses, num universo de cerca de 200 vigilantes, não tenha vagado um único posto. Aliás, consta da certidão do processo n.º 1191/20.0T8PTM, junta aos autos em 07-07-2021, que a 12-12-2019 foi oferecido à testemunha GG um posto na Marina em Portimão, ou seja, exatamente na zona de residência da Autora, posto este que nem sequer foi aceite pela referida testemunha, pelo que terá sido preenchido por um outro vigilante. E obviamente é de relevar, e consequentemente de estranhar, a circunstância de a testemunha CC não ter referido a existência da vaga desse posto em dezembro de 2019, aquando da sua primeira inquirição e isto independentemente de o considerar, ou não, adequado para a Autora.
Dir-se-á, por fim, que tendo sido colocado um vigilante a partir de 22-08-2019 no posto do supermercado “ALDI”, de Lagos, quando a Autora dele saiu, não se compreende qual o motivo para, nesse momento, não ter sido efetuada uma troca entre o posto de um outro vigilante e aquele posto, de molde a que a Autora não ficasse sem posto de trabalho. Atente-se que nenhuma das testemunhas da Ré (as testemunhas BB, CC e DD) conseguiu esclarecer, com segurança, se esse posto foi preenchido por um vigilante que já se encontrava ao serviço da Ré ou se o foi através de uma nova contratação.
Efetivamente o comportamento da Ré para com a Autora foi adequado a causar a esta perturbação e instabilidade, não só por não lhe atribuir um posto de trabalho durante tantos meses, como por não lhe pagar atempadamente e na íntegra os vencimentos que se comprometera a pagar-lhe, tendo, inclusive, deixado de pagar qualquer quantia a partir de janeiro de 2020 (factos provados 1.20 e 1.25). E se a Ré, conforme referiu a testemunha CC, tinha tantas razões para despedir com justa causa a Autora, é incompreensível a razão pela qual não optou por interpor um processo disciplinar, ao invés de colocar a Autora na situação humilhante e constrangedora em que a colocou.
De salientar, quanto às reclamações contra a Autora, que as testemunhas EE e FF, ouvidas na audiência de julgamento, não tinham qualquer conhecimento direto sobre tais situações, tendo, estranhamente, quer no “Intermarché” de Lagos quer no “ALDI” de Lagos, as referidas testemunhas, que enviaram os respetivos emails a pedir a substituição da Autora, se limitado a receber ordens superiores, encontrando-se a ocupar, temporariamente, cargos de chefia, em substituição das respetivas titulares que se encontravam no gozo de férias. Isto claro, sem por em causa a existência efetiva de uma queixa contra a Autora, escrita, em data não apurada, no livro de reclamações do ALDI de Lagos (documento n.º 3 junto com a contestação).
Acresce que a própria recusa da Ré em entregar à Autora qualquer recibo referente aos pagamentos que efetuou a partir de 23 de setembro de 2019, só o fazendo em novembro de 2020 (mais de um ano depois) e a solicitação da Procuradoria do Juízo de Trabalho de Portimão, denota a intenção da Ré em perturbar e constranger a Autora.
Pelo exposto, é de manter este facto nos seus exatos termos.

b) Factos provados 1.29, 1.30 e 1.31
Consta dos factos provados 1.29, 1.30 e 1.31 que:
1.29 Enquanto esteve sem posto de trabalho atribuído e sem receber a retribuição que lhe era devida, a Autora vivenciou inúmeras dificuldades económicas sentimentos de humilhação, angústia e inquietação, por não ter outros meios de sustento distintos do trabalho para suportar as suas despesas do dia a dia.
1.30 Tendo-se socorrido da ajuda de terceiros para fazer face às despesas mais básicas, como pagar a renda da casa no valor mensal de € 400,00, as despesas com água, luz e gás.
1.31 A Ré fez com que a Autora passasse a viver um período de carência económica que implicou que tivesse que acumular dívidas e passar dificuldades, vivendo com a ajuda de terceiros, de quem dependia para suportar as suas despesas habituais.

Entende a Ré que estes factos devem ser dados como não provados, em face do disposto no art. 364.º do Código Civil.
Os factos provados 1.29 e 1.31 resultam das declarações de parte da Autora AA, corroboradas pelo depoimento da testemunha GG, não dependendo a sua prova da existência de qualquer documento escrito, devendo os mesmos se manter nos seus exatos termos.
O facto provado 1.30, relativamente à ajuda de terceiros, que também consta do facto provado 1.31, resultou das declarações de parte da Autora AA, que mencionou especificamente a ajuda financeira da sua mãe, sendo estas declarações confirmadas pelo depoimento de GG.
Quanto à circunstância de a Autora viver numa casa em que pagava uma determinada quantia económica mensal, tal facto foi afirmado pela Autora e confirmado pela testemunha GG. Atente-se que neste processo não está em causa o apuramento da existência de um contrato de arrendamento e da sua validade, antes sim, o apuramento das despesas que a Autora, em face da circunstância de não receber a sua retribuição mensal, não foi capaz de provir. Ora, a despesa mensal com a renda da casa, mostra-se, assim, suficientemente provada e isto independentemente da validade do contrato de arrendamento celebrado entra a Autora e o respetivo senhorio. De igual modo, apesar de o montante da renda mensal ter sido apenas referido pela Autora, não só estamos perante um facto meramente acessório, como das declarações desta, dada a sua espontaneidade e autenticidade, nada nos leva a desacreditá-las. Atente-se que as declarações de parte são apreciadas livremente pelo tribunal, nos termos do n.º 3 do art. 466.º do Código de Processo Civil.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do TRL, proferido em 26-04-2017[6]:
As declarações da parte podem constituir, elas próprias, uma fonte privilegiada de factos-base de presunções judiciais, lançando luz e permitindo concatenar - congruentemente - outros dados probatórios avulsos alcançados em sede de julgamento.[20]
Existem outros parâmetros, normalmente aplicáveis à prova testemunhal, que podem desempenhar um papel essencial na valoração das declarações da parte. Reportamo-nos designadamente à produção inestruturada, à quantidade de detalhes, à descrição de cadeias de interações, à reprodução de conversações, às correções espontâneas[21], à segurança/assertividade e fundamentação[22], à vividez e espontaneidade das declarações[23], à reação da parte perante perguntas inesperadas, à autenticidade do testemunho. São também aqui pertinentes os sistemas de deteção da mentira pela linguagem não verbal e a avaliação dos indicadores paraverbais da mentira.[24]
Inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações da partes e a prova testemunhal, devendo cada uma delas ser individualmente analisada e valorada segundo os parâmetros explicitados. Em caso de colisão, o julgador deve recorrer a tais critérios sopesando a valia relativa de cada meio de prova, determinando no seu prudente critério qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia.
Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstratas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.
Sintetizando, diremos que: (i) no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente.
Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.

Por fim, relativamente às despesas com água, luz e gás, vivendo a Autora numa casa, resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida que estas despesas existem, ainda que se desconheça o seu montante.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a impugnação fáctica pretendida pela Ré.

c) Facto não provado a)
Consta do facto não provado a) que:
a. No mês de Dezembro de 2019, a ré comunicou à Autora, através do Diretor Responsável pela Zona Sul, CC, que a mesma seria alocada ao posto de trabalho sito em Albufeira, no Hotel Real Santa Eulália e Autora recusou-se a trabalhar no referido posto, com a ressalva de que caso a empresa, ora Ré, lhe entregasse uma viatura a “situação se resolvesse”.

Pretende a Ré que, em face dos depoimentos das testemunhas DD, BB e CC, este facto passe a provado com a seguinte redação:
Previamente ao e-mail enviado a 14 de fevereiro de 2020 pela Ré à Autora, a Ré comunicou à Autora, através do supervisor, DD, que a mesma seria alocada ao posto de trabalho sito em Albufeira, no hotel Real Santa Eulália e Autora recusou-se a trabalhar no referido posto, com a ressalva de que caso a empresa, ora Ré, lhe entregasse uma viatura a situação se resolvesse.

É verdade que as testemunhas DD, BB e CC afirmaram que, em dezembro de 2019, o supervisor DD comunicou à Autora que a mesma iria ser alocada ao posto de trabalho sito em Albufeira, no Hotel Real Santa Eulália, tendo esta se recusado, a menos que a Ré lhe arranjasse uma viatura automóvel. No entanto, desde logo, as testemunhas BB e CC não assistiram à alegada conversa havida entre a testemunha DD e a Autora, pelo que a confirmar tal conversa apenas temos, como depoimento direto, o testemunho de DD, o qual, porém, é contraditado pelas declarações da Autora.
Acresce que, quando confrontado com a circunstância de ser estranho o cliente Hotel Real Santa Eulália, em Albufeira, ter ficado cerca de dois meses sem vigilante, a aguardar que a Autora aceitasse tal posto, no seu primeiro depoimento, a testemunha CC afirmou que lá se encontrava uma vigilante da Ré, de nome HH, que permaneceu no local a aguardar até terem resolvido a situação; sendo que no seu segundo depoimento já afirmou, em consonância com o que a testemunha DD afirmara no seu depoimento sobre este assunto, que o cliente Hotel Real Santa Eulália tinha segurança interna, pelo que nunca ficava sem segurança. Mais acrescentou esta testemunha, neste seu segundo depoimento, que a Ré, nesse local, tinha um pequeno posto, onde apenas colocava um vigilante quando era solicitado pelo cliente para um acréscimo de vigilância, por exemplo, para festas. Ora, destas últimas declarações parece afinal resultar que o posto oferecido à Autora não era sequer para fazer o seu horário de trabalho, antes apenas para pontualmente, quando chamada pelo cliente, efetuar serviços de segurança. Acontece, porém, que nada disso resulta do email que, em 14-02-2020[7], foi enviado à Autora pela Ré, a indicar-lhe como futuro posto de trabalho o Hotel Real Santa Eulália, em Albufeira.
E, sendo assim, o que releva, para além das diversas versões apresentadas pelas testemunhas da Ré sobre o mesmo facto, é a circunstância, por um lado, de não ser credível que um cliente fique cerca de dois meses à espera que a Ré lhe coloque um segurança; e, por outro, de não ser credível que, tendo a Autora se recusado a prestar serviço, em 19 de dezembro de 2019, no posto que lhe foi indicado pela Ré, esta apenas formalize essa mesma indicação, por escrito, em 14-02-2020.
Deste modo, efetivamente nem o documento 1 junto com a contestação, nem os depoimentos das testemunhas DD, BB e CC merecem qualquer credibilidade sobre essa eventual apresentação, pela Ré à Autora, em 19 de dezembro de 2019, do posto Hotel Real Santa Eulália, em Albufeira, pelo que bem andou o tribunal a quo ao ter dado este facto como não provado.

d) Facto não provado d)
Consta do facto não provado d) que:
d. A Ré sempre respondeu aos pedidos de informação que lhe foram direcionados pela Autora.

Considera a Ré que este facto deve ser dado como provado, em face do depoimento das testemunhas BB e DD.
Na realidade, os factos dados como provados 1.20.6 e 1.25, que a Ré não impugnou, desmentem este facto. Efetivamente, a Autora apenas conseguiu ter acesso aos documentos, contendo a discriminação dos pagamentos que lhe foram sendo pagos quando ficou em casa, mais de um ano após tais pagamentos se terem iniciado, e apenas devido ao pedido efetuado pela Procuradoria do Juízo do Trabalho de Portimão. Durante todo esse tempo, conforme mencionou em declarações de parte, a Ré não respondia às suas solicitações, quer a propósito dos não pagamentos das suas retribuições, quer a propósito dos recibos relativos aos pagamentos parciais que eram efetuados. A testemunha GG confirmou que a Autora tentava contatar a Ré telefonicamente e esta não a atendia.
Nesta conformidade, é de manter este facto como não provado.
Em face da manutenção integral da apreciação da prova efetuada pelo tribunal de 1.ª instância, apenas se pode concluir pela inexistência de quaisquer indícios de subjetividade, tendenciosidade e arbitrariedade por parte do juiz que presidiu à audiência de julgamento.

2 – Licitude da mudança do posto de trabalho
Entende a Ré que o tribunal a quo, ao ter considerado ilegal a atribuição de um posto de trabalho à Autora em Albufeira, violou o disposto na cláusula 18.ª do CCT aplicável.
Mencionou ainda que na carta de resolução do contrato de trabalho apresentada pela Autora não consta qualquer menção a mudança ilícita do seu posto de trabalho ou à existência de prejuízo sério para si, inerente a essa mudança.
Apreciemos.
No caso em apreço, não faz parte do pedido, nem consta da parte decisória, a declaração de ilicitude da mudança do posto de trabalho efetuada pela Ré à Autora quando lhe indicou um posto de trabalho em Albufeira. Porém, na sentença recorrida, e em face dos factos dados como provados (e que se mantêm provados), o tribunal a quo considerou que a Autora tinha direito à sua remuneração mensal, mesmo após 18 de fevereiro de 2020, apesar de esta não se ter apresentado no posto que lhe foi indicado pela Ré, nos termos da cláusula 18.ª, nºs. 2, 4 e 6, do CCT aplicável.
Resulta da matéria dada como provada que, no dia 14-02-2020, a Autora recebeu um e-mail, proveniente da Ré, informando-a de que lhe tinha sido atribuído um posto de trabalho no Hotel Santa Eulália, em Albufeira, onde se devia apresentar no dia 18-02-2020, pelas 08h00, tendo a Autora respondido, por email, pedindo que a esclarecessem se lhe iriam dar viatura para a deslocação e que, se não fosse dado transporte, não poderia aceitar o posto por tal distância implicar grande transtorno para a sua vida pessoal, visto a distância entre a sua residência e aquele posto ser quase de 100km e não ter como se deslocar para o mesmo (factos provados 1.21 e 1.22). Mais se provou que o chefe de grupo da Ré respondeu telefonicamente à Autora, dizendo-lhe que aquela não tinha viaturas disponíveis para atender ao pedido desta e informando que as despesas que a mesma tivesse devido a tal deslocação sempre seriam suportadas pela Ré, a título de ajudas de custo, ao que a Autora respondeu que não aceitava o posto, invocando a irregularidade e falta de pagamentos anteriores por parte da Ré (factos provados 1.23 e 1.24).
Na realidade, o que importa decidir é se a Autora possui ou não direito a ser remunerada pela Ré a partir de 18-02-2020, visto não ter aceitado o posto de trabalho que lhe foi atribuído pela Ré.
A Ré invocou o abandono do trabalho por parte da Autora para não proceder a tal pagamento. Nos termos do art. 403.º do Código do Trabalho, considera-se “abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar” (n.º 1), presumindo-se tal abandono em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência (n.º 2), sendo que o abandono do trabalho, que vale como denúncia do contrato, “só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste” (n.º 3).
Da factualidade dada como assente, resulta, por um lado, que não se pode presumir o abandono do trabalho por parte da Autora, uma vez que esta informou a Ré dos motivos pelos quais não iria comparecer no local de trabalho que lhe foi indicado e isto independentemente da validade destes; e, por outro, a Ré nunca comunicou à Autora dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida da Autora, pelo que não lhe é legítima a invocação desse alegado abandono do trabalho.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 09-03-2017[8]:
2. Para haver abandono do trabalho não basta a verificação das faltas injustificadas [elemento objetivo] sendo, também, necessário que os factos indiquem que, com toda a probabilidade, o trabalhador não tem a intenção de retomar o trabalho [elemento subjetivo].
3. Verificada a situação de abandono, ela não opera automaticamente.
4. Para o empregador poder invocar a cessação do contrato por abandono do trabalho é necessário que comunique, por carta registada com aviso de receção, para a última morada conhecida do trabalhador, os factos constitutivos do abandono ou da sua presunção.
5. A falta da mencionada comunicação, por se tratar de uma formalidade essencial para que a cessação produza efeitos, impede o empregador de a invocar.

Assim, por não ser legítimo à Ré, mesmo que os factos o permitissem, invocar o abandono do trabalho por parte da Autora, o contrato de trabalho havido entre ambas manteve-se válido, pelo que é devido à Autora, mesmo após 18-02-2020, a remuneração acordada entre as partes.
Deste modo, dada a sua total irrelevância para a questão a decidir (a validade do contrato de trabalho após 18-02-2020), não nos pronunciamos sobre a questão da licitude ou ilicitude da mudança do posto de trabalho da Autora.
No entanto, improcede a pretensão da Ré, associada à invocação da violação do disposto na cláusula 18.ª do CCT aplicável[9], e que se reporta à circunstância de não lhe ser devido o pagamento das retribuições à Autora, desde dezembro de 2019 ou, pelo menos, após 18-02-2020.

3 – Inexistência do direito a receber o subsídio de alimentação
Considera ainda a Ré que, a partir do momento em que a Autora ficou em casa, deixou de lhe ser devido o subsídio de alimentação, em face do disposto na cláusula 33.ª do CCT aplicável, que determina que o valor do subsídio de alimentação apenas é devido aquando da prestação de trabalho efetivo, o que no caso não aconteceu por parte da Autora.
Apreciemos.
No caso em apreço, resultou da matéria factual provada que a Autora foi enviada para casa em 23-09-2019 por a Ré não lhe ter atribuído qualquer posto de trabalho, situação que se manteve até 18-02-2020, pelo que a não prestação efetiva de trabalho durante esse tempo foi o que lhe foi ordenado pela Ré, em violação clara do seu dever de ocupação efetiva, previsto nos arts. 115.º, 118.º, 126.º, 127.º, nºs. 1, als. a) e c) e 2 e 129.º, n.º 1, al. b), todos do Código do Trabalho. Deste modo, durante todo esse tempo, a Autora, apesar de não prestar trabalho, encontrava-se inteiramente na disponibilidade laboral da sua entidade patronal, atuando segundo as suas instruções e orientações, pelo que é inegável que lhe é devido o subsídio de alimentação[10].
Diferentemente, porém, ocorre após 18-02-2020, visto que, desde então, e independentemente da legalidade da mudança do posto de trabalho atribuído pela Ré, que a Autora não invocou sequer neste processo, já não é possível considerar que a Ré manteve a violação do dever efetivo de trabalho para com a Autora.
De igual modo, é devido à Autora o subsídio de alimentação pelos 15 dias úteis que trabalhou no mês de agosto, até ao dia 21 desse mês, visto que a partir de 22 entrou de férias.
Assim, a título de subsídio de alimentação, pelos 15 dias úteis em agosto de 2019 é devido à Autora a quantia de €91,35, e pelas 21 semanas e um dia de trabalho, entre 23-09-2019 e 17-02-2020, é lhe devida a quantia de €645,54, num total de €736,89, sendo de deduzir a esta quantia o montante €118,86, pago pela Ré a este título (concretamente, as quantias de €85,26 e €33,60), pelo que se encontra em dívida o montante de €618,03.
Pelo exposto, nesta parte, procede parcialmente a pretensão da Ré.

4 – Inexistência dos requisitos para a aplicação da cláusula 45.ª do CCT
É entendimento da Ré que o tribunal a quo, ao aplicar à presente situação o disposto na cláusula 45.ª do CCT, violou os arts. 563.º, 881.º, n.º 3 e 812.º, n.º 1, todos do Código Civil, visto que tal cláusula não pode ser de aplicação automática, tendo a sua aplicação de ser fundamentada.
Mais invocou que tal cláusula constitui uma cláusula penal indemnizatória, na esteira dos arts. 810.º e 811.º, n.º 3 do Código Civil, carecendo, por isso, não da quantificação dos danos sofridos, mas sim da verificação dos danos decorrentes da mora, bem como da demonstração do nexo causal entre a mora ocorrida e o dano sofrido, nos termos do art. 563.º do mesmo Diploma Legal, sendo que, no caso em apreço, não resultou provada a existência de qualquer tipo de prejuízo à Autora.
Vejamos.
Dispõe a cláusula 45.ª do CCT[11] aplicável que:
O empregador que incorra em mora superior a sessenta dias após o seu vencimento no pagamento das prestações pecuniárias efetivamente devidas e previstas no presente capítulo ou o faça através de meio diverso do estabelecido, será obrigado a indemnizar o trabalhador pelos danos causados, calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes do montante em dívida.

O capítulo IX reporta-se à retribuição do trabalho, ao subsídio de alimentação, ao abono por falhas, ao subsídio de natal, à retribuição de férias e subsídio de férias, à retribuição por isenção de horário, à retribuição pelo trabalho suplementar, à retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório e complementar, ao descanso compensatório em dia de descanso semanal obrigatório, à retribuição por trabalho noturno, à retribuição por trabalho em dia feriado e às despesas de deslocação (cláusulas 32.ª a 43.ª). Nos termos das cláusulas 32.ª, n.º 2, 35.ª, n.º 1, 36.ª, n.º 3 e 42.ª, n.º 6, do CCT aplicável, existem prazos certos para que os montantes devidos previstos no referido capítulo sejam pagos.
Da matéria factual apurada resulta que a Ré não pagou à Autora, por mais de 60 dias, quantias relativas à retribuição normal (no montante de €1.786,33), à retribuição de férias e subsídio de férias e de natal (no montante de €2.420,73) e ao subsídio de alimentação (no montante de €618,03[12]).
Entende a Ré que, independentemente dessa mora por mais de 60 dias, apenas se aplica a cláusula 45.ª se resultar da matéria factual (i) a existência de prejuízos sofridos pela Autora e (ii) que esses prejuízos tenham sido causa direta da mora da Ré, o que entende não ter ocorrido.
Falece, porém, a Ré de razão, visto que a cláusula 45.ª do referido CCT atribui automaticamente o direito indemnizatório ao trabalhador abrangido por tal cláusula que prove (i) ter em dívida um ou vários dos créditos elencados no capítulo; e (ii) que essa dívida ultrapassa os 60 dias. Nada mais lhe é exigido, designadamente a prova concreta de prejuízos sofridos e a prova do nexo de causalidade entre tais prejuízos e a mora da entidade patronal relativa aos créditos elencados no capítulo IX do mencionado CCT.
Cita-se a esse propósito o acórdão do TRP, proferido em 12-09-2022[13] [14]:
Tal como acontece com a indemnização por mora prevista no art. 806º, nº 1, do Código Civil, o trabalhador apenas tem que alegar e provar a mora e formular o pedido indemnizatório correspondente, sem necessidade de alegar e provar a existência de danos que são inerentes à mora. No mesmo sentido o art. 323º, nº 2, do Código do Trabalho que nenhuma referência faz a eventuais danos resultantes da mora.
Ou seja, a aplicação da sanção da cláusula 45ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e a AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas, publicado no BTE nº 38/2017, de 15 de Outubro, não depende da alegação e prova de danos concretos resultantes para o trabalhador da mora do empregador das remunerações ali previstas.

Assim, tendo-se provado que a Ré devia à Autora, por mais de 60 dias, vários dos créditos referenciados no capítulo IX do CCT aplicável, bem andou o tribunal a quo ao determinar a aplicação do disposto na cláusula 45.ª à presente situação, sendo o valor em concreto dessa indemnização apreciado de seguida.
Pelo exposto, improcede nesta parte a pretensão da Ré.

5 – Redução oficiosa do quantum indemnizatório a aplicar nos termos da cláusula 45.ª do CCT
Defende a Ré que mesmo que lhe seja de aplicar o disposto na cláusula 45.ª, tem a mesma de ser reduzida, nos termos do art. 812.º do Código Civil, por ser manifestamente excessiva e desproporcional, designadamente por nenhum prejuízo ter sido concretizado, redução essa que o juiz do tribunal da 1.ª instância deveria ter efetuado oficiosamente.
Cumpre decidir.
Da análise da contestação apresentada pela Ré resulta que, apesar de ter sido solicitada, na petição inicial apresentada pela Autora, a condenação da Ré na indemnização prevista na cláusula 45.ª do CCT aplicável, em tal articulado não foi requerida a redução de tal cláusula, por manifestamente excessiva e desproporcional, em face do disposto no art. 812.º do Código Civil.
Ora, diferentemente daquilo que a Ré propugna, o disposto no art. 812.º do Código Civil não é de aplicação oficiosa, pelo que é necessário que seja peticionado pelo devedor que dele pretenda beneficiar, sendo que os factos em que venha a alicerçar o seu pedido de cláusula penal manifestamente excessiva e desproporcional também têm de ser alegados em sede de contestação.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 24-04-2012[15] [16]:
Na verdade, considerando que a cláusula penal não é independente da indemnização, antes fixa a indemnização exigível, mesmo a cláusula penal, manifestamente, excessiva, não pode ser reduzida, oficiosamente, pelo Tribunal, consoante decorre do preceituado pelo artigo 812º, nº 1, do CC, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum»[19], devendo antes a sua redução ser solicitada pelo devedor interessado, por via de acção ou de reconvenção, ou de defesa por exceção, a deduzir na contestação, mas não, apenas, na fase de alegações, uma vez que para os negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade, atento o disposto pelo artigo 282º[20], não se justificando, assim, a redução oficiosa, em face do regime legal da anulabilidade, que apenas é invocável pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, com base no preceituado pelo artigo 287º, ambos do CC.

No caso em apreço, a Ré não peticionou tal questão para apreciação do tribunal a quo, pelo que estamos perante uma questão nova, apenas equacionada em sede recursiva. Tratando-se de uma questão nova, não invocada pela Ré em sede de contestação, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, encontra-se a mesma vedada para apreciação por este Tribunal.
Cita-se a este propósito o acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 12-03-2015[17]:
I- Os recursos, por natureza, visam a reapreciação de decisões judiciais (visam uma alteração do decidido), pelo que não podem ser um meio de introduzir questões novas e assim obter decisões diferentes com base numa fundamentação que não podia ter sido considerada na instância recorrida.

Cita-se igualmente o acórdão do STJ, proferido em 17-11-2016[18]:
II - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.

Nesta conformidade, por este Tribunal se encontrar impossibilitado de proceder à apreciação desta nova questão suscitada pela Ré, não a iremos apreciar.
Assim, em face da alteração do valor a pagar pela Ré à Autora a título de subsídio de alimentação, o valor da indemnização a pagar por aquela a esta, nos termos da cláusula 45.ª, é de €12.687,54 ((€4.825,09 – €595,91[19]) = €4.229,18 x 3).

6 – Inexistência dos requisitos para a atribuição de indemnização por danos morais
Invoca ainda a Ré que, por a falta de pagamento das retribuições à Autora de janeiro a março de 2020 ser legítima e por inexistir qualquer vislumbre de má-fé na não ocupação efetiva da Autora por parte da Ré, é impossível condenar a Ré numa indemnização à Autora por danos morais, tanto mais que a Autora não provou danos de relevo por si sofridos, tendo o tribunal a quo violado o disposto no art. 323.º, n.º 1, do Código do Trabalho e essencialmente o disposto nos arts. 483.º e seguintes do Código Civil, com particular enfoque no art. 496.º, n.º 1, deste último Diploma Legal.
Mais acentuou que a situação de desconforto, tristeza e até preocupação são sentimentos comuns em situações semelhantes, pelo que não denotam um arquétipo de lesão grave, além daquele que sempre ocorre nesse tipo de situações.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 323.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - A parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte.

Por sua vez, estatui o art. 496.º, n.º 1, do Código Civil, que:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Conforme bem refere Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado[20]:
O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).

Deste modo, para que os danos não patrimoniais, no caso em apreço, possam ser ressarcidos torna-se imperioso que:
(i) tenha existido um comportamento ilícito e culposo da entidade patronal;
(ii) existam danos por parte da trabalhadora;
(iii) tais danos, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito (não sendo indemnizáveis meros incómodos); e
(iv) exista um nexo causal entre o referido comportamento e os danos sofridos.
Da matéria fáctica dada como provada resulta que, entre 23-09-2019 e 18-02-2020, não foi atribuído à Autora pela Ré qualquer posto de trabalho, violando esta de forma evidente o disposto no art. 129.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, não tendo, de igual modo, efetuado qualquer prova que justificasse tal comportamento. Sendo tal comportamento ilícito, presume-se a sua culpa em face do disposto no art. 799.º, n.º 1, do Código Civil.
Também ao não proceder ao pagamento das retribuições devidas à Autora nos meses de janeiro a março de 2020, a Ré violou o disposto no art. 127.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, presumindo-se a respetiva culpa, atento o disposto no art. 799.º, n.º 1, do Código Civil, sendo que a Ré não provou quaisquer factos que afastassem tal presunção. Pelo contrário, ao ter sido dado como provado que a Ré atuou com o objetivo de perturbar e constranger a Autora, afetando-a na sua dignidade e proporcionando-lhe um ambiente de trabalho hostil e humilhante, de modo a que esta tomasse a iniciativa de fazer cessar o seu contrato de trabalho (facto provado 1.28), mostra-se intenso o grau da culpa da Ré na sua atuação para com a Autora.
Acresce que a não entrega, por parte da Ré, dos recibos relativos aos pagamentos efetuados a partir de setembro de 2019 à Autora, só o vindo a fazer a partir de novembro de 2020, a solicitação da Procuradoria do Juízo do Trabalho de Portimão, ou seja, mais de um ano depois de ter iniciado este tipo de procedimento, sendo tal entrega obrigatória nos termos da cláusula 32.ª, n.º 4, do CCT aplicável, importa igualmente a prática de um ato ilícito e, consequentemente, culposo, por parte da Ré, sendo que, no caso, a própria demora em que a Ré teimou em não proceder à entrega de tais recibos, demonstra um efetivo e acentuado grau de culpa.
Verifica-se, portanto, o preenchimento do primeiro requisito.
Relativamente à existência de danos não patrimoniais sofridos pela Autora, provou-se que, enquanto esteve sem posto de trabalho atribuído e sem receber a retribuição que lhe era devida, a Autora vivenciou inúmeras dificuldades económicas, sentimentos de humilhação, angústia e inquietação, por não ter outros meios de sustento distintos do trabalho para suportar as suas despesas do dia a dia, dependendo da ajuda de terceiros para fazer face às despesas mais básicas, como pagar a renda da casa no valor mensal de €400,00 e as despesas com água, luz e gás, e passando a acumular dívidas (factos provados 1.29, 1.30 e 1.31).
Verifica-se igualmente o preenchimento do segundo requisito.
A Autora, em face do comportamento intencional da Ré, de violação de várias das suas obrigações, veio a sofrer, durante cerca de cinco meses, de sentimentos de humilhação, angústia e inquietação, sentimentos esses que, dada a sua gravidade, merecem a tutela.
Todo o trabalhador merece ser tratado com dignidade (art. 127.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho), sendo a violação deste dever por parte da entidade empregadora uma das mais gravosas, uma vez que afeta a própria dignidade da pessoa humana.
Na realidade, a circunstância de o trabalhador ser atirado para uma espécie de limbo, no qual nem lhe é cessado o contrato de trabalho, nem lhe é atribuído posto de trabalho, deixando, a partir de certa altura, até de lhe ser paga qualquer retribuição, sendo que, mesmo em momento anterior, as quantias que lhe eram depositadas na sua conta bancária não o eram nas datas dos respetivos vencimentos, nunca lhe sendo sequer entregues quaisquer recibos, determina um intenso e perturbador estado de ansiedade, angústia e humilhação, estado esse que será tanto maior quanto a situação económica do trabalhador assente exclusivamente nos rendimentos provenientes do seu trabalho para aquela entidade patronal, como era o caso da Autora.
Atente-se que a gravidade dos danos afere-se em face da intensidade do grau de sofrimento que a conduta da entidade empregadora causou no trabalhador, sendo esse grau tanto maior quanto maior for a gravidade e variedade de atos ilícitos a que a entidade empregadora sujeitou o trabalhador e quanto maior for a sua duração temporal. Deste modo, encontra-se também preenchido o terceiro requisito.
Por fim, resulta da matéria provada que foi o comportamento ilícito adotado pela Ré que causou à Autora o sofrimento resultante da humilhação, angústia e inquietação que vivenciou durante cinco meses.
Mostra-se, por isso, também preenchido o quarto requisito[21].
Pelo exposto, é de manter a indemnização por danos morais à Autora por parte da Ré, improcedendo, nesta parte, a pretensão desta.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, em alterar a sentença nos pontos c) e d) da parte decisória nos seguintes termos:
c) a quantia ilíquida (pedidos 4 a 8 com a dedução do pedido 10) de €4.229,18 (quatro mil, duzentos e vinte e nove euros e dezoito cêntimos);
d) a indemnização na quantia líquida (pedido 11) de €12.687,54 (doze mil, seiscentos e oitenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde o trânsito em julgado do presente acórdão e até integral pagamento.
No demais mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela Ré e pela Autora, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que beneficia a Autora.
Notifique.
Évora, 16 de março de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço

__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] No âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] No âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] No âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] No âmbito do processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Documento 7 junto com a contestação.
[8] No processo 204/12.3TTPTG.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[9] CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas – STAD, publicado no BTE n.º 38 de 15-10-2017, com as alterações dos BTE n.º 48 de 29-12-2018 e n.º 20 de 29-05-2019, aplicável em virtude das Portarias de Extensão n.º 356/2017, de 16-11 e n.º 307/2019, de 13-09.
[10] No acórdão do TRC, proferido em 17-12-2014, no âmbito do processo n.º 250/13.0TTGRD.C1, consultável em www.dgsi.pt, em situação semelhante, a entidade patronal foi condenada no pagamento do respetivo subsídio de alimentação.
[11] Já identificado na nota de rodapé n.º 9.
[12] Em face da alteração do valor, nesta sede recursiva.
[13] No âmbito do processo n.º 8947/20.1T8PRT.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[14] Ver também os acórdãos do TRP, proferido em 22-06-2020, no âmbito do processo n.º 14805/18.2T8PRT.P1; e do TRE, proferido em 25-02-2021, no âmbito do processo n.º 251/20.1T8PTM.E1; consultáveis em www.dgsi.pt.
[15] No âmbito do processo n.º 605/06.6TBVRL.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[16] No mesmo sentido Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pp. 735 a 737; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., p. 81; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 275; acórdãos do STJ de 17-02-98, CJ do STJ, ano VI, tomo I, p. 72 e no BMJ n.º 474, p. 457, de 30-09-2003, de 20-11-2003, de 17-05-2012 e de 24-04-2012, proferidos no âmbito dos processos 03A3514, 03A1738, 3855/05.9TVLSB.L1.S1 e 605/06.6TBVRL.P1.S1; acórdãos da Relação do Porto de 08-04-91, de 23-11-93 e de 26-01-2000, na CJ, ano XVI, tomo II, p. 256, ano XVIII, tomo V, p. 225, e ano XXV, tomo I, p. 205; e o acórdão do TRP, proferido em 12-09-2022, já referido.
[17] No âmbito do processo n.º 55/14.0TBAVS.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[18] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2, consultável em www.dgsi.pt.
[19] Conforme peticionado pela Autora.
[20] Vol. I, Almedina, p. 499.
[21] Veja-se o acórdão do TRP, proferido em 03-02-2020, no âmbito do processo n.º 14236/18.4T8PRT.P1, consultável em www.dgsi.pt.