CANCELAMENTO PROVISÓRIO DO REGISTO CRIMINAL
PESSOA COLECTIVA
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I – O instituto do cancelamento provisório do registo criminal não é aplicável a pessoas coletivas
II – Tal exclusão não é inconstitucional

Texto Integral

Processo nº 159/22.6TXPRT-A.P1

Acordam em Conferência na 1ª secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório
Nos autos nº 159/22.6TXPRT-A.P1 que correm os seus termos no Tribunal de Execução de penas do Porto, Juízo de execução das Penas do Porto, Juiz 2, foi proferido o seguinte despacho:
“A..., S.A. veio interpor o presente processo de cancelamento definitivo da decisão condenatória inscrita no seu registo criminal ou, subsidiariamente o seu cancelamento provisório com os fundamentos que se colhem a fls. 2 e seguintes.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Cumprido o contraditório legal, a requerente reiterou a sua pretensão que reputa de legal.

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Cumpre apreciar e decidir.
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Ab initio impõe-se convocar o estatuído nos artigos 137.º, n.º 3 e 138.º, n.º 4, alínea z), do CEP, na redação da Lei n.º 40/2010, de 3 de setembro, que determinam que a competência material do TEP é chamada aos casos de decisão sobre o cancelamento provisório de factos ou decisões inscritos no registo criminal.
O processo de cancelamento provisório do registo criminal depende da iniciativa do requerente, cabendo-lhe, por isso, o ónus de preencher todos os requisitos tendo em vista o seu provimento.
Visa o(a) requerente, com o pedido principal, não a finalidade legal acima referida, mas, como expressamente consta do seu pedido, o cancelamento definitivo do registo criminal.
A inscrição de uma condenação penal no registo criminal constitui um efeito da prática de um crime, que reflete a articulação e o equilíbrio entre uma ordem jurídica que contempla a socialização dos delinquentes como finalidade do sancionamento penal com as exigências de defesa da comunidade perante os perigos de uma possível reincidência.
Na terminologia jurídica, a inutilização das inscrições denomina-se cancelamento, ou seja, no inverso de apreciação, o cancelamento é o ato registral de anulação dos efeitos de uma inscrição, sendo que na pureza conceptual o cancelamento do registo é o registo definitivo – o que determina a ineficácia jurídica definitiva do registo para todos os efeitos legais.
Contudo, admite e prevê a lei o cancelamento provisório, aquele que tão só determina a ineficácia jurídica temporal do registo, procedendo o mesmo da reabilitação judicial plena, a qual admite a sujeição a eventual revogação. Ou seja, o registo é efetivamente trancado, mas não de forma imediatamente plena, porquanto o cancelamento provisório só passa a pleno quando se verificarem os requisitos da reabilitação.
Ora, o TEP apenas detém competência para as situações de reporte ao conceito de reabilitação (entendida como sinónimo de socialização do delinquente enquanto finalidade de prevenção especial positiva - definição de Peters: cit. 3 “reabilitação significa a recuperação jurídica da imagem social de um condenado dentro da comunidade jurídica”, a fls. § 1046, de Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”), em que está em causa a reposição da capacidade de direitos, afetada pela condenação em pena aplicada ao indivíduo/requerente e, por consequência, a recuperação da posição social afetada pela “infamia facti”, em três diferentes perspetivas: a social, em que a reabilitação é a reintegração do indivíduo na sociedade, a jurídica, em que o reabilitado é reinvestido na posição jurídica que detinha antes de condenações objeto de reabilitação, e a registral, de reabilitação, que resulta do cancelamento das inscrições e se traduz na ausência de antecedentes criminais – no sentido da limitação da competência do TEP aos casos de cancelamento provisório do registo criminal, v. o acórdão do TRL de 21.03.2019, acessível em www.dgsi.pt.
Rege hoje sobre a questão o artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.º 5 e 6 do artigo 10.º pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que: a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.”
Coisa diferente é o peticionado cancelamento definitivo, mecanismo que se encontra previsto no artigo 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio (Lei da Identificação Criminal), o qual opera automaticamente uma vez decorridos os prazos ali consagrados, cabendo tal operação aos serviços do registo criminal.
Pelo exposto, considerando o preceituado nos artigos 139.º, n.º 1, declara-se a incompetência material deste Tribunal para apreciação e decisão do pedido de cancelamento definitivo formulado.
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No que concerne ao pedido subsidiário, começaremos por estabelecer que o cancelamento provisório está regulado na disposição legal base contida no art. 12.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio a qual circunscreve o instituto em questão aos casos dos n.º 5 e n.º 6 do art. 10.º da mesma Lei, disposições que se referem estritamente a pessoas singulares e para os fins aí previstos.
Ou seja, o legislador estabeleceu que a excecionalidade do cancelamento provisório, em contraponto com o cancelamento definitivo (que opera pelo simples decurso do tempo e, como tal, sob a égide de requisitos objetivos), somente se reportava a pessoas singulares, desde logo pela intrínseca natureza subjetiva que a apreciação determina à face dos pressupostos e requisitos legais para tanto exigíveis.
Deste modo, tem necessariamente de se concluir que o especial instituto requerido não é suscetível de extensão às pessoas coletivas, posto que os certificados de registo criminal a estas respeitantes estão sujeitos à disciplina especial do art. 10.º nº 7 da Lei 37/2015, de 5/05.
E bem se compreende que assim seja.
São várias as razões que a tal entendimento conduzem. Vejamos.
A Lei visa através do instituto de cancelamento do registo criminal, quer definitivo quer provisório, facilitar a integração social do condenado, num equilíbrio com as finalidades do registo criminal constantes do art. 2.º da Lei 37/2015, de 5 de maio, que se relacionam com finalidades de prevenção da delinquência, na vertente de defesa da sociedade em relação a alguns tipos de criminalidade.
O legislador elegeu dois índices de readaptação: o simples decurso do tempo sem superveniência de cometimento de novos crimes, que funciona de forma automática (legal), ou a comprovação, mediante indagação prévia e individualizada, da readaptação do condenado (reabilitação judicial, atualmente denominada cancelamento provisório).
Contudo, salvo melhor opinião, este segundo critério (reabilitação judicial, atualmente denominada cancelamento provisório) só é válido para as pessoas singulares e não já para as pessoas coletivas.
Acompanhemos a evolução do elemento histórico deste instituto, o qual, cremos, nos poderá auxiliar a demonstrar o acerto daquela conclusão.
Até à entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de setembro a responsabilidade criminal estava exclusivamente reservada às pessoas singulares, não sendo as pessoas coletivas suscetíveis de ser responsabilizadas criminalmente.
A citada lei, embora mantendo aquele princípio geral, veio alargar o âmbito da responsabilidade criminal estendendo-o às pessoas coletivas, embora a título excecional (reservado aos crimes de catálogo previstos no artº 11, nº 2 do CP ou aos casos em que exista norma especial que a preveja).
Esse objetivo ficou demonstrado, desde logo, na epigrafe do art. 11.ºCP, a qual passou de “carácter pessoal da responsabilidade” para “responsabilidade das pessoas singulares e coletivas”.
Surgem, consequentemente, as normas dos art.s 90.º-A a 90.º-M do CP, onde se estabelecem as consequências jurídicas e responsabilidade inerente às pessoas coletivas face à prática dos crimes de catálogo.
Em termos de identificação criminal vigorava então a Lei 57/98, de 18 de Agosto, a qual tinha um objeto restrito a pessoas singulares (art. 1.º/1): “relativamente a portugueses e a estrangeiros residentes em Portugal neles julgados”.
Perante tal disparidade, o art. 8.º da Lei 59/2007 de 4 de setembro fixou um regime transitório no que se refere ao “Registo criminal de pessoas coletivas e equiparadas” nos seguintes termos:
“Enquanto não for revisto o regime jurídico da identificação criminal, é aplicável à identificação criminal das pessoas coletivas e entidades equiparadas o disposto na Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto e nos Decretos-Leis nº 381/98, de 27 de Novembro, e 62/99, de 2 de Março, com as adaptações necessárias.”
Esse regime transitório cessa com a alteração introduzida pela Lei 114/2009 de 22 de Setembro, a qual procede à terceira alteração à Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, adaptando o regime de identificação criminal à responsabilidade penal das pessoas coletivas.
Esta adaptação ocorre no específico cumprimento do que está dito na Exposição de Motivos à Proposta de Lei 272/X/4.º, a qual vem a dar corpo à Lei 114/2009 de 22 de Setembro, onde expressamente se pode ler que: “Considerando o alargamento das situações de responsabilidade criminal das pessoas coletivas, resultante da revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, impõe-se adaptar o regime regulador do registo criminal por forma a que este possa espelhar adequadamente a situação criminal das pessoas coletivas e equiparadas. A disposição introduzida no artigo 8.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro destinava-se a vigorar transitoriamente, enquanto não fosse revisto o regime jurídico da identificação criminal. Assim, a presente proposta de lei tem por finalidade adaptar o regime do registo criminal às novas regras de responsabilização criminal das pessoas coletivas e equiparadas.”
Ou seja, da ausência de regime legal de identificação criminal das pessoas coletivas (por ausência de responsabilidade criminal destas) passou-se à consagração de um regime legal por adaptação (artº 8º da Lei 59/2007, de 4 de Setembro) e deste para a criação de um regime legal de identificação criminal das pessoas coletivas expresso e efetivo (instituído através das alterações introduzidas pela Lei 114/2009 de 22 de Setembro à Lei 57/98, de 18 de Agosto).
Vejamos então as concretas adaptações introduzidas pela Lei 114/2009 de 22 de Setembro.
A primeira resultou, desde logo, no alargamento expresso do objeto (art. 1.º/1), da Lei 57/98, de 18 de agosto, às “pessoas coletivas ou entidades equiparadas que tenham em Portugal a sua sede, administração efetiva ou representação permanente”.
Outra das alterações foi a criação de uma nova alínea no art. 5.ºda Lei 57/98, de 18/8 relativa ao âmbito das decisões sujeitas a registo (art. 5.º, nº1, d)) relativa à reabilitação das pessoas coletivas. Todavia, note-se que a reabilitação ali em causa não se confunde com o conceito ora em análise (cancelamento provisório do registo) mas antes respeita às situações previstas nos art.s 90.º-J, nº 3 e 90.º-L, nº 3 do CP.
A Lei 114/2009 de 22 de Setembro, aditou ainda o n.º 3 ao art. 11.º da Lei 57/98 de 18 de Agosto relativo aos “Certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de atividade,” com o seguinte teor: (…) “requeridos por pessoa coletiva ou equiparada para o exercício de certa atividade contêm a transcrição integral do registo criminal, exceto se a lei permitir transcrição mais restrita do conteúdo” e no art. 12.º, nº1, quanto aos “Certificados requeridos para outros fins” passou a constar que “os certificados requeridos por particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas coletivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior contêm a transcrição integral do registo criminal, exceto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.”
Por sua vez o artº 16º, nº 1 da Lei 57/98, de 18/08, na versão introduzida pela Lei 114/2009, de 22/09 passou a ter a seguinte redação:
“1 - Estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos artigos 11.º e 12.º, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 11.º, pode o tribunal de execução das penas determinar, decorridos dois anos sobre a extinção da pena principal ou da medida de segurança, o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar.”
Assim, não há dúvida de que, na vigência das alterações introduzidas pela Lei 114/2009, de 22/09 à Lei 57/98, de 18/08 o legislador, não limitando nem excluindo as pessoas coletivas e inclusivamente referindo-se no artº 16º, nº 1 às situações excecionais dos nº 2 e 3 do art. 11.º., consagrou a aplicação do instituto do cancelamento provisório às pessoas coletivas.
Foi este o regime que esteve vigente até à entrada em vigor da Lei 37/2015, de 5 de Maio, que o revogou.
Relativamente à Lei 37/2015, de 5 de Maio, e para o que aqui nos interessa, pode ler-se na Proposta de Lei n.º 274/XII que:
“3. No que respeita à emissão de certificados para fins profissionais, regulada no artigo 10.º da presente lei, estabelece-se um regime que apenas prevê duas possibilidades de emissão de certificados: emissão para profissões ou atividades sem qualquer exigência legal nesta matéria, cujo conteúdo se restringe a decisões de interdição ou proibição de exercício de atividades; emissão para profissões ou atividades com exigências legais de ausência de antecedentes criminais ou de prévia avaliação de idoneidade, cujo conteúdo será integral.
Desta forma, ajusta-se o regime legal à atual tendência legislativa no sentido de as situações em que é legalmente exigida ausência de antecedentes criminais não consagrarem taxativamente uma proibição de acesso a profissões ou atividades por mero efeito automático da existência de condenação por certo tipo de crime, antes impondo a ponderação casuística dos antecedentes criminais que existam, eventualmente caracterizados na lei como indicadores da falta de idoneidade para o acesso à profissão ou atividade em causa.”
Aqui chegados, cumpre dizer que o “ ajuste do regime legal” visado veio a ser consagrado no art. 12.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, sob a epigrafe “Cancelamento provisório”, limitado aos certificados emitidos nos termos do art. 5.º e 6 do art. 10.º, casos estes em que o Tribunal, verificados requisitos formais e preenchidos pressupostos materiais pode determinar o cancelamento provisório total ou parcial.
E, quanto ao conteúdo dos certificados de registo criminal relativos às pessoas singulares, rege o art. 10.º, nº 5 da Lei 37/2015, de 5 de Maio que:
“Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas: a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício; b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.”
Por seu lado, diz-nos o nº 6 do artº 10º:
“6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.”
Vemos assim que na vigência da Lei 37/2005, de 5 de maio, da letra da lei, resulta que o cancelamento provisório a que se reporta o seu art. 12.º, ao tão só remeter para as situações previstas no n.ºs 5 e 6 do seu art. 10.º apenas se reporta a pessoas singulares ou seja só às pessoas singulares se aplica.
Excluída fica, assim a aplicação do cancelamento provisório às pessoas coletivas, no regime legal que a Lei 37/2015, de 5 de Maio veio consagrar, numa total alteração ao quanto antes resultava do regime legal expressamente criado pela Lei 114/2009, de 22 de Setembro.
Mas, se dúvidas ainda existissem sobre o diferente tratamento que o legislador impôs sobre esta matéria, cremos que as mesmas ficam dissipadas, se atentarmos na introdução do nº 7 do art. 10.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio - exclusivamente reportado às pessoas coletivas - , com o seguinte teor:
“Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes.”
Note-se que esta norma não tem lugar paralelo na antecedente legislação (art. 11.º da Lei 57/98, de18 de Agosto, na redação da Lei 114/2009, de 22 setembro).
De facto, como já supra se viu, a técnica legislativa da Lei 57/98, de 18 de Agosto separava nos art.s 11.º e 12.º aquilo que hoje está contido nos n.ºs 5 e 6 do art. 10.º, sendo que nesses art.s 11.º e 12.º se continham exceções que permitiam a aplicação do instituto do cancelamento provisório às pessoas coletivas.
Contudo as diferenças introduzidas pela Lei 37/2015, de 5 de Maio, são substanciais e não de mera aparência, sendo que indubitavelmente o legislador pretendeu e a lei consagrou uma solução diferenciada.
Desde logo, atente-se no facto de o teor do n.º 3 do art. 11.º da Lei 57/98, de 18 de Agosto, na redação da Lei 114/2009, de 22 de Setembro, ser substancialmente diferente do atual n.º 7 do art. 10.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, pois enquanto no primeiro se dizia que “Os certificados requeridos por pessoa coletiva ou equiparada para o exercício de certa atividade contêm a transcrição integral do registo criminal, exceto se a lei permitir transcrição mais restrita do conteúdo”. (sublinhado nosso), no segundo diz-se: “Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes.”. (sublinhado nosso).
Ou seja, na lei revogada dizia-se que, nos certificados requeridos por pessoa coletiva ou equiparada, quando a finalidade do CRC fosse para o exercício de certa atividade este continha transcrição integral, mas excetuavam-se os casos em que a lei permitisse transcrição mais restrita do conteúdo, sendo que um dos casos seria pela via do art. 16.º, nº 1.
O mesmo sucedia com o art. 12.º, nº1, onde se dizia que quanto aos “certificados requeridos por pessoas coletivas para fins não previstos no artigo anterior contêm a transcrição integral do registo criminal, exceto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.”
Já no regime legal vigente, os Certificados de registo criminal requeridos por pessoas coletivas, seja qual for a finalidade dos mesmos, são de transcrição integral, no dizer da norma “contêm todas as decisões…vigentes”., inexistindo qualquer previsão de restrição de conteúdo ao contrário do regime revogado, o que invalida a aplicação do art. 12.º
Ou seja, não se aplicam às pessoas coletivas as regras de limitação de conteúdo referidas no n.º 5 – o “devem conter apenas”, e no nº 6, o “contêm todas as decisões…com excepção”, pois quanto àquelas a regra é a do n.º 7, a qual prevê um conteúdo de emissão pleno. O mesmo é dizer que não abrangendo (porque não o pode fazer face ao concreto texto da lei) a remissão do art. 12.º, nº 1 a situação do n.º 7, única no art. 10.º relativa às pessoas coletivas, o instituto do cancelamento provisório não se aplica às pessoas coletivas.
É a esta conclusão que se chega porquanto e de facto, da tão detalhada e específica regulamentação própria não se vê que outra solução possa ser encontrada no quadro do regime em vigor, em consonância com os princípios gerais da hermenêutica interpretativa.
O primeiro deles o que tem por base o texto da lei (elemento gramatical). “O texto da lei é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”.
Outra das regras básicas da atividade interpretativa diz-nos que as leis se interpretam umas às outras, consabido que elas se acham todas mais ou menos relacionadas entre si, pelo que é necessário interpretá-las de modo a que umas se harmonizem com as outras e reciprocamente se completem, excluindo-se as interpretações que levem a aplicar a lei de forma que fique em contradição com os conceitos formulados noutras leis.
Neste âmbito, cumpre referir que o artº 229º do CEP é uma norma de cariz processual relativamente às normas materiais previstas no art. 12.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio e art. 10.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio.
Por outro lado, não se pode deixar de ter em conta que sendo concedido o cancelamento provisório, a mera condenação do beneficiário em novo crime não repristina automaticamente o averbamento dos crimes anteriores objeto do cancelamento provisório.
Todavia, o art. 233.º, do CEP prevê a revogação do cancelamento provisório.
A revogação opera automaticamente “nº 1 - …se o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso e se se verificarem os pressupostos da pena relativamente indeterminada (PRI) ou da reincidência.”
Como se vê, o cancelamento provisório exige para a sua revogação a verificação daqueles pressupostos cumulativos, sendo que os pressupostos relativos à pena relativamente indeterminada e à reincidência não são aplicáveis às pessoas coletivas.
O mesmo é dizer que a norma do art. 233.ºCEP nunca é de aplicar a pessoas coletivas.
Ora, esta situação consubstanciaria um inaceitável “privilégio” relativamente às pessoas singulares, porquanto a admitir-se o cancelamento provisório relativamente às pessoas coletivas seria sempre para estas o equivalente a um cancelamento definitivo por insuscetível de revogação.
Dai, com todo o respeito, a nossa discordância face à argumentação constante dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/12/2020 e 08/09/2021, in www.dgsi.pt, citado pela requerente.
Mas também se chega à solução por nos defendida por via do elemento histórico, ou seja, em face da evolução histórica contida na sucessão de leis supra analisada e no teor da lei vigente.
Há, ainda assim, que perceber se se poderia chegar a solução diferente, por mais justa e desde que legalmente admissível, sendo que recente jurisprudência – mesmo que em moldes e com diferentes soluções, se vem debruçando sobre a questão.
Referiremos, inicialmente, aquela que sufraga a tese que supra defendemos.
Sobre esta matéria, ainda que em visando um instituto paralelo – o da não transcrição – debruçou-se o TRGuimarães (Ac. 2137/10.9TABRG-A.G1 de 6/2/2017) dizendo-nos, em sumário que “As pessoas coletivas não podem requerer, nem o tribunal determinar a não transcrição da condenação no registo criminal, para efeitos meramente civis.”
No mesmo sentido e nos mesmos moldes paralelos de instituto – o da não transcrição – debruçou-se o TRLisboa (Ac. 493/18.0IDLSB-A.L1-3 de 13/1/2021) dizendo-nos, em sumário que “A possibilidade de não transcrição em relação a condenações sofridas por pessoas singulares, para efeitos civis, estriba-se numa finalidade específica, que se reconduz a evitar, em casos de condenações menos graves, a desinserção social e a estigmatização do agente, não o prejudicando, nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego. Esse fundamento não se verifica relativamente a pessoas coletivas e, como tal, a diversa solução jurídica legal não acarreta a violação dos sobreditos princípios. Não viola, igualmente, o disposto no artº 30 da CRP uma vez que a Lei permite quer a reabilitação – mesmo em relação a condenações sofridas por pessoas coletivas – quer a eliminação de anteriores condenações, pelo decurso de determinado lapso temporal. Na verdade, logo pela letra da lei ou pelo elemento literal conclui-se claramente que as pessoas coletivas não podem requerer, nem os Tribunais decidir quanto a elas, a não transcrição no registo para efeitos meramente civis. O legislador assim o entendeu para segurança das relações comerciais económicas e garantia de diminuição das exigências de prevenção geral exigindo uma maior visibilidade das suas atividades.”.
Efetivamente, o regime vigente manteve a possibilidade de reabilitação das pessoas coletivas para os efeitos previstos no artº 90ºJ, nº 3 e 90ºL, nº 3, ambos do CP, opção que deliberadamente não fez, pelas razões apontadas, quanto ao cancelamento provisório do registo.
Mais recentemente, já sobre a concreta questão de aplicação do instituto do cancelamento provisório às pessoas coletivas, debruçou-se o TRPorto (270/21.0TXPRT-A.P1 de 22/9/21) dizendo-nos, em sumário, que “I - O mecanismo do “cancelamento provisório”, apenas se destina aos certificados requeridos nos termos dos nºs 5 e 6 do art. 10º que, sem sombra de dúvidas, se referem expressamente a pessoas singulares. II - Se o legislador pretendesse estender essa possibilidade às pessoas coletivas, certamente o teria feito, acrescentando ao referido nº 7 do citado art. 10º idêntica disposição à do seu nº 6. III - Os próprios requisitos cumulativos do cancelamento provisório previstos no art. 12º não se coadunam com a natureza das pessoas coletivas, designadamente o previsto na sua al. b) que pressupõe a formulação de um juízo de readaptação (…) incidente sobre um comportamento subjetivo, o qual se apresenta como insuscetível de transposição para aquelas entidades.”
Refletindo sobre esta jurisprudência e o quanto a mesma – de forma já bem sustentada na sua fundamentação – nos proporciona em moldes de argumentação para a presente decisão, resta dizer que se crê que, efetivamente, o legislador optou por consagrar uma lei que não prevê a aplicação do instituto do cancelamento provisório da pessoa coletiva. E fê-lo quer pela própria natureza da pessoa coletiva, pois só é suscetível de ser readaptado quem possa ter vontade própria e já não quem actue através do ânimo gerado por terceiro, quer porque não existem meios de prova suscetíveis de, por qualquer modo, percecionar esse eventual quadro de “readaptação” o qual não se satisfaz apenas com a eventual inexistência de novas condenações. É que o cancelamento exige uma readaptação no pós extinção da pena, a aferir pelo comportamento encetado, sendo que esse agir é humano e não enquadrável no âmago dum ente coletivo de per si.
Na verdade, não obstante, serem dotadas de personalidade jurídica, as pessoas coletivas, como se intui com facilidade, não encerram em si a personalidade humana inerente ao instituto do cancelamento, o qual, para ser decretado, pressupõe a formulação de um juízo de readaptação [art. 12.º-b) da Lei 37/2015, de 5 de Maio], fundado num comportamento subjetivo que se apresenta como insuscetível de transposição para as pessoas coletivas.
Concluindo, para o quadro de readaptação, exige a lei uma apreciação impossível de ser feita quanto a pessoa coletiva, pois não se pode formular um juízo - que é requisito para o cancelamento peticionado – de a requerente se ter comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptada.
Não se desconhece a existência de jurisprudência em sentido contrário ao que defendemos.
Todavia, cremos que os argumentos utilizados para sustentar essas posições, face a tudo quanto ficou dito, já se mostram analisados.
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas:
A – Julgo o pedido de cancelamento provisório deduzido pela requerente manifestamente infundado e rejeito o mesmo, nos termos do disposto no artº 148º, a) do CEP, determinando o arquivamento do processo.”
Inconformada, veio a requerente interpor recurso, concluindo nos seguintes termos:
1) A recorrente foi notificada da sentença que recusou improcedente o pedido de cancelamento provisório do registo criminal deduzido pela recorrente, julgando-o infundado, com base na apreciação meramente literal que faz do art.º 10.º n.º 5 e 6 e art.º n.º 12º da Lei 37/2015 de 5 de maio, de onde conclui que as pessoas coletivas não podem beneficiar de tal;
2) Entende-se porém, que fez o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação das normas legais que subjazem à apreciação do pedido de cancelamento provisório requerido, incorrendo a decisão recorrida, em erro de julgamento, por violação da lei substantiva, mormente dos n.º 5 e 6 do art.º 10º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio em conjugação com a al. “b” do art.º 12º do mesmo diploma.
3) Sucede que não procede nenhum dos argumentos avançados pelo Tribunal a quo, desde logo porque tal interpretação afrontaria a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente a proibição de discriminação injustificada entre pessoas singulares e pessoas coletivas que se extrai da conjugação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental, o que tornará tal decisão inconstitucional, o que se invoca;
4) A interpretação do Tribunal a quo não tem em consideração que o artigo 12.º da LRC remete para os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do mesmo diploma, só no que tange às finalidades dos certificados referidos nestes últimos;
5) Em lugar algum da sentença recorrida se demonstra que tais finalidades não possam ser comuns a pessoas singulares e a pessoas coletivas, baseando-se tal decisão, com o devido respeito numa apreciação meramente literal do texto da lei.
6) O Tribunal a quo mistura a questão da não transcrição de decisões condenatórias no registo criminal de pessoas coletivas (n.º 7 do artigo 10.º da LRC) com a possibilidade de tais decisões serem provisoriamente canceladas ao abrigo do artigo 12.º do mesmo diploma, sendo estas, duas situações inconfundíveis e não concorrem para a justificação das soluções que a lei reserva a uma e a outra;
7) Nada justifica que se reserve o juízo de readaptação previsto na alínea b) do artigo 12.º da LRC apenas a pessoas singulares, já que tal obrigaria a negar a possibilidade de prevenção especial relativamente a pessoas coletivas, a ignorar normas como o artigo 55.º-A, n.º 2, do CCP, e, em última instância, a possibilidade de tais pessoas serem sujeitos de responsabilidade penal, o que é incomportável, face ao pacífico reconhecimento de que as pessoas coletivas são efetivamente sujeitos de responsabilidade penal;
8) A interpretação do Tribunal “a quo” leva ainda a uma injustificada discriminação quando confrontada com o artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CCP, uma vez que obrigaria, sem motivo justificável, a que as pessoas coletivas, ao contrário das pessoas singulares, fossem excluídas por mais tempo da participação em procedimentos de contratação pública ou em atividades para as quais a lei remeta os respetivos critérios de idoneidade, como é o caso da atividade da Recorrente;
9) A requerente é uma sociedade com mais de 37 anos de existência, que sempre se pautou por uma postura zelosa, cumpridora dos seus deveres e obrigações, inexcedível e é, como era, ademais, respeitada na área de atuação comercial onde se insere, cuja permanência no mercado, depende efetivamente da participação em concursos públicos que exigem a apresentação do respetivo registo criminal com ausência de antecedentes criminais;
10) A interpretação do Tribunal a quo afronta ainda a norma prevista no artigo 229.º do CEP que não distingue, para efeitos de cancelamento provisório do registo criminal, entre pessoas coletivas e pessoas singulares (até parecendo mesmo apontar para a inclusão de ambas as categorias), o que demonstra a fragilidade dos resultados da interpretação levada a cabo na decisão aqui recorrida;
11) A interpretação do Tribunal a quo é ainda contrária à própria solução pública, preconizada pela Direção-Geral da Administração da Justiça onde, formulando de modo próprio a questão se: “Existe alguma forma de limitar o conteúdo de um certificado pedido pela própria pessoa coletiva?” logo consta a resposta: “O Tribunal de Execução das Penas pode determinar o cancelamento total ou parcial das decisões que devessem constar de certificados do registo criminal pedidos pela própria pessoa coletiva. - Lei n.º 37/2015, de 5/5, art.º 12.º e Lei n.º 115/2009, arts.º 229.º a 233.º.”
12) O próprio art.º 55º do Código dos Contratos Públicos (CCP),conjugado com o disposto no art.º 55º-A n.º 2 do mesmo CCP, permite concluir que uma pessoa colectiva pode demonstrar a sua idoneidade para exercer a actividade contratual para a qual pretende ser contratada mesmo tendo sido condenada no âmbito de um processo-crime, o que leva a concluir que o disposto no art.º 12º al. b) da LIC pode ser aplicada a pessoas colectivas, soçobrando o argumento também apresentado pelo Tribunal a quo para julgar improcedente o pedido da recorrente.
13) Se assim não fosse, nunca se poderia prever sequer a condenação de pessoas colectivas no âmbito criminal uma vez que, na prática, quem comete o crime são as pessoas físicas singulares que representam a sociedade e nunca a sociedade em si que não tem existência física para executar crimes!!!
14) Entende-se que deve ser efetuada uma interpretação extensiva ou analógica do preceito (art.º 10º n.º 5 e 6 e art.º 12º e 13º da lei 37/2015) e não apenas e só uma interpretação meramente literal das referidas normas.
Termos em que V. Exas. julgando o presente recurso procedente e revogando a douta sentença recorrido, no sentido de conceder o cancelamento provisório do registo criminal da recorrente, farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso concluindo nos seguintes termos:
1- Não compete à entidade administrativa estabelecer ou conformar a actividade jurisdicional.
2- A responsabilidade das pessoas colectivas não se confunde com a das pessoas singulares, sendo o regime diferente para cada uma delas.
3- Sendo a diferença de regimes fundamentada na diferente natureza das pessoas.
4- O cancelamento provisório de certificados de registo criminal previsto no art. 12.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, reporta-se aos certificados emitidos nos termos do art. 5.º e 6 do art. 10.º da mesma Lei, que se limitam expressamente aos certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares.
5- Inexistindo qualquer inconstitucionalidade nesta norma.
6- Nem ocorrendo qualquer necessidade de interpretação extensiva ou lacuna a integrar por analogia.
7- A idoneidade da pessoa colectiva para exercer alguma actividade para a qual pretende ser contratada não se confunde com o teor do seu registo criminal.
Neste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto tendo vista nos autos não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.

2 Fundamentação

Atentas as conclusões do recurso a única questão colocada pela recorrente é o saber se é legalmente admissível o cancelamento provisório do registo criminal de pessoa coletiva.
Entende a recorrente que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação das normas legais que subjazem à apreciação do pedido de cancelamento provisório requerido, incorrendo a decisão recorrida, em erro de julgamento, por violação da lei substantiva, mormente dos n.º 5 e 6 do art.º 10º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio em conjugação com a al. “b” do art.º 12º do mesmo diploma, sendo que tal interpretação afrontaria a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente a proibição de discriminação injustificada entre pessoas singulares e pessoas coletivas que se extrai da conjugação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental, o que tornará tal decisão inconstitucional.
Vejamos então.
Regula a matéria peticionada pela requerente a Lei 37/2015 de 5 de maio, mais precisamente o seu artigo 12º que remete, no caso, para os números 5 e 6 do artigo 10º da mesma lei.
Dispõem essas normas o seguinte:
Artigo 12º
Cancelamento provisório
Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 10.º pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que:
a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.
Por seu turno, referem os números 5 e 6 do artigo 10º que:
Artigo 10.º
Conteúdo dos certificados
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
Importa ainda referir que o artigo 229º constante do Código de Execução de Penas (lei 115/2009 de 12 de outubro) tem um conteúdo meramente processual, destinando-se a regular o procedimento de autorização do cancelamento.
Perante estas normas, e após a análise histórica da evolução da matéria – cancelamento provisório do registo criminal de pessoa coletiva – que se mostra espelhada no despacho sob recurso, e que não nos merece qualquer censura, (sendo tal trabalho interpretativo da evolução normativa e o seu sentido também já retratado no Ac. Do TRL nº 493/18.0IDLSB-A.L1-3 de 13/1/2021, acórdão este que esteve na origem do acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2022, haverá que concluir, com base nas melhores regras da interpretação hermenêutica da lei, que o regime legal vigente abrange unicamente as pessoas singulares.
Acresce, em reforço desta posição, o disposto no artigo 10º nº 7 da lei 35/2015, que claramente nos diz que:
7 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas coletivas ou entidades equiparadas contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes.
Temos, pois, como acertada a decisão jurídica tomada no despacho sob recurso, sendo manifesto que: “não se aplicam às pessoas coletivas as regras de limitação de conteúdo referidas no n.º 5 – o “devem conter apenas”, e no nº 6, o “contêm todas as decisões…com excepção”, pois quanto àquelas a regra é a do n.º 7, a qual prevê um conteúdo de emissão pleno. O mesmo é dizer que não abrangendo (porque não o pode fazer face ao concreto texto da lei) a remissão do art. 12.º, nº 1 a situação do n.º 7, única no art. 10.º relativa às pessoas coletivas, o instituto do cancelamento provisório não se aplica às pessoas coletivas.”
Compreende-se, contudo, a situação da requerente, e os seus interesses específicos em se manter a exercer o seu objeto social, nomeadamente o seu interesse em celebra contratos de natureza pública, sendo que a existência de condenações judiciais poderá a impedir de o fazer.
Daí o ter apelado a uma interpretação legal que lhe fosse favorável, equiparando-a a pessoa singular para o efeito, pois os interesses seriam semelhantes, colhendo tal interpretação extensiva acolhimento constitucional.
Ora, com o devido respeito, e reconhecendo que de jure constituendo o atual regime deveria ser modificado, não podemos subscrever a tese defendida pela recorrente que a interpretação constante do despacho recorrido é inconstitucional.
Embora a pretexto do pedido de não transcrição das condenações criminais no registo criminal para efeitos civis (apontando tal direito contido no artigo 13º da Lei 37/2015) – objeto do acórdão do TRL acima citado – veio o Tribunal Constitucional no seu acórdão número 410/2022 a debruçar-se sobre a matéria e a distinguir claramente o regime aplicável às pessoas singulares versus pessoas coletivas no seio da lei 37/2015, sendo que conclui que o princípio da universalidade previsto no artigo 12º nº 2 da CRP que estipula que “as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza” não se pode confundir com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º nº 1 da mesma lei fundamental e que determina que “ todos os cidadãos têm mesma dignidade social e são iguais perante a lei”
Citando Jorge Miranda, esclarece o Tribunal Constitucional que enquanto o princípio da universalidade diz respeito aos destinatários das normas o princípio da igualdade refere-se ao seu conteúdo, para concluir que pela via do princípio da universalidade não se pugna uma total equiparação entre pessoas singulares e pessoas coletivas.
Refere também o Tribunal Constitucional que - embora com referência ao artigo 13º da Lei 37/2015, volta-se a repetir, mas com ilações a tirar para o nosso caso- que e transcrevemos:
“Tanto quanto nos parece, mostra-se inviável sustentar o não reconhecimento deste direito numa pretensa incompatibilidade assente apenas na natureza das pessoas coletivas. Conforme explicitado, a Lei da Identificação Criminal foi expressamente alterada com o intuito de «adaptar o regime do registo criminal às novas regras de responsabilização criminal das pessoas colectivas e equiparadas» (vide Exposição de Motivos da Lei n.º 14/2009, de 22 de setembro). Isto significa que, pelo menos em abstrato, os fundamentos subjacentes à previsão de um sistema de identificação criminal se revelam transponíveis para o universo das pessoas coletivas. Tal não veda, como é evidente, adaptações e ajustes, decorrentes das diferentes naturezas destas pessoas jurídicas. No entanto, o reconhecimento desta possibilidade de adaptação – efetivamente levada a cabo pelo legislador – impõe que se conclua pela compatibilidade, pelo menos parcial, da natureza da pessoa coletiva com a atribuição de direitos e deveres subjacentes ao sistema de identificação criminal. E dúvidas houvesse acerca da validade de tal constatação, sempre se remeteria para a alteração implementada através da mencionada Lei n.º 114/2009, de 22 de setembro, que o demonstra inequivocamente.
Isto dito, resta aferir se a ausência de reconhecimento deste direito a pessoas coletivas poderá assentar numa incompatibilidade decorrente da própria natureza ou estrutura do direito em causa. Para esse efeito, releva recuperar a fundamentação da decisão recorrida, segundo a qual «a possibilidade de não transcrição em relação a condenações sofridas por pessoas singulares, para efeitos civis, estriba-se numa finalidade específica, que se reconduz a evitar, em casos de condenações menos graves, a desinserção social e a estigmatização do agente, não o prejudicando, nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego. Esse fundamento não se verifica relativamente a pessoas colectivas e, como tal, a diversa solução jurídica legal não acarreta a violação dos sobreditos princípios» (cfr. fls. 77-78).
Em sentido idêntico, argumenta o Ministério Público que «a possibilidade de dispensa de transcrição das decisões condenatórias para os certificados de registo criminal contende, essencialmente, com razões de reinserção e reintegração social do agente, de acordo com a filosofia dos fins das penas assumida pelo legislador penal (art. 40.º, n.º 1 do CP). Com a possibilidade de dispensa de transcrição das decisões condenatórias para o certificado de registo criminal, há um intuito de não estigmatização social do agente, nomeadamente para efeitos de exercício de atividades profissionais» (conclusões n.os 44 e 45). Nesta sequência, esclarece ainda que «a lógica da reinserção ou reintegração social não funciona, pelo menos do mesmo modo, para as pessoas singulares e entidades coletivas» (conclusão n.º 49).
Conjugando estas afirmações com a evolução do texto do preceito, afigura-se possível inferir, com alguma segurança, que o direito à não transcrição para o certificado de registo criminal, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 5 de maio, foi configurado pelo legislador como uma ferramenta de reforço – e garantia – das finalidades preventivas das sanções penais. Equivale isto a constatar que tal prerrogativa espelha a opção pela maximização das possibilidade de reinserção e reintegração social do agente, em coerência com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal. Ora, a finalidade que o legislador atribuiu a este direito, revela-se, assim, insuscetível de extensão às pessoas coletivas. Estas não são, pela sua natureza, passíveis de sofrer este tipo de estigmatização e, consequentemente, de verem especialmente dificultada uma possibilidade de reinserção ou reintegração social.”
Ora, temos assim não só como acertada a decisão contida no despacho recorrido, como também ajustada à lei fundamental, pelo que não será o mesmo objeto de censura.

3 Decisão
Pelo exposto, julga-se não provido o recurso, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 uc´s

Porto, 22 de março de 2023
Raúl Esteves
Amélia Catarino
Maria Joana Grácio