AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ESCRITURA PÚBLICA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
POSSE
POSSE TITULADA
Sumário


I. A autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva no objecto de uma acção posterior, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II. Sobre os factos provados ou não provados num determinado processo não se forma, autonomamente, caso julgado, embora eles possam relevar para definir os limites objectivos do caso julgado material.
III. O seu alcance não pode desligar-se do que se visa na acção em que são alegados e do que aí ocorre, em termos probatórios, não sendo, sem mais, transponíveis para o âmbito de outra acção.
IV. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante na afirmação de que a presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos.
V. Não se pode ter como titulada a posse sobre uma área que exceda a que consta da escritura de compra e venda do prédio em relação ao qual se alega pertencer essa área e daí que o prazo da invocada usucapião não possa, relativamente a tal parcela, quedar-se pelos 10 anos (art. 1294º, al. a) do C. Civil).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I



I.1.

AA e BB (1ºs AA.), CC e DD (2ºs AA.), EE e FF (3ºs AA.)  e GG (4º A.), todos com os sinais dos autos, vieram propor contra HH, também com os sinais dos autos, acção declarativa de condenação, pedindo que:

1) Se declare que os primeiros autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no item 1º da petição inicial, com a área total de 915 metros quadrados;

2) Se declare que os segundos autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no item 7º  da p.i., com a área total de 960 metros quadrados;

3) Se declare que os terceiros autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no item 13º da p.i., com a área total de 980 metros quadrados;

4) Se declare que o quarto autor é dono e legítimo proprietário do prédio urbano identificado no item 19º da p.i., com a área total de 1200 metros quadrados;

5) Se condene o Réu a:

a) Reconhecer o que acima se pede seja declarado;

b) Abster-se de praticar ou efectuar quaisquer trabalhos no percurso do caminho identificado na petição, utilizando para o efeito qualquer máquina;

c) Repor a terra que sustenta as vedações, em toda a extensão da propriedade dos Autores e a edificar muro de sustentação de terras;

d) Pagar a cada um dos AA. a quantia de € 2500,00 pelos danos morais sofridos e causados pela actuação do R..


Alegaram, em resumo, que:

São legítimos proprietários dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob as fichas números 528 (1ºs AA.), 527 (2ºs AA.), 526 (3ºs AA.) e 525 (4º A.), encontrando-se inscrita, a favor de cada um dos AA., a respectiva aquisição.

Cada um dos respectivos lotes tem a área que ocupam (e que indicam na p.i.), sendo a que foi adquirida e paga, apesar das áreas constantes das escrituras.

O Réu, em 11.08.2017, servindo-se de uma retroescavadora, procedeu à abertura de um aparente caminho, em toda a extensão dos lotes dos Autores, imediatamente junto às vedações existentes na parte traseira dos mesmos, ocupando parte da área dos lotes e destruindo as terras de sustentação dos mesmos, o que provocou diversos estragos.

As vedações ficaram sem sustentação e a terra dos jardins traseiros às casas dos Autores ficaram em risco iminente de derrocada.

Os Autores eram ainda detentores de, pelo menos, meio metro de terreno após as vedações, o que foi destruído e ocupado pelo Réu.

Esta situação provocou-lhes preocupação e ansiedade.


O Réu contestou, defendendo-se por impugnação.

Alegou, em resumo, que:

Efectuou a limpeza do seu terreno dentro das delimitações deste, não invadindo a propriedade ou destruindo, em todo ou em parte, os lotes ou terras de sustentação dos requerentes, nem tendo provocado qualquer estrago nos mesmos.

Não iniciou nenhuma abertura de caminho, ou de qualquer outra obra nova.

Respeitou sempre as áreas, configurações e confrontações dos prédios dos requeridos, nos termos definidos no loteamento.

Apenas aceita as áreas, delimitações, configuração e confrontações dos prédios de acordo com o processo de loteamento.

Os primeiros Autores são possuidores de 760m2; os segundos autores são possuidores de 740m2; os terceiros autores são possuidores de 900m2 e o quarto autor é possuidor de 1.100m2.

Não é devida nenhuma indemnização aos Autores pelos alegados danos causados, sendo que estes é que ocupam uma parcela de terreno que não lhes pertence.

Concluiu pela improcedência da acção.


Foi proferido despacho a fixar o valor da causa (que tinha sido impugnado pelo R.).

Na audiência prévia, o Tribunal solicitou esclarecimentos aos Autores sobre a contradição entre o alegado nos artigos 31º e 52º e seguintes da petição inicial, nomeadamente, se a área vendida corresponde à vedada ou ultrapassa a vedação em meio metro, num total de 100 m2 (artigo 60º da p.i.) bem como a sua configuração (em que sentido, comprimento, largura, etc.), tendo sido esclarecido pelos AA. que, com a presente acção, pretendem reivindicar o seu direito de propriedade delimitado pelas respectivas vedações.

Na mesma ocasião, o Tribunal, por se lhe afigurar indispensável a intervenção da mulher do Réu, a fim de assegurar a legitimidade passiva do mesmo, uma vez que, de acordo com as escrituras públicas juntas aos estes autos, o réu e a mulher são casados no regime de comunhão geral de bens, sendo certo ainda que ela interveio nos negócios ora em questão, convidou os Autores a deduzir incidente de intervenção, o que os AA. vieram fazer, sendo, na sequência, admitida a intervenção provocada principal de II.


Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, definido o objecto do litígio e efectuada a selecção dos temas de prova.


I.2.

Prosseguindo os autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:

«…

· Declaro os primeiros Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1, com a área de 916 m2;

· Declaro os segundos Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea h), do ponto II.1., com a área de 914 m2;

· Declaro os terceiros Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea n), do ponto II.1., com a área de 954 m2;

· Declaro o quarto Autor dono e legítimo proprietário do prédio descrito na alínea t), do ponto II.1.;

· Condeno o Réu a reconstituir a situação anterior à obra que efectuou ao longo da confrontação norte dos prédios descritos em a), h) e n), executando a obra tecnicamente necessária para estabilizar as terras dos referidos prédios.

Absolvo o Réu do demais peticionado.

Custas pelo Réu e quarto Autor, na proporção de 7/8 para o primeiro e 1/8 para o  segundo.»


I.3.

Inconformado, recorreu o A. para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde foi proferido acórdão, cuja conclusão foi esta:

«Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando parcialmente a sentença recorrida e consequentemente:

.a) Declaram os primeiros Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1;

.b) Declaram os segundos Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea h), do ponto II.1., com a área de 914 m2;

.c) Declaram os terceiros Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea n), do ponto II.1., com a área de 954 m2;

.d) Declaram o quarto Autor dono e legítimo proprietário do prédio descrito na alínea t), do ponto II.1.;

.e) Condenam o Réu a reconstituir a situação anterior à obra que efectuou ao longo da confrontação norte dos prédios descritos em h) e n), executando a obra tecnicamente necessária para estabilizar as terras dos referidos prédios.

.f) Absolvem o Réu do demais peticionado.»


Custas da apelação pelo apelante e pelos apelados, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.

Custas na 1ª instância pelo Réu e primeiro e quarto Autores, na proporção de 6/8 e 2/8, respetivamente.»


I.4.

Ainda inconformado, veio o R. recorrer para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

«1º - os presentes autos trata de uma acção de reivindicação em que as áreas dos lotes de que os 2º e 3º AA. são proprietários que, segundo alegam tinham as seguintes áreas (e que corresponde aos seus pedidos): 960 metros; 915 metros: (art. 62º da petição inicial e pedido formulado).

2ª – com o fundamento de que, os 2º AA., para além da área do lote que haviam adquirido, também adquiriram uma parcela de terreno de 220 metros quadrados na parte traseira do lote de que o Réu agora se quer apropriar (art. 56º da petição inicial), os 3º AA uma parcela de terreno de 100 metros quadrados (art. 58º da petição inicial) mas tais factos (– os alegados nos artigos 53º a 60º e 62º da petição inicial -) foram dados como não provados.

3ª – o tribunal não diferenciou quaisquer actos de posse e o início dessa mesma posse relativamente a cada uma das ditas parcelas, pelo que as não poderia incluir ou presumir como fazendo parte do todo (e que assumidamente não era, tal como está configurada a acção e tal como o Réu alegou)

4ª. – porque os AA. alegaram uma aquisição do direito de propriedade – não titulada – relativa as parcelas de terreno que se situam nas traseiras dos lotes, mas não alegaram factos relativos à usucapião relativamente a tais parcelas de terreno,

5ª. – e porque os registos dos prédios dos AA. tal como são mencionados nas al. a), h) e n) – extraídos do próprio registo do loteamento – coincidem exactamente com o registo daqueles lotes (que o Réu/Recorrente nunca pôs, nem põe em causa).

6ª. – a presunção do art. 7º CRP não pode valer para além dos limites definidos no registo do loteamento e dos próprios lotes que lhe deram origem, nem pode presumir-se com fundamento desse mesmo registo o início da posse pois relativamente às ditas parcelas de terreno (nas traseiras dos lotes e para além do limite destes) a posse, para poder conduzir à usucapião do direito de propriedade singular sobre a dita parte especificada da coisa, teria de ser exercida em nome próprio, pacífica na sua aquisição e pública no seu exercício (artigos 1251º, 1290º e 1297º);

7ª. - Está provado que: dd) De acordo com o processo administrativo de loteamento o lote que deu origem ao prédio descrito na alínea h), tinha de área 740 m2, o que deu origem ao prédio descrito na alínea n) tinha de área 900 m2 tratando-se de novas unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa e estabilizada por ato administrativo.

8ª. - As normas de natureza administrativa referentes ao loteamento urbano são imperativas e prosseguem fins e interesses públicos relevantes, constituindo, além do mais, na esfera do direito privado uma segurança e certeza jurídica;

9ª. – a decisão da Relação contraria a posição maioritária da jurisprudência quanto ao efeito e presunção do registo e quanto à natureza de normas imperativas do regime de loteamento que prosseguem fins e interesses públicos relevantes, constituindo, além do mais, na esfera do direito privado uma segurança e certeza jurídica, nomeadamente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça são exemplificativos os seguintes arestos: Ac. de 19-10-2004, proc. 04B3293; Ac. de 03-12-2009, proc. 1102/03.7TBILH.C1.S1; Ac. de 02-02-2010, proc. 1816/06.0TBFUN.L1.S1; Ac. de 16-03-2010, proc. 636/09.4YFLSB (CJ – 2010, I, 133); Ac. de 01-06-2010, proc. 133/1994.L1.S1; Ac. de 19-04-2012, proc. 34/09.0T2AVR.C1.S1; Ac de 13-02-2014, proc. 1508/07.2TCSNT.L1.S1; Ac. de 06-03-2014, proc. 1394/04.4PCAMD.L1.S1; Ac. de 20-05-2014,proc. 11430/00.8TVPRT.P1.S1.

10º - a matéria constante da al. r) e a decisão proferida no que diz respeito ao A. EE e mulher viola o caso julgado formado no processo 559/04.3TBAVV, ou, pelo menos, a autoridade de caso julgado porque contraria o que consta do referido processo e ali foi alegado.

11ª. – pois já então, para além do mais, era alegada uma área de 900 metros quadrados e um acordo feito com os RR. para procederem à construção de um muro de suporte de terras, em todo o limite norte do prédio, numa extensão de cerca de 20 metros, muro que deveria ter o comprimento do mesmo limite e a sua parte superior deveria ser ao nível da parcela (art. 1º, 14º e 15º da petição inicial do 559/04.3TBAVV).

13ª. - Ao decidir pela procedência da acção, violou o tribunal a quo, além do mais, o artigo 1296º do Código Civil e 49º DL 555/99.

Termos em que dando-se provimento ao presente recurso deve revogar-se o douto acórdão recorrido e proferir-se outro que julgue a acção totalmente improcedente.»


Houve contra-alegações, nas quais se pugnou pela improcedência do recurso.


I.5.

Os 1ºs AA., AA e BB, vieram interpor recurso subordinado, concluindo desta forma as suas alegações:

«1. O presente Recurso tem por objeto o entendimento vertido pelo Tribunal a quo de que a presunção do art. 7.º do CRPredial não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados, não beneficiando os aqui recorrentes de tal presunção para afirmarem que são donos do prédio com a dimensão de 916m2 que reclamam.

2. Assim como o entendimento vertido pelo Tribunal a quo de que não decorreu o período de tempo necessário para a aquisição por usucapião dos aqui recorrentes da parcela com a área de 916 m2 do prédio descrito na alínea a), do ponto II, de que estes são donos e legítimos proprietários.

3. Ora, não se coadunam nem se compadecem os recorrentes com o entendimento vertido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão datado de 14 de julho de 2021.

4. Como resultou provado, os recorrentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...75, destinado à habitação, sito no Lugar ..., na freguesia ... (...), Concelho ..., composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro.

5. O prédio veio à posse dos recorrentes por compra titulada por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de ..., sito na Rua ... na ... e Concelho ..., no dia 10 de Abril de 2007, encontrando-se registado a favor dos requerentes na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º 528.

6. E reafirmam os recorrentes, ainda que não seja esse o entendimento do Tribunal a quo, que há mais de 20, 30 anos, sem interrupção que estes por si e antepossuidores, detêm materialmente aquele prédio, utilizando o mesmo prédio para sua habitação e sua família, na convicção de exercer um direito próprio e legítimo, sem ofender direitos de terceiros,

7. Com conhecimento, aceitação e à vista de toda a gente da freguesia, sem oposição de quem quer que seja.

8. Atuando portanto, com animus de proprietários, de boa-fé, de forma pública, ininterrupta e pacífica e com justo título.

9. Pelo que, para além daquele título de aquisição (escritura pública de compra e venda), assente em documento autêntico e em registos públicos, os quais fazem e fizeram prova plena dos factos a que se referem, os recorrentes invocam a usucapião, como forma de aquisição originária do direito de propriedade sobre aquele referido prédio.

10. Assim o corroborou, bem e acertadamente, o Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., considerando, na sua sentença proferida no processo 1628/18.8T8VCT, como facto provado na alínea g), que:

“Desde a data da celebração da referida escritura pública que os Autores têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo com as delimitações poente, nascente e norte referidas em f) e g), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal”.

11. Sendo que, a outra convicção tal Tribunal não poderia ter chegado, face a prova produzida.

12. Irrepreensível se mostra o juízo de tal Tribunal, quando na sua sentença bem fundamentada, declara, que os recorrentes beneficiam da presunção emergente do registo, que os recorridos não lograram ilidir, na senda do art. 7.º do Código de Registo Predial.

13. Face ao arsenal de prova produzida, que se mostrou cabal, não teve dúvidas este Tribunal, quanto à posse dos recorrentes, do prédio em causa, com as delimitações espaciais apontadas e com as áreas de 916 m2, exercendo-a em termos do direito de propriedade. Com o corpus e o animus, exercendo poderes de facto sobre as parcelas em causa e com a convicção de serem seus proprietários.

14. Assim, bem andou o Tribunal ao considerar que: “do acervo factual dado por provado retira-se que os primeiros Autores adquiriram o seu prédio com a área dada por provada na alínea cc), do ponto II.1., em 10.04.2017 [...].

15. e ainda que “Em face da factualidade dada por provada verifica-se que o Réu não logrou suplantar ou infirmar a posse dos primeiros [...] Autores, pelo que estes, se não tivessem logrado demonstrar a aquisição dos prédios por usucapião, sempre teriam direito à tutela possessória, por se encontrarem na posse dos prédios em causa com a área dada por provada na alínea cc), do ponto II.1., há mais de um ano.

16. Deveras, face ao preludiado, coadunam-se os recorrentes com o entender do Tribunal da primeira instância, de que estes beneficiam da presunção emergente do registo, prevista no art. 7.º do CRPredial, que não foi ilidida, sendo que facilmente se conclui de que os mesmos são proprietários do prédio descrito na alínea a) do ponto II.1.

17. Pois, atendendo à data do registo do respetivo título de aquisição, os aqui recorrentes adquiriram o seu prédio com a área de 916m2 em 10.04.2017, aplicando-se pois o prazo de 10 anos da alínea a) do art. 1294.º do CC.

18. Pelo que refutam os recorrentes o entender do Tribunal da Relação de Guimarães de que não beneficiam da presunção do art. 7.º do CRPredial para afirmarem de que são donos do prédio com a dimensão que reclamam.

19. E ainda que assim não se entenda quanto à aplicabilidade do art. 7.º do CRPredial, no que às áreas concerne, sempre se dirá que relativamente aos recorrentes à data da propositura da ação já tinham decorrido os quinze anos necessários para a aquisição por possuidor de boa-fé, por si e antepossuidores, nos termos do art. 1317.º al. c).

20. A prova está toda ela gravada, consta de documentos carreados aos autos, além de peritagem constante do relatório pericial de fls… considerando os aqui recorrentes que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível esteve bem atenta na prova produzida, decidir em conformidade com esta que o Réu deverá reconstituir a situação anterior fazendo a obra tecnicamente necessária para estabilizar as terras dos prédios dos primeiros [...] Autores nas respectivas confrontações a norte, o que se determina ao abrigo do disposto dos  artigos 1348º, 562º e 566º, nº 1, do Código Civil, ao abrigo do princípio da reconstituição natural.

21. Pelo exposto, sempre se deverá, como bem o fez o Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível, declarar os primeiros Autores, aqui recorrentes, donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1, com a área de 916 m2, e condenar o Réu a reconstituir a situação anterior à obra que efetuou ao longo da confrontação norte do prédio descritos em a) executando a obra tecnicamente necessária para estabilizar as terras do referido prédio.

Assim, e atento o supra exposto, deverá ser revogada o Acórdão proferido, na parte recorrida, e declarar os primeiros Autores, aqui recorrentes, donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1, com a área de 916 m2, e condenar o Réu a reconstituir a situação anterior à obra que efetuou ao longo da confrontação norte do prédio descritos em a) executando a obra tecnicamente necessária para estabilizar as terras do referido prédio, assim se fazendo justiça


Contra-alegou o R., defendendo a inadmissibilidade do recurso subordinado.


*

Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará recordar o despacho proferido pelo relator, no qual se definiu aquilo que há que apreciar neste acórdão.

Tal despacho é do seguinte teor:


«II.1.

O R. interpôs recurso de revista por estar inconformado com a decisão da Relação relativamente aos AA. CC e mulher, DD, e EE e mulher, FF (ou seja, 2ºs e 3ºs Autores).

A 1ª Instância entendeu que «os Autores beneficiam da presunção emergente do registo, que não foi ilidida, pelo que facilmente se concluirá que os mesmos são proprietários dos prédios descritos nas alíneas a), h), n) e t), do ponto II.1. – cfr. artigo 7º do Código do Registo Predial.»

Recorde-se o teor dessas alíneas (com destaque nosso):

- «a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 528, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, com a área total de 760 m2, com a área coberta de 120 m2, com a área descoberta de 640 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido» (relativo aos 1ªs AA.);

- «h) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 527, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de lote para construção, denominado Lote nº 9, com a área total de 740 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido» (2ºs AA.);

- «n) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sobo número 526, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com rossios, com a área total de 900 m2, com a área coberta de 100 m2, com a área descoberta de 800 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido» (3ºs AA.);

- «t) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 525, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação, com rossios, com a área total de 1100 m2, com a área coberta de 105,7 m2, com a área descoberta de 994,3 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido» (4ª A.);


Referiu-se, depois, na sentença, que (com destaque nosso):

«Da factualidade dada por provada, designadamente, do que consta das alíneas e), f), g), l), m), r), s), e cc), do ponto II.1., também resulta que os primeiros, segundos e terceiros Autores se têm mantido, desde a data a celebração dos negócios constantes das escrituras públicas mencionadas em c), j) e p), ou seja, por mais de um ano, na posse de tais prédios, exercendo-a em termos do direito de propriedade, de boa fé, com as delimitações espaciais apontadas e com as áreas de 916 m2, 914 m2 e 954 m2, respectivamente, tal como o artigo 1251º a define: “posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de um outro direito real” (rectius : do direito real correspondente a esse exercício). De notar que a data dos registos dos respectivos títulos de aquisição são, respectivamente e quantos aos referidos Autores, de 20.03.2007, 25.02.2002 e 05.06.2001.»


Depois de alguns considerandos sobre a posse e a sua configuração no nosso sistema, referiu-se, entre o mais, o seguinte:

«No nosso caso, não há, pois, dúvida alguma que os primeiros, segundos e terceiros Autores possuem os prédios em causa nos termos e com a área referidos, exercendo-a em termos do direito de propriedade.

[…]

Reportando-nos à situação em apreço, a factualidade dada como provada permite-nos constatar que, em relação à conduta que os primeiros, segundos e terceiros Autores vêm exercendo sobre os prédios em causa, se verifica o requisito do corpus. De igual forma se constata que o animus resulta preenchido, ou seja, existe uma intenção de agir como titulares do direito a que o exercício do poder de facto se refere: os referidos Autores exercem poderes de facto sobre as parcelas dos prédios em causa e fazem-no com a convicção de serem seus proprietários.

Ora, de acordo com o preceituado no artigo 1287º do Código Civil, “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”. Por seu turno, o artigo 1294º do Código Civil estabelece que, havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do registo.

Consequentemente, do acervo factual dado por provado retira-se que os primeiros Autores adquiriram o seu prédio com a área dada por provada na alínea cc), do ponto II.1., em 10.04.2017, os segundos Autores em 25.02.2012 e os terceiros Autores em 08.06.2011.»


Recorde-se o teor da alínea cc) dos factos provados (com destaque nosso):

«cc) De acordo com as delimitações actuais, designadamente, com aquelas que estão descritas nas alíneas f), l) e r), o prédio descrito na alínea a) tem de área 916 m2, o prédio descrito na alínea h) tem de área 914 m2, o prédio descrito na alínea n) tem de área 954 m2 e o prédio descrito na alínea t) tem de área 1318 m2».


O Tribunal da 1ª Instância estribou-se no art. 1294º (existência de justo título e registo e boa fé) do C. Civil  considerando ser suficiente para a aquisição por usucapião o prazo de 10 anos, a contar da data do registo.

Assim, concluiu-se, reconhecendo:

- aos primeiros Autores (AA e BB), o direito de propriedade sobre prédio descrito na alínea a), do ponto II.1, com a área de 916 m2;

- aos segundos Autores (CC e DD), o direito de propriedade sobre o prédio descrito na alínea h), do ponto II.1., com a área de 914 m2;

- aos terceiros Autores (EE e FF), o direito de propriedade sobre o prédio descrito na alínea n), do ponto II.1., com a área de 954 m2.


O Tribunal da Relação manteve os factos provados e não provados.


Concentrando-nos, agora, nos 2ºs AA. e 3ºs AA., relativamente aos quais o R. cingiu o recurso, o Tribunal a quo considerou que, estando os AA. de boa fé, bastariam 15 anos para a aquisição por usucapião (art. 1296º do C. Civil).


O Tribunal teve em conta, no que tange aos 2ºs AA., para além da aquisição por escritura pública mencionada nas als. j) e k), o que se deu por provado nas als. l) e m), que são do seguinte teor (recorde-se):

«l) Em 2007, o Autor CC delimitou o prédio descrito na alínea h), na sua confrontação a norte, com uma rede com orientação perpendicular relativamente aos muros delimitadores do seu terreno a poente e nascente e alinhada com o termo destes;

m) Desde a data da celebração da escritura pública referida em j) que o Autor CC e mulher, DD, têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo até à linha a norte, onde colocou a rede referida em l), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal».


No que toca aos 3ªs AA., para além da aquisição, através de escritura pública, reportada nas als. p) e q), deu-se como provado que:

«r) No limite norte do prédio descrito em n) existe uma vedação em cedros, plantada pelo Réu, antes da celebração do negócio descrito em p), e alinhada com as redes supra referidas em f) e l);

s) Desde a data da celebração da referida escritura pública que os Autores EE e FF têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo até à vedação de cedros a norte, referida em r), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal».


No que concerne ao decurso do prazo necessário para a aquisição por usucapião, escreveu-se, a dado passo, no acórdão impugnado:

«O tribunal a quo baseou-se na presunção do artº 7º do CRP para afirmar que os apelados eram donos dos prédios, mas não para afirmar que eram donos com a dimensão que reclamaram. Para considerar os AA. donos dos prédios com a dimensão que fez constar no dispositivo da sentença, o tribunal a quo fundou-se na usucapião.

Relativamente aos 2ºs e 3ºs AA., atendendo que a sua posse se iniciou mais cedo, à data da propositura da ação já tinham decorrido os quinze anos necessários para a aquisição por possuidor de boa fé, como é o caso, face ao factos dados como provados em i) e o).

A questão do decurso do prazo de 10 anos a contar da data o registo, só tem relevância para o caso dos 1ºs AA., cuja posse apenas se iniciou em 2007, tendo o registo de aquisição a favor dos 1ºs AA. sido efetuado em 20.03.2007.

No caso os 1ºs AA. alegaram terem adquirido mediante contrato de compra e venda a totalidade da área que efetivamente ocupam, tendo alegado no artº artigos 53º que “negociaram e efectivamente adquiriram ao R. a área de 915 m2, tendo pago ao Réu o preço ao metro quadrado, isto apesar de na escritura constar apenas a área de 760 m2, tendo adquirido ao R., além do lote, uma parcela de 155 m2, pela qual efectivamente pagaram o preço e que corresponde à parcela traseira do lote que agora o R. se pretende apropriar”, mas tais factos foram considerados não provados.

Tendo em atenção que a área constante da escritura é apenas a de 760 m2, não se pode considerar que existe posse titulada relativamente aos 915 m2 objecto de reivindicação.

E não foram dados como provados factos que permitam somar a posse dos 1ºAA. à dos anteriores possuidores do prédio, tendo sido dado por não provado o alegado no artº 3º da pi, sem prejuízo do que foi dado como provado nas alíneas e) a g).

Não se aplicando o disposto na alínea a) do artº 1294º do CC – prazo de 10 anos – há que concluir que à data da propositura da ação, não tinha ainda decorrido o prazo de 15 anos, relativamente aos primeiros AA., para usucapir.»


Verifica-se que, relativamente aos 2ºs e 3ºs AA., o Tribunal recorrido considerou ter-se cumprido o prazo suficiente para a usucapião, que entendeu ser de 15 anos, estando os RR. de boa fé (art. 1296º do C. Civil). Ou seja, a Relação teve como não titulada a posse no que tange às áreas excedentes daquelas que constavam da escritura, considerando ter havido aquisição por usucapião no que concerne a essas áreas, dado o exercício da posse, com características para tanto, num caso, até à rede referida em l) e, noutro, até à vedação de cedros referida em r).

Entendeu, de qualquer modo, no que aos 2ºs e 3ºs AA. se refere, estar preenchido o prazo necessário à aquisição por usucapião, tal como a 1ª Instância concluíra, mas esta por referência a um prazo de 10 anos, registando-se aqui uma divergência entre as instâncias, que não é decisiva, já que a Relação não deixou de considerar, no que tange a estes Autores, decorrido o prazo (apesar de, na sua perspectiva, mais longo) para a usucapião.


O Tribunal da Relação admitiu o recurso do R. nos seguintes termos:

«Embora se nos afigure que existe uma situação de dupla conforme (porque o Acordão confirmou a decisão da 1ª instância, sendo que até foi mais favorável ao Réu no que concerne ao pedido dos 1ºs. Autores, não existiu voto de vencido e também não existe fundamentação substancialmente diferente), uma vez que é expressamente invocada «a violação de caso julgado» quanto ao 3ºs. Autores e expressamente invocado que «a decisão da Relação contraria decisão anterior do STJ e da Relação», por ser legal [cfr. arts. 671º/3, 1ªparte, e 629º/2a), ambos do C.P.Civil de 2013], ser tempestivo e o Recorrente ter legitimidade, admite-se o recurso do acórdão proferido em 13/07/2021 (sem prejuízo do disposto no nº5 do art. 641º do C.P.Civil de 2013), o qual é de revista, sobe nos próprios autos (art. 675º/1 do C.P.Civil de 2013) e tem efeito devolutivo (art. 676º/1, a contrario, do C.P.Civil de 2013).»


Nos termos do disposto no art. 671º, nº3, do CPC, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

A chamada dupla conforme verifica-se, de acordo com este preceito, quando seja confirmada a decisão da 1ª Instância sem voto de vencido (in casu, não houve) e sem uma fundamentação essencialmente diferente, existindo esta quando, designadamente, se confirme a decisão da 1ª Instância «a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual sucede uma outra distinta que implica um diverso enquadramento jurídico» (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 412), sendo de desconsiderar «discrepâncias mar­ginais, secundárias, periféricas, que não representam efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fun­damentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias tri­lhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de l.a instância.» (ibid., p. 413).

Conforme se considerou no Ac. do STJ de 19-02-2015, Rel. Lopes do Rego, Revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1, com sumário publicado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/01/dupla-conforme.pdf (Jurisprudência Temática do STJ) e, em versão integral, em www.dgsi.pt, com destaque do ora relator, a negrito:

«I – A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual NCPC (2013) (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios – distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diversa.

II – Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1.ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.

III – Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações, normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância


Ora, no que concerne aos 2ºs e 3ºs AA., o que se verifica é que ambas as instâncias, para além de terem em consideração a presunção derivada do registo, nos termos do art. 7º do C. Reg. Predial, lançaram mão das normas atinentes à aquisição da propriedade por usucapião. A assinalada divergência quanto a prazos não conduz a uma fundamentação essencialmente diferente, pelas razões já expostas.

A Relação confirmou a decisão da 1ª Instância quanto a estes Autores dentro do mesmo quadro normativo.

É certo que a Relação apreciou a questão da alegada impossibilidade de aquisição por usucapião das parcelas em causa, por se ir além da área constante do loteamento, com o que, conforme defendido pelo R./Recorrente, se contrariariam disposições imperativas como a resultante do artº 49º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo DL nº 555/99, de 16-12, mas entendemos que tal não é suficiente para descaracterizar a dupla conforme.

Vejamos.

O Tribunal a quo observou que esta questão não foi tratada pelo Recorrente na contestação, abordando-a por considerar ser de conhecimento oficioso.

O R. objecta que sempre discutiu a questão relacionada com o loteamento e o licenciamento das construções dos AA..

O R. não arguiu, na apelação, a nulidade da sentença proferida na 1ª Instância por omissão de pronúncia e, analisando a contestação por ele oferecida, dela não resulta, com todo o respeito, que tenha suscitado o problema da impossibilidade legal de aquisição por usucapião de áreas não abrangidas pelo loteamento.

É verdade que o R. fez referência ao loteamento, mas importa precisar os termos em que o fez. Assim:

- Nos arts. 16º e 17º, defendeu que apenas retirou vegetação da sua área, nunca tendo invadido os prédios dos requerentes, respeitando sempre as áreas, configurações e confrontações dos prédios, nos termos definidos no loteamento;

- No art. 18º, alegou que o loteamento foi levado a cabo por ele e, sendo o vendedor originário, é conhecedor das devidas áreas, confrontações e delimitações de todos os terrenos;

No art. 27º, referiu que o Réu apenas se aceita as áreas, delimitações, configuração e confrontações dos prédios, nos termos definidos no processo de loteamento referido no art. 17º;

- Depois de assinalar que os autores vêm invocar a usucapião como forma de aquisição originária do direito de propriedade sobre aqueles referidos prédios, referiu, no art. 31º, que “reconhece que os autores são proprietários dos referidos prédios com as configurações e limites, definidos no loteamento cujos lotes se encontram registados pelas inscrições G-Um e G-Dois (…)”;

- Nos arts. 40º e 41º, alegou que não foi vendida qualquer parte além da que consta da escritura, pelo que os Autores apenas são possuidores dos lotes conforme as suas áreas e delimitações constantes no projeto de urbanização, e constantes nos registos dos mesmos.


Defendeu, pois, que não invadiu os prédios dos AA., aceitando o seu direito de propriedade por referência aos respectivos lotes, mas como se disse, não suscitou a questão da impossibilidade de aquisição, por usucapião, das áreas excedentes, por tal representar a violação de normas imperativas.

Foi na apelação que veio invocar que:

«30ª. - Como é pacífico na doutrina quando falamos de lotes urbanos, falamos de novas unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa e estabilizada por ato administrativo.

31ª. - As normas de natureza administrativa referentes ao loteamento urbano são imperativas e prosseguem fins e interesses públicos relevantes, constituindo, além do mais, na esfera do direito privado uma segurança e certeza jurídica;

32ª. – normas e princípios a que o tribunal não deu relevância e que impediriam a procedência da presenta acção».

Entendeu que o Tribunal violou os artigos 1296º do Código Civil e 49º DL 555/99, de 16-12.


O Tribunal a quo conheceu, como se referiu, dessa matéria, na sequência da suscitação por via de recurso, admitindo o seu tratamento oficioso, no desenvolvimento do qual se considerou, a dado passo:

«Os AA. pretendem ser declarados donos de parcelas de terreno que excedem a área que consta do loteamento. Os 1ºs AA., em mais 155 m2, os 2ºs AA, em mais 220 m2 e os 3º AA., em mais 80 m2 que alegaram ter adquirido, tendo por isso pago mais do que pagariam se tivesse apenas em causa a aquisição dos m2 a que se refere o loteamento (cfr.53º, 55º e 57º da p.i.), versão dos factos que não lograram provar. Lograram, o entanto, provar que ocupam toda a área delimitada, desde a data da escritura na convicção de que a mesma lhes pertence, tendo lhes sido reconhecida posse sobre 916 m aos 1º s AA (tinham pedido sobre 915) , 914 aos 2ºs AA (tinham pedido sobre 960) e 954 m2 aos 3ºos AA.(tinham pedido sobre 980 m2).

Resulta também dos factos provados que o lotes dos AA. confinam a norte com o prédio dos RR., sendo que o seu prolongamento, para além da área constante da operação de loteamento, se deu para norte.

Poderá considerar-se que está em causa uma operação de loteamento, ou seja a constituição de um ou mais lotes destinados à construção?

Ora, desde logo, a resposta tem de ser negativa. De acordo com a factualidade apurada o que se encontra na parcela a norte são redes (1º e 2º AA) e uma vedação em cedros, plantada pelo R., relativamente ao prédio dos 3ºs AA. Não está assim demonstrada qualquer posse com intenção de sujeitar a área a mais a uma intervenção urbanística, pelo que é não necessária licença administrativa, não obstando assim à declaração da usucapião, relativamente aos 2ºs e 3º RR, uma vez que relativamente ao primeiro, não decorreu o período de tempo necessário para a aquisição por usucapião.

Assim, independentemente da posição que se tomar sobre a questão da prevalência ou não da usucapião sobre as regras do urbanismo, a ação procede, por não se mostrarem violadas as normas constantes dos artºs 53º e 49º, respectivamente dos DL 448/91 e 555/99.»


Entende-se, como já se deixou adiantado, que esta apreciação não descaracteriza a dupla conforme. Na realidade, o Tribunal a quo rejeita, face aos factos provados, que haja qualquer posse com intenção de sujeitar a área a mais a uma intervenção urbanística, pelo que não é necessária licença administrativa, não havendo, assim, obstáculo, à declaração da usucapião, relativamente aos 2ºs e 3º AA.

O que há aqui é a recusa do obstáculo (substantivo) suscitado pelo R. nas alegações de recurso, sem se pôr em causa, no essencial, a fundamentação usada pelo tribunal de l.a instância, ou seja, a que assentou na conjugação da previsão do art, 7º do C. Reg. Predial com as normas atinentes à aquisição por usucapião, quadro normativo em que igualmente se moveu o Tribunal da Relação para manter o decidido quanto aos 2º e 3ºs AA.


II.2.

O R. invocou, ainda, a ofensa do caso julgado, no que tange aos 3ºs AA., por referência ao Proc. 559/04.3TBAVV.

Há, assim, que circunscrever o recurso do R. (que é tempestivo e para o qual este tem legitimidade) à problemática do caso julgado (art. 629º, nº2, al. a), do CPC, que o Recorrente subsidiariamente invocou (para o caso de não se entender que a fundamentação é essencialmente diferente).

Conforme explica Abrantes Geraldes, «[t]endo por fundamento a ofensa do caso julgado, a revista será de admitir fora do condicionalismo geral, ainda que porventura se verifique uma situação de dupla conforme (art. 671º, nº3)» (op. cit., p. 55).

Assim, no que se refere aos 3ºs AA., será o recurso apreciado no que a esta questão respeita, com as consequências que daí se possam extrair quanto ao seu direito.

[…]

II.3.

Os 1ºs AA., conforme se referiu, interpuseram recurso subordinado.

O R. veio, em contra-alegações, defender que este recurso não deve ser admitido, alegando que:

«(…) os AA. estão coligados em litisconsórcio voluntário e os pedidos de cada um são autónomos.

O Recorrente delimitou o recurso – subjectivamente – ou seja, relativamente aos Recorridos CC e mulher e os AA. EE e mulher e só estes, caso a decisão lhes fosse também desfavorável poderiam interpor recurso subordinado.

A decisão relativamente aos demais AA. – GG e AA e mulher – transitaram em julgado.

Aos AA. não Recorrentes não aproveita o disposto no art. 634º CPC por não se verificar o litisconsórcio necessário e não preencherem os requisitos ali elencados.»


É certo que não estamos perante litisconsórcio necessário, apresentando-se os AA. coligados, com dedução de pedidos autónomos, e também é verdade que o R./Recorrente cingiu (como supra se referiu) o seu recurso aos 2ºs e 3ºs AA., como é permitido pelo art. 635º, nºs 1 e 2 do CPC, que prevê a possibilidade de o recorrente,  salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores, ou restringir o recurso a qualquer das decisões, desde que a sentença contenha decisões distintas.

Discorda-se, com todo o respeito da apreciação feita no despacho que admitiu o recurso subordinado, quando aí se diz que o R. não limitou o recurso a qualquer dos Autores. Mas, vejamos:

Dispõe o art. 633º, nºs 1 e 2, do CPC:

«1 – Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.

2 – O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.»


Se o R. é parte vencida, também o são os 1ºs AA., pois o acórdão recorrido, na procedência parcial da apelação, limitou-se a declarar os primeiros Autores donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1, quando na sentença se tinha declarado serem eles donos e legítimos proprietários do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1, com a área de 916 m2.

A parte vencida pode reservar a sua faculdade de recorrer apenas para o caso de a contraparte interpor recurso, situação em que apenas poderá lançar mão do recurso subordinado, no momento previsto no art. 633º, nº2, do CPC, sujeitando-se aos contornos do respectivo regime, maxime com a possibilidade de caducidade do seu recurso, se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal dele não tomar conhecimento (nº 3 do mesmo artigo).

Assim, entende-se ser admissível o recurso subordinado, que, aliás, foi recebido pelo Tribunal da Relação, embora com fundamentação diferente.»

*

A matéria a apreciar centra-se, assim, no invocado caso julgado, por parte do R., e no recurso subordinado interposto pelos 1ºs AA..



III


Nas instâncias, deram-se por provados e não provados os seguintes factos:


Factos provados

«a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 528, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, com a área total de 760 m2, com a área coberta de 120 m2, com a área descoberta de 640 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

b) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o prédio supra descrito encontra-se inscrita na respectiva Conservatória e descrição a favor dos Autores, AA e BB, por compra, mediante a Ap. 2 de 2007/03/20, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

c) O prédio descrito na alínea a) foi adquirido pelos Autores AA e BB a JJ e KK, por escritura pública de compra e venda celebrada em 10 de Abril de 2007 no Cartório Notarial ..., em ..., conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 20 a 21 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

d) Na supra referida escritura o prédio transmitido foi descrito como tendo de “superfície coberta de cento e vinte metros quadrados e descoberta de seiscentos e quarenta metros quadrados”, conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 20 a 21 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

e) À data da celebração da supra referida escritura pública, o prédio descrito em a) estava delimitado a poente e a nascente por muros laterais, erigidos com a orientação sul/norte ou norte/sul;

f) E a norte por uma rede, com orientação perpendicular relativamente aos referidos muros e alinhada com o termo destes;

g) Desde a data da celebração da referida escritura pública que os Autores têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo com as delimitações poente, nascente e norte referidas em f) e g), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal;

h) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 527, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de lote para construção, denominado Lote nº 9, com a área total de 740 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

i) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o prédio supra descrito encontra-se inscrita na respectiva Conservatória e descrição a favor dos Autores, CC e DD, por compra, mediante a Ap. 2 de 2002/02/25, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

j) O prédio descrito na alínea h) foi adquirido pelo Autor CC a II e HH, por escritura pública de compra e venda celebrada em 28 de Janeiro de 2002 no Cartório Notarial ..., em ... de ... conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 23 a 24 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

k) Na supra referida escritura o prédio transmitido foi descrito como tendo “a área de setecentos e quarenta metros quadrados”, conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 23 a 24 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

l) Em 2007, o Autor CC delimitou o prédio descrito na alínea h), na sua confrontação a norte, com uma rede com orientação perpendicular relativamente aos muros delimitadores do seu terreno a poente e nascente e alinhada com o termo destes;

m) Desde a data da celebração da escritura pública referida em j) que o Autor CC e mulher, DD, têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo até à linha a norte, onde colocou a rede referida em l), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal;

n) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 526, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com rossios, com a área total de 900 m2, com a área coberta de 100 m2, com a área descoberta de 800 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

o) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o prédio supra descrito encontra-se inscrita na respectiva Conservatória e descrição a favor dos Autores, FF e EE, por compra, mediante a Ap. 12 de 2001/06/05, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

p) O prédio descrito na alínea n) foi adquirido pelos Autores EE e FF a II e HH, por escritura pública de compra e venda celebrada em 8 de Junho de 2001, no Cartório Notarial ..., em ..., conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 25 a 27 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

q) Na supra referida escritura o prédio transmitido foi descrito como tendo “a área de novecentos metros quadrados”, conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 25 a 27 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

r) No limite norte do prédio descrito em n) existe uma vedação em cedros, plantada pelo Réu, antes da celebração do negócio descrito em p), e alinhada com as redes supra referidas em f) e l);

s) Desde a data da celebração da referida escritura pública que os Autores EE e FF têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo até à vedação de cedros a norte, referida em r), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal;

t) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 525, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação, com rossios, com a área total de 1100 m2, com a área coberta de 105,7 m2, com a área descoberta de 994,3 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

u) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o prédio supra descrito encontra-se inscrita na respectiva Conservatória e descrição a favor do Autor, LL, por compra, mediante a Ap. 689 de 2012/08/07, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

v) O prédio descrito na alínea t) foi adquirido pelo Autor GG a MM e HH, por escritura pública de compra e venda celebrada em 8 de Junho de 2001, no Cartório Notarial ..., em ..., conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 31 a 32 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

w) Na supra referida escritura o prédio transmitido foi descrito como tendo “a superfície coberta de cento e cinco vírgula setenta metros quadrados e descoberta de novecentos e noventa e quatro vírgula trinta metros quadrados”, conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 31 a 32 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

x) Os prédios descritos em a), h), n) e t) confinam, a norte, com um prédio do Réu;

y) E integram um loteamento sito no Lugar ..., freguesia de S..., Concelho ...;

z) No dia 11 de Agosto de 2017, o Réu, utilizando uma máquina retroescavadora, procedeu à limpeza de mato e escavou o seu próprio terreno encostado às redes e à linha de cedros referidas nas alíneas f), l) e r), criando uma faixa de cerca de 3 metros de largura e 1,5 metros de profundidade relativamente ao nível do solo onde se encontram implantadas as redes e plantados os cedros, e sem deixar qualquer espaço entre o desnível e aquelas redes e aqueles cedros;

aa) Em consequência da obra do Réu, as terras dos prédios dos primeiros, segundos e terceiros Autores ficaram sem sustentação do lado norte e alguns suportes das redes caíram;

bb) Durante a execução da obra de desmatagem e de escavação, o Réu não transpôs as redes e a linha de cedros referidas nas alíneas f), l) e r);

cc) De acordo com as delimitações actuais, designadamente, com aquelas que estão descritas nas alíneas f), l) e r), o prédio descrito na alínea a) tem de área 916 m2, o prédio descrito na alínea h) tem de área 914 m2, o prédio descrito na alínea n) tem de área 954 m2 e o prédio descrito na alínea t) tem de área 1318 m2;

dd) De acordo com o processo administrativo de loteamento o lote que deu origem ao prédio descrito na alínea a) tinha de área 760 m2, o que deu origem ao prédio descrito na alínea h), tinha de área 740 m2, o que deu origem ao prédio descrito na alínea n) tinha de área 900 m2 e o lote que deu origem ao prédio descrito na alínea t) tinha de área 1100 m2.»


Factos não provados

«Da petição inicial: artigos 3º a 5º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas e) a g), 9º a 11º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas l) e m), 15º a 17º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas r) e s), 21º a 23º, 27º e 29º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas z) e aa), 34º, 36º e 37º, 39º, 46º, 53º a 60º e 62º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea cc), 65º a 67º.

Da contestação: artigos 12º a 16º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas z) e aa), 21º, 36º a 48º, 55º e 56º.

Do articulado de fls. 71 a 75 (requerimento nº ...03): inexistem enunciados fácticos que careçam de ser respondidos.»



IV


IV.I

Relativamente à questão do caso julgado, o R./Recorrente referiu nas conclusões do recurso o seguinte:

«10º - a matéria constante da al. r) e a decisão proferida no que diz respeito ao A. EE e mulher viola o caso julgado formado no processo 559/04.3TBAVV, ou, pelo menos, a autoridade de caso julgado porque contraria o que consta do referido processo e ali foi alegado.

11ª. – pois já então, para além do mais, era alegada uma área de 900 metros quadrados e um acordo feito com os RR. para procederem à construção de um muro de suporte de terras, em todo o limite norte do prédio, numa extensão de cerca de 20 metros, muro que deveria ter o comprimento do mesmo limite e a sua parte superior deveria ser ao nível da parcela (art. 1º, 14º e 15º da petição inicial do 559/04.3TBAVV).»


Na al. r) deu-se como provado – recorde-se – o seguinte:

«r) No limite norte do prédio descrito em n) existe uma vedação em cedros, plantada pelo Réu, antes da celebração do negócio descrito em p), e alinhada com as redes supra referidas em f) e l)».


E dessa alínea é indissociável a alínea s):

«s) Desde a data da celebração da referida escritura pública que os Autores EE e FF têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo até à vedação de cedros a norte, referida em r), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal.»


No acórdão recorrido, no âmbito da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, escreveu-se, a dado passo:

«. se a matéria de facto constante na alínea r) deve ser dada como não provada, atenta a decisão transitada em julgado proferida no processo 559/04.3TBAVV ou pelo menos, porque contraria o que foi dado como provado nesse processo


Na ação 559/03, em que foram AA., os ora 3ºs AA. e R., o também aqui R., não se discutia a área do lote de terreno adquirido pelos 3ºs AA., como se discute nesta ação. Tratou-se de ação de responsabilidade contratual, com base em defeitos existentes na moradia construída no lote de terreno.

Os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial “não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação” (cfr se defende no Ac. do STJ de 08.11.2028, proc. 478/08.4TBASL.E1.S1, de onde foi retirado o extracto transcrito).

Assim, a factualidade dada como provada no proc. 559/03 não se impõem nestes autos, pelo que também aqui não ocorre qualquer erro de julgamento.»


No aludido processo, intentado pelos aqui 3ºs AA. contra o aqui R. e mulher, II, pediu-se a condenação dos Réus a eliminar os defeitos existentes na habitação que construíram e lhes venderam ou, assim não se entendendo, a pagar aos Autores, a título de indemnização, a quantia de €15.000.00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, e ainda a construir à sua custa um muro de suporte de terras no limite norte do prédio.

A acção viria a ser julgada improcedente na Relação, decisão confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Os factos dados por provados foram os seguintes:

«A) - Os Réus eram donos e legítimos possuidores do prédio urbano designado por lote n°8, sito no lugar ..., em ... (...), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n°00526/l20499 e inscrito no art. 71 Io da matriz predial respectiva.

2o - Por escritura pública de 28 de Junho de 2001, os Réus declararam vender aos Autores prédio referido em A), mediante o preço de Esc. 5.000.000$00”.

3o  - Os Autores passaram então a residir na casa de habitação.

4o - No início do ano de 2004. as paredes exteriores da casa de habitação passaram a apresentar alguns panos com fissuração, designadamente nos vãos em consola.

5o - As paredes interiores passaram a apresentar fissurações variadas.

6o - A casa passou a apresentar infiltrações de água nas paredes e tecto da cave, na parte anterior da casa e nos cantos anterior e posterior direitos.

7o - Em consequência das infiltrações de água. a madeira da janela do quarto principal tem o verniz desgastado por absorção de água ou condensações.

8o - Há humidades nos tectos e paredes das casas de banho, provocadas por infiltrações.

9o - As paredes do quarto principal também ficaram enegrecidas.

10° - Estes factos podem ser eliminados no período de trinta dias, utilizando mão-de-obra de dois operários e um ajudante.

11o - Os custos de eliminação dos defeitos descritos nas respostas aos quesitos 4o a 9o serão de € 10.000.00.»


Conforme se refere no acórdão recorrido, não foi discutida nessa acção a área do lote de terreno, não respeitando os factos acabados de transcrever a uma matéria dessa natureza, nem havendo uma decisão que defina, positiva ou negativamente, uma tal realidade.

É patente que diferentes são as causas de pedir e os pedidos, razão por que não estão preenchidos todos os requisitos da excepção do caso julgado.

No que concerne à autoridade do caso julgado, importa tomar em consideração o que se exarou no Ac. do STJ de 08-11-2018, Rel. Tomé Gomes, Proc. nº 478/08.4TBASL.E1.S1, em www.dgsi.pt (com destaque nosso):

«I. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

II. Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.

III. Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.

IV. Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram.

V. Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo.

VI. De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.»


Não existe, por referência à acção mencionada, uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido na presente acção (há tão-só uma decisão absolutória da reparação de defeitos na habitação, de indemnização ou da construção de um muro), nem os factos provados, inscrevendo-se num objecto bem diverso do destes autos, são transponíveis para aqui.

Não há, assim, razão para invocar a autoridade do caso julgado, com a consequente modificação da matéria de facto e os correspondentes reflexos na matéria de direito, maxime no que concerne à reunião dos requisitos da usucapião relativamente aos 3ºs AA..


Improcede o recurso.


IV.2.

Os 1ºs AA., no seu recurso subordinado, revelam-se inconformados com o entendimento do Tribunal a quo  no sentido de que a presunção do art. 7.º do C. R. Predial não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados, não beneficiando os Recorrentes de tal presunção para afirmarem que são donos do prédio com a dimensão de 916m2, e com o entendimento de que não decorreu o período de tempo necessário para a aquisição por usucapião, por parte dos Recorrentes, da parcela com a dita área.

Provou-se, em relação aos 1ºs AA., que:

«a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número 528, um prédio urbano, situado no Lugar ..., freguesia ... (...), composto de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, com a área total de 760 m2, com a área coberta de 120 m2, com a área descoberta de 640 m2, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

b) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o prédio supra descrito encontra-se inscrita na respectiva Conservatória e descrição a favor dos Autores, AA e BB, por compra, mediante a Ap. 2 de 2007/03/20, conforme se retira da cópia da certidão junta aos autos no ofício que antecede a presente decisão e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

c) O prédio descrito na alínea a) foi adquirido pelos Autores AA e BB a JJ e KK, por escritura pública de compra e venda celebrada em 10 de Abril de 2007 no Cartório Notarial ..., em ..., conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 20 a 21 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

d) Na supra referida escritura o prédio transmitido foi descrito como tendo de “superfície coberta de cento e vinte metros quadrados e descoberta de seiscentos e quarenta metros quadrados”, conforme cópia da referida escritura junta aos autos de fls. 20 a 21 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

e) À data da celebração da supra referida escritura pública, o prédio descrito em a) estava delimitado a poente e a nascente por muros laterais, erigidos com a orientação sul/norte ou norte/sul;

f) E a norte por uma rede, com orientação perpendicular relativamente aos referidos muros e alinhada com o termo destes;

g) Desde a data da celebração da referida escritura pública que os Autores têm utilizado tal prédio, sem qualquer interrupção, para sua habitação e da sua família, retirando dele todos os benefícios, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem qualquer oposição e em toda a extensão e área do mesmo com as delimitações poente, nascente e norte referidas em f) e g), na convicção de serem os seus únicos proprietários e agindo como tal;

[…]

cc) De acordo com as delimitações actuais, designadamente, com aquelas que estão descritas nas alíneas f), l) e r), o prédio descrito na alínea a) tem de área 916 m2, o prédio descrito na alínea h) tem de área 914 m2, o prédio descrito na alínea n) tem de área 954 m2 e o prédio descrito na alínea t) tem de área 1318 m2».


No que concerne à presunção prevista no art. 7º do C. Reg. Predial, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante no sentido de que tal presunção não abrange a área, confrontações ou limites dos imóveis registados.

A título de exemplo, vejam-se os seguintes acórdãos:

- Ac. do STJ de 14-11-2013, Rel. Serra Baptista, Proc. 74/07.3TCGMR.G1.S1, em www.dgsi.pt:

«1. A presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial, não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos, não tendo o registo a finalidade de garantir os elementos de identificação do prédio.»


- Ac. do STJ de 03-12-2013, Rel. José Avelino Gonçalves, Proc. nº 194/09.0TBPBL.C1), publicado em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/194-2013-93455275:

«IV - As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).

V - A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa.»


- Ac. do STJ de 11-02-2016, Rel. Lopes do Rego, Proc. nº 6500/07.4TBBRG.G2.S3, em www.dgsi.pt:

«1. Não pode atribuir-se aos elementos constantes da descrição predial a força da presunção legal de titularidade, prevista no art. 7º do CRP, já que a jurisprudência há muito vem entendendo, de forma reiterada, que a força probatória do registo não se estende à definição das confrontações ou limites dos prédios cuja propriedade está inscrita.

2. Porém, e como é evidente, nada obsta a que tais limites e confrontações constem da matéria de facto e sejam livremente valoradas pelo julgador, em articulação com as demais provas produzidas, ao dirimir o litígio acerca da exacta configuração física dos prédios em causa.

3. Incidindo a controvérsia, não sobre a titularidade dos prédios em confronto, mas, mais propriamente, sobre a sua precisa delimitação física, em consequência de ambas as partes se arrogarem a propriedade de determinada parcela de terreno situada na confluência dos lotes de que se reconhecem proprietários, a acção de reivindicação só poderá proceder na totalidade se puder considerar-se processualmente adquirido, como verdadeiro facto essencial, que o efectivo exercício de actos possessórios pelos AA e seus antecessores, susceptível de conduzir à usucapião, incidiu também sobre a parcela de terreno cuja titularidade é controvertida.»


- Ac. STJ de 12-01-2021, Rel. Lima Gonçalves, Proc. 2999/08.0TBLLE.E2.S1, em www.dgsi.pt:

«I. A presunção da titularidade do direito de propriedade constante do artigo 7.º do Código do Registo Predial não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo, pois o registo predial não é, em regra, constitutivo e não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio.»


No que tange aos 1ºs AA., exarou-se no acórdão recorrido, o seguinte (recorde-se):

«O tribunal a quo baseou-se na presunção do artº 7º do CRP para afirmar que os apelados eram donos dos prédios, mas não para afirmar que eram donos com a dimensão que reclamaram. Para considerar os AA. donos dos prédios com a dimensão que fez constar no dispositivo da sentença, o tribunal a quo fundou-se na usucapião.

Relativamente aos 2ºs e 3ºs AA., atendendo que a sua posse se iniciou mais cedo, à data da propositura da ação já tinham decorrido os quinze anos necessários para a aquisição por possuidor de boa fé, como é o caso, face ao factos dados como provados em i) e o).

A questão do decurso do prazo de 10 anos a contar da data o registo, só tem relevância para o caso dos 1ºs AA., cuja posse apenas se iniciou em 2007, tendo o registo de aquisição a favor dos 1ºs AA. sido efetuado em 20.03.2007.

No caso os 1ºs AA. alegaram terem adquirido mediante contrato de compra e venda a totalidade da área que efetivamente ocupam, tendo alegado no artº artigos 53º que “negociaram e efectivamente adquiriram ao R. a área de 915 m2, tendo pago ao Réu o preço ao metro quadrado, isto apesar de na escritura constar apenas a área de 760 m2, tendo adquirido ao R., além do lote, uma parcela de 155 m2, pela qual efectivamente pagaram o preço e que corresponde à parcela traseira do lote que agora o R. se pretende apropriar”, mas tais factos foram considerados não provados.

Tendo em atenção que a área constante da escritura é apenas a de 760 m2, não se pode considerar que existe posse titulada relativamente aos 915 m2 objecto de reivindicação.

E não foram dados como provados factos que permitam somar a posse dos 1ºAA. à dos anteriores possuidores do prédio, tendo sido dado por não provado o alegado no artº 3º da pi, sem prejuízo do que foi dado como provado nas alíneas e) a g).

Não se aplicando o disposto na alínea a) do artº 1294º do CC – prazo de 10 anos – há que concluir que à data da propositura da ação, não tinha ainda decorrido o prazo de 15 anos, relativamente aos primeiros AA., para usucapir.»


Como se vê, o Tribunal a quo considerou que, constando da escritura a área de 760 m2, não se pode falar de uma posse titulada acima dessa área e daí que o prazo a considerar para a aquisição por usucapião relativamente à área excedente (os AA. reivindicam uma área de 915 m2) tenha de ser, não o de 10 anos (art. 1294º, al. a), mas o de 15 anos (art. 1296º do C. Civil).

Alegam os Recorrentes que que há mais de 20, 30 anos, sem interrupção que, por si e antepossuidores, detêm materialmente o prédio, utilizando-o para sua habitação e de sua família, na convicção de exercerem um direito próprio e legítimo, sem ofender direitos de terceiros.

Ora, tal não resulta da matéria provada. Como se assinala no acórdão recorrido, está provado que a posse dos 1ºs AA. se iniciou em 2007 e foi dada como não provada a matéria dos arts. 3º a 5º da p.i., sem prejuízo do que se deu por provado nas al.s e) a g), alegando-se naquele art. 3º, precisamente, que há mais de 20, 30 anos, sem interrupção que os primeiros Autores por si e antepossuidores, detêm materialmente aquele prédio, utilizando o mesmo prédio para sua habitação e sua família, na convicção de exercer um direito próprio e legítimo, sem ofender direitos de terceiros, e ainda foi dado como não provado o art. 53º da mesma petição, no qual vinha alegado que o Autor AA e esposa, negociaram e efetivamente adquiriram ao Réu HH a área de 915 m2, tendo pago ao Réu o preço ao metro quadrado, isto apesar de na escritura constar apenas a área de 760 m2, tendo adquirido ao Réu além do lote uma parcela de 155 m2, pela qual efetivamente pagaram o preço e que corresponde à parcela traseira do lote que agora o R. se pretende apropriar.


Assim, há que concordar com o Tribunal a quo quando concluiu que não decorreu o prazo suficiente para se considerar adquirida por usucapião a reclamada área de 915 m2, apenas sendo possível reconhecer, face aos factos apurados, a que consta da al. a) da matéria provada.

Improcede o recurso subordinado.


*

Sumário (da responsabilidade do relator)



I. A autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva no objecto de uma acção posterior, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

II. Sobre os factos provados ou não provados num determinado processo não se forma, autonomamente, caso julgado, embora eles possam relevar para definir os limites objectivos do caso julgado material.

III. O seu alcance não pode desligar-se do que se visa na acção em que são alegados e do que aí ocorre, em termos probatórios, não sendo, sem mais, transponíveis para o âmbito de outra acção.

IV. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante na afirmação de que a presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos.

V. Não se pode ter como titulada a posse sobre uma área que exceda a que consta da escritura de compra e venda do prédio em relação ao qual se alega pertencer essa área e daí que o prazo da invocada usucapião não possa, relativamente a tal parcela, quedar-se pelos 10 anos (art. 1294º, al. a) do C. Civil).

 


V


Pelo que ficou exposto, nega-se provimento ao recurso do R., bem como ao recurso subordinado dos 1ºs AA.

- Custas pelo R. e os 1ºs AA., respectivamente, pelo recurso independente e pelo recurso subordinado.


*


Lisboa, 07-03-2023


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto