CRIME DE CONDUÇÃO DO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ALCOOLÍMETRO
MODELO INDUSTRIAL
PRAZO ESGOTADO
VALIDADE
UTILIZAÇÃO
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
ADMOESTAÇÃO
PREVENÇÃO GERAL
Sumário

I – O modelo do alcoolímetro “Drager modelo 7110 MKIII P”, atingiu o prazo de validade por que foi aprovado, o que significa que a partir deste prazo não podem ser introduzidos novos aparelhos, deste modelo, para uso, para medição, com sujeição à respectiva primeira verificação.
II – Mas isso não significa que os aparelhos aprovados, ainda a funcionar, segundo as verificações exigidas, no momento em que expira o dito prazo de aprovação do modelo, não possam ser utilizados, pois que o expirou foi a aprovação do modelo em si, não a qualidade técnica para um aparelho aprovado, embora não renovada essa aprovação, poder continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos, ou seja, sujeita às verificações, incluindo a verificação periódica anual.
III – Assim sendo, o exame de pesquisa de álcool no sangue feito ao arguido com um aparelho daquele modelo, com verificação técnica actual, constitui prova legal e válida, sendo este o sentido da jurisprudência dominante.
IV – No crime de condução de veículo em estado de embriaguez formalmente não estaria impossibilitada a aplicação de uma pena de admoestação, em substituição da pena de multa, e estando-se perante um crime de perigo abstracto e, objectivamente, não existe aqui um qualquer concreto dano a reparar, todavia, as elevadas exigências de prevenção geral sempre afastariam a aplicação desta pena substitutiva de admoestação.

Texto Integral

Processo n.º 189/22.8GBAND.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

*
1. RELATÓRIO

Após realização da audiência de julgamento no Processo Sumário nº 189/22.8GBAND do Juízo de Competência Genérica da Anadia do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, foi em 07.06.2022 proferida sentença, na qual se decidiu (transcrição):

“VII – DECISÃO
Nestes termos o Tribunal decide:
1. Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.s 292º, n.º 1 e 69, n.º 1, alínea a), bem como 14.º, 26.º todos do Código Penal, por referência ao artigo 1.º, al. x), 105.º e 148.º, n.º 2 todos do Código da Estrada, na pena 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros).
2. Condenar ainda a arguida na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses.
3. Condenar a arguida a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C (artigo 513º do Código de Processo Penal conjugado com artigos 8.º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa), e legais encargos com o processo nos termos do art.º 514.º do C.P.P.
(…)”

Inconformada com esta decisão, a arguida AA recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

“1. Decorrida a audiência de julgamento veio a Mmª. Juíz do Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Anadia:
2. Condenar a arguida AA pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292.°, do C. Penal.
3. Em primeiro lugar, verifica-se erro na resposta dada a alguns factos que foram objecto de julgamento, merecendo, também alguns reparos o julgamento em matéria de direito;
4. Impõem-se a reapreciação da prova e a consequente reapreciação da matéria constante dos Pontos 4. 5. 6. 7. e 10. dos Factos Provados, e da constante dos Factos Não Provados: - Para “Provada” a matéria de facto constante dos Factos Não Provados: - A arguida, à data dos factos, estava a tomar Prozac e Alprozalan e - Aditado e dado como provado um Novo Facto com o seguinte teor: - A arguida, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portadora de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l., porquanto do cruzamento dos depoimentos prestados pelo militar da GNR-Depoimento de BB (Início Gravação: 09.05.2022 - 10:29:24), com as declarações da arguida - Depoimento de AA (Início Gravação: 25.05.2022 - 14:42:35); e Depoimentos de CC -Testemunha (Início Gravação: 09-05-2022 - 10:46:35) e DD – Testemunha (Início Gravação - 09.05.2022 - 10:55:13) conclui-se que a arguida não conduziu o veículo em causa, sobre elevado teor de “álcool” presumidamente apurado no sangue da arguida.
5. Não ignorando, que a arguida acusou 2,11 g/l, e o tribunal a quo limitou-se a julgar, com base em ténues provas, em particular no depoimento do militar da GNR, que reduziu o Auto ao teor do presumido álcool, sem ter lançado mão de elementos complementares – de eventual contraprova/analise ao sangue, que se revelariam essenciais e imprescindíveis à descoberta da verdade, e teriam levado seguramente à absolvição da arguida ou a aplicação de uma pena mínima, eventual Admoestação.
6. Ficaram seguramente por apurar e provar factos que auxiliassem a averiguar se a arguida foi claramente informada de que poderia ter efectuado contraprova ou análises ao sangue, uma vez que por não se encontrar bem de saúde, andava a tomar, entre outros medicamentos, ansiolíticos;
7. Bem como se o alcoolímetro Drager, Modelo 7110 MKIIIP, que não se encontra aprovado, é actual, confiável, foi correctamente operado e se o referido militar da GNR tinha formação e conhecimentos adequados para efectuar o referido teste.
8. Pelo que, cruzada e valorizada a prova testemunhal e reapreciada a prova documental deverá ser alterada para “Não Provada” a matéria de facto constante dos Factos Provados, Pontos 4. 5. 6. 7. e 10. da douta sentença recorrida, e,
9. Para “Provada” a matéria de facto constante dos Factos Não Provados: - A arguida, à data dos factos, estava a tomar Prozac e Alprozalan e - Aditado e dado como provado um Novo Facto com o seguinte teor: - A arguida, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portadora de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l.;
10. Por outro lado, verificou-se erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada;
11. Estriba-se a sentença recorrida na conclusão de que a arguida circulava com excesso de álcool no sangue pelo que cometeu um crime de condução em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292.° do C. Penal;
12. Face ao que dispõe a Lei Penal, ao que ficou provado nos autos e acima de tudo ao que não ficou provado e ainda à falta de prova complementar segura, não era possível à Mmª. Juíz a quo, salvo o devido respeito, retirar as conclusões que sintetizam a condenação da arguida, quando tudo fazia prever o contrário, ou seja a sua absolvição ou a redução das penas principal e acessória aplicadas, ao mínimo legal facultando à arguida, face a profissão de utilidade publica que desempenha, o cumprimento da mesma em período de férias e fins-de-semana;
13. Do que se retira da sentença, o Tribunal a quo não levando em conta o depoimento da arguida, limitou-se a fazer uma dedução, com base em ténues provas, sem ter lançado mão de outros elementos complementares que se revelariam imprescindíveis à descoberta da verdade, e teria levado à absolvição da arguida;
14. Todavia não nos parece que o critério adoptado seja suficiente para se subsumir a actuação da arguida à norma em questão, pelo que não nos restam dúvidas que a Mmª. Juíz condenou a arguida não, porque se provaram os elementos objectivos da norma em apreço, mas porque, analisando os elementos disponíveis, presumiu através de deduções subjectivas a suposta conduta da arguida;
15. Salvo o devido respeito, que é muito, as incertezas e dúvidas existentes, além do mais, quanto à ilegalidade do alcoolimetro Drager 7110 MKIIIP ao contrário do que seria esperado – a absolvição, serviram para condenar a arguida;
16. De toda a matéria produzida em audiência de julgamento, não haviam, em nossa opinião, elementos que permitissem pensar, muito menos provar, que a arguida conduzia o referido veículo com o elevado teor de álcool de que vem acusada;
17. Verificou-se assim um erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, já que não se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do respectivo normativo, tendo a Mmª. Juíz a quo violado a interpretação destes;
18. Estamos em crer por tudo quanto foi aqui explanado que, mesmo a admitirem-se os factos relatados pelo senhor militar da GNR, o que só por mero raciocínio académico se admite, não estão preenchidos os elementos típicos do crime pelo qual vem a arguida acusada;
19. Mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria forte e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter-se socorrido igualmente do princípio o “in dúbio pró reo”;
20. Bem como por falta de CONSCIENCIA DA ILICITUDE, ficando a clara ideia - certeza absoluta - que a arguida conduzia do regresso de um jantar convivio de Cantanhede para a ..., Anadia, e o facto de não compreender, uma vez que conduziu uma distância considerável, sem qualquer sintoma de que tinha álcool, ou pelo menos 1,20g/l de álcool no sangue;
21. Assim, do supra alegado resulta que, jamais, a arguida poderia ter sido condenada pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292.° do C.Penal;
22. A pena a que a arguida foi sujeita é na opinião da mesma, e salvo o devido respeito por interpretação diversa, infundada e injusta, quer quanto à pena de multa aplicada a arguida (518,00€), quer quanto à pena acessória de proibição de condução (4 meses), e em custas 2 Ucs, que se impõe revogada;
23. Pelo que, deverão V. Exas. Digníssimos Desembargadores dar provimento ao recurso, absolvendo a recorrente;
24. Como acima se disse, dúvidas acentuadas permanecem relativamente à prova do cometimento, enquanto conduzia, por parte da arguida do crime de condução com álcool no sangue;
25. Na nossa opinião, a pena aplicada a recorrente, não foi a melhor opção em termos de política de aplicação de penas;
26. Não atendeu o Tribunal a quo à experiência, ao profissionalismo da arguida, à sua postura em tribunal, nem às demais circunstâncias referidas como determinantes, designadamente a necessidade de trabalhar para se sustentar, para apurar a pena e a sua verdadeira extensão – exclusão da culpa – vd. Art.º35., n.º 1 CP.;
27. Ora, a pena aplicada, foi para além de tudo, um severo castigo para a arguida e para a sua família e amigos, não levando em conta sequer o estado de saúde da arguida as incertezas do incidente, a idade desta, a utilidade publica das suas funções e a sua inserção na sociedade a que pertence, pelo que se quer revogada.
Face ao exposto, e à interpretação dada pelo Tribunal a quo, consideram-se desde logo violadas, salvo melhor opinião, e entre outras, as normas seguintes:
- Artigos 40.º, 71.º e 292° do Código Penal;
- Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 82.º, nºs 1 a 6 do Cód. da Estrada.
- e, consequentemente, os basilares princípios de matriz constitucional do " in dúbio pro reo", da legalidade, de tipicidade e da culpa.
INDICA-SE, por mera facilidade de pesquisa: (i) lista dos equipamentos aprovados para uso na fiscalização do trânsito (ANSR e IPQ); (ii) Despacho IPQ nº 743/2016 de 15.01.2016; e (iii) Despacho ANSR nº 2960/2016 de 26.02.2016.
Termos em que, E nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a Relação, dar provimento ao presente recurso, substituindo a douta decisão condenatória, tirada em primeira instância, por outa que absolva a arguida, fazendo deste modo a acostumada, inteira e sã, Assim decidindo, farão Vªs. Exas. Inteira JUSTIÇA.”

Por despacho proferido em 04.10.2022 foi o recurso regularmente admitido, com regime de subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo ao recurso sustentando que não merece provimento e aduziu as conclusões que se transcrevem:

“1) O exame de pesquisa de álcool no sangue feito à arguida constitui prova legal e válida;
2) A apreciação da matéria de facto realizada pelo tribunal recorrido não merece reparo;
3) O tribunal recorrido não violou o princípio in dubio pro reo.
4) As penas a que a arguida foi condenada encontram-se corretamente calibradas.
Nestes termos, não deve o recurso interposto pela arguida AA merecer provimento, mantendo-se integralmente a sua condenação pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, assim se fazendo justiça.”

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), adere às considerações expostas na resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido, produzindo ademais reflexão detalhada sobre as suscitadas questões recursivas, para concluir que o recurso interposto não deverá obter provimento.

Cumprido que foi o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, a recorrente vem reiterar o defendido nas alegações de recurso.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt. “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.

Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões suscitadas e que cumpre dirimir, são as seguintes:

1ª Erro no julgamento da matéria de facto no que se refere aos itens 4, 5, 6, 7 e 10 dos factos provados, o único item dos factos não provados e aditamento de novos factos provados;
2ª Violação do o princípio in dubio pro reo;
3ª Falta de pronuncia sobre exclusão da culpa/ilicitude;
A substituição das penas - principal e acessória – aplicadas, por dispensa, admoestação ou mesmo aplicação pelo mínimo legal e facultando-se à arguida, face a profissão de utilidade publica que desempenha, o cumprimento da pena acessória em período de férias e fins-de-semana ou dispensa, e a condenação em custas

Com relevo para a resolução das questões objeto do presente recurso importa antes de mais conhecer a fundamentação de facto decisão recorrida que se transcreve:

II- FACTUALIDADE PROVADA
A) FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos:
1. A arguida é titular da carta de condução n.º ....
2. No dia 23-04-2022, cerca das 03h00m, a arguida conduzia o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IT-.. na Rua ..., via pública da localidade de ..., área desta Comarca.
3. A arguida tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do veículo.
4. Submetida a exame de pesquisa a álcool no sangue através do ar expirado, em alcoolímetro aprovado para fiscalização e verificado pelo Instituto Português da Qualidade, a arguida apresentava uma taxa de, pelo menos, 2,11 gramas de álcool por litro de sangue, deduzida a margem de erro máximo admissível ao resultado apresentado de 2,30 g/L.
5. A arguida sabia que a ingestão de bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do veículo poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como determinou.
6. A arguida sabia que não podia conduzir veículos na via pública após ingerir bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de determinar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l, mas quis conduzir, como conduziu, nessas circunstâncias.
7. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era, como é, proibida e punível pela lei penal.
8. A arguida não foi interveniente em acidente.
9. A arguida não tem averbado no registo criminal qualquer condenação.
10. A arguida não demonstrou arrependimento.
11. A arguida é médica veterinária e aufere pelo menos €950,00/mês.
12. A arguida vive com os pais, em casa destes.
13. A arguida está a pagar uma prestação pela aquisição de uma viatura por 250 euros por mês.
14. A arguida utiliza o seu veículo no seu dia a dia e nas deslocações no seu trabalho.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos para além dos supra descritos ou que estejam em contradição com eles, designadamente, não se provou que:
- A arguida, à data dos factos, estava a tomar Prozac e Alprozalan.

III – MOTIVAÇÃO
Para dar como provados os factos descritos na acusação o Tribunal teve em consideração, desde logo, as próprias declarações da arguida, que relatou ao Tribunal que tinha consumido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do veículo (dois ou três copos de vinho e ainda uma taça de espumante), no dia em que foi interceptada pela GNR.
Porém, a arguida referiu que estava convencia que não teria uma TAS tão elevada, pois, de outra forma, não teria conduzido. No entanto, esclareceu que pesa apenas 53 quilos. Para além disso a arguida disse que anda medicada, relatando ao Tribunal que em 2010 teve acompanhamento psiquiátrico e esteve medicada, mas como melhorou, deixou a medicação; porém, recentemente teve uma recaída, devido à pressão no trabalho e ao fim da sua relação, e, há 2 anos para cá, voltou a tomar medicação para a depressão e ansiedade (para além da medicação para o deficit de atenção), designadamente com com Prozac, Aprozalan, e Fluoxitina, Concerta, medicação que referiu saber que não poderia tomar juntamente com o consumo de álcool, mas salientado que tinha consumido pouco álcool.
A arguida disse ainda que não foi informada que poderia requerer contraprova, o que, diga-se, desde já, não mereceu qualquer credibilidade, não só pelo depoimento da testemunha BB, como pelo teor da notificação por si assinado, em que prescindia desse direito (como consta a fls. 6 dos autos).
A testemunha BB, militar da GNR a prestar funções no Posto de Anadia, prestou um depoimento credível, tendo relatado ao Tribunal que procedeu à fiscalização da arguida. Esta testemunha relatou que se tratou de uma fiscalização aleatória e que, depois de ser realizado o teste qualitativo, a arguida foi conduzida ao Posto, onde foi realizado o teste quantitativo, confirmando tudo o que consta no auto de notícia. Disse ainda que a arguida foi informada de que poderia requerer contraprova, mas não quis realizar a contraprova. Referiu ainda que depois de mandar parar a arguida apercebeu-se que esta tinha um odor a álcool.
A testemunha CC, assistente operacional do canil da Câmara Municipal ..., onde a arguida é médica veterinária, relatou que conhece a arguida há cerca de 3 anos, data em que começaram a trabalhar juntas. A testemunha referiu que esteve presente no mesmo jantar em que a arguida esteve, na noite dos factos, mas não conseguiu precisar qual a quantidade de bebidas alcoólicas consumidas pela arguida. A testemunha referiu que costuma tomar refeições com a arguida e que, durante a semana, esta não consome bebidas alcoólicas, apenas o fazendo em jantares de convívio, ocasiões em que consome dois ou três copos de vinho. Disse ainda que na ocasião a arguida não dava sinais de estar alcoolizada.
Esta testemunha referiu saber que a testemunha terminou recentemente uma relação de namoro e que isso a deixou em baixo e, para além disso, tem existido alguma pressão no local de trabalho. Disse achar que a arguida está de baixa e referiu que esta anda medicada com Prozac.
A testemunha DD, que é ex-namorado da arguida, mantendo com ela actualmente uma relação de amizade, referiu que esteve com a arguida no jantar do dia dos factos e que, pelas bebidas pedidas, cada um dos convivas terá tomado dois ou três copos de vinho e, para além disso, foi pedida uma garrafa de espumante para todos. Disse também que a arguida não tem por hábito consumir bebidas alcoólicas em excesso.
A testemunha referiu que por vezes a arguida consumia medicamentos para tratamento de alguns problemas do fora psíquico, como Prozac e Alprazolan.
Ora, conjugada toda a prova (incluindo as próprias declarações da arguida) é inequívoco que a arguida conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros supra identificado, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos na acusação, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
No que respeita à concreta taxa de álcool no sangue, o Tribunal teve em consideração o talão do teste de álcool realizado através do aparelho alcoolímetro (fls.4), a cujo valor obtido foi deduziu a margem de erro máximo admissível, que pelas razões já supra expostas, é válido, tendo sido submetido a verificação periódica anual pelo IPQ (fls. 5).
Considerações sobre o consumo ou não de medicamentos não têm qualquer relevância no apuramento da quantidade de álcool, já que o alcoolímetro está aprovado (e válido) para a detecção de álcool (e não de outros produtos), estando apto a “fazer” a tal triagem. Aliás, e como supra se disse, a condução de um veículo alcoolizado e sob a influência de medicação que altera o sistema nervoso central só torna a conduta mais perigosa e, por isso, também mais censurável.
Porém, no caso concreto, no entender do Tribunal não foi feita prova de que a arguida estava a consumir medicamentos como Prozac e Alprozalan à data dos factos. É certo que a arguida referiu que há 10 anos já os tinha tomado e que teve uma recaída, razão pela qual voltou a tomar a medicação para ansiedade, depressão e estava a tomar a medicação para o Deficit de Atenção que lhe foi detectado há 10 anos, quando andava na Universidade. Também as testemunhas CC e DD disseram que a arguida andava ansiosa nos últimos tempos, quer por questões de ruptura do relacionamento amoroso, há 2 ou 3 anos, quer por questões profissionais e que, por isso, andava medicada. No entanto, o Tribunal não ficou convencido que, à data dos factos, a arguida estivesse medicada com essa medicação; não se põe em causa que a arguida, nalgum momento da sua vida, designadamente, há cerca de 10 anos, tivesse tomado medicação desse tipo; nem se coloca em causa que a arguida, depois de ter sido interceptada a conduzir com uma taxa crime, tenha ficado perturbada (pois sabia das implicações legais) e recorrido a assistência médica e tenha sido medicada (como resulta do teor de fls. 61 verso). Porém, bastará atentar na data da receita electrónica, para se perceber que esta foi passada no dia 10 de Maio de 2022. Ora, se a arguida efectivamente estivesse a ser medicada antes dessa data, ser-lhe-ia muito fácil obter comprovativo disso, fosse através de declaração do médico de família ou de outro médico que a acompanhasse (psiquiatra), seja através da junção de receitas electrónicas anteriores à data dos factos e nada disso aconteceu. Aliás, mesmo o certificado de incapacidade temporária (além de nada dizer acerca da doença que a incapacitou) é de data posterior aos factos (8 de Maio de 2010), o mesmo sucedendo com a ida à urgência, que ocorreu apenas a 26.4.2022 (fls. 28), com entrada pelas 9h13 e alta às 9h42 desse dia, ou seja, em momento posterior aos factos.
Assim, não obstante o referido pela arguida e pelas testemunhas CC e DD, o Tribunal não ficou convencido que a arguida. à data dos factos, estivesse medicada com Prozac e Alprozalan. Porém, salienta-se, uma vez mais, se fosse esse o caso a sua conduta seria ainda mais censurável, até porque é médica veterinária e sabe perfeitamente que a condução sob influência de medicação que afecta o sistema nervoso central torna ainda mais perigosa a condução quando conjugada com o álcool, pois tais substâncias afectam negativamente a condução de veículos (constando, aliás, tal informação nas respectivas bulas).
Assim, não há qualquer dúvida que a arguida conduziu nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na acusação, com a TAS que vem indicada na acusação, porque esse resultado foi obtido através de alcoolímetro que está devidamente certificado pelo IPQ e continua a poder ser utilizado nas medições (pelas razões supra expostas).
Por outro lado, atentas os factos objectivamente provados e o que a arguida diz ter consumido antes de iniciar a condução, não há dúvida que a arguida sabia que a ingestão de bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como determinou e sabia ainda – porque isso do conhecimento comum e mais ainda da arguida, pela profissão – que não podia conduzir veículos na via pública após ingerir bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de determinar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l, mas quis conduzir, como conduziu, nessas circunstâncias, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era, como é, proibida e punível pela lei penal.
Quanto às condições económicas e sociais da arguida, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações da arguida, as quais nos mereceram credibilidade, pela forma serena e coerente com que foram prestadas.
O Tribunal fundou ainda a sua convicção no Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 14.
Quanto à identificação do título de condução, teve-se em consideração o teor da pesquisa na base de dados de fls. 23.
Quanto à factualidade não provada, resulta de não ter merecido credibilidade as declarações da arguida e da prova testemunhal indicada, pelas razões já expostas.”

Avancemos agora com a apreciação das questões propostas no recurso:

1ª Erro no julgamento da matéria de facto no que se refere aos itens 4, 5, 6, 7 e 10 dos factos provados, o único item dos factos não provados e aditamento de novos factos provados

Como decorre do já exposto e passamos a concretizar, a recorrente questiona os pontos 4, 5, 6, 7 e 10 dados como assentes que entende que deveriam ser considerados não provados, devendo, por outro lado, o facto não provado ser considerado provado, dando-se assim por provado que a arguida, à data da ocorrência dos factos, estava a tomar Prozac e Alprazolan. Mais entende que deve ser aditado um novo facto à factualidade provada com o seguinte teor: “A arguida, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portadora de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l”, por assim o imporem os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas BB, CC e DD, e outrossim resulta das declarações da própria.
Essencialmente, debate os depoimentos das identificadas testemunhas e as suas declarações que transcreve, para de tudo concluir que do cruzamento dos mesmos o tribunal deveria ter ficado com dúvidas sobre:
- o teor de álcool apurado no sangue à arguida, uma vez que o teste de ar expirado quantitativo não permite concluir se as partículas analisadas, se referem a álcool ou a qualquer outra substância, sem ignorar o facto da arguida, por questões pessoais, andar a fazer medicação que interfere na metabolização do álcool, tomando ansiolíticos sem que no referido dia 23-04-2022 notasse qualquer sintoma de que estava com álcool, designadamente 1.20g/l, ao mais;
- se foram garantidos todos os meios de defesa à arguida, designadamente se lhe foi dada a possibilidade de efetuar contraprova ou exame ao sangue, uma vez que esta, além de o ter solicitado, informou os agentes autuantes que andava a tomar ansiolíticos; e
- se o alcoolímetro Drager, modelo 7110MKIIIP, é atual ou está em fim de tempo de vida útil (impugnando o decidido na sentença em sede de questão quanto a tal equipamento), confiável, foi corretamente operado e se os referidos militares da GNR tinham formação e conhecimentos adequados para efetuar o referido teste.
Em suma, sustenta que a prova obtida é nula, pondo em causa a alcoolímetro por estar caducado e a validade do exame, a ausência de contraprova e a ingestão pela arguida de medicação juntamente com vinho e espumante, o que teria impedido obter o real valor da TAS.
Vejamos.
Como é sabido a matéria de facto pode ser sindicada de dois modos:
1º no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; e 2º na impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.
Por seu turno, nos termos do art. 428º, nº 1 do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o art. 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Como é inequívoco a recorrente enveredou pela impugnação ampla da matéria de facto disciplinada no art. 412º, do CPP, onde se dispõe para o que agora releva: “3. Quando impugne a decisão proferida sobrem matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Nesta decorrência, há que frisar que o reexame em questão constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para além da indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, e a identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova acompanhadas da explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação. Podendo ainda o tribunal superior apreciar outras que ache relevantes (nºs 4 e 6 do art. 412º do CPP).
Quanto a esta modalidade de impugnação impõe-se pois ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Em suma, este modo de impugnação, não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso como se lê no Ac. STJ de 16.06.2005.
Ou, como se como se retira dos Acórdãos do STJ de 29.10.2008, proc. 07P1016 e de 20.11.2008, proc. 08P3269, todos disponíveis em www.dgsi.pt. “(…) há que ter presente que o reexame da matéria de facto não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorrectamente julgados”.
Feito com brevidade o legal enquadramento da questão a dirimir, desde já adiantamos que a recorrente não cumpriu, como lhe competia, os ónus da impugnação ampla da matéria de facto, desde logo porque não demonstrou a razão porque as provas que convoca “impõem” decisão diversa da recorrida.
Com efeito, o legislador exige que o recorrente indique as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto. E aqui o impõe significa “impõe” e não apenas “permite”, “possibilita” ou “consente”, pois repete-se, o recurso não é um novo julgamento, mas sim um remédio jurídico para o que de errado ocorreu na 1ª instância.
É que se banalizou erradamente a ideia de que a existência de gravações da prova oral implica que basta a existência de um recurso para que o tribunal ad quem tenha que apreciar essa prova gravada, sem qualquer esforço do recorrente.
E é precisamente o que a recorrente pretende nestes autos, que se reaprecie toda a prova que foi produzida nos autos, transcrevendo todos os depoimentos prestados e as suas declarações, questionando inclusivamente a prova documental, alheando-se por completo do princípio que rege nesta matéria da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP. Até porque está exaustivamente debatido e assente que ao tribunal de recurso cabe apenas averiguar se existe erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por se evidenciar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido eram provas proibidas ou o foram com violação das regras sobre a apreciação da prova, e nomeadamente o principio da livre apreciação, do princípio in dubio pro reo ou prova vinculada.
E diga-se que in casu, o tribunal recorrido valorou toda a prova de forma que se nos afigura correcta, justificando proficientemente em que provas alicerçou a sua convicção, tendo-se convencido dos factos provados para além de toda a dúvida razoável que, assertivamente, afastou na sua fundamentação e ademais não valorou prova proibida como infra examinaremos.
Acresce que, ao cumprimento de tal desiderato (impugnar adequadamente a matéria de facto) não bastará somente efetuar uma apreciação mais ou menos genérica do ocorrido, repousada em considerações de leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas tal qual ocorre no presente caso, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as especificas provas, mormente as passagens concretas e determinadas dos depoimentos e declarações em que se funda a impugnação e que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam).
No entanto, resulta evidente que a recorrente assim não procedeu, posto que não fez a correspondência entre cada um dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e a prova ou provas que impõem decisão diversa da recorrida.
O que se patenteia das alegações de recurso, é a argumentação de que a prova obtida é nula, pondo em causa o aparelho alcoolímetro por estar caducado e a validade do exame, a ausência de contraprova e a ingestão pela arguida de medicação juntamente com vinho e espumante, o que teria impedido obter o real valor da TAS, chamando para além do mais à colação os depoimentos integrais das testemunhas e as declarações da própria.
Limita-se assim a apontar e relacionar alguns meios de prova, e para além da suscitada questão da invalidade da prova obtida através do aparelho alcoolímetro Dragar 7110 MK IIIP, tenta fazer prevalecer a sua versão dos factos, com enfoque para as suas próprias declarações e depoimentos das referenciadas testemunhas, e em simultâneo procura desacreditar a testemunha autuante.
Em resumo, a recorrente não entendeu que o recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um “novo julgamento” da matéria de facto, e mesmo não dando integral cumprimento ao ónus de impugnação especificada que lhe competia, ainda assim faz-se notar, perante a motivação da sentença vinda de reproduzir, que foram conjugados todos os elementos de prova produzidos e as razões do convencimento do tribunal a quo ante o acervo probatório reunido nos autos.
Ao invés as provas indicadas pela recorrente que pretensamente demonstram a existência do erro de julgamento no que aos concretos pontos impugnados tange, não impõem diferente quadro factual, como de resto passamos a expor.
Da valoração da prova proibida:
A propósito da (in)validade da prova, na perspetiva da recorrente, ilegal e não autorizada à luz do art. 125º do CPP, n.º 1 do art. 14.º do anexo à Lei n.º 18/2007 de 17.05 e nº 1 do art. 153º do CE obtida através do aparelho alcoolímetro Dragar 7110 MK IIIP, vejamos como o tribunal recorrido tratou o tópico:

“Questão prévia
A arguida veio arguir a invalidade da prova obtida através do aparelho alcoolímetro Dragar 7110 MK IIIP, por no seu entender constituir prova proibida e, como tal, também a sua valoração ser proibida, referindo ainda que o talão obtido com recurso a tal aparelho deve ser desentranhado e a acusação ser considerada nula.
Alegou para tanto e em síntese que:
O equipamento DRAGER modelo 7110 MKIIIP utilizado foi aprovado pela DGV em 06.08.1998 e subsequentemente pela ANSR n.º 12594/2007, de 21.06.2007, e introduzido junto das entidades fiscalizadoras, à presente data, há mais de 20 anos, encontrando-se hoje, não apto, por não aprovado, e seguramente, obsoleto.
A aprovação concedida tem um prazo de validade de 10 anos, findo o qual caduca e, na presente data, não foi concedida a respectiva renovação, nomeadamente, por não reunir as condições técnicas regulamentares fixadas pela OIML e extravasar as margens erro legalmente admissíveis – e por tal facto, encontrar-se a ser compulsivamente substituído pelo DRAGER 9510.
Tal facto deve-se à circunstância de o DRAGER 7110 MKIII, não cumprir os requisitos comunitários e internacionais, fixados pela OIML- Organização Internacional de Metrologia Legal, de aplicação imediata e obrigatória em território Nacional.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do art. 153º, nº 1 do C.Estrada que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.
Por sua vez, o art. 158º, nº1 do Código de Estrada dispõe que: “São fixados em Regulamento: a) O tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas.
O regulamento em questão é o REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICA (aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio).
Nos termos do artigo 1.º do referido diploma:
1. A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo
2. A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3. A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
Por sua vez, o artigo 14.º, n.º 1 do referido regulamento (Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio) dispõe que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (n.º 2 do artigo 14.º do Regulamento).
Por sua vez, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros consta da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro que no artigo 5º preceitua: “O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 3 a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.
Ora, no caso, resulta do talão de fls. 4, que o arguido foi sujeito a fiscalização com o alcoolímetro marca DRAGER, modelo ALCOTEST 7110 MK III P, n.º ARNA-0088.
O aparelho de marca “Drager modelo 7110 MKIII P”, foi aprovado por Despacho do IPQ n.º 11037/2007, de 24/04, publicado no DR II, série n.º 109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o n.º 211.06.07.3.06. deste despacho resulta que a validade desta aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República.
Por Despacho n.º 19684/2009, de 25.06, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27.09.2009 (Trata-se de lapso pois é 27.08.2009), a ANSR aprovou, a utilização daquele aparelho - após a homologação levada a cabo pelo IPQ. Deste despacho de autorização de uso não consta qualquer prazo.
A questão que se coloca é a de saber se apesar da aprovação deste modelo de aparelho ser de 10 anos (conforme Despacho do IPQ n.º 11037/2007, de 24/04), poderia continuar a realizar exames de pesquisa de álcool no sangue, legalmente válidas.
Entende-se que sim, que essa medição é válida, como tem sido entendido por diversa jurisprudência.
Vejamos, dando aqui por reproduzida a fundamentação que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.6.2018, proc. 1358/17.8PBCBR.C1, cujo relator foi Luís Teixeira e a jurisprudência aí citada.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do DL 291/90, de 20 de Setembro (que estabelece o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição) que aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respectivo fabricante ou importador. Por sua vez, n.º 2 do mencionado artigo estabelece que a aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.
No entanto, o n.º 7 do artigo 2.º dispõe que “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”.
Também artigo 10º da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, preceitua o seguinte: “Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica”.
Do referido normativos resulta que existe uma diferença entre prazo de validade de determinado modelo de aparelho e prazo peremptório de não utilização desse aparelho, que podem não coincidir. E no caso, não coincidem.
O modelo atingiu o prazo de validade por que foi aprovado, o que significa que a partir deste prazo, não podem ser introduzidos novos aparelhos, deste modelo, para uso, para medição, com sujeição à respectiva primeira verificação prevista no artigo 3º do DL nº 291/90.
Mas isso não significa que os aparelhos aprovados, ainda a funcionar, segundo as verificações exigidas, no momento em que expira o dito prazo de aprovação do modelo, não possa ser utilizado. O que expirou foi a aprovação do modelo em si, não a qualidade técnica para um aparelho aprovado, embora não renovada essa aprovação, poder continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos, ou seja, sujeita às verificações, incluindo a verificação periódica anual, como é o caso (verificação periódica de fls. 16, de onde resulta que a verificação periódica estava em dia) - veja-se o acórdão do TRC de 27.6.2018, proc. 1358/17.8PBCBR.C1, cujo relator foi Luís Teixeira e a jurisprudência aí citada no mesmo sentido (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5.3.2018, proferido no processo nº 122/17.9PFGMR.G1 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2018, proferido no processo nº 320/17.5GBPMS.C1), consultável em www.dgsi.pt
Face a todo o exposto entende-se que o exame de pesquisa de álcool no sangue feito ao arguido constitui prova legal e válida, ficando precludidas as demais questões relativas às consequências dessa alegada nulidade da prova (designadamente a nulidade da acusação, que nunca seria uma consequência da mencionada prova proibida).
Quanto às demais questões que foram suscitadas –variação da tensão eléctrica e em que medida isso poderia influenciar o resultado e em que medida o consumo de medicamentos pela arguida poderia influenciar o funcionamento do aparelho para detecção de álcool – , não têm qualquer razão de ser, uma vez que o aparelho devidamente verificado pelo IPQ, que atesta que está em boas condições de funcionamento, sendo as questões suscitadas puras especulações, sem qualquer arrimo base legal ou técnica. Acresce que o referido aparelho está aprovado para a detecção de álcool, pelo não se percebe com que razão se vem cogitar a possibilidade de o aparelho confundir a detecção de álcool com a detecção de outras substâncias, por exemplo, medicamentos.
Aliás, o consumo de medicamentos que influenciam a capacidade de condução (como é o caso, por exemplo, de antidepressivos e/ou ansiolíticos ou quaisquer outros que têm efeitos sobre o sistema nervoso central), em simultâneo com a condução sob a influência de álcool (e concretamente, com uma TAS superior a 1,2 g/l) apenas torna a actuação do agente mais censurável, pois tanto aquela medicação, como o álcool interferem na condução, e, como tal, em vez de um, estar-se-ia na presença de dois factores que diminuiriam a capacidade de condução.”

Apreciando:
Na antecipação de uma posição sobre a questão, dir-se-á que foi analisada e fundamentada em profundidade e com acerto na sentença recorrida, na esteira, aliás, do entendimento predominante dos tribunais superiores, e a que ali se faz alusão, mormente o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.6.2018, proferido no proc. 1358/17.8PBCBR e consultável in www.dgsi.pt., e ainda com o decidido nos Acórdãos desta Relação do Porto de 13-07-2022, processo n.º 385/21.5GBAND.P1 (relatora Maria Luísa Arantes) e de 14-09-2022, processo n.º 82/22.4GBAND.P1 (relator José Carreto), não publicados em base de dados.
Disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. encontram-se ainda os seguintes acórdãos no sentido propugnado: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-03-2018, proferido no processo nº 122/17.9PFGMR.G1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2018, proferido no processo 277/17.2GDGMR.G1; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-09-2018, proferido no processo 301/17.9GDPTM.E1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-11-2018, proferido no processo 24/18.1PMFUN.L1-3; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-12-2018, proferido no processo 294/18.5PFMTS.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-11-2019, proferido no processo 407/19.0PBVCT.G1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-01-2020, proferido no processo 33/19.3PTVRL.G1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-10-2020 proferido no processo 271/20.6GBBCL.G1, neste último se concluindo “Trata-se de uma orientação perfeitamente consolidada, como se conclui da leitura, entre outros, do acórdão desta Relação de Guimarães de 10-09-2018 (citado na decisão recorrida), de 08-10-2018 e de 24-04-2017, bem como da Relação de Coimbra de 27-06-2018, de 30-01-2013, de 26-09-2012, de 03-07-2012 e de 13-12-2011, da Relação de Évora de 20-01-2015, de 13-11-2012 e de 22-11-2011 e da Relação do Porto de 11-10-2017, de 07-11-2012, de 18-01-2012, de 25-05-2011, de 27-04-2011 e de 06-04-2011, Proferidos nos processos, respetivamente, n.ºs 277/17.2GDGMR.G1, 155/18.8GAPTL.G1, 270/16.2GACBT.G1, 1358/17.8PBCBR.C1, 196/10.3PTLRA.C1, 135/11.4GCPMS.C1, 396/10.6GAPMS.C1, 89/11.7GCGRD.C1, 314/13.0GFLLE.E1, 39/10.8GBLSG.E1, 1182/11.1GBABF.E1, 28/17.1PDMAI.P1, 73/12.3PDMAI.P1, 273/10.0GAALJ.P1, 182/10.3GAALJ.P1, 242/10.0GAALJ.P1 e 270/10.6GAALJ.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Como é facilmente percetível, a questão foi e está amplamente debatida e decidida, não contrapondo a recorrente, por seu turno, nenhum contributo adicional relevante acerca do tema, sendo até, e em certa medida, incompreensível o seu raciocínio, quando afirma na alegação recursiva que “é falso (o que se diz na apreciação da questão prévia) acerca do aparelho Drager Alcotest 7110 MK IIIP, que se encontra aprovado pela DGV e subsequentemente pelo IPQ e pela ANSR, encontrando-se apto a continuar a ser utilizado, nos condicionalismos legalmente previstos, incluindo a verificação periódica anual, pois tais despachos e publicações dizem respeito ao aparelho DRAGER 9510, que veio substituir o caduco e obsoleto DRAGER 7110.
Neste conspecto rememora-se o este concreto segmento da decisão da 1ª instância “O que expirou foi a aprovação do modelo em si, não a qualidade técnica para um aparelho aprovado, embora não renovada essa aprovação, poder continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos, ou seja, sujeita às verificações, incluindo a verificação periódica anual, como é o caso (verificação periódica de fls. 16, de onde resulta que a verificação periódica estava em dia)”
Ora se atentarmos no sobredito documento junto aos autos a fls. 16 denominado “certificado de verificação”, do mesmo consta que em 2021-07-27 foi efetuada a verificação periódica ao aparelho em causa e o resultado é “Aprovado”, estando o antedito certificado assinado pelo responsável de domínio Alcoolimetria e pelo Diretor da Unidade Laboratório Nacional de Metrologia.
Já os Despachos do IPQ n.º 11037/2007, de 24/04, publicado no DR II, série n.º 109, de 06.06.2007 e Despacho da ANSR n.º 19684/2009, de 25.06, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 166, de 27.08.2009 mencionados na decisão recorrida dizem ambos respeito ao alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP (em causa nos nossos autos), lendo-se no primeiro para além do mais “Aprovação do modelo n.º 211.06.07.3.06: “No uso da competência conferida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei 291/90, de 20 de Setembro, e nos termos do n.º 5.1 da Portaria 962/90, de 9 de Outubro, e da Portaria 748/94, de 13 de Agosto, aprovo o alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, fabricado por Drager Safety AG & CO, ..., ... ..., Alemanha, requerido por TECNIQUITEL - Sociedade de Equipamentos Técnicos, Lda., com sede(…)”. E no sumário do segundo despacho está vertido “Aprovação do alcoolímetro qualitativo da marca Drager, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, requerido pela empresa Tecniquitel - Sociedade de Equipamentos Técnicos, Lda., para utilização na fiscalização do trânsito”.
Não entendemos, pois, porque vem a recorrente afirmar que tais despachos e publicações dizem respeito ao aparelho DRAGER 9510, tecendo considerações acerca da introdução deste último no mercado pela empresa produtora Drägerwerk AG & Co. KGaA com vista a substituir o que diz respeito aos presentes autos e, continua a recorrente, veio a ser reconhecido e aprovado para utilização em território Nacional através de Despacho n.º 743/2016 de 15.01, publicado no Diário da República n.º 10, II Série, em 15.01.2016 e subsequentemente pela ANSR Desp. n.º 2960/2016, publicado no Diário da República a 26.02.
Mas adiante.
O que importa reter, portanto, é que findo o prazo de aprovação de um determinado modelo de aparelho de medição, a entidade responsável/competente, pelo seu uso (utilização), pode retirá-lo de imediato desse mesmo uso. Mas não o fazendo, como foi o caso, e não sendo essa retirada de utilização do aparelho, automática, apenas cumpre averiguar se o aparelho que procedeu à medição, satisfaz as condições de verificação aplicáveis segundo a legislação em vigor, à luz do que determina o DL nº 291/90, de 20 de Setembro (que estabelece o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição), pois tal como se destacou na decisão recorrida, segundo o nº 7 do art. 2º “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”.
O mesmo decorrendo do art. 10º da Portaria nº 1556/2007, de 10/12 (que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros): “Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objeto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica”, e no nº 2 art. 7º estatui-se: “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo”.
Neste sentido escreve-se no citado aresto da Relação de Guimarães de 5.3.2018, proferido no processo nº 122/17.9PFGMR.G1, “Por força do disposto no art. 2º, n.º 7, do DL n.º 291/90, de 20 de setembro, que aprovou o Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, nos quais se incluem os alcoolímetros, o esgotamento do prazo de validade de 10 anos da aprovação técnica de modelo, previsto no art. 6º, n.º 3, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não acarreta, por si só, que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de poder ser utilizados nas operações de fiscalização, podendo continuar a sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, através das verificações periódicas e extraordinárias previstas nos arts. 4º e 5º do DL n.º 291/90 e no art. 5º da Portaria n.º 1556/2007, continuando dessa forma a garantir a fiabilidade metrológica”.
Ou seja, o que releva é, a qualidade técnica do aparelho para proceder às medições pretendidas, pois a lei prevê que a aprovação deste modelo de aparelho por dez anos, pode ser renovada. E com o atingir do prazo, não significa que o modelo não esteja apto a continuar a proceder a medições técnicas de qualidade.
A interpretação que é feita tem naturalmente por base uma política legislativa de qualidade/eficiência/custos, não podendo inutilizar-se, sem mais, um aparelho legalmente aprovado que, na data em que atinge o prazo de validade de aprovação, ainda mantém qualidade técnica para efetuar as pretendidas medições, desde que a exigida qualidade técnica esteja reconhecida e válida segundo as verificações exigidas, e que no caso ocorreram.
Recapitulando e em síntese:
- Os alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7º, nº 2, do RCMA, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10/12);
- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4º, nº 5, do Dec. Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro).
Donde, o modelo de alcoolímetro utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue a que se reportam estes autos estava à data da prática dos factos (23.04.22) efectivamente apto dada a verificação aprovada a que foi sujeito em 27.07.2021, e que se manteve válida, tal como decorre da lei, até 31.12.2022.
E como se lê no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2018, proferido no processo nº 320/17.5GBPMS.C1, por sua vez citando o Ac. também dessa Relação de 6.6.2018, proferido no proc. nº 27/17.3PTFIG.C1 “Independentemente de o aludido prazo de validade de aprovação de modelo se encontrar ultrapassado, ponto é que o concreto instrumento se encontre em condições metrológicas normais, certificadas por operação de verificação em vigor, sendo que em tal caso se deve considerar válida a prova através dele obtida, pois que a medição efectuada está conforme às exigências técnico-científicas que asseguram a fiabilidade do resultado através dela obtido”.
Estamos, por conseguinte, perante um entendimento consolidado na jurisprudência como vindo de referir, do qual não descortinamos razões atendíveis para divergir, e nessa decorrência é indubitável que o resultado obtido é perfeitamente válido, nada obstando a que o tribunal a quo, com base nele, considerasse como demonstrada a taxa de álcool no sangue revelada pela arguida aqui recorrente.
Há assim que concluir que não se está perante a valoração de meio de prova proibido, antes a prova em apreço é válida.
Por conseguinte, a decisão sobre esta concreta matéria de facto não merece a censura que lhe é dirigida pela recorrente.
E no que toca aos restantes argumentos esgrimidos pela mesma concernentes à sua correcta utilização - calibragem/taragem dos sensores que provoca o humedecimento, pressurização anormal do aparelho e a incorrecta medição, variação da tensão eléctrica, pois segundo a recorrente “o aparelho é alimentado quer à tensão de 230V (corrente alternada) ou de 12V (corrente continua), estando este susceptível à inquestionável variação da onda de tensão” “alimentado a partir de sistemas eléctricos incapazes de estabilizar a corrente recebida a partir da rede Eléctrica Nacional (REN), cuja onde de tensão tem interrupções e oscilações constantes, nomeadamente na zona em causa, Anadia, em que a distribuição e feita através de redes antigas expostas a intempéries e adversidades atmosféricas em média (MT) e baixa tensão (BT)(...)”, apenas se dirá que constituem puras conjeturas ou um mero exercício de especulação sem substrato factual assente nos autos, numa derradeira e vã tentativa de declaração de inadmissibilidade do resultado da prova obtida através da medição feita pelo concreto alcoolímetro e uma inerente absolvição a todo o custo.
Até porque as alegadas “variações de tensão existentes no concelho da Anadia” e ainda a “intensidade da radiação infravermelha emitida” não têm qualquer respaldo no elenco dos factos assentes e mostram-se tais “teorias” absolutamente descabidas e despropositadas, sem qualquer base legal, e em derradeira análise levariam a uma indagação em cada caso concreto de medição do álcool no sangue, de todas essas supostas variáveis influenciadoras do exame em causa, absolutamente impraticáveis.
Incerteza não há de que o exame de pesquisa de álcool no sangue feito à arguida constitui prova legal e válida e o resultado por ele obtido não pode ser posto em causa, a não ser por contraprova, que não foi realizada.
Neste conspecto, anota-se ainda que muito embora a recorrente diga que não foi advertida para fazer a contraprova, a versão da arguida em julgamento, acabou por não merecer credibilidade ao tribunal a quo, porquanto para além de implausível, não foi sustentada por qualquer prova de relevo e acabou até por ser infirmada directa pela demais prova produzida em audiência, conforme flui da motivação inserta na sentença, nomeadamente o depoimento da testemunha BB militar da GNR a prestar funções no Posto de Anadia, o qual convincentemente afirmou que a arguida foi informada de que poderia requerer contraprova, mas não a quis realizar, e particularmente face ao teor da notificação por si assinada, em que prescindia desse direito (como consta a fls. 6 dos autos).
Daí que, inexistem razões válidas para questionar o teste de álcool realizado e o seu valor por esta via.
Por isso decai este fundamento de recurso.
Já quanto à possibilidade de o alcoolímetro utilizado ter detetado uma substância diversa do álcool etílico, rebate com assertividade o tribunal recorrido que o referido aparelho está aprovado para a detecção de álcool, pelo não se percebe com que razão se vem cogitar a possibilidade de o aparelho confundir a detecção de álcool com a detecção de outras substâncias, tais como medicamentos.
E faz sobressair com acuidade que o consumo de medicamentos que influenciam a capacidade de condução (como é o caso, por exemplo, de antidepressivos e/ou ansiolíticos ou quaisquer outros que têm efeitos sobre o sistema nervoso central), em simultâneo com a condução sob a influência de álcool (e concretamente, com uma TAS superior a 1,2 g/l) apenas torna a actuação do agente mais censurável, pois tanto aquela medicação, como o álcool interferem na condução, e, como tal, em vez de um, estar-se-ia na presença de dois factores que diminuiriam a capacidade de condução, e acrescentamos nós aliado ao facto de estarmos perante um agente particularmente qualificado, pois no caso em exame o agente é uma médica veterinária que está dotada de especiais conhecimentos sobre a questão em assomo.
Quanto aos demais meios de prova convocados pela recorrente trazemos à liça o sumário aresto desta Relação de 10/9/2014 disponível in www.dgsi.pt. “I- A análise crítica das provas é o momento crucial do processo probatório já que, da amálgama das provas produzidas, o tribunal tem de “separar o trigo do joio”, selecionar as informações válidas e rejeitar as outras de acordo com os critérios da experiência comum mas também à luz dos conhecimentos científicos e técnicos postos à sua disposição. II – Tal análise crítica (das provas) há de ser mais ou menos profunda, mais ou menos exaustiva, em função da maior ou menor complexidade do caso. III – Em termos simples e sintéticos, o princípio da livre apreciação da prova pretende exprimir a ideia de que no ordenamento jurídico que o acolhe, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada (portanto, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador, como acontecia no sistema da prova legal), pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com a livre convicção do julgador (também designada por íntima convicção). IV – Por isso, o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos de testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível. IV - O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. V – Os limites da liberdade valorativa da prova no âmbito penal são as regras da lógica e da razão, as máximas da experiência e os conhecimentos técnicos e científicos. (…)” que constitui jurisprudência constante.”.
Ora, no caso dos autos, a fundamentação da decisão de facto, que acima transcrevemos na íntegra e para a qual remetemos, é exaustiva, nela se fazendo referência aos meios de prova que foram relevantes, assim como se esclarece em que medida e relativamente a que factos (provados e não provados), cada uma dessas provas contribuiu para formar a convicção do tribunal, mencionando-se a respectiva razão de ciência e reproduzindo-se o que de fundamental foi dito por cada uma das pessoas ouvidas, arguida incluída, e qual o contributo que deram para o esclarecimento da verdade, apresentando-se tal fundamentação lógica, clara e bem estruturada, sendo demonstrativa do caminho e raciocínio lógico que foi seguido, de molde a justificar plenamente e de forma convincente o resultado a que chegou o tribunal, no julgamento da matéria de facto.
Em consonância, analisada a prova indicada pela recorrente e a fundamentação da sentença é inequívoco que a mesma não impõe decisão diversa, no que aos questionados pontos 4, 5, 6, 7 e 10 tange, já que o convencimento acerca da concreta taxa de álcool no sangue com que a recorrente exerceu a condução, proveio do talão do teste de álcool realizado através do aparelho alcoolímetro utilizado pela GNR, o qual se encontra certificado pelo IPQ e cuja utilização é permitida.
Face a tal factualidade objetiva, não se vislumbra qualquer incorreção na apreciação da matéria de facto constante dos anteditos pontos 4., 5., 6. e 7. da matéria dada como provada.
No que respeita à factualidade dada como não provada e impugnada - mormente o consumo de Prozac e Alprazolan - também não se vislumbra qualquer incorreção, atento o talão do teste de álcool junto aos autos e a falta de credibilidade que mereceram quer as declarações da recorrente, quer o depoimento das testemunhas por si arroladas. Até porque a única receita eletrónica junta aos autos data de 10 de maio de 2022, data já posterior aos autos, como destacou aliás o tribunal de 1ª instância, revelando-se o raciocínio lógico por este empreendido plausível e assertivo. Até porque se a recorrente estivesse a ser medicada antes dessa data, ser-lhe-ia muito fácil obter comprovativo disso, fosse através de declaração do médico de família ou de outro médico que a acompanhasse (psiquiatra), seja através da junção de receitas electrónicas anteriores à data dos factos e nada disso aconteceu.
Acresce que, questionando a arguida a mesma prova apenas poderia estar em causa a credibilidade ou a falta dela que os depoimentos mereceram ao tribunal, como aliás aquela desde o inicio da sua motivação questiona, querendo como que obrigar o tribunal a aceitar como verdadeiro o que ela diz, e nesta matéria importará assinalar que estando em causa a credibilidade concedida aos meios de prova, verifica-se que o tribunal a fundamentou e explicitou.
No processo de formação da convicção do juiz, desempenham por isso um papel de relevo não apenas a actividade de conhecimento do que terá ocorrido mas também outros elementos racionalmente não explicáveis, que levam ou não o juiz a acreditar, no que lhe é dito para além de elementos emocionais, e tudo dependente da própria vivência e conhecimento da realidade da vida do julgador.
Por isso também que num julgamento a avaliação da prova produzida, não se resume ao conteúdo literal das expressões utilizadas pelos depoentes, mas a uma análise global, devidamente encadeada sobre toda a aprova, de modo a formar um juízo global e consistente sobre a mesma. Para isso o contacto directo com o depoente (principio da imediação) é a fonte da credibilidade, pois pode atender não apenas à razão de ciência invocada, como à imparcialidade que revela ou interesse que manifesta, à espontaneidade do depoimento, revelada pelos mais variados factores, que vão desde a postura, o modo como responde, a voz, a atenção que busca, o auxílio que invoca, as hesitações, as contradições e gestos que faz, tudo factores de que o tribunal de recurso não tem acesso, pelo que o tribunal a razão da sua credibilidade e aquela está de acordo com a normalidade, não pode o tribunal de recurso substituir-se naquela apreciação.
Pela mesma ordem de razões não apurou o tribunal recorrido e assim o consignou no elenco dos factos provados que, a arguida, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portadora de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l, relembrando-se que a própria admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do seu veículo automóvel (dois ou três copos de vinho e ainda uma taça de espumante), embora referindo que estava convencia que não teria uma TAS tão elevada, pois, de outra forma, não teria conduzido.
Não obstante sabia que a ingestão de bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como determinou e sabia ainda porque ser do conhecimento comum e mais ainda pela profissão que desempenha.
Por último, cumpre assinalar que a recorrente impugna o ponto 10 dos factos provados – a arguida não demonstrou arrependimento – sem, todavia, discorrer sobre o tema ao longo da alegação recursiva, não debatendo a matéria factual em causa, que nessa medida se mantém inalterada.
Em suma, os segmentos da prova invocados pela recorrente não excluem a valoração da prova efectuada na sentença recorrida, isto é, não contrariam a viabilidade do raciocínio desenvolvido pelo tribunal a quo e, como tal, não determinam a modificação do decidido, pois que não basta a demonstração de ser possível uma diferente avaliação ou ponderação da prova, mas antes a lei exige para a procedência da impugnação que a prova especificada pelo recorrente imponha efectivamente uma alteração factual, desiderato que não foi alcançado no caso presente, como decorre do vindo de expôr.
Improcede pelas razões expostas a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª Violação do o princípio in dubio pro reo;

A recorrente alega ainda que mesmo que não se considerasse a prova nos termos acima já devidamente tratados, a prova produzida em audiência cria fortes e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o tribunal recorrido ter-se socorrido do princípio in dúbio pro reo.
Mas com a brevidade que se impõe, reafirma-se que, compulsada a decisão recorrida, da mesma ressuma em termos inequívocos a certeza sobre a prova recolhida, e nessa medida a convicção plena sobre a verificação dos factos imputados à arguida.
Ainda assim explicita-se que o convocado princípio in dubio pro reo uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, 1ª parte, da CRP) contempla, constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, não tendo obviamente aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
O aludido princípio impõe, pois, uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Donde, a apreciação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
Porém a recorrente limita-se a concluir que a prova cria insolúveis dúvidas, pelo que houve violação do aludido princípio.
Todavia, e na decorrência do supra expendido, não resulta da decisão recorrida relativamente aos concretos factos provados e questionados, que o tribunal a quo se defrontou com dúvidas que resolveu contra a arguida recorrente ou demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido.
Ao invés, flui da decisão sob recurso que o tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto ao cometimento pela arguida dos factos nucleares respeitantes à autoria do crime em apreço, que se baseiam em prova legal, escorreita e consistente. No fundo, o desacordo da recorrente, no sentido de que foi condenado sem prova bastante, e dessa forma violado o princípio in dubio pro reo, é baseada numa determinada perspectiva da defesa sobre a prova produzida, de todo não coincidente com aquela que foi a do tribunal recorrido e que está detalhadamente explanada no texto da decisão condenatória, e de resto já foi objecto de análise.
Não se vislumbra, portanto, qualquer falha probatória que obrigasse o tribunal a aplicar o princípio in dubio pro reo.
Reitera-se, da análise da decisão recorrida verifica-se que a prova produzida foi devidamente “pesada”, nada nos indicando que o Tribunal a quo tivesse feito uma errada valoração da prova produzida, examinada e valorada em audiência de discussão e julgamento, não emergindo qualquer dúvida insuperável e razoável sobre a sua valorização. Daquela, flui efectivamente uma análise criteriosa da prova feita de forma a permitir a compreensão da razão pela qual os factos ali plasmados foram
dados como provados e não provados.
Ora como é fácil de intuir, chegados a este ponto, resta apenas concluir que os argumentos aduzidos pela recorrente para pugnar pela sua absolvição ao abrigo do princípio in dubio pro reo, são totalmente desprovidos de fundamento e de crítica lógica.
Pelo exposto, inalterado se mantém o decidido quanto à matéria de facto provada, improcedendo assim, igualmente sob este aspecto, a pretensão recursiva.

Falta de pronuncia sobre exclusão da culpa/ilicitude

A recorrente defende ainda que jamais poderia ter sido condenada pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º do Código Penal por falta de consciência da ilicitude, pois conduziu desde Cantanhede até Anadia sem qualquer sintoma de que tinha álcool, ou pelo menos 1,20g/l de álcool no sangue, tanto quanto resulta das conclusões do recurso, muito embora no introito deste afirme que há falta de pronuncia sobre a causa de exclusão da culpa/ilicitude.
Ora, lavra a recorrente em tão inusitado quanto indesculpável equivoco, pois só ocorre omissão de pronúncia quando, nos termos do art. 379º, nº 1, alínea c), do CPP, o tribunal “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” ou seja, o tribunal tenha o dever de o fazer, o que equivale a dizer que a mesma se suscite.
Todavia, perante o circunstancialismo fáctico apurado não existia nenhuma obrigação de apreciar da existência ou não de erro sobre a ilicitude, e mantida incólume a matéria de facto decidida na 1ª instância, designadamente não tendo merecido acolhimento a pretensão da recorrente de aditamento de um novo facto com o seguinte teor “A arguida, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portadora de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l”, nada mais cumpre acrescentar sobre o tema.
Donde, não tem qualquer sustentação fática e de direito a pretensão recursiva.

A substituição das penas - principal e acessória – aplicadas, por dispensa, admoestação ou mesmo aplicação pelo mínimo legal e facultando-se à arguida, face a profissão de utilidade publica que desempenha, o cumprimento da pena acessória em período de férias e fins-de-semana ou dispensa, e a condenação em custas.

Sem expressão nas conclusões, sustenta a recorrente no corpo da motivação que não tendo antecedentes, o tribunal a quo, levando em consideração as circunstâncias do caso concreto, na escolha da determinação da medida da pena aplicada à arguida – 75 dias a 7.00€ (pena pecuniária), poderia e devia ter optado por uma outra, designadamente pela ADMOESTAÇÃO, que seguramente cumpria melhor as exigências de prevenção geral aplicáveis, justificada ainda pela actual pandemia – COVID 19 e a Guerra entre a Russia/Ucrania, que o país atravessa e exige da comunidade em geral medidas especiais privilegiando os transportes individuais em detrimento dos transportes públicos e quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, pelo período de 4 (quatro) meses igualmente optar pela dispensa da pena ou, em alternativa, pelo cumprimento da mesma no período de férias e fins-de-semana da arguida, podendo, assim, esta continuar a sua actividade profissional de utilidade publica que desempenha na Câmara Municipal ... e para garantia do seu sustento.
Acrescenta que em alternativa se devia optar pela dispensa ou pela aplicação pelo mínimo da pena principal e da acessória de inibição de conduzir, facultando à arguida o cumprimento da mesma em período de férias e fins-de-semana.
E prossegue, dúvidas acentuadas permanecem relativamente à prova do cometimento, por parte da arguida, do crime de condução com álcool no sangue, nunca ignorando o facto de no momento da fiscalização esta se deslocar para casa.
Não atendeu - e salvo melhor opinião devia - o Tribunal a quo à experiência, ao profissionalismo da arguida, à sua postura em tribunal, nem às demais circunstâncias referidas determinantes, para apurar a pena e a sua verdadeira extensão.
Já nas conclusões limita-se que a concluir que a pena a que foi sujeita é infundada e injusta, quer quanto à pena de multa aplicada a arguida (518,00€), quer quanto à pena acessória de proibição de condução (4 meses), e em custas 2 Ucs, que se impõe revogada.
Antes de mais, importa revisitar a correspondente fundamentação inserta na sentença recorrida:

“V – A ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA

Feita pela forma supra descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
Ao crime de condução em estado de embriaguez é aplicável a pena de prisão entre 1 mês e 1 ano ou a de multa entre 10 e 120 dias (artigo 292º, n.º 1, 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, todos do Código Penal).
Antes de partirmos para a determinação da medida concreta da pena, caberá, prima facie, fazermos uma opção entre a pena de prisão ou a pena de multa, porque são ambas aplicáveis aos crimes que ora apreciamos.
A conduta da arguida integra os elementos constitutivos do crime para o qual a lei comina pena de prisão ou alternativa de multa. Sendo assim, a primeira operação a realizar, na definição da moldura legal abstracta, deverá ter em consideração a preferência da lei pela aplicação pela aplicação da pena não privativa da liberdade
Com efeito, estatui o art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa a pena privativa e a pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção”.
Este artigo fornece ao legislador o critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa e não privativa da liberdade, e traduz o pensamento subjacente ao pensamento legislativo em matéria de sistema punitivo, afirmando-se que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, atendendo às circunstâncias concretas, as sanções não privativas não se mostrem adequadas e suficientes.
A escolha entre a pena privativas e não privativas dependerá, portanto, unicamente das considerações de prevenção geral e especial e o julgador só deverá optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção.
Considerando que a arguida, não tem averbada qualquer condenação (seja por este ou outro qualquer tipo de crime) afigura-se-nos que a pena de multa é, obviamente, bastante para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir. Assim, opta-se pela aplicação de uma pena de multa.
Importa, agora, determinar a medida concreta da pena a aplicar à arguida.
Na sua concretização, ter-se-ão em atenção os fins das penas mencionados no art. 40º do C.Penal e os critérios estabelecidos no art. 71º/1 do C.Penal.
O crime de condução em estado de embriaguez é punido com pena de multa de 10 a 120 dias.
Atendendo ao disposto no art.ºs 71.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a medida concreta da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial que no caso se façam sentir.
“Pelo que nos citados artigos se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida da pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “ moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “ moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares de advertência ou de segurança) do delinquente” – Ac. STJ de 14-03-2001, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Tomo I, pág. 248.
Conferindo concretização aos critérios enunciados, o art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal enumera exemplificativamente os factores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena. Importa atentar nos critérios e factores de determinação da medida concreta da pena, constantes dos art.ºs 40.º e 71.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.
Assim, quanto à ilicitude, é elevada, tendo em consideração que a arguida apresentava uma TAS muito superior ao mínimo a partir do qual é crime (apresentava uma TAS de 2,11 g/l, já deduzida a margem de erro máxima aplicável) e, por outro lado, conduzia um veículo a motor (um veículo ligeiro de passageiros) que, em abstracto, é dos veículos mais perigosos.
Quanto à culpa já é mais elevada, pois o dolo é directo.
Também as exigências de prevenção geral, são elevadas, uma vez que a condução em estado de embriaguez não só é um crime de verificação frequente, estando associada aos elevados índices de sinistralidade, como eleva de forma exponencial os perigos de uma actividade já de si perigosa, impondo-se uma reacção firme por parte do sistema penal, a fim de acautelar a confiança comunitária na vigência e validade das normas violadas;
As exigências de prevenção especial, pouco elevadas, porquanto a arguida não tem qualquer condenação averbada no certificado de registo criminal.
Em desfavor da arguida, há que atender ao facto de não ter demonstrado arrependimento.
A favor da arguida há que atender ao facto de ser pessoa socialmente e profissionalmente inserida e, embora não fazendo parte do tipo de crime, não ter sido interveniente em acidente de viação.
Tendo em consideração todos os factores de determinação da pena supra expostos, o Tribunal considera ajustada aplicar à arguida uma pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa.
No que respeita ao quantitativo, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais – artigo 47.º, n.º 2 do C.Penal.
A arguida tem rendimento mensais que não chega aos 1000 euros /mês, vive em casa dos pais, tem uma prestação ao banco no valor de €250/mês e. naturalmente, as despesas fixas mensais comuns a qualquer pessoa; ora, considerando isso e que o mínimo da taxa diária é de €5 (que é a taxa a ser fixada a alguém que vive como um indigente ou próximo disso) e o máximo €500 (para alguém muito rico), considera-se adequado fixar a taxa diária em €7 (sete euros) euros.

VI – DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR.
A al. a) do n.º 1 do art.º 69.º do Código Penal prevê a condenação “… na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos” a quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo”.
Com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pretendeu dotar-se o sistema sancionatório português de uma verdadeira pena acessória, capaz de dar satisfação a razões “político-criminais (…) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente esclarecidas”, sendo que “à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si, nada de legítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa… devendo esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, II, pág. 165).
A proibição de conduzir assume-se como uma verdadeira pena, de estrita aplicação judicial, indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotado de uma moldura penal própria, permitindo – e impondo – a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso, sendo certo que, não constituindo um efeito automático da pena, ela é, no entanto, ao que aprece, um efeito automático da pratica de certos crimes, como salientou o Prof. Figueiredo Dias (Acta n.º 41 da reunião da Comissão Revisora do Código Penal de 1982).
A determinação da medida da pena acessória (período da proibição de conduzir) opera-se mediante o recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71.º do Código Penal, com ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral).
O crime cometido pelo arguido prevê e pune uma conduta potenciadora de graves consequências para a vida e para a integridade física e/ou para bens patrimoniais.
Ora, encontrando sinistralidade estradal explicação não despicienda na condução em estado de embriaguez, revela-se premente de pôr cobro a comportamentos do tipo do assumido pela arguida (prevenção geral), comportamento esse que é merecedor de um juízo de desvalor elevado.
Atendendo à repercussão negativa do álcool na condução de veículos (e, como tal, a comportamentos que não permitam tal controlo) não pode deixar de considerar-se a conduta da arguida, gravemente violadora das regras que pretendem manter a actividade de conduzir dentro das margens do chamado “risco permitido”.
Para a determinação da pena acessória dá-se aqui por reproduzido tudo o que se disse quanto à fixação da pena principal.
Salienta-se ainda aqui alguns aspectos: inexistência de qualquer condenação contra a arguida de por crimes que atentam contra a segurança rodoviária (porque não estes que aqui especialmente relevam, para efeitos de pena acessória), a concreta taxa de álcool (superior a 2,0 g/l, ou seja, muito além do mínimo), o tipo de veículo (um veículo ligeiro de passageiros e, portanto, em abstracto um dos mais perigosos, se comparado com um velocípede ou com um ciclomotor ou mesmo até motociclo), o não arrependimento, a não intervenção em acidente (embora não seja o elemento do tipo).
É obvio que não há qualquer razão para atenuar especialmente a pena, pois não estão verificadas nenhumas das situações previstas no artigo 72.º do Código Penal, ao invés do que pugna ao Defesa, ao medir a sua redução a metade.
Tudo ponderando, reputa-se como adequada a aplicação ao arguido de uma pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de 4 (quatro) meses.”

Cumpre preliminarmente referir que, como se patenteia de imediato, a argumentação recursiva é confusa e mesmo paradoxal, pois continua a apelar às supostas dúvidas acentuadas que permanecem relativamente à prova do cometimento do crime, sendo certo que essa fase já está ultrapassada e a matéria de facto estabilizada.
Por seu turno pede a revogação das penas tanto quanto se depreende das conclusões ínsitas nos pontos. 22. e 27., que assumimos queira referir-se à substituição nos termos supra concretizados de admoestação em relação à pena principal ou mesmo pelo mínimo legal em ambas as penas ou a dispensa de ambas ou, em alternativa, pelo cumprimento no período de férias e fins-de-semana da arguida, no tocante à pena acessória, como se retira da alegação recursiva.
Vejamos.
Em relação à eventual aplicação da pena substitutiva de admoestação, a recorrente sequer alude aos seus requisitos, porém vejamos o que dispõe o art. 60º do Código Penal, para o que ora releva:
“1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)”.
Os pressupostos são por isso: o de que a pena concreta aplicada seja de multa não superior a 240 dias, que haja reparação do dano e que exista um juízo de prognose favorável no sentido de que com a admoestação seja razoável concluir pela realização bastante das finalidades punitivas, para além da inexistência, em princípio, de anterior condenação em qualquer pena (ou pelo menos nos três anos anteriores ao facto – cfr. nº3), o que aqui não está em causa.
Ora, formalmente não estaria impossibilitada a sua aplicação, já que a pena de multa não é superior a 240 dias e estamos perante um crime de perigo abstracto e, objectivamente, não existe aqui um qualquer concreto dano a reparar.
Todavia e desde logo as elevadas exigências de prevenção geral sempre afastariam a aplicação desta pena substitutiva de admoestação.
É que, olhando ao bem jurídico protegido pela norma penal em apreço, que é a segurança da circulação rodoviária, embora, indirectamente, se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito dos veículos, já que a segurança no tráfego evita riscos e lesões para a vida ou integridade física, como é unanimemente reconhecido na doutrina e na jurisprudência e resulta claramente da história da norma incriminadora – veja-se Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 1093 e também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da Republica Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 1025., de forma alguma se poderia equacionar a aplicação da sobredita pena.
A protecção de um tal bem jurídico exige cautelas acrescidas como é evidente, e a substituição da pena de multa por pena de admoestação, atentas as prementes necessidades de prevenção geral que os crimes rodoviários apresentam, deverá ter um carácter verdadeiramente excepcional, já que não pode permitir-se transmitir à comunidade sinais erráticos quanto a um tipo de criminalidade que tem uma insuportável incidência e consequências que, muitas vezes, custam vidas humanas, como flui do Ac. desta Relação de 30.11.2022 proferido no Proc. 130/22.8PFVNG, no qual estava em causa um crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Ora considerando as circunstâncias do caso, que revela para além do mais um nível elevado de ilicitude como se deu nota, também não integram uma especial situação ponderosa ou excepcional que justifique que se ceda na satisfação das necessidades de prevenção geral que este tipo de crime reclama.
Significando assim que a admoestação não realizaria de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, face à elevada frequência do cometimento do crime pelo qual a recorrente foi condenada, não constituindo ainda, na representação coletiva, qualquer freio ou instrumento de aviso de reprovação reforçado da punibilidade da conduta, ficando aquém das expectativas comunitárias na crença de validade nas normas jurídicas violadas, e que a esmagadora maioria da jurisprudência vai e encarreira no sentido de considerar somente justificada a substituição da pena de multa pela admoestação apenas em casos nitidamente excecionais e residuais, face às prementes necessidades de prevenção geral, como de resto se enfatiza no aresto vindo de citar; e onde se conclui, a prevenção geral há-de funcionar aqui, neste tipo de criminalidade preocupantemente reiterada, como um travão à almejada substituição, pois que insuficiente para aquietar aquilo que as expectativas comunitárias aqui reclamam no tocante à crença da validade na norma jurídica violada.
O mesmo vale para a alvitrada dispensa da pena, se atentarmos nos requisitos cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 74.º do Código Penal: que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas, que o dano tenha sido reparado e que à dispensa da pena se não oponham razões de prevenção.
Mas como vimos, na concreta situação, quer a ilicitude, quer as exigências de prevenção geral, são razões que se opõem e assim inviabilizam a dispensa da pena.
A inverificação dos sobreditos requisitos aqui exigíveis, impõem por isso a punição da ora recorrente.
Não procede, pois, esta concreta pretensão recursiva.
Apreciando já da eventual redução da pena principal aplicada nos presentes autos - 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 – entende a recorrente que deverá ser fixada pelo mínimo legal, caso não se opte pela dispensa ou admoestação, não questionando, porém, a taxa diária.
A moldura penal aplicável ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do CP cometido pela recorrente é de pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.
Tendo em conta a apontada moldura penal, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do CP, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização -, sendo que no caso em apreço se optou correctamente pela aplicação de uma pena de multa.
A pena visa, assim, finalidades exclusivamente preventivas (de prevenção geral e especial), constituindo a culpa pressuposto e limite inultrapassável da pena - cfr. Jorge Figueiredo Dias, in “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, pág. 75 e seguintes.
Deste modo, através das exigências de prevenção, dá-se satisfação à necessidade comunitária de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada, bem como ao objectivo de reinserção social do delinquente e, por esta via, à realização dos fins das penas no caso concreto - art. 40º, nº 1 do CP.
A consideração da culpa do agente liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um "princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado" (na expressão de Claus Roxin), e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção – nº 2 do citado art. 40º.
E para a determinação da medida concreta da pena há que atender aos factores elencados no art. 71º do Código Penal e que, fundamentalmente, se relacionam quer com o facto típico praticado, quer com a personalidade do agente neles documentada - vide Anabela Miranda Rodrigues, in “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, 1995, pág. 658 e seguintes -, podendo tais factores ser valorados, simultaneamente, por via da culpa e da prevenção.
Assim, o nº 2 do art. 71º do CP, manda atender, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
E no que à aplicação da pena de multa tange, acolhendo o ensinamento de Figueiredo Dias in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, editorial notícias, 1993, pág. 119, indispensável é que “a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada… com a clara consciência tanto para o legislador, como para o juiz, de que o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas…”.
Aqui chegados e regressando ao caso vertente, podemos desde já adiantar que face ao condicionalismo que a factualidade apurada permite efetuar no seio do citado art. 71º, a pena aplicada pelo tribunal recorrido se mostra perfeitamente doseada e adequada no caso concreto, bem como salvaguarda as necessidades de prevenção geral e especial que urge acautelar.
Com efeito, atentos os já enunciados princípios que norteiam a determinação da medida das penas, quer por referência ao limite da culpa, quer por referência às necessidades de prevenção (geral de prevenção e especial de socialização), relembra-se que o tribunal recorrido valorou todo o circunstancialismo apurado, nomeadamente o grau de ilicitude elevado, atenta a TAS de 2,11 g/l, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade do dolo - dolo directo. Tomou ainda em consideração as circunstâncias atenuantes relacionadas com a sua inserção social e profissional, a ausência de antecedentes criminais e não ter sido interveniente em acidente de viação.
Mais, tendo em conta que no que se refere à prevenção geral positiva ou de integração, a necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, em especial no campo dos crimes rodoviários e neste nos crimes de condução em estado de embriaguez, é elevada, considera-se ficar assegurada aquela tutela com a imposição à arguida da referida pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, tal como se fixou na sentença recorrida, não se vislumbrando qualquer desproporção na medida da pena de multa fixada.
De todo o modo, ponderada a TAS elevada revelada, dificilmente se poderia aceitar que àquele fosse aplicada pena inferior à que efectivamente veio a ser fixada e, por outro lado, conduzia um veículo a motor (um veículo ligeiro de passageiros) que, em abstracto, é dos veículos mais perigosos.
Também as elevadas exigências de prevenção geral, dado que a condução em estado de embriaguez não só é um crime de verificação frequente, estando associada aos elevados índices de sinistralidade, como eleva de forma exponencial os perigos de uma actividade já de si perigosa, impondo-se uma reacção firme por parte do sistema penal, a fim de acautelar a confiança comunitária na vigência e validade das normas violadas impede a aplicação de pena mais branda.
Do que resulta evidente que o tribunal recorrido valorou todos e cada um dos aspetos que aqui se impunha apreciar, não se vislumbrando qualquer exagero na encetada valoração.
Falece, assim, a aduzida argumentação recursiva, a qual, de resto, é de difícil compreensão, posto que a convocada “actual pandemia – COVID 19” está completamente superada e o argumento da “Guerra entre a Russia/Ucrania, que o país atravessa e exige da comunidade em geral medidas especiais privilegiando os transportes individuais em detrimento dos transportes públicos” que a recorrente convoca para sustentar a aplicação da pena substitutiva de admoestação, é no mínimo inusitado, descontextualizado e de duvidosa correlação com a concreta situação em análise.
De todo o modo, considerando a moldura abstracta da pena de multa em causa, obviamente, respeitados que foram os sobreditos critérios que norteiam a aplicação das penas, sem esquecer o caráter de penosidade que as condenações haverão de conter, sob pena de se tornar inerte e, por isso, socialmente incompreendida a própria sanção aplicada, e ainda que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010, aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9GNPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt., desrespeito que aqui não sucedeu, não se vislumbra que a pena de multa aplicada seja exagerada, desproporcionada e/ou injusta, pelo que deverá manter-se.
Mais ainda, sem abordar o tema nas conclusões, sustenta a recorrente que nos termos do disposto do art. 80º, nº 2 do CP, não foi descontado o dia da detenção.
E acerca do instituto do desconto estabelece o citado art. 80º que: “1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.
2 - Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.”
No caso estamos perante condenação em pena de multa, pelo que nesta pena há que proceder ao desconto do período de detenção sofrido pela arguida de cerca de cerca de 1 hora (entre as 03.00 horas e as 04.00 horas do dia 23.04.2022) referente à detenção em flagrante delito e posterior restituição à liberdade após notificação para se apresentar em tribunal no DIAP de da Anadia no dia 26.04.2022.
O art. 479º do CPP prevê a contagem do tempo de prisão, mas não se refere expressamente ao desconto. Porém, na ausência de outra norma, o desconto terá de ser efectuado de acordo com o nela previsto.
Ora, tomando por referência tal normativo a contagem do tempo de prisão faz-se em anos, meses e em dias. Por isso, a prisão ou detenção ocorrida por período de tempo inferior a 1 dia ou a 24 horas há-de corresponder à unidade de tempo mais pequena nele prevista, isto é, um dia. Esta é a melhor interpretação conforme à constituição, com respeito pelo direito à liberdade previsto no art. 27º da CRP.
No entanto, entende-se que tal desconto, e trata-se de questão diversa, não tem de ser efectuado obrigatoriamente na sentença, como pretende a recorrente, podendo ser objecto de despacho posterior.
E se no tocante à prisão preventiva é pacifico que o desconto constitui mera regra de execução e não tem que ser ordenado na decisão condenatória, pois resulta imperativamente da lei, que é para ser tomado em conta no cumprimento da pena, já no que se refere ao desconto na pena de multa da detenção sofrida pelo arguido, o juiz terá de fazer o que se lhe afigurar equitativo, porquanto a expressão “pelo menos” do art. 80º, nº 2, do CP significa que 1 dia de prisão pode equivaler a mais de 1 dia de multa.” - cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 19.11.2008 proferido no Proc. 281/07.9PANZR.C1, disponível em www.dgsi.pt.”
É aliás nesse sentido que aponta o art. 49º, nº 1 do CP relativamente à conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, em que a 3 dias de multa corresponde 2 dias de prisão.
Donde, de tudo se conclui que o desconto tanto pode ser feito na sentença condenatória, como em despacho posterior. Significando, desta feita, que a lei não impõe que o desconto tenha necessária e obrigatoriamente de ser ordenado na sentença, podendo ser determinado posteriormente por despacho, obviamente recorrível.
Por outro lado, a lei diz que o desconto é efectuado no cumprimento, o que constitui um elemento que aponta, pese embora por forma não decisiva é certo, para a fase da execução da pena, ou seja, para um
momento posterior à condenação.
Nestes termos, conclui-se que a sentença recorrida não enferma de omissão/irregularidade quanto ao desconto na pena de multa do período de detenção sofrido pela arguida.
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Passando já para a pena acessória, como vimos o tribunal a quo fixou a pena acessória em 4 (quatro) meses, e basicamente para além do pedido de revogação, entende a recorrente que tal pena deveria ser cumprida em período de férias e fins-de-semana ou mesmo reduzida.
Cumpre assinalar que a prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual foi a arguida condenada, para além da pena principal é ainda sancionado com a proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos (art. 69º, nº 1, al. a), do Código Penal).
E a recorrente insurge-se pura e simplesmente com a sua aplicação, adiantando como fundamento a possibilidade de continuar a sua actividade profissional de utilidade publica que desempenha na Câmara Municipal ... e para garantia do seu sustento.
Acrescenta que em alternativa se devia optar pela dispensa ou pela aplicação pelo mínimo desta pena acessória de inibição de conduzir, facultando à arguida o cumprimento da mesma em período de férias e fins-de-semana.
Antes de mais dir-se-á que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, sujeita ao regime previsto no código penal não é passível de ser cumprida em período de férias e fins-de-semana, pois não está prevista na lei tal possibilidade, pelo que tal pedido carece de suporte legal.
O mesmo se verifica em relação à dispensa da pena, até pelas razões já deixadas enunciadas.
Por seu turno, verificamos que foi fixada muito próximo do mínimo legal, apesar da taxa de álcool no sangue detetada se fixar em 2,11 g/l, pelo que se pode concluir que é uma pena assaz branda.
E, sem olvidar o óbvio, ou seja, de que a pena acessória necessariamente acarreta transtornos a quem habitualmente utiliza veículo próprio para as suas deslocações diárias, há a contrapor as elevadas exigências de prevenção geral já devidamente acentuadas supra, bastando atentar nos altos índices de sinistralidade rodoviária relacionados com a condução de veículos em estado de embriaguez.
Por sua vez, é consabido que a sobredita sanção tem a natureza de pena acessória, traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado e quanto às suas finalidades, deve assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação, e deve esperar-se desta pena acessória que contribua para a emenda cívica do condutor. Por conseguinte, esta pena acessória tem, uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade e dirigindo-se ainda à perigosidade do agente.
Ora, são precisamente as exigências de prevenção atrás referidas, de prevenção geral e especial, que impedem que a pena acessória aplicada nos autos possa ser vista como desproporcionada e deva ser reduzida para o mínimo legal.
Donde, se entende que a pena acessória aplicada de 4 (quatro) meses, portanto em medida ainda próxima do mínimo legal, apenas ultrapassando este em um mês, e considerando que é de três anos o limite máximo, não pode ser considerada excessiva e como tal não será reduzida.
De outro modo, também a comunidade não entenderia, face à frequência com que este tipo de crime é cometido e aos bens jurídicos que se pretendem proteger, qual o efectivo reforço preventivo que se pretende com a aplicação da pena acessória de proibição de condução.
Improcede, por isso, e também neste aspecto, a pretensão recursiva.
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Resta dizer que em relação às custas nada há a decidir atenta a condenação mantida e o disposto no art. 513º do CPP.
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Donde se nega provimento ao recurso e confirma a sentença recorrida.
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3. DECISÃO.

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA confirmando integralmente a decisão recorrida.
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Pedo decaimento total do recurso pagará a recorrente custas que se fixam em 4 (quatro) UCs de taxa de justiça (art. 513º do CPP).

Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

Porto, 15 de março de 2023
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
Raul Cordeiro