DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
FALECIMENTO DE PARTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES
MANDATÁRIO
PRESSUPOSTOS
Sumário


I. A deserção da instância é um instrumento que o legislador faculta aos tribunais para se libertarem dos processos em que o autor, por qualquer razão, não tem mais interesse em prosseguir.
II. O prazo de deserção da instância foi encurtado exactamente para permitir uma melhor gestão dos recursos do tribunal e constranger as partes, sobretudo o autor a não entorpecerem a acção da justiça.
III. O tribunal não só não está obrigado a inquirir as partes sobre a razão da sua inércia como o não deve fazer por ser um terceiro imparcial que não deve intrometer-se nas decisões que as partes têm liberdade de adoptar como seja, não prosseguir com um processo que instauraram.

Texto Integral


I – Relatório

I.1 




Na acção declarativa que AA move contra BB, CC, DD, EE, FF, e GG, veio aquela interpor recurso de apelação da sentença proferida em 14 de Outubro de 2021, pelo Juízo Central Cível ... - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ...


com a seguinte parte decisória:


(…) Ora, no caso em apreço, temos verificado o decurso do tempo – o processo está parado há mais de seis meses – assim como uma conduta negligente da autora (não tendo igualmente sido deduzido o incidente pelos réus) em promover o seu andamento, tendo em consideração o conhecimento da consequência legal do óbito do interveniente – suspensão da instância - e de que só com a promoção da sua habilitação poderiam os autos prosseguir.


Pelo exposto, consideramos que não se justiça a audição prévia das partes para se pronunciarem sobre as consequências da sua omissão processual, na medida em que não será para ambas uma decisão surpresa (artigo 3º, n.º 3 do CPC).


Sufragamos o entendimento defendido no douto Acórdão do STJ de 08-03-2018 (in www.dgsi.pt) nos seguintes termos que se passa a citar:


“Não obstante o Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, ter posto em destaque o dever do Juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278º, n.º 3), o dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6º, n.º 1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1), isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no cumprimento do ónus de promoção do andamento do processo.


II. Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o Tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência.


III. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.


IV. A negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.


V. Estando o autor onerado com o ónus de proceder ao registo da ação e tendo deixado decorrer o prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, sem ter comprovado a realização desse registo ou mostrado que não foi possível fazê-lo sem culpa sua, é-lhe imputável, e não ao Tribunal, o efeito cominatório resultante do incumprimento do ónus especial de impulso processual que sobre ele recaía e que, no caso, consiste, na deserção da instância. (…)”


Em face de todo o exposto, determino a extinção da instância por deserção, nos termos do disposto nos artigos 281º, n.º 1 e 277º, al. c) do CPC.


Custas pela autora por a elas terem dado causa. Valor: o indicado na PI.


Registe e notifique.


O Tribunal da Relação do Porto veio a confirmar a decisão recorrida, por acórdão proferido em 12 de Setembro de 2022.


Em 17 de Outubro de 2022 a A. interpôs recurso de revista excepcional do referido acórdão.


Por acórdão da formação a que se refere o art.º 672º, nº 3 do Código de Processo Civil proferido em 8 de Fevereiro de 2023 foi admitida a revista excepcional apenas quanto à necessidade de audição das partes, antes de ser decretada a deserção da instância, sobre as razões que justificaram a ausência de impulso processual durante o período previsto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil com fundamento em contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 12-04-2018, no âmbito do processo n.º 19267/13.... .


O recorrente apresentou alegações de revista que terminam com as seguintes conclusões:

1. No acórdão recorrido é expresso o entendimento de que o prazo de deserção não é um prazo de caducidade, pelo que, ao mesmo não deverá ser aplicado o alargamento de prazos previsto em legislação excecional publicada aquando do período pandémico, nomeadamente o art. 5S da Lei 13-B/2021, de 5/4;

2. Sucede que, ao invés e em oposição, no Acórdão proferido, por unanimidade, pelo digníssimo Supremo Tribunal de Justiça, de 03/03/1998, proc. n.º n.s 084111, disponível em www.dgsi.pt (l.s acórdão fundamento - doc. n.s 1), a propósito da mesma questão, ficou claramente afirmado o seguinte:

"I - A preclusão processual é uma figura próxima da caducidade de direitos civis (...) (...) os prazos cujo decurso importam a interrupção ou a deserção da instância não são prazos para a prática de actos processuais (...) Trata-se de prazos de preclusão. Está-se na presença de fenómeno jurídico cuja natureza, embora processual, se encontra próxima da caducidade.

Assim como a caducidade extingue o direito substantivo por falta de exercício, a preclusão que resulta da deserção do recurso obsta a que o recorrente obtenha o julgamento do recurso", (negrito e sublinhado nossos);

3. Ambos os acórdãos (acórdão recorrido e l.s acórdão-fundamento) incidem sobre a mesma questão fundamental de direito - determinar se o prazo de deserção é, ou pode ser equiparado, a um prazo de caducidade - e a resposta dada por cada um deles, no âmbito de um quadro normativo idêntico, é inequívoca e frontalmente divergente,

4. porquanto, o acórdão recorrido afirma, perentoriamente, que o prazo de deserção não é um prazo de caducidade e o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (l.e acórdão-fundamento) equipara o prazo preclusivo de deserção a um prazo de caducidade;

5. Por conseguinte, inexistindo acórdão de uniformização sobre a questão jurídica em apreço, encontra-se justificada a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar a enunciada questão fundamental de direito e pronunciar-se sobre esta manifesta divergência entre decisões de Tribunais superiores, por forma a se obter a desejada uniformidade jurisprudencial sobre esta matéria;

6. Salvo melhor entendimento, perfilha-se da posição assumida por este Tribunal no âmbito do l.s acórdão-fundamento, concluindo-se que o prazo de deserção (6 meses e 1 dia) previsto no artigo 281.e do CPC é efetivamente um prazo de caducidade/preclusão, na medida em que o mesmo tem por objetivo definir uma situação, através da extinção mediante caducidade, de um direito: o direito de ação ou de recurso, ou, mais concretamente, o direito de manter em curso determinada ação ou determinado recurso (direitos subjetivos);

7.   Neste preciso sentido e com interesse para o presente recurso, suscita-se a leitura das esclarecedoras palavras de PAULO RAMOS DE FARIA (in O "Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, JULGAR on-line", 2015, pág. 3), que se transcrevem para facilidade de leitura: "O efeito extintivo da concreta instância em desenvolvimento - não do direito à ação -permite que se tome a deserção por uma forma de caducidade (art. 298.3, n.s 2, do CC). De algum modo, por efeito do decurso do tempo, caduca o direito do demandante de manter constituída a concreta instância e de promover os termos do processo em que se desenvolve' (negrito e sublinhado nossos);

8.   Acresce que, com o devido respeito, o digníssimo Tribunal da Relação do Porto não se pronunciou/debruçou sobre a essência da questão em discussão, ou seja, sobre a natureza do prazo de deserção, limitando-se a diferenciar a figura jurídica da deserção (e não o prazo que lhe está inerente), da figura jurídica da caducidade;

9.   Perante o exposto, assumindo-se o prazo preclusivo de deserção como um prazo de caducidade, o mesmo estaria abrangido pela legislação excecional publicada aquando da pandemia COVID-19, designadamente pelo disposto no artigo 5º da Lei 13-B/2021, de 05/04, que veio implementar o alargamento dos prazos de caducidade;

10. e, consequentemente, por força daquele alargamento dos prazos de caducidade, o prazo preclusivo de 6 (seis) meses e 1 (um) dia, legalmente previsto para a ocorrência da deserção dá instância, não se encontrava ultrapassado, aquando da emissão da sentença proferida pelo Tribunal de l.ª instância,

11. inexistindo, portanto, fundamento legal para determinar a extinção da instância, por deserção, nos termos do disposto no artigo 277.s, alínea c), do CPC,

12. concluindo-se, assim, que o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença recorrida, viola expressamente o regime legal imperativo previsto no artigo 6.º-B, n.º 1, n.º 3 e n.º 4 da Lei 4-B/2021, de 01/02/202 e no artigo 5º da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, bem como o previsto no artigo 281.º n.ºs 1 do CPC devendo, portanto, tal decisão ser revogada, com as devidas e legais consequências;

13.  Por outro lado, é expresso o entendimento do acórdão recorrido quando afirma não existir o dever de o juiz determinar a audição das partes, antes de proferir despacho a decretar deserção da instância;

14.  Ora, em oposição, no Acórdão proferido, por unanimidade, pelo digníssimo Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/04/2018, proc. n.º 19267/13.8T2SNT.L1-8, disponível em www.dgsi.pt (2.s acórdão fundamento - doc. n.º 2), a propósito da mesma questão, ficou claramente afirmado o seguinte:

"Para considerar deserta a instância, nos termos do art. 281e, nº 1, do CP. Civil, não deve o tribunal limitar-se a advertir as partes para as consequências da sua inércia processual, sem inquirir, ouvindo-as, se aquela se deveu à negligência respectiva (negrito e sublinhados nossos);

15. Existe, portanto, uma clara contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão identificado no ponto anterior sobre a mesma questão fundamental de direito, pois o acórdão recorrido afirma que não existe esse dever de audição prévia das partes, bastando o despacho inicial de advertência e o 2.º acórdão fundamento afirma que existe esse dever de audição prévia das partes por parte do juiz antes de considerar deserta a instância, não obstante ter sido proferido despacho inicial de advertência;

16. Assim, tratando-se de uma questão de direito essencial para determinar o resultado numa e noutra decisões e inexistindo acórdão de uniformização sobre esta questão jurídica, ao qual o acórdão recorrido tenha aderido, mostra-se justificada a douta intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar a enunciada questão, em busca da certeza na aplicação do direito;

17.  Relativamente a esta questão, é abundante a jurisprudência, nela se incluindo o 2.s acórdão fundamento (doc. n.º 2), que unanimemente contraria o acórdão recorrido, afirmando que, não sendo automática a deserção pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho de extinção da instância por deserção, deve num juízo prudencial ouvir as partes, com o alcance jurisdicional que a sua função de juiz lhe impõe (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/09/2014 (proc. 211/09.3TBLNH-J.L1-7); de 03/03/2016 (proc. 1423-07.0TBSCR.L1-6, de 06/06/2017 (proc. 239/13.9TBPDL / Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/02/2015 (proc. 4178/12.1TBGDM.P1); de 18/12/2017 (proc. 3401/12.8TBGMR.G2); de 30/05/2018 (proc. 438/08.5TBVLN.G1); de 31/10/2018 (proc. 590/15.3T8PTL.G1), de 16/05/2019 (proc. 88/10.6TBVLN.G1) / Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/05/2016 (proc. 127/12.6TBVLF.C1); de 17/05/2017 (proc. 407/09.8TBN2R.C1); de 06/03/2018 (proc. 349/14.5T8LRA.C1); de 15/05/2018 (proc. 109/12.8TBIDN.C1) e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2018 (proc. 21005/15.1T8PRT.P1));

18. Para além disso, também nos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2018 (proc. 105415/12.2YIPRT.P1.S1) e de 03/10/2019 (proc. 1980/14.4TBVDLL1.S1), (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), foi decidido em sentido oposto ao do acórdão recorrido;

19. De igual forma, a doutrina mais avalizada tem perfilhado este entendimento, destacando-se, com interesse para o presente recurso, a posição do Prof. ABÍLIO NETO {in "Novo Código de Processo Civil Anotado, 3.3 edição, 2015, p. 344), (negrito e sublinhado nossos) que contraria a decisão do acórdão recorrido, ao afirmar, em comentário ao artigo 281º do CPC, o seguinte: "(•••) a deserção da instância ou do recurso não se verifica automaticamente pelo decurso do prazo de 6 meses, devendo o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o art.º 281 ouvir previamente as partes, de forma a aquilatar se a falta de impulso processual, é, ou não, devida a negligência, e só após essa audição emitirá o despacho tido por adequado, o qual não é nem de mero expediente nem tem por base um poder apenas discricionário, ou seja, é sindicável", (negrito e sublinhado nossos);

20. Com efeito, o legislador é claro quando impõe que se apure a existência de negligência, sem ser através de cronometro, uma vez que, o tempo não basta para o aferir,

21. daí que, diferentemente da solução prescrita no n.º 5 do art. 281.s do CPC, o legislador consagre quanto às demais situações a necessidade de um despacho judicial e não se trata de um despacho a recordar meramente a lei, como aquele que foi proferido pelo Tribunal de l.ª Instância, devendo ser antes um despacho proferido no contexto do dever de gestão processual prescrito no art. 6.º do CPC, e em respeito pelo exercício do contraditório,

22.  porquanto, o artigo 281° n° 1 do CPC estabelece que o que determina a deserção da instância é não só o processo estar parado há mais de seis meses como também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o seu andamento, quando era à parte (e só à parte) quem competia promover o andamento do processo;

23. Na verdade, ao contrário do acórdão recorrido, o ónus da prática do ato omitido, necessário para o andamento do processo - incidente de habilitação de herdeiros da parte falecida -, não era exclusivo da Recorrente, sendo o mesmo partilhado por qualquer uma das restantes partes processuais sobrevivas, bem como pelos sucessores da parte falecida (cfr. artigos 281.s n.s 1 e 351 n.s 1, ambos do CPC),

24. pelo que, não podia ter sido proferido o despacho de deserção da instância nos termos em que foi proferido nos presentes autos, tal com foi decidido no acima referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2019 (Proc. 1980/14.4TBVDLL1.SL), cujo excerto, por se mostrar relevante para o presente recurso, ora se transcreve para facilidade de leitura:

"111. O facto de ter sido proferido despacho a determinar que os autos ficassem a aguardar «o impulso processual dos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, n.º 1 do C.P.C.», por si só, não faz recair sobre os mesmos qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção, sendo necessário que o ónus de promoção da atividade processual decorra de alguma norma legal." (negrito e sublinhado nossos);

25. Perante todo o exposto, e salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido violou e/ou interpretou erradamente entre outros os artigos 3.º, 6.º, 7.º, 270.s n° 1 e 281° n.ºs 1 e 4, todos do Código de Processo Civil, devendo, consequentemente, ser revogado com as devidas e legais consequências;

26. Acresce que, no acórdão recorrido também foi decidido que não seria necessário o Tribunal de l.ª Instância, ao abrigo do princípio da cooperação, ter proferido despacho preventivo a alertar as Partes para a possível ocorrência de deserção;

27. Porém, esta decisão encontra-se em clara contradição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/02/2015 (proc. n.º 4178/12.2TBGDM.PI), disponível em www.dgsi.pt (3.Q acórdão fundamento - doc. n.s 3), no qual se afirmou o seguinte:

"(...) IV - Durante o primeiro ano de vigência do novo CPCivil o legislador previu, no artigo 3e da Lei 41/2013, face à natureza profunda das alterações que se verificaram na lei processual, a intervenção oficiosa do juiz com uma função correctiva quer quanto à aplicação das normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável que resultassem evidentes de leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais. V- Daí que, numa situação de suspensão da instância por falecimento de uma das partes se deva fazer uma interpretação extensiva por argumento de identidade de razão daquela norma e, concatenando-a com o com o principio da cooperação (artigo 7B do CPCivil), se aplique igualmente a estes casos, tendo aqui o juiz não uma função correctiva mas de cooperação com as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta, por terem decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância sem impulso dos autos imputável às partes.", (negrito e sublinhado nossos);

28. Ora, a resposta dada à questão enunciada pelos acórdãos em confronto, no domínio da mesma legislação, é claramente oposta, pois, o acórdão recorrido afirma que não existe esse dever preventivo e o acórdão fundamento afirma que tal dever existe e deve ser atendido pelo Tribunal de l.ª Instância, ao abrigo do princípio da cooperação (artigo 7.s do CPC);

29. Neste sentido, por tratar-se de uma questão de direito essencial para determinar o resultado numa e noutra decisões e inexistindo acórdão de uniformização sobre esta questão jurídica, mostra-se novamente justificada a douta intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar aquela questão de direito, face à evidente contradição em que cai o mesmo Tribunal superior (Tribunal da Relação do Porto), perante a mesma questão de direito;

30.  No que respeita a esta questão e salvo melhor entendimento, assistirá razão ao 3.s acórdão-fundamento, na medida em que, fazendo apelo aos princípios da segurança jurídica, tutela da confiança, da cooperação, da adequação formal, da intervenção oficiosa e da gestão processual, justificar-se-ia que o douto Tribunal de l.s instância, previamente à sentença recorrida, proferisse despacho preventivo, declarando que a instância ficaria deserta decorrido o prazo de 6 (seis) meses, caso não existisse impulso processual pelas partes, ou, notificasse as partes para, no prazo supletivo, se pronunciarem sobre o interesse no prosseguimento dos autos, sob pena de se considerar a instância deserta;

31.  Neste exato sentido, leiam-se as palavras de JOSÉ LEBRE DE FREITAS (ia "Da nulidade da declaração de deserção da instância sem precedência de advertência à parte", ROA, 2018, vol. I/II, Pág. 195 e 196), que ora se transcrevem para facilidade de leitura: "(• • •) embora o prazo de 6 meses se inicie automaticamente, os efeitos do seu decurso integral não se produzem sem uma prévia advertência judicial, que deve ter lugar antes de terminado o prazo, sob pena de nulidade, ou implicará que o ato possa ser ainda praticado dentro dum prazo adicional que o tribunal razoavelmente fixe. Constitui imperativo constitucional que os tribunais assegurem a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos, o que implica o primado da decisão de mérito na decisão dos conflitos de interesses privados (art. 203.B-2 da Constituição da República). (...) o direito de defesa postula o tempero da rigidez das preclusões e cominações decorrentes da revelia e os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes são temperados por deveres de cooperação entre elas e o tribunal, para que o processo realize a sua função (de tutela dos direitos subjetivos e dos interesses legalmente protegidos) com brevidade e eficácia (art. 7.3-l, CPC). Este princípio da cooperação, finalmente introduzido no CPC de 1961 em 1995-1996, aparece acentuado no CPC de 2013 no que respeita aos deveres do juiz, entre os quais o dever de prevenção.", (negrito e sublinhado nossos);

32. Assim, atendendo à postura proativa e interessada demonstrada pela Recorrente desde o início do processo, o Tribunal de l.ª instância, deveria, antes de proferir a sentença em crise e ao abrigo do princípio da cooperação (artigo 7.s CPC), ter prevenido a Recorrente e as demais partes interessadas para a possibilidade de a instância ser julgada deserta;

33. Tendo, ao invés, aquele Tribunal optado por declarar (erradamente) deserta a instância, sem que tivesse previamente proferido um despacho preventivo, a resolução do litígio ficou por acautelar, em claro (e único) prejuízo para a Recorrente;

34. A prolação da sentença que decretou a deserção da instância nos presentes autos, sem advertência prévia, consubstancia-se, assim, na omissão de um ato que a lei impõe, com influência na decisão da causa, em termos enquadráveis na previsão do artigo 195.s, n.e 1, do CPC e do artigo 615s, ns 1, ai. d), in fine, do CPC, devendo a mesma ser declarada nula, por injusta, desproporcional e violadora de lei;

35. Para além disso, essa circunstância também consubstancia uma situação de erro de julgamento de direito, uma vez que, o decidido na sentença recorrida e posteriormente no acórdão recorrido que a veio confirmar, não corresponde à realidade normativa decorrente dos artigos 7.s e 281.s, n.e 4, do CPC;

36. Concluindo-se, assim, que a decisão recorrida, ao confirmar uma sentença que padece de nulidade, incorre em clara violação de lei substantiva (artigo 281.s do CPC), por erro de interpretação, devendo, consequentemente, ser revista (cfr. artigo 674.s n.º 1, alíneas a) e c)), revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, mediante notificação às partes para que as mesmas, em certo prazo, pratiquem o ato processual necessário ao andamento da lide.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido e, consequentemente a sentença que o mesmo veio confirmar, decidindo-se pela substituição da mesma, por outra que determine o prosseguimento dos autos, mediante notificação às partes para, em determinado prazo, praticarem o ato processual necessário ao andamento da lide.

           

Foram apresentadas contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso é inadmissível, porquanto não se verificam os respectivos pressupostos, maxime, por ao contrário do alegado pela Autora, ora Recorrente, o Tribunal a quo não ter proferido qualquer decisão em contradição com outros acórdãos proferidos pelos Tribunais superiores.

2. Começa a Autora, ora Recorrente, por afirmar que a decisão proferida pelo Tribunal a quo qualificou de forma errada o prazo de deserção, pois considera aquela que estamos perante um prazo de caducidade.

3. Para o efeito socorre-se do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1998 no âmbito do processo n.º 084111.

4. Porém, omite a Autora, ora Recorrente, que o referido acórdão respeita à deserção na fase de recurso num processo onde já havia sido proferida a decisão final na primeira instância.

5. Naquele caso concreto, tínhamos então que estávamos perante uma figura próxima da caducidade, porquanto com a deserção na fase de recurso, ficava decidida de forma definitiva a questão em litígio.

6. Acresce que naquele acórdão nunca o Venerando Supremo Tribunal de Justiça qualifica o prazo de deserção como de caducidade.

7. E bem, porquanto se naquela decisão concreta podia ocorrer um efeito semelhante à caducidade do direito, regra geral tal não ocorre.

8. Porquanto a deserção da instância determina a absolvição da instância e, consequentemente, permite à Autora, ora Recorrente, intentar nova acção com os mesmos fundamentos e contra os mesmos réus.

9. Razão pela qual, pelas razões já aduzidas carece de fundamento a pretensa contradição entre o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e o acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

10. De seguida, invoca a Autora, ora Recorrente, que o acórdão por esta posto em crise se encontra em contradição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 19267/13.8T2SNT.L1-8.

11. Também carece de fundamento o alegado pela Autora, ora Recorrente, neste ponto, sendo de referir que tal acórdão, ao contrário do alegado por esta, não foi unânime.

12. Além de não ter sido unânime, quer a Autora, ora Recorrente, fazer crer que existe uma abundante jurisprudência no sentido de que «não sendo automática a deserção pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador antes de proferir o despacho de extinção da instância por deserção, deve, num juízo prudencial ouvir as partes».

13. Dá então como exemplos, entre outros, os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 5 de Julho de 2018 e em 3 de Outubro de 2019.

14. Nenhum dos casos se debruçam directamente sobre a questão da audição das partes antes de proferida a decisão de deserção da instância, não havendo por isso contradição entre o acórdão recorrido e aqueles dois acórdãos.

15. Acresce que, omite a Autora, ora Recorrente, a existência de diversos acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça onde foi afirmado que não é necessária a prévia audição das partes antes de ser proferida decisão sobre a deserção da instância.

16. Com efeito, tal jurisprudência é pacífica no Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos seguintes acórdãos:

a. Acórdão de 8 de Março de 2018, proferido no processo n.º 225/15.4T8VNG.P1-A.S1;

b. Acórdão de 5 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 5314/05.0TVLSB.L1.S2;

c. Acórdão de 2 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 139/15.8T8FAF-A.G1.S1;

d. Acórdão de 18 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1;

e. Acórdão de 12 de Janeiro de 2021, proferido no processo n.º 3820/17.3T8SNT.L1.S1;

f. Acórdão de 20 de Abril de 2021, proferido no processo n.º 27911/18.4T8LSB.L1.S1; e

g. Acórdão de 5 de Maio de 2022, proferido no processo n.º 1652/16.5T8PNF.P1.S1.

17. Nos quais foi de forma sucessiva afirmado que não há fundamento para que se oiçam as partes antes de proferir a decisão de deserção da instância em casos onde as partes estão cientes das razões que determinam a suspensão da instância, do prazo que têm para pôr termo à suspensão, do ónus que sobre estas impende e estão devidamente patrocinadas.

18. Carecendo por isso de fundamento também quanto a este ponto a impugnação da Autora, ora Recorrente, não havendo também contradição entre o douto acórdão recorrido e o acórdão proferido em 12 de Abril de 2018 pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

19. Por último, também não procede tudo quanto a Autora, ora Recorrente, alega sobre a contradição entre a decisão recorrida e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 2 de Fevereiro de 2015 no processo n.º 4178/12.2TBGDM.P1.

20. Com efeito, a tese da Autora, ora Recorrente, assenta no pressuposto de que resulta daquele acórdão a afirmação da existência de um dever de prevenção imposto ao Tribunal e que tal dever determinaria a obrigação para o Tribunal alertasse as partes de que a instância podia ser julgada deserta.

21. Porém, tal acórdão é de grande singularidade, porquanto os factos aí ocorridos respeitavam a uma acção judicial intentada antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2013, no qual a ocorrência da entrada em vigor deste determinou a redução do prazo de deserção da instância de um ano para seis meses.

22. Acresce que o raciocínio do dever de prevenção aí referido decorria também do facto do art.º 3.º da Lei n.º 41/2013 permitir aos Tribunais e aos juízes a prática de uma série de actos com vista à correcta aplicação do, então, novo direito processual civil.

23. Não pode, porém, tal raciocínio ser transportado, sem mais, para os presentes autos, os quais se submetem à mesma legislação processual civil desde o seu início, legislação essa que já vigora em Portugal há mais de nove anos.

24. Por último, sempre se dirá que a Autora, ora Recorrente, bem sabia que o Tribunal de 1.ª instância havia alertado no despacho proferido em 23 de Fevereiro de 2021 da necessidade de habilitar os herdeiros do Réu HH, aplicando-se o regime da deserção da instância.

25. Assim, se a Autora, ora Recorrente, não procedeu tempestivamente à habilitação dos herdeiros do Réu HH, sibi imputet!

Termos em que, não deve ser admitido o recurso ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, sem conceder, deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, confirmado o douto acórdão recorrido.


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I.2 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Necessidade de exercício do contraditório para declaração de deserção da instância.


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II – Fundamentação

1.  Necessidade de exercício do contraditório para declaração de deserção da instância




Em 22 de Fevereiro de 2021 foi dado a conhecer nos autos que o interveniente principal, HH falecera na semana anterior.


O Tribunal, em 23 de Fevereiro de 2021 proferiu o seguinte despacho:

Constando dos autos a informação de que o interveniente principal HH faleceu no dia ... de Fevereiro de 2021 (informação comprovada pelo documento junto pelo seu Ilustre Mandatário, não estando ainda disponível a certidão de óbito), determino a suspensão da instância, ficando os autos a aguardar pela habilitação de herdeiros, nos termos do disposto no artigo 276º, n.º 1, al. a) do CPC, sem prejuízo do decurso do prazo da deserção previsto pelo artigo 281º do mesmo diploma legal.

Como consequência, dou sem efeito a audiência prévia designada nestes autos.

Notifique.”


O mandatário da autora foi notificado pelo tribunal deste despacho em 23 de Fevereiro de 2021– ref.ª citius  ...88 -, o que deveria ter sido suficiente para esclarecer aquele que importava deduzir o incidente de habilitação antes de terminado o prazo de deserção da instância, nessa data iniciado.


O assento de óbito foi junto aos autos no dia 24 de Fevereiro de 2021 e até 14 de Outubro de 2021 não se regista qualquer intervenção no processo, nomeadamente do mandatário da autora a dar conta de qualquer dificuldade na instauração do incidente de habilitação.


A autora encontra-se representada nos autos por mandatário o que significa que está acompanhado de um técnico especializado em direito, com um grau académico conferido por uma faculdade de direito e exerce a sua profissão de modo publicamente avalizado pela Ordem dos Advogados o que sempre terá, no mínimo, que significar  que sabe ler e interpretar as normas jurídicas convocadas para o litígio, cujo texto não comporta, de resto, qualquer complexidade e que para além do termo deserção, que o cidadão comum poderá mais frequentemente associar a “estado de guerra”, será facilmente apreendido por um cidadão médio que saiba ler e escrever.

Também o sentido, a utilidade e a necessidade da norma que permite a deserção da instância é facilmente apreendido pelo cidadão comum, mesmo o que não saiba ler nem escrever, num país onde diariamente é notícia o atraso dos tribunais na prolação de decisões atempadas e o pernicioso efeito de tal atraso na vida dos cidadãos e no desenvolvimento económico. Para esse cidadão será claro que arquivar os processos em que as partes não cumprem os seus deveres de iniciativa processual é o cumprimento da mais elementar norma de gestão processual por ela permitir a libertação de recursos humanos, sempre escassos, para analisar e decidir as questões que os demais cidadãos diligentes colocaram ao tribunal e urge dirimir.

O invocado dever de gestão processual, constante do art.º 6.º do Código de Processo Civil indica que cumpre ao juiz:

- Dirigir activamente o processo

- Providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e,

- Ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

Todas estas iniciativas gestionárias a cargo do juiz, como do referido artigo consta, são sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, isto é, as partes têm de cumprir os ónus que a lei lhes impõe e, só em esfera exterior ao cumprimento desses ónus haverá o juiz que proceder da forma indicada.

Assim, desde logo deste preceito se colhe que em tudo o que caiba dentro do cumprimento de um qualquer ónus processual imposto por lei às partes o juiz não deve invocar o dever de gestão processual para aligeirar esse ónus uma vez que isso desequilibraria a igualdade processual das partes que é um princípio estruturante do nosso processo civil e do estado de direito.

Neste artigo ainda se verifica que a audição das partes, de ambas e não de apenas uma delas, está expressamente prevista apenas a adopção de mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, aqui não em causa.

Nesses mecanismos não se incluem manifestamente a indagação sobre as razões pelas quais uma parte onerada com o impulso processual nada fez e não o cumpriu.

A acção estava suspensa por falecimento de um interveniente processual e aguardava-se que fossem habilitados os seus herdeiros para com eles prosseguir a causa.

O incidente de habilitação de herdeiros pode ser desencadeado por qualquer das partes, mas não pode ser instaurado oficiosamente pelo tribunal, art.º 351.º do Código de Processo Civil. Assim, se os réus tinham legitimidade para deduzir o referido incidente, não teriam decerto interesse em fazê-lo e, como tal, também não recorrem da decisão que declarou extinta a instância, antes a vieram defender em ambas as instâncias. Competia à autora, presumivelmente com interesse no processamento da acção e na sua rápida decisão, deduzir o referido incidente.

Com a notificação do despacho de 23 de Fevereiro de 2021, se dúvidas tinha antes, o que já de si é peculiar, ficou a saber que o processo aguardava o seu impulso processual sem prejuízo do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil que menciona que:

“ (…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”

A instância veio a ser julgada deserta por decisão proferida em 14 de Outubro de 2021, quase 8 meses decorridos sobre aquele despacho de 23 de Fevereiro de 2021 e sem que haja sido praticado qualquer acto no processo.

Contrariamente ao alegado pela recorrente a diferença entre o n.º 5 e os restantes números do artigo 281.º do Código de Processo Civil está no processamento da acção executiva, a cargo do agente de execução a quem o legislador estendeu também a deserção da instância nas mesmas situações de carência do devido impulso processual das partes, independentemente de qualquer decisão judicial. Tal não significa que nos processos e recursos que correm os seus termos exclusivamente perante o juiz, numa muito desadequada interpretação a contrario do preceito, se possa concluir que para que seja declarada a deserção da instância fora dos processos executivos, seja necessário mais que o decurso do prazo de seis meses e a ausência de qualquer devido acto de impulso processual das partes.

Invoca a autora que a decisão recorrida violou ainda o princípio da cooperação e o princípio do contraditório porque, em seu entender, só poderia ter sido proferida depois de indagar junto dela as razões pelas quais nada havia praticado em juízo que pudesse ser tido como impulso processual interruptivo do prazo de deserção em curso.

Admitimos que a recorrente tenha em mente o art.º 3.º da L. 41/2013 que impunha durante o primeiro ano subsequente à entrada em vigor da lei uma actuação oficiosa, quase tutelar das partes para a superação das omissões ou equívocos processuais em que incorressem, há muito esgotada.

O princípio do contraditório, afirmado no art.º 3.º do Código de Processo Civil visa garantir que as partes são ouvidas sobre as questões de facto ou de direito que ao longo do processo sejam decididas. Nele próprio se ressalvam os casos de manifesta desnecessidade como a situação que estamos a analisar. O princípio do contraditório não existe para superar ónus processuais. Assim, o tribunal não notifica o réu que não contestou para averiguar se ele tinha condições para contestar, se percebeu o conteúdo da citação e os efeitos que para si decorrem de não contestar da acção. O réu é citado com expressa menção das consequências da não contestação e, se contestar contesta, se não contestar aplica-se o efeito cominatório da falta de contestação. O réu é citado na sua pessoa, a generalidade das pessoas não são juristas. Depois da citação provavelmente procurará o aconselhamento de um advogado, mas sempre está numa situação de maior fragilidade que o autor numa acção representado por advogado, que teve oportunidade de procurar o aconselhamento deste especialista em direito para submeter a juízo a sua pretensão de acordo com uma estratégia previamente desenvolvida.

Assim o invocado princípio do contraditório afigura-se como imprestável para a presente situação onde tudo foi notificado e esclarecido ao autor e demais intervenientes processuais, e, apenas se aguardava que ele apresentasse um dos mais simples incidentes que o Código de Processo Civil prevê.

Já sobre o artigo 7.º - princípio da cooperação – haverá que analisar que em obediência a ele as partes não devem suscitar questões infundadas. No seu número 1 estabelece o que consideramos ser o princípio basilar de toda a vida em sociedade vertido para a actuação processual.

Não se vislumbra que quebra deste dever haja o tribunal de 1.ª instância ou o tribunal recorrido incorrido já que colaboraram com o autor da forma ali mencionada, alertando o primeiro para que se mostrava em curso o prazo de deserção da instância e esclarecendo o segundo as questões que suscitou no recurso. Tão pouco se alcança que mais esclarecimentos ou advertências devesse o tribunal ter adoptado para que o autor cumprisse o ónus processual que sobre ele impendia sob pena de poder ser interpretado que, deselegantemente, estaria a considerar que o mandatário do autor não dominava os conceitos processuais em jogo.

A lei não impõe qualquer obrigação de notificar o autor para indagar das razões pelas quais manteve o processo parado, pendente do seu impulso processual. No art. 281º do Código de Processo Civil quando menciona que:

“(…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses “ não pretendeu o legislador que o tribunal abrisse um inquérito sobre as razões que levaram o autor a agir como agiu quando poderia ter agido diversamente e deduzido o incidente de habilitação em falta. A expressão – por negligência das partes – tem em vista circunscrever a deserção da instância às situações em que o processo se encontre parado por falta de impulso processual das partes não sendo aplicável quando o processo se encontra parado por motivos imputáveis ao próprio tribunal ou a terceiros. Tal negligência preenche-se com a violação de um dever de cuidado, neste caso de deduzir o incidente de habilitação e permitir, assim a regular tramitação do processo cujo ónus incumbia ao autor e não se mostra satisfeito.

Este ónus poderia ter sido afastado pelo autor se, actuando com obediência ao princípio da cooperação, caso se defrontasse com qualquer impedimento à dedução do incidente de habilitação de herdeiros, viesse, oportunamente, dar disso conta ao tribunal e solicitar apoio na remoção desse eventual obstáculo. Naturalmente que há sempre obstáculos para os quais o tribunal não é meio próprio para facilitar a remoção, mas, em todo o caso, compete à parte de quem depende a prática de um acto para normal processamento dos autos, como aqui acontece com a autora, usar da sua capacidade para o remover e pedir a intervenção do tribunal se tal se justificar para remover qualquer obstáculo à dedução do incidente.

A deserção da instância é um instrumento que o legislador faculta aos tribunais para se libertarem dos processos em que o autor, por qualquer razão, não tem mais interesse em prosseguir. O prazo de deserção da instância foi encurtado exactamente para permitir uma melhor gestão dos recursos do tribunal e constranger as partes, sobretudo o autor a não entorpecerem a acção da justiça. Foi anulada a interrupção da instância, para que o tribunal tivesse de usar menos do seu tempo útil com um processo que aparenta já “estar moribundo”. O tribunal não só não está obrigado a inquirir as partes sobre a razão da sua inércia como o não deve fazer por ser um terceiro imparcial que não deve intrometer-se nas decisões que as partes têm liberdade de adoptar como seja, não prosseguir com um processo que instauraram.

Criar artificialmente neste procedimento um incidente de prova da negligência da parte, para além da negligência objectiva de deixar o processo pendente sem praticar neles atempadamente os actos devidos, num mau uso, quando não num uso abusivo dos recursos públicos, sobretudo quando se litiga com o benefício de apoio judiciário pago pelo erário público, para recolher desculpas, notificar delas a parte contrária, vir a considerá-las fundadas ou infundadas e só depois poder declarar a deserção da instância, inviabilizará concretamente o referido encurtamento do prazo estabelecido pelo legislador, tanto mais que sempre poderão ser praticados actos até ao terceiro dia útil depois do prazo concedido e este não deverá ser inferior a 10 dias para cada parte, multiplicando o trabalho do tribunal sem razão justificável.

Se ocorrer um motivo sério que impediu a parte de praticar o acto devido no prazo legal, circunstância que a recorrente não alegou, e que será de ocorrência rara, sempre a parte poderá lançar mão da arguição do justo impedimento nessa prática e fazer prosseguir os autos. Este instrumento processual é adequado a garantir plenamente o princípio de auto-responsabilização das partes, permitindo simultaneamente ultrapassar as situações que justificadamente impediram a parte de agir diligentemente no processo. Durante o curso do prazo de deserção da instância se existirem circunstâncias justificadoras da inacção processual incumbe à parte dá-las a conhecer no processo para evitar que se complete o prazo de deserção da instância.

A consequência processual da deserção da instância é a extinção da instância que nem sequer tem como consequência a perda do direito que se pretendia fazer valer em juízo e que se poderá exercitar mais tarde, quando o nível de motivação e zelo da autora se revelar em nível superior.

A parte deve praticar o acto de que depende o prosseguimento do processo e, seis meses para o praticar é um prazo muito longo sobretudo quando se trata apenas de escrever um requerimento inicial de habilitação de herdeiros. Se o não pode fazer dentro desse prazo deverá informar o tribunal e submeter à apreciação deste a validade dessa justificação. O Tribunal não tem de desenvolver um processo de indagação das razões justificativas da inércia da parte. A inércia é inércia, não prática do acto devido e, por si só é suficientemente negativa, dissipadora dos recursos do tribunal que são pagos pelo erário público que, sem norma expressa que o determine, assente apenas em conjecturas sobre visões muito próprias dos direitos e esquecimento dos deveres processuais, não impõem qualquer indagação oficiosa da causa da inércia.

Não enferma, pois, o acórdão recorrido dos vícios que lhe vinham apontados, o que determina a sua confirmação e a negação da revista.



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III – Deliberação


Pelo exposto, nega-se a revista, e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


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Lisboa, 16 de Março de 2023

Ana Paula Lobo (Relatora)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Isabel Maria Manso Salgado