RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário


I - A informação prestada por um Banco, no âmbito da intermediação financeira, deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, adequada ao perfil do investidor, de modo a propiciar a este uma decisão esclarecida e fundamentada, tomada na posse de todos os elementos relevantes (como serão, por exemplo, os atinentes à distinção entre obrigações subordinadas e depósitos a prazo), sob pena de se poder concluir pela violação desse dever e que uma informação feita de acordo com as exigências legais teria levado o cliente a não investir.
II - Preenchem-se, num quadro em que se concluiu pela violação de um tal dever, os requisitos da ilicitude e da culpa, para além do nexo de causalidade, feita a prova de que o cliente não teria investido no produto (obrigações subordinadas), apresentado com sendo semelhante a um depósito prazo e tão seguro como este, caso tivesse sido fornecida uma informação com as características referidas em I.
III – Actua com culpa grave o intermediário financeiro que, através de uma conduta (por acção ou omissão) propiciadora do engano do cliente, o leva a subscrever um produto que não subscreveria se tivesse tido o cabal conhecimento das respectivas características.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I



AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o "Banco BIC Português, S.A.".

Pedem que o R. seja condenado a pagar-lhes €105 695,20, acrescidos de juros à taxa para as operações comerciais desde a data da citação até pagamento.

Alegam, além do mais que aqui se dá por reproduzido, que:

Os Autores são, há mais de 15 anos (à data da petição), clientes do Banco/Réu, através da agência de Porto ....

Tinham, no Banco Espírito Santo, em Outubro de 2004, um depósito a prazo no montante de €100.000,00.

Nessa altura, o Autor marido foi abordado pelo gerente do Banco-réu, do balcão com que lidava, que lhe disse que tinha um novo produto, muito mais rentável que os depósitos a prazo da concorrência, mas com semelhantes características.

Seduzido pela conversa do gerente em questão, no dia 25/10/2004, o Autor marido procedeu ao resgate do referido depósito a prazo no Banco Espírito Santo e depositou o respetivo montante na sua conta à ordem no Banco-réu.

Nesse mesmo dia, foi colocado à frente do Autor marido um documento denominado “SLN Rendimento Mais 2004 - Boletim de Subscrição”, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.

Com data-valor de 25/10/2004, foi debitada da referida conta à ordem, a quantia de €100.000,00 para a aquisição de duas obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”.

O Autor marido, que é avesso a qualquer tipo de risco, só se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco-réu porque lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo, melhor remunerado, de um depósito a prazo, com semelhantes características.

Não foi dada ao Autor marido a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse em data posterior.

Apenas foi dada ao Autor marido a palavra empenhada de todos os funcionários do Banco, que actuaram em representação e sob as ordens do Réu, de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura, não obstante tratar-se de obrigações a dez anos, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.

Todos os funcionários do Banco-réu que lidavam com o autor marido sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa, nunca tinha adquirido a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca havia comprado ou vendido obrigações.

Os funcionários do Banco-réu não informaram o autor marido de que, ao subscrever aquele produto, deixava pura e simplesmente de ter o mínimo controlo sobre o seu dinheiro e, nomeadamente, perdia a possibilidade de o movimentar, levantar ou até gastar dali para a frente.

Nunca o Autor marido teria aceitado subscrever duas obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido.


O R. contestou.

Arguiu as excepções de ineptidão da petição inicial e de prescrição. Invocou também o abuso de direito.

Alegou, ainda, entre o mais, que:

O A. marido subscreveu efectivamente duas obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”, tendo dado instruções nesse sentido por via de assinatura no respectivo boletim.

No seguimento de tal subscrição, foi debitada a conta de que o A. marido era titular, naquele correspondente valor.

Esta ordem de aquisição foi dada pelo A. marido com perfeito conhecimento dos produtos em causa, da sua natureza e condições de remuneração, reembolso e liquidez, características que lhe foram claramente explicadas, bem sabendo o A. marido que não estava sequer a contratar um depósito a prazo ou um qualquer produto equivalente a tal, mas antes dívida da sociedade-mãe do Banco, com a segurança inerente a tal condição.

Os AA. receberam sempre um extracto mensal onde lhes apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, nunca tendo efectuado qualquer reclamação.

Auferiram os juros remuneratórios sem qualquer tipo de queixa, ao longo de 7 anos,

O Banco-R. nunca violou qualquer dever de informação, não apenas tendo informado de forma exaustiva, como o tendo feito de forma verdadeira.

O pagamento da obrigação no momento do vencimento é da inteira responsabilidade da entidade emitente, neste caso a SLN, SGPS, S.A.

Os AA. conformaram-se com o normal cumprimento da emissão, com uma remuneração acima da média do mercado, não se coibindo de auferir o rendimento durante 10 anos.

Agem num venire contra factum proprium.

Os juros de mora, a terem de ser liquidados, terão de o ser à taxa aplicável aos créditos civis.


 Os AA. responderam, pugnando pela improcedência das excepções.


No despacho saneador, considerou-se não ser inepta a excepção e relegou-se o conhecimento da matéria da prescrição e do abuso de direito para final.

Definiu-se o objecto do litígio, elencaram-se alguns factos assentes e seleccionaram-se os temas da prova.


Prosseguindo os autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos.


Inconformado, o R. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou a sentença e julgou a acção procedente, condenando o R. no pagamento da quantia de €100.000,00 e juros vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

Ainda irresignado, o R. interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, sendo proferido acórdão que entendeu que, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 682° n° 3 e 683° n° 1 do CPC, deveria determinar-se o reenvio do processo para a 2a instância, para aí serem supridas as deficiências que se apontaram (por obscuridade) e insuficiências.

Decidiu-se, assim, anular a decisão recorrida e determinar a remessa dos autos à Relação para que:

a) fossem superadas as apontadas deficiências e insuficiências e ampliada e contextualizada a matéria de facto nos termos definidos;

b) fosse, na sequência, julgada novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito estabelecida no acórdão.

Na fundamentação, considerou-se que a decisão recorrida não explicitou o percurso lógico da aquisição de referências factuais que antes se haviam elencado, subsistindo a obscuridade quanto à sua proveniência, a carecer de esclarecimento.

E acrescentou-se, a propósito da insuficiência da matéria de facto:

«Para além da registada deficiência, constatamos que a decisão recorrida é insuficiente porquanto o respectivo teor não permite concluir que nela foi tida por provada ou não provada a generalidade da matéria de facto alegada na PI e sinopticamente reproduzida no relatório deste acórdão, entre a qual, para além da já falada matéria incluída nos artigos 4o a 6o e 29°, se incluem as referências factuais feitas pelos AA aos seguintes aspectos:

- O perfil de simples aforradores dos AA e a experiência (financeira) do A marido (artigos 16° e 66°);

- A não entrega aos AA da nota informativa, não obstante inúmeras insistências para o efeito (artigos 35° e 60°);

- O circunstancialismo, nomeadamente de modo, da assinatura do "Boletim de Subscrição" (artigo 56°);

- A Instrução de Serviço determinando que a R garantia a solvabilidade do papel comercial emitido e o compromisso expresso do "BPN" de recomprar as obrigações em causa na data acordada e de que se tratava de um produto sem qualquer risco, um simples sucedâneo de um depósito a prazo, mais bem remunerado (artigos 41°, 58°, 61° e 130°);

- A não informação ao A marido, apesar de inúmeras vezes solicitada, sobre as condições e características do produto - nomeadamente quanto a reembolso antecipado, liquidez e subordinação (e demais informação exigida para esse tipo de operações) - e de que, ao subscrevê-lo, aquele perdia a garantia do banco e deixaria de ter controlo sobre o seu dinheiro bem como a possibilidade de o movimentar antes de 27-10-014 (artigos 69°, 70°, 73° e 83°);

- A confiança do A marido nos seus interlocutores no banco (artigos 68° e 90°);

- Como era do conhecimento da R, o A marido nunca teria subscrito o produto se aquela não tivesse assumido os referidos compromissos e lhe tivesse prestado as aludidas informações em falta (artigos 59°, 67°, 71°, 73° e 130°).

Estamos, pois, perante um vasto acervo factual alegado, não referenciado na decisão recorrida e que, na apreciação da pretensão formulada pelos AA, assume uma relevância em parte essencial e noutra instrumental.

Especificamente quanto ao último ponto mencionado, que se prende com o acima abordado requisito do nexo de causalidade, anotamos que da factualidade alegada pelos AA, se demonstrada, tal requisito resultaria claramente afiançado, no plano naturalístico: se a R tivesse cumprido os deveres de informação a que estava normativamente vinculada, o A marido não teria investido as poupanças na aplicação que lhe foi proposta pela R, podendo, pois, afírmar-se que o dano invocado pelos AA não teria ocorrido ou, dito de outro modo, a conduta da R faltosa teria funcionado como condilio sine qua non do dano ocorrido.

Porém, a realidade inserida pela Relação no item 18 da FA não coincide, inteiramente, com a factualidade alegada pelos AA sem que na decisão recorrida se esclareça se o segmento que a mesma não abarcou foi tido por não provado ou se, ao invés, os Srs. Desembargadores, podendo e devendo tomá-lo em consideração, não o fizeram. Portanto, também nesse segmento, a decisão recorrida se mostra insuficiente.»


Tendo os autos voltado ao Tribunal da Relação, foi proferida novo acórdão que voltou a condenar o R. a pagar aos AA a quantia de € 100.000,00 a título de capital acrescida dos juros de mora vencidos desde a data de citação, até integral pagamento.

Ainda irresignado, o R. voltou a recorrer para este Supremo Tribunal, concluindo o seguinte:

«1. Vem o Banco-R. interpor o presente recurso de douto acórdão do Tribunal da Relação, que revogando a decisão proferida em 1ª instância, veio condenar o Banco-R. no pagamento aos AA da quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), a que acrescem juros vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

2. O risco não corresponde à possibilidade de incumprimento – existente em todos os contratos, por muitas que sejam as garantias dadas! – mas à probabilidade desse incumprimento se verificar!

3. Ter esse risco como pressuposto de toda a decisão é que nos parece abusivo quando verificamos que a mera existência de risco e a aferição do seu grau resulta mais de um preconceito do que de um facto ou avaliação jurídica!

4. Não vemos como se possa afirmar, sem mais, que as obrigações eram um produto de risco (em 2004!), sendo certo que nada na decisão proferida sobre a matéria de facto aponta nesse sentido!

5. A expressão “capital garantido”, muitas vezes recuperada nestes processos, mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título.

6. Daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital!

7. Ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa – não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

8. O mesmo vale para a menção de que o capital seria garantido pelo Banco.

9. É que não é porque um investimento se revela ruinoso, que o mesmo pode ser classificado, à partida, como investimento de risco…

10. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.

11. O risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

12. Além do mais, nesse momento não havia qualquer indiciação de que a emissão pudesse vir a não ser paga (não havia histórico nesse sentido!) ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

13. É um facto notório que os AA., ou qualquer outra pessoa, não teriam subscrito/adquirido o produto financeiro em causa se soubessem ou tivessem razões para suspeitar que não recuperariam o seu dinheiro aplicado, ou sequer parte dele.

14. Para este efeito, não releva o conhecimento que se tem hoje, releva o conhecimento e a confiança nos agentes do mercado financeiro e na economia em geral que se tinham em Outubro de 2004.

15. Neste contexto, diga-se, não há nos autos prova suficiente para concluir que os AA não teriam subscrito as obrigações se soubessem que as mesmas tinham natureza subordinada.

16. Para responsabilizar o Banco R. por este “acidente” financeiro era, contudo, necessário que se apurasse que foi na errada ou deficitária informação dada pelo Réu que o Autor marido assentou a sua vontade de aceder à proposta de aquisição do produto financeiro.

17. E não será pelo facto de se tratar de uma obrigação subordinada que se alcançara solução diversa, já que também não existem elementos que permitam concluir, de forma direta ou indireta, que naquela ocasião outra teria sido a opção dos AA se, em lugar de lhe apresentarem uma “obrigação subordinada”, lhes tivessem proposto uma aplicação obrigacionista de natureza distinta.

18. Não poderá ser desconsiderado o facto de tendo sido declarada a situação de insolvência da emitente, nada permite concluir que a distribuição da respetiva massa insolvente pelos credores prejudique efetivamente os AA. em função de terem adquirido obrigações subordinadas, prejuízo que não existiria se acaso fosse outra a natureza do produto.

19. No caso concreto, é imperativo que tivesse sido provado que se o investidor soubesse daquele concreto elemento de informação, i.e., a subordinação, e que ele desconhecia, ele nunca teria subscrito o produto como o fez!

20. Àquela data, ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco.

21. E como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada!

22. Para que se conclua que a alegada falta de informação ou informação incorretamente prestada foi causa adequada dos danos gerados pelo investimento, vulgo, perda do capital, é necessário que o investidor prove a relação entre a deficiência da informação prestada e a decisão de investimento tomada – sendo, contudo, certo que não fossem as obrigações subscritas de natureza subordinada e não teria o desfecho do investimento ou do incumprimento da entidade emitente sido diferente

23. Para efeitos da responsabilização do Banco R. na qualidade de intermediário financeiro, o que é certo é que ainda que se censure a conduta do Banco – o que não se concede! –, essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.

24. Refira-se que a norma que prevê o prazo de prescrição invocado pelo Banco R. é o n.º 2, do art.324.º, do CdVM.

25. A responsabilidade do intermediário financeiro pela sua atuação no âmbito de um contrato de intermediação financeira encontra-se, assim, sujeita a dois prazos de prescrição distintos: de 20 anos, previsto no art.309.º do Código Civil e de 2 anos, previsto n.º 2, do art.324.º, do CdVM.

26. Só fará o n.º 2, do art.324.º, do CdVM, algum sentido se se admitir que mesmo um intermediário financeiro cuja atividade se encontre sujeita a esse dever particular e padrão elevado, pode incorrer em falhas perante o cliente que não podem considerar-se devidas a culpa grave.

27. porque a culpa consiste num juízo ético-normativo de avaliação do comportamento devido, a qualificação da culpa do intermediário financeiro deve ter em conta a gravidade e notoriedade da falha, a relevância da mesma para a finalidade normativa da disposição violada, e a intensidade da violação dos deveres do intermediário.

28. Cumpre recordar, todavia, que não ficou demonstrado que os AA. não foram ressarcidos do capital por causa da natureza subordinada das obrigações e, por outro lado, que se elas não tivessem essa natureza teriam obtido o reembolso do capital investido.

29. E não será certamente por afirmações comparativas e de existência de proximidade em relação à figura do depósito a prazo que se alcançará o desfecho da falsidade da informação ou falha informativa.

30. Ainda que se admita que o prazo de prescrição não se iniciou em Outubro de 2004 quando os AA. adquiriram as obrigações – o que não se concede! –, certo é que se terá forçosamente iniciado em Novembro de 2008 quando foi divulgada e amplamente noticiada a nacionalização do Banco R., a qual, no mínimo, sempre levaria qualquer investidor a questionar o produto subscrito, a sua natureza, a entidade emitente e, como é evidente, a possibilidade de amortização antecipada.

31. Terá sido por esta ocasião que a generalidade dos investidores que verdadeiramente subscreveram o produto obrigacionista em erro quanto à sua natureza e características vieram instaurar as respetivas ações judiciais, reclamando, assim, a totalidade do capital investido. E quanto a estes, nada a dizer!

32. Caso diverso será o dos aqui AA., que estando em condições de conhecer e responsabilizar o Banco R. pela alegada omissão de informação que houvesse ocorrido em 2004, esperaram oito anos para instaurar a competente ação judicial, tendo, no entretanto, recolhido a totalidade dos juros remuneratórios – pagos na integralidade!

33. O Banco R., quer enquanto pessoa coletiva e agente do mercado financeiro, quer na pessoa dos seu funcionários/colaboradores, não concebeu sequer a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira.

34. Ou, de que com essa falta poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria caso estivesse devidamente informado.

35. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco R. estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil dos AA.

36. Quando muito, poder-se-ia questionar a indução do Autor marido em erro, sem que por parte do funcionário do banco, houvesse uma intenção ou consciência de o fazer – indução negligente em erro.

37. A existir, o direito dos AA. mostrava-se já prescrito quando em 2016 vieram instaurar ação de responsabilidade civil indemnizatória sobre o Banco R.

Termos em que se conclui pela admissão e procedência do presente recurso, e em consequência, pela revogação do douto acórdão recorrido, e sua substituição por outro que absolva o Réu do pedido, assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA!»


Contra-alegaram os AA., defendendo a manutenção do acórdão recorrido.


*


Sendo o objeto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará, in casu, verificar se, diversamente do decidido, não estão inteiramente preenchidos os requisitos de responsabilidade civil, maxime no que toca à violação do dever de informação, negada pelo R. /Recorrente e ao nexo causal entre a conduta do mesmo R. e os danos sofridos, bem como se, também diferentemente do decidido, é de concluir pela prescrição do direito dos Autores.



II


Foram, no acórdão recorrido, dados por provados os seguintes factos:

«1) Em 25-10-04, o A. subscreveu o boletim de duas obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de € 50.000,00.

2) As obrigações em causa tinham o valor nominal de € 50.000,00 cada.

3) Foram emitidas por um prazo de 10 anos (de 25-10-04 a 27-10-14).

4) Não era permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.

5) Eram remuneradas nos 10 primeiros cupões a 4,5% e nos restantes cupões à Euribor 6M + 1,75%, sendo o pagamento de juros semestral e postecipado.

6) Era garantido 100% do capital investido.

7) As obrigações eram subordinadas, respondendo as receitas da SLN pelo serviço da dívida, tendo os subscritores prioridade sobre os acionistas da SLN, mas estando subordinadas aos restantes credores.

8) A responsabilidade pelo pagamento da obrigação no momento do vencimento era da entidade emitente, a SLN, SGPS, S.A. (posteriormente Galilei, SGPS, S.A.).

9) A entidade emitente pagou aos AA. a remuneração prevista até outubro de 2014.

10) A entidade emitente não procedeu ao pagamento da obrigação na data prevista.

11) O R. transmitiu ao A. que se tratava de um produto em que o capital subscrito seria reembolsado independentemente da variação do valor da entidade emitente.

12) O R. enviava regularmente extratos aos AA. dos quais constavam as obrigações em como integrando a sua carteira.

13) Os AA. receberam regularmente a remuneração.

14) Até 2008 havia procura fácil para o endosso dos títulos.

15) A SLN Valor, SGPS, SA tinha por acionistas os principais acionistas da SLN Sociedade Lusa de Negócios SGPS SA e, por si só, detinha mais de 30% do capital social desta e também tinha, por presidente do Cons. de Administração, José de Oliveira Costa (aditado).

16) Foram dadas instruções aos funcionários do Banco para só entregarem aos clientes a nota informativa ou a ficha técnica do produto caso estes as solicitassem, nunca tendo as mesmas sido solicitadas pelos AA nem entregues a estes (aditado).

17) O produto era apresentado aos clientes como sendo semelhante e tão seguro, na prática, como um depósito a prazo (aditado).

18) Os Autores são clientes de perfil conservador, avessos a riscos e que aceitaram subscrever as obrigações em causa por lhes ser dito que era uma aplicação praticamente tão segura como um depósito a prazo e melhor remunerada, tanto mais que a entidade emitente das obrigações, a SLN, Sociedade Lusa de Negócios SGPS SA era a dona do Banco (aditado).

19) O Réu comunicou ao Autor que poderia liquidar o produto antecipadamente, mediante endosso a um terceiro (aditado).

20) O Réu nunca explicou ao Autor marido o significado e consequências do carácter subordinado das obrigações, tal como descrito no n° 7 da decisão de facto (aditado).

21) Caso os Autores tivessem tido conhecimento dos factos dados como provados em 7) nunca teriam investido nas obrigações em causa (aditado).



III


Conforme se retira da leitura das conclusões (destacando aqui algumas passagens), o R. considera que apenas estava em causa o risco geral de incumprimento, relativo à obrigação de reembolso. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN. Sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

Refere ainda que:

A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto, correspondendo à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título, daí não resultando qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital e o mesmo vale para a menção de que o capital seria garantido pelo Banco.

Além do mais, nesse momento não havia qualquer indiciação de que a emissão pudesse vir a não ser paga (não havia histórico nesse sentido) ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

Não há nos autos prova suficiente para concluir que os AA. não teriam subscrito as obrigações se soubessem que as mesmas tinham natureza subordinada.

Para responsabilizar o Banco R. por este “acidente” financeiro era, contudo, necessário que se apurasse que foi na errada ou deficitária informação dada pelo Réu que o Autor marido assentou a sua vontade de aceder à proposta de aquisição do produto financeiro.

Para que se conclua que a alegada falta de informação ou informação incorrectamente prestada foi causa adequada dos danos gerados pelo investimento, vulgo, perda do capital, é necessário que o investidor prove a relação entre a deficiência da informação prestada e a decisão de investimento tomada.


Vejamos.

Em primeiro lugar, importa referir que, na sequência do acórdão proferido neste Supremo Tribunal, houve aditamento de factos ao elenco que já tinha sido dado por adquirido. Assim, acrescentaram-se os seguintes factos:

«15) A SLN Valor, SGPS, SA tinha por acionistas os principais acionistas da SLN Sociedade Lusa de Negócios SGPS SA e, por si só, detinha mais de 30% do capital social desta e também tinha, por presidente do Cons. de Administração, José de Oliveira Costa.

16) Foram dadas instruções aos funcionários do Banco para só entregarem aos clientes a nota informativa ou a ficha técnica do produto caso estes as solicitassem, nunca tendo as mesmas sido solicitadas pelos AA nem entregues a estes.

17) O produto era apresentado aos clientes como sendo semelhante e tão seguro, na prática, como um depósito a prazo.

18) Os Autores são clientes de perfil conservador, avessos a riscos e que aceitaram subscrever as obrigações em causa por lhes ser dito que era uma aplicação praticamente tão segura como um depósito a prazo e melhor remunerada, tanto mais que a entidade emitente das obrigações, a SLN, Sociedade Lusa de Negócios SGPS SA era a dona do Banco.

19) O Réu comunicou ao Autor que poderia liquidar o produto antecipadamente, mediante endosso a um terceiro.

20) O Réu nunca explicou ao Autor marido o significado e consequências do carácter subordinado das obrigações, tal como descrito no n° 7 da decisão de facto.

21) Caso os Autores tivessem tido conhecimento dos factos dados como provados em 7) nunca teriam investido nas obrigações em causa.»


Não haverá dúvidas de que, no presente caso, o R./Recorrente agiu como intermediário financeiro (arts. 289º e 290º, al. a), do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro).

Segundo José Engrácia Antunes, in “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro - Alguns Aspetos”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, Abril de 2017, p. 31:

«A intermediação financeira designa genericamente o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais. Enquanto segmento particular dos mercados financeiros onde se cruzam agentes superavitários que são titulares de capital aforrado (investidores) e agentes subavitários que carecem de fundos para financiar a respetiva atividade (emitentes), a existência e o funcionamento regular do mercado de capitais exige a intervenção de instituições próprias (intermediários financeiros) e de atividades especializadas (atividades de intermediação financeira) que assegurem o respetivo contacto.»

[…]

Dizem-se intermediários financeiros aquelas pessoas singulares ou coletivas cujo objeto consiste no exercício profissional de uma ou mais das atividades de intermediação em instrumentos financeiros previstas na lei.»


Estando-se perante um contrato reportado a 2004, verifica-se que o Tribunal recorrido, para além de se socorrer de contributos jurisprudenciais, procurou elencar os dispositivos legais atinentes aos deveres que pesam sobre os intermediários financeiros, maxime no que toca à necessidade/imposição da adequada informação a prestar ao cliente subscritor de produtos como aquele que neste processo está em causa.

Importará, do Código dos Valores Mobiliários, ter em atenção, desde logo, o disposto no art. 7º (Qualidade da informação), cujos nºs 1 a 3 eram do seguinte teor:

«1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.»


Do art. 304º (Princípios) do mesmo Código, há que evidenciar o que consta dos seus nºs 1 a 3:

«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.»


Preceituava, por sua vez, o art. 312º, nos nºs 1 e 2, o seguinte:

«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.»


Importa também considerar o que se estabelecia no art. 314º do CVM:

«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.»


Sendo o R. uma instituição de crédito (art.º 3º, al. a) do DL n.º 298/92, de 31 de dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras [RGICSF]), figura na suas atribuições, de acordo como art. 4º do mesmo normativo, a realização de actividades como:

«e) Transacções, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários;

f) Participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos».


De acordo com o art. 74º do RGICSF, nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados e, nos termos do art. 76º, os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores.


O Tribunal a quo trouxe à colação alguma jurisprudência, como é o caso do Ac. do STJ de 26-03-2019, Rel. Alexandre Reis, Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

«I – Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.

II – Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado.»


Veja-se também, a propósito, o Ac. do STJ de 07-02-2019, Rel. Rosa Tching, Proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1, publicado em ww.dgsi.pt, no qual se concluiu, entre o mais, que:

«I. Os deveres de informação, no âmbito das atividades de intermediação financeira, apresentam-se como um mecanismo fulcral de proteção dos investidores, com especial enfoque nos mais vulneráveis, por forma a criar-lhes um clima de confiança e de segurança na aplicação das suas poupanças e proporcionar-lhes uma decisão consciente.

II. O âmbito dos deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado, é determinado quer em função da qualidade de informação, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita», incluindo, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, quer em função do quantum da informação, balizado por uma regra de proporcionalidade inversa entre o grau de extensão e densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente/investidor, reportado ao produto financeiro em causa.

III. A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos referidos deveres bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor.

III. Demonstrado terem os clientes/investidores um perfil conservador e terem os mesmos confiado no banco, intermediário financeiro, para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário do banco que lhes vendeu a obrigação subordinada SLN 2006, era dever legal do banco informá-los, no momento da aquisição deste produto, acerca das reais características deste produto financeiro.»


No acórdão recorrido, ponderou-se, a dado passo, em que:

«(…) o modus operandi consistia em os funcionários do Banco contactarem os clientes com depósitos a prazo minimamente significativos, dando-lhes conhecimento da possibilidade de subscrição de um produto financeiro com rentabilidade assegurada, as SLN Obrigações 2004.

Ou seja, existe a iniciativa de levar o cliente a contratar, num produto que o próprio gestor de conta considerava seguro, mas fornecendo-lhe informações algo sumárias, sem que se prove ter sido entregue ao Autor qualquer prospecto informativo, e sem que fossem indicadas as diversas sociedades envolvidas, desde aquela que emitia as acções, a participação maioritária de outra empresa do grupo no capital da sociedade detentora do capital do Banco e o papel deste último como mero intermediário financeiro. Tal como, e acima de tudo, não foi esclarecido o carácter subordinado das obrigações.»

Considerou-se, ainda, que:

«(…) o  Banco  Réu  omitiu   a  informação  plasmada  na Nota  Informativa  da  SLN, nomeadamente o 2o parágrafo da rubrica "Garantias e Subordinação" - ver fls. 68 verso – nunca a comunicando e explicando aos clientes, nomeadamente aos AA, embora não a pudesse ignorar como se pode aferir do teor da comunicação interna do Director Jorge Pessoa, a fls. 81, e da pressão exercida sobre os funcionários do Banco como decorre da mesma comunicação e da posição mais tarde assumida por tais funcionários, em protesto contra a administração, como se vê do documento de fls. 81 verso.

Esta conduta do intermediário levou a que o Autor subscrevesse as obrigações, o que insiste-se, não teria feito se lhe tivesse sido dito que eram obrigações subordinadas e explicado o respectivo significado e possíveis consequências.

Daí resultou a perda total do capital investido pelo Autor já que com a insolvência da entidade emitente, os créditos dos Autores – ou seja, o capital investido – só serão considerados depois de pagos todos os demais credores não subordinados.»


Estabeleceu-se a distinção entre os riscos inerentes a um depósito a prazo, com o benefício da garantia incidente sobre o capital depositado e os riscos de um investimento da natureza do dos autos, com a possibilidade de perda da totalidade do capital – possibilidade real, que veio  ocorrer –, sem a competente informação ao A. quanto a isso, estando-se perante cliente avesso ao risco e que, confiando no Banco, subscreveu as obrigações, o que nunca teria feito se lhe tivesse sido prestada a informação sobre a natureza e efeitos das obrigações subordinadas.


Na verdade, provou-se, entre o mais, que foram dadas instruções aos funcionários do Banco para só entregarem aos clientes a nota informativa ou a ficha técnica do produto caso estes as solicitassem, nunca tendo as mesmas sido solicitadas pelos AA nem entregues a estes; o produto era apresentado aos clientes como sendo semelhante e tão seguro, na prática, como um depósito a prazo; os Autores são clientes de perfil conservador, avessos a riscos e que aceitaram subscrever as obrigações em causa por lhes ser dito que era uma aplicação praticamente tão segura como um depósito a prazo e melhor remunerada, tanto mais que a entidade emitente das obrigações, a SLN, Sociedade Lusa de Negócios SGPS SA era a dona do Banco; o Réu nunca explicou ao Autor marido o significado e consequências do carácter subordinado das obrigações, tal como descrito no n° 7 da decisão de facto; caso os Autores tivessem tido conhecimento dos factos dados como provados em 7) nunca teriam investido nas obrigações em causa.


Ou seja, a subscrição ocorreu porque os AA., face ao que foi transmitido pelo funcionário do Banco ao A. marido, se convenceram de que se estava perante um produto seguro, como se se tratasse de um depósito a prazo (a que estavam habituados, na sua qualidade de clientes conservadores), tanto mais que a entidade emitente das obrigações era a dona do Banco, e nunca teriam subscrito tal produto se se tivessem apercebido do risco que lhe é inerente, o mesmo é dizer que não foram devida e cabalmente informados sobre as reais características do produto em apreço. Se o tivessem sido, não teriam avançado com a subscrição, quedando-se, naturalmente, por aquilo que, até à data, haviam feito: um depósito a prazo.

Entende-se, assim, que estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, maxime no que concerne à ilicitude e ao nexo de causalidade, como emana do que se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 03-11, tirado no proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 212/2022, Série I de 03-11-2022, cujo segmento uniformizador é deste teor:

«1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»


Como se consignou no Ac. do STJ  (e desta Secção) de 10-11-2022, Rel. Oliveira Abreu, Proc. 14062/16.5T8LSB.L1.S1, em www.dgsi.pt:

«I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).»


Ponderou-se, na fundamentação deste aresto, entre o mais, o seguinte:

«Daqui resulta ser a Autora, titular de uma obrigação subordinada, na qual foram aplicadas as suas poupanças e sem estar devidamente esclarecida acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidora, avessa ao risco, sendo que o investimento se deveu à confiança que a Autora tinha nos funcionários da agência do BPN, com os quais a Autora lidava, sendo que se à Autora tivesse sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhe tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, a Autora não o teriam adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que a Autora não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficou convencida de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo Banco/Réu, um produto sem risco, com reembolso garantido.

Esta declaração, para com esta Autora, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante a Autora, sua cliente, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro.

É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos da Autora, enquanto investidora e cliente, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo da sua cliente, aqui Autora, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.»


No Ac. do STJ de 10-11-2022, Rel. Manuel Capelo, Proc. 3328/17.7T8STR.E2.S1, em www.dgsi.pt, subscrito pelo ora relator como 1º adjunto, considerou-se, a dado passo, que:

«Prescrevendo o art. 304º do CVM que os intermediários financeiros deveriam orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa-fé com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência e posto que se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que, em concreto, se poderia traduzir na violação daqueles deveres, máxime do dever de informação, com função causal relativamente aos prejuízos.

No caso em decisão, não podendo ser descurado o dever de diligência de cada indivíduo na procura da informação que permita tomar uma decisão conscienciosa (em vez de se ater apenas em alguns dos elementos, orientado unicamente pela perspetiva de obtenção dos lucros, sem atenção aos riscos), sobressai o facto de o autor ter sido interpelado por um funcionário do BPN que lhe sugeriu/propôs a aquisição de um produto diferente do habitual porque o demandante apenas sabia que estava a comprar um produto que lhe havia sido e foi apresentado como sendo tão seguro como um depósito a prazo e que lhe dava mais juros, tendo garantida do reembolso integral do capital que estava a investir. Por seu turno o funcionário não lhe prestou a informação básica associada à natureza do produto e aos riscos que envolvia, por comparação com a natureza e o risco de um produto tradicional como é o depósito a prazo. Neste quadro o autor era merecedor de esclarecimentos, completos, verdadeiros, atuais, claros, objetivos e lícitos, que estabelecessem a diferença entre um depósito a prazo e um empréstimo obrigacionista, seja quanto à identificação do devedor da obrigação de reembolso, seja quanto ao prazo de reembolso, seja ainda quanto à inexistência de qualquer garantia concedida pelo Fundo de Garantia de Depósitos e que naturalmente apenas abarcava os titulares de depósitos bancários e não outros investidores designadamente titulares de obrigações lançadas no âmbito de um empréstimo obrigacionista.»

E ainda:

«O caso presente inscreve-se no bloco dos que revelam práticas agressivas, envolvendo um cliente desprovido de conhecimentos financeiros e que foi induzido a subscrever uma “obrigação subordinada” como se fosse um verdadeiro depósito bancário, numa quebra flagrante dos deveres de lealdade e de informação. Não há dúvida de que o R. não cumpriu minimamente o dever de informação que sobre si impendia enquanto intermediário financeiro, assim como o dever de proteção dos clientes que se mostrava imprescindível em face da completa iliteracia financeira do A.

Aliás, sendo o autor cliente da R., enquanto instituição de crédito onde detinham as suas poupanças e onde efetuava as operações financeiras, num quadro de boa-fé era dever acrescido da R. não o confrontar com investimentos que comportavam uma margem de risco que o mesmo não compreendia, não o envolvendo na aquisição de um produto financeiro emitido por outra entidade e sujeito a regras específicas de que ressalta a natureza subordinada do crédito e a falta de qualquer garantia de devolução do capital em caso de insolvência, diversamente do que ocorreria se se tratasse de um depósito bancário.»


Tal como nesses casos, igualmente no presente processo há que concluir, como o fez o Tribunal recorrido, pela existência de ilicitude, como também pela verificação do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e os danos (o capital em causa e juros de mora desde a citação).


O Recorrente invocou a prescrição do direito dos AA.

Alega que, para efeitos da responsabilização do Banco R. na qualidade de intermediário financeiro, ainda que se censure a conduta do Banco, essa censura nunca poderá ser reconduzível a dolo ou culpa grave, que afastaria o prazo de 2 anos previsto no nº 2 do art. 324º do CVM, na redacção aplicável, caindo-se na prazo geral de 20 anos (art. 309º do C. Civil).

Refere que só fará o n.º 2 do art.324.º, do CdVM algum sentido se se admitir que, mesmo um intermediário financeiro cuja atividade se encontre sujeita a esse dever particular e padrão elevado, pode incorrer em falhas perante o cliente que não podem considerar-se devidas a culpa grave.

Considera que, mesmo admitindo-se que o prazo de prescrição se tenha iniciado em Novembro de 2008, quando foi divulgada e amplamente noticiada a nacionalização do Banco R., estando os AA. em condições de conhecer e responsabilizar o R. pela alegada omissão de informação que houvesse ocorrido em 2004, esperaram oito anos para instaurar a competente acção judicial, tendo, no entretanto, recolhido a totalidade dos juros remuneratórios.

Acrescenta que o Banco R., quer enquanto pessoa colectiva e agente do mercado financeiro, quer na pessoa dos seu funcionários/colaboradores, não concebeu sequer a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira ou de que com essa falta poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria, caso estivesse devidamente informado, e a ideia que perpassa é que o funcionário do Banco-R. estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil dos AA..


No acórdão recorrido, entendeu-se que o prazo a ter em conta será o de 20 anos, por ter o Banco assumido uma conduta que consubstancia culpa grave, dizendo-se, a propósito, o seguinte:

«Repare-se: para capitalizar a SLN ("dona"do BPN), os funcionários do BPN, fortemente pressionados pelas hierarquias, contactavam clientes com significativos depósitos a prazo.

Depois, fruto da confiança que o cliente tinha no seu gestor de conta, convenciam-no a subscrever obrigações SLN/2004, esclarecendo-o correctamente da remuneração mais elevada que a dos depósitos a prazo e que o período de maturidade era de 10 anos mas que, em caso de necessidade, o cliente poderia reaver o capital encarregando-se o próprio banco de ceder as correspondentes obrigações a outro cliente, o que não era difícil dada a grande procura do produto e a existência de listas de espera. Ao mesmo tempo asseguravam ao cliente que a aplicação não era muito diferente, em termos de segurança, da de um depósito a prazo, até porque a entidade emitente das obrigações era a "dona" do banco.

Mas, de acordo com instruções da hierarquia, não entregavam aos clientes a nota informativa ou a ficha técnica do produto, a não ser que o cliente as solicitasse, o que quase nunca acontecia dada a referida relação de confiança entre o cliente e o seu gestor de conta.

Os funcionários também não esclareciam o cliente que, em caso de perda de interesse do público na aquisição das obrigações, o cliente não poderia reaver o capital antes de decorridos os 10 anos de maturidade, por não ser possível ao banco operar a transferência das obrigações subscritas pelos AA a outros clientes, o que se começou a verificar após 2008.

E, mais relevante, não era dito ao cliente que as obrigações em causa tinham uma natureza subordinada. Ou seja, e penitenciando-nos por nos estarmos a repetir, no caso de insolvência da sociedade emitente, o próprio capital só seria pago aos AA depois de ressarcidos todos os demais credores (salvo os que fossem accionistas).

Quantos clientes teriam subscrito as obrigações em causa se tivessem sido devidamente informados disto? Assim, é nossa convicção que existiu culpa grave do Banco relativamente aos seus deveres de informação e de lealdade para com os seus clientes e subscritores destas obrigações, neles se integrando os ora AA. Pelo que improcede igualmente a invocada excepção de prescrição.»


No Ac. do STJ de 17-03-2016, Rel. Maria Clara Sottomayor, Proc. nº 70/13.1TBSEI.C1.S1, em www.dgsi.pt, concluiu-se:

«Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.»


No Ac. do STJ de 23-03-2021, Rel. Graça Amaral, Proc. nº 1209/19.9T8STR.E1.S1, publicado em www.dgsi.pt, com um quadro fáctico similar ao que aqui está em jogo, exarou-se o seguinte:

«I - A informação prestada pelo intermediário financeiro é deficiente e inexacta quando não elucida aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao cliente entender as respectivas especificidades.

II - Constitui aspecto essencial para um investidor de perfil conservador e não qualificado a informação de que o produto (obrigações SLN) tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, sem que lhe tenha sido explicitado, pelo menos, que não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo, isto é, o reembolso de € 25 000,00 garantidos legalmente, que consubstancia característica específicas do produto ab initio (por não estar dependente de quaisquer variantes, designadamente, da evolução da conjuntura económico-financeira).

III - A violação do dever de informação que impende sobre intermediário financeiro leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no art. 314.º, n.º 2, do CVM.

IV - Actua com culpa grave o intermediário financeiro que utiliza informação enganosa quanto às características do produto sabendo que o cliente não subscreveria a aplicação se tivesse tido conhecimento da realidade das mesmas.»


Concorda-se com o juízo feito pelo Tribunal recorrido. Na verdade, a subscrição do produto em apreço teve como pano de fundo uma relação de confiança, sendo o produto apresentado aos clientes como semelhante a um depósito a prazo e tão seguro quanto este, tendo sido dadas instruções aos funcionários do Banco para só entregarem aos clientes a nota informativa ou a ficha técnica do produto caso estes as pedissem, nunca tendo as mesmas sido solicitadas pelos AA. e, assim, não tendo sido entregues a estes. Os Autores, clientes de perfil conservador, avessos a riscos, aceitaram subscrever as obrigações em causa por lhes ser dito que era uma aplicação praticamente tão segura como um depósito a prazo e melhor remunerada, tanto mais que a entidade emitente das obrigações era a dona do Banco e, ainda, que poderia ser liquidado o produto antecipadamente, mediante endosso a um terceiro, nunca tendo o Réu explicado ao Autor marido o significado e consequências do carácter subordinado das obrigações. Caso tivesse havido uma cabal informação, que seria em tudo contrária à criação de uma situação enganosa, propiciadora da subscrição do dito produto, nunca os AA. teriam investido nas obrigações em causa.

Considera-se, por isso, na linha dos dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça citados (de 17-03-2016 e 23-03-2021), que o R. actuou com culpa grave, razão por que o prazo a aplicar in casu é o de 20 anos, não se verificando a deduzida prescrição e sendo de manter, também neste aspecto, a decisão recorrida.


Improcede a revista.



Sumário da responsabilidade do relator


I - A informação prestada por um Banco, no âmbito da intermediação financeira, deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, adequada ao perfil do investidor, de modo a propiciar a este uma decisão esclarecida e fundamentada, tomada na posse de todos os elementos relevantes (como serão, por exemplo, os atinentes à distinção entre obrigações subordinadas e depósitos a prazo), sob pena de se poder concluir pela violação desse dever e que uma informação feita de acordo com as exigências legais teria levado o cliente a não investir.

II - Preenchem-se, num quadro em que se concluiu pela violação de um tal dever, os requisitos da ilicitude e da culpa, para além do nexo de causalidade, feita a prova de que o cliente não teria investido no produto (obrigações subordinadas), apresentado com sendo semelhante a um depósito prazo e tão seguro como este, caso tivesse sido fornecida uma informação com as características referidas em I.

III – Actua com culpa grave o intermediário financeiro que, através de uma conduta (por acção ou omissão) propiciadora do engano do cliente, o leva a subscrever um produto que não subscreveria se tivesse tido o cabal conhecimento das respectivas características.



IV


Pelo exposto, nega-se provimento à revista.

- Custas pelo Recorrente.


*


Lisboa, 07-03-2023


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto