VALORAÇÃO DA PROVA
INEXISTÊNCIA DE VALOR REFORÇADO DO DEPOIMENTO DA VÍTIMA
PALAVRAS OBSCENAS SEM JUÍZOS OFENSIVOS
INEXISTÊNCIA DE CRIME DE INJÚRIA
Sumário

I - As dificuldades de prova associadas às versões antagónicas apresentadas por arguido e ofendido surgem com maior frequência nos julgamentos dos crimes não presenciados por terceiros, entre os quais se inclui o crime de violência doméstica praticado na residência comum do casal. Porém, da mesma forma que nada impõe que o depoimento da vítima tenha que ser corroborado por outros depoimentos para que lhe seja atribuída valência probatória bastante, ao mesmo não poderá ser atribuído qualquer tipo de valor reforçado.
II - A prova deverá valorar-se no seu exato contexto, estabelecendo-se entre os vários elementos probatórios as conexões lógicas e razoáveis que a sua conjugação permite, sem desprezar as presunções simples ou naturais, mas sem extrapolar de tais conexões factos ou acontecimentos não suportados pelas regras da lógica ou da razoabilidade.
III - O envio, pelo arguido à assistente, de mensagens escritas de telemóvel, contendo palavras obscenas, tais como “merda”, “caralho”, “fodas”, “puta” e “foder” – utilizadas apenas como interjeições e sem que as mensagens contivessem a imputação de factos ou a atribuição de qualquer juízo de valor ofensivo da honra – palavras que também eram utilizadas pela assistente nas mensagens que enviava ao arguido, não deverá subsumir-se ao tipo legal de injúria, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 do CP, em virtude de tal situação se incluir na categoria das condutas simplesmente descorteses, incorretas ou mal educadas e, consequentemente, não sindicáveis pelo direito penal.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 142/21.9PBTMR, foi o arguido AA, estudante, nascido em …1995, natural de …, …, filho de BB e de CC, titular do documento de identificação civil com o número …, residente na Rua …,…, …, absolvido da prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a), do Código Penal e, bem assim, do pedido de indemnização civil por danos patrimoniais e não patrimoniais deduzido pela assistente no montante de 5 737,56 € (cinco mil, setecentos e trinta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos).

***

Inconformada com tal decisão, veio a assistente interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“CONCLUSÕES:

A. O presente recurso tem como objeto a douta decisão que absolveu o arguido da prática de um crime de violência doméstica, p. p. pelo artigo 152º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do Código Penal e do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente no montante de 5.737,56€.

B. A matéria de facto não provada resultou como provada, pois que, o Tribunal ad quo desconsiderou por completo, a versão apresentada pela assistente.

C. O douto Tribunal na fundamentação da decisão, na prova documental não indicou os documentos médicos, ou seja, o relatório junto pela psicóloga, Dra. DD (fls. ), e pelo psiquiatra Dr. EE (fls. ), foram elaborados por profissionais especialistas, sem qualquer interesse na causa e que são contundentes com a descrição dos factos feita pela assistente.

D. Por outro lado, e ao contrário do que refere o douto Tribunal, não nos parece sequer plausível que a assistente pudesse ter ensaiado o seu discurso, pois que estamos a falar de factos muito concretos, numa acusação longa, dificilmente daria para memorizar e inventar… a assistente fez uma descrição concreta e pormenorizada dos factos, de forma espontânea e natural.

E. O que nos parece estranho é como é que o Tribunal pode dar mais credibilidade aos familiares do arguido, que têm todo o interesse que este seja absolvido, do que à própria assistente.

F. O facto dos amigos do arguido terem negado os factos, estes não residiam com a assistente e com o arguido, pelo que jamais poderiam saber o que se estava a passar “entre quatro paredes”, já que, em crimes de violência doméstica, é na residência que costumam ocorrer as agressões físicas e verbais.

G. Ao contrário do que referiu o douto Tribunal, a assistente sempre teve uma descrição coerente da agressão física de 22 de Novembro de 2021, contudo, é normal que as testemunhas, passado tanto tempo, possam não se recordar em específico qual o braço que tinha marcas…

H. Por outro lado, entendeu o douto Tribunal que, uma vez que a assistente era vítima de agressões no local de trabalho, há dúvida sobre se as agressões em concreto constantes da acusação terão ocorrido lá, contudo, o douto Tribunal ignorou prova documental, o e-mail enviado pelo local de trabalho de assistente (fls.) aos autos, em 10 de Maio de 2022, de onde resulta que nenhuma das agressões que a assistente sofreu no local de trabalho coincide temporalmente com as agressões provocadas pelo arguido.

I. Desta forma, parece-nos que o douto Tribunal analisou erradamente a prova, não analisou prova documental essencial para a descoberta da verdade, e não deu credibilidade ao depoimento da assistente, quando o deveria ter feito.

J. Obviamente que o arguido ia negar os factos, e que a sua mãe e os seu avós iam negar os factos…esta negação é que, no nosso ponto de vista, não merece qualquer credibilidade!

K. Em relação aos pontos 6 e 8, a) da matéria de facto não provada, a assistente nas suas declarações mencionou, várias vezes, que o arguido consumia bebidas alcoólicas em excesso, e que o viu, frequentemente, embriagado, também, ao chegar a casa e que que o arguido foi “apanhado” a conduzir sob o efeito do álcool, bem como, após consumir bebidas, proferia as expressões do ponto 8, a) à assistente, pelo que tal facto deveria ter resultado como provado.

L. Também as testemunhas FF, GG e HH, nas suas declarações transcritas, mencionaram que o arguido tinha problemas com o álcool.

M. Com efeito, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG e HH, nas concretas passagens transcritas na motivação, impunha-se considerar os factos 6 e 8, a) da matéria de facto não provada como provados, pelo que, estes foram incorretamente julgados.

N. Em relação aos pontos 9 e 10 da matéria de facto não provada, nas suas declarações a assistente relatou que houve várias discussões iniciadas pelo arguido, sobre motivos fúteis, e que este lhe dirigia a expressão “és uma merda, não vales nada, só fazes é merda”.

O. A versão da assistente é corroborada pelas declarações das testemunhas GG, FF e HH, que identificaram todas que o arguido dizia aquelas expressões e injúrias à assistente.

P. Assim, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG e HH, nas concretas passagens transcritas na motivação, impunha-se considerar os factos 9 e 10 da matéria de facto não provada como provados, pelo que, foram incorretamente julgados.

Q. Em relação ao ponto 11, a) da matéria de facto não provada, a a assistente, de forma clara e credível, relatou ao Tribunal que o arguido, por diversas vezes, lhe proferiu a expressão “tu já sabes o que é que te espera quando chegares a casa, por isso nem tentes abrir a boca”, enquanto iam no carro, pretendo ameaçar e amedrontar a assistente.

R. Desta forma, das declarações da assistente, nas concretas passagens transcritas na motivação, impunha-se considerar o facto 11, a) da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgados.

S. Em relação aos pontos 12, a), b), 13, 14, 15 e 16, a) da matéria de facto não provada, a assistente relatou de forma clara e credível, que na semana antes do dia 27 de Junho, o arguido tinha ameaçado a assistente, referido as expressões “tu desta semana não passas, tu não ficas aqui mais tempo nenhum, tu estás a isto de te pôr no caralho”.

T. Explicou ainda de forma concreta e credível que, no dia 27 de Junho, o arguido e a assistente tiveram uma discussão, o arguido proferiu as expressões constantes da acusação e atirou com o capacete da sua mota para o chão.

U. Esta versão é corroborada pelas declarações da testemunha Preciosa Florbela da Costa Luta Luís, que explicou que a assistente, sua filha, lhe contou o que tinha ocorrido naquele dia 27 de Junho, versão essa coincidente com a da assistente.

V. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente e da testemunha II, nas concretas passagens transcritas na motivação, impunha-se considerar os factos 12, a), b), 13, 14, 15 e 16, a) da matéria de facto não provada como provados, pelo que foram incorretamente julgados.

W. Quanto aos pontos 19, a), 20, 21, 23 e 24 da matéria de facto não provada, nas declarações da assistente, esta explicou que o arguido passou a controlá-la e a proibi-la de frequentar os mesmos espaços que ele, afastando-a de amigos e família.

X. E esta proibição e afastamento, era visível junto de outras pessoas, pois que as testemunhas FF, GG e II, referiram todas que a assistente deixou de contactar os amigos e familiares, durante a sua relação com o arguido e devido a este.

Y. Com efeito, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG e II, nas concretas passagens transcritas, impunha-se considerar os factos 19, a), 20, 21, 23 e 24 da matéria de facto não provada como provados, pelo que, foram incorretamente julgados.

Z. Em relação ao ponto 22 da matéria de facto não provada, a assistente descreveu de forma credível que teve várias vezes pensamentos suicidas, que passou a viver em sofrimento, e o impacto que as ações do arguido tiveram na sua saúde mental.

AA. E a tristeza e sofrimento da assistente era visível pelas pessoas que conviviam com este, conforme resulta do depoimento das testemunhas GG, FF, HH e II, que referiram todas que a assistente andava deprimida, triste e que abordou diversas vezes a possibilidade de pôr termo à vida.

BB. Da prova documental, ou seja, o junto pela psicóloga, Dra. DD (fls. ), e pelo psiquiatra Dr. EE (fls. ), ambos profissionais especialistas e sem interesse na causa, descreveram que a assistente se encontrava deprimida e com ansiedade, sendo uma descrição contundente com o relato da assistente.

CC. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG, HH e II, nas concretas passagens transcritas, bem como da prova documental referida, impunha-se considerar o facto 22 da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgado.

DD. Em relação aos pontos 25, a), 26, 27 e 30 da matéria de facto não provada, a assistente explicou de forma clara ao Tribunal que o arguido, no dia 22 de Novembro de 2020, proferiu as expressões referidas no ponto 25, a) e apertou os braços da assistente deixando-lhe diversas marcas.

EE. Este relato apresentado pela assistente é corroborado, pelas declarações das testemunhas FF, GG, HH e II, que referiram TODAS ter visto marcas no braço da assistente, e que a assistente lhes revelou ter sido o arguido a provocar tais marcas.

FF. E da prova documental, das fotografias juntas nos autos (fls. 67), é visível as marcas negras no braço da assistente.

GG. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG, HH e II nas concretas passagens transcritas, e da prova documental ora referida, impunha-se considerar os factos 25, a), 26, 27 e 30 da matéria de facto não provada como provados, pelo que, foram incorretamente julgados.

HH. Em relação ao ponto 32, a) da matéria de facto não provada, a assistente fez um relato pormenorizado dos factos praticados pelo arguido no dia 30 de Março de 2021, explicando as expressões que o arguido dirigiu, pelo que, não há qualquer dúvida que este praticou esse facto.

II. Desta forma, das declarações da assistente, nas concretas passagens acima transcritas, impunha-se considerar o facto 32, a) da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgado.

JJ. Em relação ao ponto 33 da matéria de facto não provada, a assistente explicou que houve uma discussão no dia 16 de Abril com o arguido que levou ao término da relação.

KK. Desta forma, das declarações da assistente, impunha-se considerar o facto 33 da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgado.

LL. Em relação aos pontos 34 e 35 da matéria de facto não provada, a assistente relatou que foi contactado por uma amiga e pela mãe do arguido, que lhe pediram para esta reatar a relação o arguido, porque este se queria matar.

MM. E esta versão foi corroborada pelas testemunhas FF e II que disseram ter visto a mãe do arguido a contactar a assistente, para que retomasse a relação com o arguido e que este se queria matar.

NN. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF e II, nas concretas passagens transcritas, impunha-se considerar os factos 34 e 35 da matéria de facto não provada como provados, pelo que, foram incorretamente julgados.

OO. Em relação aos pontos 36, 37, 38 e 39 da matéria de facto não provada, nas suas declarações a assistente explicou que retomou a sua relação com o arguido no dia 15, não tendo voltado a residir com este.

PP. Desta forma, tendo em conta as declarações da assistente, nas concretas passagens acima transcritas, impunha-se considerar os factos 36, 37, 38 e 39 da matéria de facto não provada como provados, pelo que, foram incorretamente julgados.

QQ. Em relação aos pontos 40, 41, 42, 43, 44 e 45 da matéria de facto não provada, a assistente e a testemunha II, explicaram que o arguido pressionou a assistente para retirar a queixa e que a coagiu a enviar uma carta para o Tribunal.

RR. O que resulta também do documento que a assistente enviou para o Tribunal (fls. ), de onde decorre que o arguido coagiu a assistente a enviar tal documento, sem dar conhecimento à sua advogada.

SS. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente e da testemunha II, nas concretas passagens transcritas, bem como da prova documental referida, impunha-se considerar os factos 40, 41, 42, 43, 44 e 45 da matéria de facto não provada como provados, pelo que, foram incorretamente julgados.

TT. Em relação ao ponto 47 da matéria de facto não provada, a assistente fez um relato da sua situação mental, de que, devido às atitudes do arguido, ficou depressiva, em sofrimento, perdeu muito peso, a chorar.

UU. O que foi corroborado pelas declarações das testemunhas FF, GG, HH e II, que descreveram o estado depressivo da assistente.

VV. Resulta ainda da prova documental, do relatório junto pela psicóloga, Dra. DD (fls. ), e pelo psiquiatra Dr. EE (fls. ), onde foi descrito o estado de ansiedade e depressão da assistente.

WW. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG, HH e II, nas concretas passagens transcritas, bem como da prova documental ora referido, impunha-se considerar o facto 47 da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgado.

XX. Em relação ao ponto 48 da matéria de facto não provada, nas suas declarações a assistente explicou que passou a viver com medo do arguido, o que veio a ser corroborada pela testemunha HH, que disse também perceber que a assistente tinha medo do arguido.

YY. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente e da testemunha HH, nas concretas passagens acima transcritas, impunha-se considerar o facto 48 da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgado.

ZZ. Em relação ao ponto 50 da matéria de facto não provada, a assistente foi sempre clara nas suas declarações a explicar que o arguido bebia em excesso, e que era nesses momentos, que ofendia verbal e fisicamente a assistente.

AAA. O que é corroborado pelas declarações das testemunhas GG, FF, que também referiram ter conhecimento dos problemas de álcool do arguido.

BBB. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente e das testemunhas HH e FF, nas concretas passagens acima transcritas, impunha-se considerar o facto 48 da matéria de facto não provada como provado, pelo que, foi incorretamente julgado.

CCC. Assim, conclui-se que os pontos da matéria de facto não provada impugnados neste recurso, foram incorretamente julgados e que, sendo os mesmos considerados como provados, estão preenchidos os pressupostos para que o arguido seja condenado pelo crime de violência doméstica

DDD. Em relação ao elemento subjetivo do crime (pontos 51, 52, 53, 54, 55 e 56 da matéria de facto não provada), provando-se os factos acima enunciados, consequentemente, também estes factos resultam como provados, pois que o arguido agiu sempre de forma intencional e dolosa, com perfeito conhecimento do que estava a fazer, pelo que estes pontos foram incorretamente julgados.

EEE. Em relação ao pedido de indemnização civil, os factos constantes dos artigos 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º e 66º do PIC resultou claro e provado das declarações da assistente, da prova testemunhal e da prova documental.

FFF. Nas suas declarações a assistente fez um relato da sua situação mental e que ficou depressiva, em sofrimento, perdeu muito peso e chorava muito, o que foi corroborado pelas testemunhas FF, GG, HH e II, que referiram todas que a assistente ficou mais depressiva, ansiosa, perdeu peso e não parecia a mesma pessoa.

GGG. Resulta ainda da prova documental, do relatório junto pela psicóloga, Dra. DD (fls. ), e pelo psiquiatra Dr. EE (fls. ), onde foi descrito o estado de ansiedade e depressão da assistente.

HHH. Desta forma, da conjugação das declarações da assistente, das testemunhas FF, GG, HH e II, nas concretas passagens transcritas, bem como da prova documental ora referida impunha-se considerar os factos constantes dos artigos 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º e 66º do PIC, pelo que, foram incorretamente julgados.

III. Os factos constantes dos artigos 67º e 68º do PIC resultam claramente evidenciados dos documentos 1 a 13, juntos com o PIC, que comprovam que a assistente frequentou aquelas consultas e naquelas datas, tendo despendido um total de 710,00€, pelo que se impunha que se considerasse os mesmos como provados, pelo que foram incorretamente julgados.

JJJ. Os factos constantes dos artigos 71º, 72º, 73º e 74º do PIC resultam claramente evidenciados dos documentos 14 e 15, juntos com o PIC. que comprovam que a assistente teve esses gastos na compra da medicação, para a depressão, nas mencionadas consultas e naquelas datas, tendo despendido um total de 27,56€, pelo que, deveriam ter sido considerados como provados, e, por isso, foram incorretamente julgados.

KKK. Face a todo o exposto, os factos constantes do PIC deveriam ser considerados como provados, e consequentemente, ser o arguido condenado a pagar à assistente o valor de 5.737,56€, por danos patrimoniais e não patrimoniais, valor esse que se estima justo e adequado.

LLL. Sem prescindir, e por mera cautela processual, sempre se dirá que ainda fosse absolvido do crime de violência doméstica, sempre que teria o arguido de ser condenado pelo crime de injúrias, pois que o ponto 46 da matéria de facto provada preenche os requisitos do crime de injúria.

MMM. O Tribunal ad quo considerou que não podia condenar o arguido pelo crime de injúria “face à inexistência de acusação particular admitida por este tipo legal”, contrariando o espírito da lei e a jurisprudência unânime (Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/02/2021, proc. nº 231/16.1GABBR.C1)

NNN. A assistente apresentou queixa, deduziu acusação contra o arguido.

OOO. Na alteração do crime de violência doméstica para um crime de injúrias não se pode exigir à ofendida a dedução de acusação particular, frustrando as suas expectativas, Até porque, no momento em que se apresenta a acusação particular, estávamos perante um crime público e tal acusação não era exigível.

PPP. Face ao exposto, caso não venha o arguido a ser condenado pelo crime de violência doméstica, sempre deverá o arguido ser condenado pelo crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.

QQQ. Em suma a douta sentença violou os artigos 152º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) e 181º, nº 1, ambos do Código Penal e 483º do Código Civil.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene o arguido pela prática do crime de violência doméstica e no pedido cível formulado pela demandante, ou, subsidiariamente, que o condene pela prática do crime de injúria.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, quer o arguido, quer o Ministério Público, responderam ao recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(arguido)

“1. Os factos dados como não provados que constam da douta decisão, devem manter-se como não provados, pelas razões que constam da douta sentença, que se encontra exemplarmente fundamentada.

2. Requer a assistente a alteração dos factos dados como não provado e da douta decisão, com base UNICAMENTE no depoimento ensaiado prestado e, pela assistente em julgamento,

3. O Tribunal a quo, desconsiderou e bem a história montada pela assistente, apresentando queixa, depois do arguido ter terminado a relação definitivamente.

4. Isto porque, Venerandos Desembargadores NENHUMA das testemunhas arroladas pela assistente, presenciou os fatos alegados por esta, são todas testemunhas que vieram a Tribunal relatar o que a assistente lhes contou,

5. O que sucede com os relatórios da psicóloga e do psiquiatra que relatam a história que a assistente / paciente lhes conta.

6. Nada consentânea com o que se passava na vida do casal, mas sim no trabalho da assistente e no seu seio familiar.

7. Ao contrário das testemunhas arroladas pelo arguido, que estavam presentes em TODAS as ocasiões que a assistente refere na sua queixa e, NUNCA viram ou presenciaram os factos que a assistente pretende agora que sejam dados como provados.

8. Os depoimentos dos familiares do arguido têm credibilidade e, não é de estranhar a credibilidade dada, porque a própria assistente confirmou a presença dos mesmos nos dias relatados por ela.

9. Se os amigos não viviam “entre as quatro paredes” vivia a mãe do arguido e os avós, que nada ouviram, nem a mesma lhes pediu alguma vez socorro ou auxílio.

10. O depoimento da assistente foi um depoimento “estudado” e “preparado”, diríamos uma vingança para levar à condenação do arguido, por causa de uma SMS enviada pelo pai do arguido à assistente.

11. Acusando-se de beber em excesso, quando NENHUMA das testemunhas o viu bêbado, e muito menos as da assistente, como referiram as testemunhas, é um jovem trabalhador que gosta de beber umas minis e se divertir com os amigos.

12. Onde a assistente estava sempre presente e bebia tanto ou mais que o arguido.

13. E que ao contrário do arguido que é uma pessoa brincalhona e divertida, a assistente bebia, deprimia, provocava o arguido, beliscava o arguido, controlava o arguido e ficava ainda mais ciumenta.

14. Porque contra o arguido não tinha nem tem factos nenhuns que consubstanciassem a prática de um crime de violência doméstica.

15. Nunca o arguido bateu ou injuriou a assistente.

16. Diz o Tribunal a quo e bem:

A assistente prestou um depoimento onde relatou todos os factos descritos na acusação, num discurso que se nos afigurou ensaiado e trabalhado, sem espontaneidade, numa exposição metódica e estudada, utilizando terminologia jurídica, iniciando pelas frases injuriosas ditas pelo arguido, referindo que algumas frases eram ditas na presença da mãe e avós, com os quais residiram, sendo certo que estes, quando inquiridos, negaram ter alguma vez ouvido ou presenciado alguma coisa.

17. As contradições intrínsecas do depoimento da assistente supra elencadas, aliadas negação dos factos por parte do arguido (excecionados os confessados) e à circunstancia da mãe e avós do arguido (com quem o casal coabitou) negarem ter presenciado quaisquer factos, os amigos com quem conviviam negarem a ocorrência dos comportamentos imputados ao arguido, referindo outrossim comportamentos menos próprios da assistente e ainda as sms trocadas e a circunstancia de a assistente ter sofrido agressões no local de trabalho minam a credibilidade da versão da assistente e criam a dúvida, que não pode deixar de considerar-se razoável, quanto ao cometimento por parte do arguido de todos os factos que extravasam aqueles que por este foram admitidos.

18. A Assistente não depôs de forma espontânea e natural e alterou a verdade dos factos.

19. Ao contrário do depoimento do arguido, um depoimento isento, espontâneo e consentâneo com a realidade, da vivência diária do casal.

20. Corroborado por testemunhas presenciais dos dias dos alegados factos.

21. De uma relação pautada por vários fins e recomeços, onde a assistente / queixosa tinha para com o arguido um comportamento tóxico, controlador, ciumento e possessivo.

22. Ao contrário do que pretende agora a assistente fazer crer ao Tribunal, os seus sintomas depressivos e de tristeza estão todos relacionados com o trabalho no …, e da relação familiar que tinha com os pais, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas do arguido e da troca de sms entre ambos e juntas aos autos.

23. Quanto ao pedido civil, não resultam provados os factos suscetíveis de integrar o crime, falta desde logo o primeiro dos pressupostos da obrigação de indemnizar, pelo que terá de improceder o pedido civil.

24. Sendo que todas as despesas das consultas foram pagas pelo pai da assistente, não tendo esta qualquer dano patrimonial.

25. Quanto à eventual condenação do arguido num crime de injurias p.e p. pelo artº 181º nº 1 do C. Penal, basta lermos as SMS trocadas entre ambos para vermos que a assistente usava para com o arguido e nas conversas, expressões “injuriosas” iguais e piores que as do ponto 46., agora sente-se ofendida por o arguido lhe dizer “merda”, “foda-se” e “caralho”.

26. O arguido não pode ser condenado por este crime porque, além de não existir acusação particular, mesmo a existir, tais expressões não são ofensivas da honra e da dignidade da assistente, que usava precisamente os mesmos termos com o arguido.

27. Não pode ser condenado pelo crime de injurias p.e p. no artº 181 do C.Penal.

28. Dever-se-á manter a douta decisão recorrida, na parte posta em crise pela Assistente, recorrente, pelas razões de facto e de direito que dela constam e que, com a devida vénia se subscrevem.

29. Não violou a douta sentença os artº 151º nº 1 b) e nº 2 a) e artº 181 nº 1 ambos do C.Penal nem o artº 483º do C.Civil.”.

(Ministério Público)

“1. No nosso sistema processual penal, o uso pelo Tribunal da Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, deve restringir-se aos casos de clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, balizados pelos pontos impugnados pelo recorrente,

2. A recorrente não demonstrou que a decisão sobre a matéria de facto fosse irrazoável, ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora da prova produzida em julgamento e das inerentes regras da experiência comum,

3. A par, não invocou qualquer concreto erro na apreciação da prova (notório ou não), voltando a repetir a versão apresentada em julgamento, analisada e afastada pelo Tribunal a quo de forma fundamentada, até porque a mesma é contrariada por prova documental e pericial, que aqui assumem relevo fulcral.

4. Da leitura da decisão recorrida se conclui que, no caso em apreço, se verificou uma dúvida em sentido formal, dúvida séria e razoável e, consequentemente, apelativa do princípio in dúbio pro reo e que cumpriu resolver em proveito do arguido, pelo que não merece censura que os factos supra mencionados se tenham dado como não provados e, consequentemente, que o arguido AA tenha sido absolvido da prática do crime de violência doméstica que lhe era imputado.

5. Neste sentido, não existem motivos para alterar a decisão sobre a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo, na medida em que a valoração da prova produzida foi realizada com rigor, explicando o processo que levou à decisão, não apenas indicando os meios de prova que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram à mesma, conforme o disposto no artigo 127º do CPP.

6. Assim sendo, deve a sentença ser mantida nos seus precisos termos.

7. Em caso de convolação, em fase de julgamento, de crime de violência doméstica para um crime de injúria, de natureza particular, se tiver sido apresentada acusação particular pela assistente, mantém-se a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, podendo ocorrer a condenação.

8. A mensagem endereçada à recorrente pelo arguido e dada como provada no ponto 46, contém expressões que não vão para além da indelicadeza, da grosseria e da má educação e que são a expressão do “vocabulário” habitualmente usado não só pelo arguido, mas também pela própria recorrente, como resulta à saciedade de elementos juntos aos autos.

9. Não se afigura que sejam susceptíveis de contenderem com o conteúdo ético da personalidade moral da visada ou que atingem valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal e que integrem a previsão do art. 181º, nº 1 do CP e permitam a condenação do arguido pela prática de um crime de injúria.

10. Deve ser negado provimento ao recurso.”

*

A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

*

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

A) Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, com desrespeito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e, caso proceda tal alegação, se os factos que deverão ser tidos por provados deverão subsumir-se ao crime de violência doméstica pelo qual o arguido se encontrava acusado.

B) Determinar se ocorreu erro de julgamento por errada subsunção dos factos tidos por provados na sentença recorrida em virtude de os mesmos deverem ter sido subsumidos ao crime de injúria.

* II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos:

“1. O arguido AA e JJ (doravante ofendida) iniciaram uma relação de namoro em fevereiro de 2019

2. Em janeiro de 2020, o arguido e a ofendida passaram a residir juntos, em condições análogas às dos cônjuges, como se fossem marido e mulher,

3. Passando ambos a residir na habitação do arguido, sita na Rua …, zona …,

4. Juntamente com a mãe e com os avós do arguido

5. A relação entre o arguido e a ofendida foi pautada por várias separações e reconciliações

7. Sendo que, por vezes, a ofendida ia ter com o arguido ao estabelecimento comercial/ café denominado «…», sito nas … em …,

17. A ofendida saiu de casa, no dia 27.06.2020, e terminando a relação com o arguido

18. Em agosto de 2020, o arguido e a ofendida reataram a relação de namoro e voltaram a viver juntos nas … (…).

28. No dia 28.11.2020 o arguido expulsou a ofendida de casa, terminando a relação com ela

29. Em dezembro de 2020, o arguido e a ofendida reataram a relação, mas terminaram a relação alguns dias depois, ainda no final desse mês,

31. Em janeiro de 2021 o arguido e a ofendida reataram a relação

46. Em datas não concretamente apuradas, mas que ocorreram em 2021, o arguido enviou mensagens à ofendida, para o telemóvel e redes sociais, nomeadamente as mensagens de fls. 79 a 84, 226-verso, 227, 228•xerso a 231 , 232-verso a 238-verso, 239verso a 243, 244-verso, 245-verso, 246 a 247-verso, 251 -verso a 256-verso, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e levais efeitos, nomeadamente com o seguinte teor.

a. «Não estou para aturar birras de merda caralho»,

b. «pareces uma cachopa de 12 anos é todos os dias esta merda caralho»

C. «és ingrata e ainda começas com merdas para mim» d «não me fodas a cabeça»

e. «manca-te» f «abre a puta dos Olhos e vê as coisas caralho» g «vai à merda mais o teu trabalho de merda» h «vai te foder» i «vai á merda» j «és ridícula, é ridículo aquilo que escreves»

O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:

6. Alguns meses após terem passado a viver juntos, o arguido passou a consumir bebidas alcoólicas em excesso, chegando a casa no estado de influenciado por bebidas alcoólicas,

8. Porém, naquelas ocasiões, quando a ofendida sugeria ao arguido «que estava na altura de sair e de ir para casa», o arguido dirigia-se à ofendida, em tom de voz elevado e em frente a todos os clientes do café, e dizia:

a. «tu não és a minha mãe», «tu não mandas em mim», «põe-te nas putas», «se estás mal muda-te e procura melhor», «deves pensar que sou como o conas mansas do teu pai que está sempre em casa», entristecendo e humilhando a ofendida.

9. Nestas ocasiões, quando o arguido e a ofendida regressavam a casa, o arguido iniciava discussões com a ofendida, por motivos fúteis, como, por exemplo, a ofendida deixar cair algum objeto,

10. Ocasiões em que o arguido dizia à ofendida: «não prestas para nada, só fazes é merda».

11. Sendo que, por vezes, no caminho para casa, o arguido dirigia-se à ofendida e dizia-lhe:

a. «já sabes o que te espera! não tentes abrir a boca!», amedrontando a ofendida

12. Durante a semana antes do dia 27.06.2021, 0 arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe:

a. «qualquer dia arrumas as tuas coisas e sais de casa»,

b. «põe-te no caralho e vai para casa dos teus pais que é lá que tu estás bem, para não me chateares os cornos!»,

13. O que disse várias vezes, em várias ocasiões e vários dias dessa semana

14. No dia 27 de junho de 2020, a ofendida e o arguido saíram e foram consumir bebidas alcoólicas/ cervejas

15. Porém, naquelas circunstâncias, depois de consumirem cervejas, a ofendida sugeriu ao arguido que fossem para casa, sendo que, nessa altura, o arguido alterou-se e atirou com o capacete da mota para o chão, partindo a respetiva viseira,

16. Ocasião em que se dirigiu à ofendida e lhe disse:

a. «desaparece-me da frente», amedrontando a ofendida,

19. porém, desde aquela altura, 0 arguido passou a proibir a ofendida de frequentar os mesmos cafés em que o arguido estivesse, referindo à ofendida:

a. «és um bicho do mato, não consegues socializar com ninguém, ninguém gosta de ti porque estás sempre de trombas», entristecendo e humilhando a ofendida

20. Na sequência dos comportamentos do arguido, a ofendida deixou de conviver com ele nos cafés,

21. Passando a ir logo para casa, quando saia do trabalho,

22. passando a ficar mais triste e com pensamentos suicidas.

23. Também, pelo menos, desde aquela altura, o arguido passou a manifestar um comportamento controlador para com a ofendida,

24. Assim, 0 arguido passou a proibir a ofendida de sair de casa e de falar com outras pessoas.

25. No dia 22.11 2020, cerca das 02:15 horas, na residência comum, o arguido discutiu com a ofendida, gritou com ela e disse-lhe:

a. «mas eu não te rebento hoje», «que puta de sorte», «és uma merda», «vai para 0 caralho», «põe-te no caralho», «estou farto de ti»,

26. Em seguida, o arguido empurrou a ofendida contra a parede e apertou-lhe os braços, causando-lhe dores e marcas vermelhas,

27. Após, 0 arguido desferiu um murro num computador, que ali se encontrava, e dirigiu-se à ofendida, com 0 intuito de a agredir, 0 que apenas não conseguiu fazer, porquanto a mesma fugiu

30. Sendo que, nestas circunstâncias, a ofendida, que ficou com uma depressão, na sequência dos comportamentos do arguido, necessitou de começar a receber acompanhamento médico

32. No dia 30.03.2021, pelas 21 horas, na residência comum, o arguido chegou à residência comum, no estado de influenciado por bebidas alcoólicas, discutiu com a ofendida, desferiu murros na mesa da cozinha e disse à ofendida, aos gritos:

a. «os teus pais são uns conas mansas; eu tinha vergonha de ser assim; ninguém gosta de ti; procura um atraso de vida que seja igual ao teu pai; não és mulher merda nenhuma; és uma espécie de namorada; quem manda sou eu, eu faço 0 que eu quiser; dizes que não admites mas eu estou a berrar contigo e vou continuar a fazê-lo», humilhando e entristecendo a ofendida

33. NO dia 16 de abril de 2021 0 arguido e a ofendida terminaram a relação, após uma discussão em que o arguido agrediu fisicamente a ofendida, de forma não apurada

34. Pelo menos desde junho de 2021, o arguido, por si ou através de terceiras pessoas, passou a dizer à ofendida «que queria reatar a relação, que estava muito mal e que se queria matar»,

35. Por forma a pressionar a ofendida a reatar a relação

36. NO dia 15 de junho de 2021, o arguido deslocou-se junto do local de trabalho da ofendida, ocasião em que lhe disse:

a. «por favor não me deixes se não eu mato-me!»,

37. Sendo que, ainda nestas circunstâncias, 0 arguido disse à ofendida que estava diferente, que já não consumia álcool,

38. Tendo a ofendida acedido em reatar a relação amorosa com o arguido,

39. Continuando, porém, a residir em casas separadas.

40. Desde essa data, 0 arguido passou a dirigir-se à ofendida e a questioná-la sobre «se já tinha mandado uma carta ao Tribunal a desistir da queixa, uma vez que já se encontravam bem»,

41. Mais dizendo à ofendida «que já não fazia sentido haver um processo em Tribunal, uma vez que estavam juntos»

42. Também desde essa data, o arguido proibiu a ofendida de falar com a sua Mandatária e disse à ofendida o que é que esta tinha que escrever um email/ requerimento a dirigir ao Tribunal.

43. Nesta sequência, a ofendida, pressionada pelo arguido, em 24.08.2021, juntou um requerimento aos presentes autos em que declarava nomeadamente pretender o arquivamento dos autos,

44. Sem dar conhecimento à sua Ilustre Mandatária Dra. KK

45. Porém, depois de a ofendida ter enviado o email, 0 arguido foi-se afastando da ofendida e esta terminou a relação em 28 de agosto de 2021

47. Na sequência dos comportamentos o arguido a ofendida passou a padecer de uma depressão, passou a andar triste, a alimentar-se mal, a chorar com regularidade, a falar pouco e passou a pensar e a falar em se suicidar,

48. Assim como passou a ter medo de andar sozinha na rua, receando poder encontrar o arguido.

49. Os descritos comportamentos agressivos do arguido, para com a ofendida, ocorriam no interior da residência comum

50. O arguido era consumidor de bebidas alcoólicas, 0 que agravava os seus comportamentos de agressão para com a ofendida.

51. O arguido agiu com 0 propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, maltratar a ofendida, ofendendo-a na sua integridade física e psicológica, bem sabendo que com as suas condutas lhe provocava intenso sofrimento físico e psicológico

52. O arguido agiu com o propósito concretizado de maltratar a ofendida, ofendendo-a na sua saúde e integridade física, bem sabendo que com as suas condutas lhe provocava intenso sofrimento físico, e bem assim dores e ferimentos, como marcas vermelhas e hematomas, como pretendia e conseguiu.

53 0 arguido agiu ainda com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, insultar e ofender a ofendida na sua honra e consideração, bem sabendo que as expressões que utilizou eram adequadas e suscetíveis de as atingir e ofender, humilhando-a na sua qualidade de mulher e de esposa, o que pretendia, e levando-a a manter uma baixa autoestima.

54. O arguido agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que molestava verbal e psiquicamente a ofendida, e que 0 fazia na residência comum com a ofendida, debilitando-a física e psicologicamente, prejudicando o seu bem-estar e ofendendo-a na sua honra e dignidade humanas.

55. O arguido bem sabia que lhe era devido todo 0 respeito à ofendida, desde logo enquanto sua namorada e companheira

56. O arguido agiu sempre de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.

Todos os demais que constam do PIC e que se dão por integralmente reproduzidos.”

***

II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Do erro de julgamento quanto à matéria de facto.

Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. Sabendo-se que os recursos são soluções de natureza jurídico processual, que se encontram vocacionados para verificar a existência e, sendo caso disso, para corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, ao tribunal de recurso não cabe julgar novamente, devendo respeitar a liberdade de apreciação da prova que o legislador concedeu ao “juiz a quo”.

No presente recurso encontra-se impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, invocando-se, assim, a existência de um erro de julgamento. Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

A este propósito, preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Na situação dos autos, encontramo-nos perante uma impugnação ampla da matéria de facto, realizada com respeito pelo disposto no artigo 412.º do CPP. Relativamente à satisfação de tais requisitos, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação à referida norma, no Comentário do Código de Processo Penal que:

“[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)” ; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”. “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.” (1)

Verificamos, pois, que para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis.

Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. (2)

E foi isso que a recorrente fez nos presentes autos, tendo assinalado os factos que, em concreto, considera erradamente julgados e tendo apresentado as provas em que sustenta o seu entendimento, quer transcrevendo parte dos depoimentos que entendeu relevantes, quer indicando as passagens da gravação que registam tais depoimentos.

***

Previamente à incursão que se impõe realizar sobre as provas concretas produzidas nos autos e que sustentaram a decisão recorrida, importa fazer uma breve referência ao princípio da livre apreciação da prova, que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP. Assim, caberá reter que, segundo tal princípio processual penal, «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio. Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável.

Como assinala Figueiredo Dias (3), a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros. Deste modo, importa reter que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico.

A assistente, que nos presentes autos assume a qualidade de recorrente, afirma ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes ao crime de violência doméstica pelo qual o arguido se encontrava acusado e do qual foi absolvido. Pretendendo impugnar a matéria de facto considerada como não provada pelo tribunal a quo, a recorrente observou as exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas, pois que:

- Indicou os pontos concretos da sua discordância, concretamente os factos não provados (pontos 6, 8 a 16, 19, 20 a 27, 30, 32 a 45, 47, 48, 51 a 56 dos factos não provados retirados da acusação e os factos alegados no pedido de indemnização civil que a recorrente indica sob os nºs 57 a 68 e 71 a 74);

- Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu parcialmente na sua motivação de recurso;

- E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tal prova levaria a decisão diversa da recorrida.

Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto na sentença recorrida, cremos que não lhe assiste razão, pois que a prova produzida nos autos, a nosso ver, permite confirmar os termos da fixação factológica daquela constante.

Realizemos então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso assentou o invocado erro de julgamento.

Importa a este propósito atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados:

“(…) Motivação:

para a formação da convicção do Tribunal foi essencial a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida, mormente as declarações do arguido, da Assistente JJ, ofendida e a prova Testemunhal da acusação, mormente, depoimentos de: II, mãe da ofendida, FF, pai da ofendida, GG, HH e toda a prova testemunhal arrolada pela defesa

De referir ainda a prova documental: l . Auto de denúncia, de fls. 125 e seguintes, 2. Fichas RVD, de fls. 133 e seguintes, 98 e seguintes 3. Assentos de nascimento, de fls. 26 e seguintes, 30 e seguintes 4. Fichas de identificação civil, de fls. 28 e seguintes, 5. Fotografias, de fls. 67, 6. Documentos, de fls. 68 e seguintes, 163 e seguintes e 218 e seguintes, 7. Documentos médicos, de fls. 97, 8. Aditamento n.0 1, de fls. 140, 9. CRC, de fls. 34 e Pericial: 1. Relatório do exame médico-legal, de fls. 52 e seguintes e ainda a 85 documentos — trocas de mensagens entre a assistente e 0 arguido nas redes sociais, um email e trocas de mensagens entre a assistente e 0 pai do arguido juntos pela defesa

O arguido negou a prática dos factos, com excepção daqueles que acima foram considerados provados, negando perentoriamente ter alguma vez atingido fisicamente a assistente, referindo que esta foi agredida no local de trabalho (o que esta admitiu, muito embora sustentando que em data diversa) e mencionando que a instigava a ir ter com os pais dela, o que esta se recusava

Note-se que estamos perante uma queixa apresentada pela assistente a 02.05.2021 onde esta mencionou duas situações, uma ocorrida a 22.11.2020 onde indicou uma situação enquadrável como ofensa à integridade física (empurrão) e outra ocorrida a 30.03.2021 onde não relata qualquer comportamento suscetivel de configurar uma ofensa à integridade física, porém, estranhamente, quando sujeita a perícia no INML a mesma assistente refere uma situação de apertão no pescoço e ter sido atirada para o chão, que não tem qualquer correspondência com a queixa apresentada, concluindo-se no relatório pela ausência de lesões.

A assistente prestou um depoimento onde relatou todos os factos descritos na acusação, num discurso que se nos afigurou ensaiado e trabalhado, sem espontaneidade, numa exposição metódica e estudada, utilizando terminologia jurídica, iniciando pelas frases injuriosas ditas pelo arguido, referindo que algumas frases eram ditas na presença da mãe e avós, com os quais residiram, sendo certo que estes, quando inquiridos, negaram ter alguma vez ouvido ou presenciado alguma coisa. Já quanto à situação do capacete relatada pela assistente, esta mencionou que a mãe e irmão do arguido assistiram, não tendo estes corroborado a versão da assistente. Também os amigos do arguido, que com ele conviviam no café apresentam uma versão distinta desta negando a ocorrência dos factos por esta descritos. Todas estas contradições comprometeram a versão da assistente, minando a sua credibilidade, impondo-se ainda salientar a postura um pouco teatral da mesma aquando da prestação de depoimento

Mais disse a assistente que escondeu tudo aos pais até ser agredida "fisicamente e violentamente" - foi essa a expressão utilizada - sem descrever os factos em concreto, referindo isolamento forçado pelo arguido, relativamente a família e amigos, que é contrariado por todos os amigos do arguido inquiridos que com eles conviviam.

Referiu que o arguido não queria estar no local onde ela estivesse, o que não é nada consentâneo com a descrição de controlador da assistente, mas outrossim com a descrição de controladora que o arguido faz da assistente, que resulta igualmente das sms trocadas juntas aos autos.

Quanto a impedir a assistente de estar com os pais, tal até é contraditório com as frases imputadas ao arguido pela assistente, que constam da acusação e com a atitude desta descritas pelas testemunhas de defesa, obsessiva em relação ao arguido

Finalmente, a situação de agressão física de 22 Novembro de 2021, referindo gritos e murros, mas sem contextualizar, diz que ele a agarrou, atirou-a contra a parede e bateu com a cabeça contra a quina da cama e ele agarrou-a nos braços e deixou-lhe hematomas nos braços (juntou fotografias aos autos, com as quais foi confrontada, mas trata-se apenas de um braço) mais referiu que o arguido tentou dar um soco no computador mas esta trancou-lhe a mão e ele tentou dar-lhe um soco mas não conseguiu, porque ela fugiu

Já a amiga/colega de trabalho da assistente menciona lesões no braço direito antebraço (nodoa negra) e a mãe desta referiu que lhe viu nódoas negras nos braços, mas apontou primeiro para o braço esquerdo e depois nos pulsos braço direto e esquerdo, precisando que não era Inverno (note-se que supostamente seria Novembro) tudo incongruências que comprometem a credibilidade da versão da assistente.

Note-se que tal não coincide com nenhuma das descrições prévias, nem a do auto de denuncia, nem a feita perante o INML pela assistente. São todas elas declarações divergentes por parte da assistente.

Disse, instada, que as agressões físicas de que foi vítima no local de trabalho não coincidem com as datas destas. Soçobra uma dúvida intensa relativamente a esta lesão, sobre a autoria da mesma, a qual não pode deixar de considerar-se razoável, uma vez que a assistente era vítima de agressões no local de trabalho, como decorre da prova produzida.

LL amiga e MM irmã segundo a queixosa foram as únicas confidentes que teve, sendo certo que as sms trocadas evidenciam uma relação patológica em que a assistente permanece numa situação nada saudável, sem se afastar do arguido

Referiu uma situação em 10.04 em que foi agredida pelo arguido, que a estrangulou junto ao chão e perdeu os sentidos (rasgou casaco, estava sem brincos) acordando no sofá, em que lhe disseram para fugir, foi para casa dos pais, mas no dia seguinte voltou para o arguido. Nunca foi ao hospital. Note-se que no auto de denuncia de 2.05 nada disso consta

As contradições intrínsecas do depoimento da assistente supra elencadas, aliadas negação dos factos por parte do arguido (excecionados os confessados) e à circunstancia da mãe e avós do arguido .com quem o casal coabitou) negarem ter presenciado quaisquer factos, os amigos com quem conviviam negarem a ocorrência dos comportamentos imputados ao arguido, referindo outrossim comportamentos menos próprios da assistente e ainda as sms trocadas e a circunstancia de a assistente ter sofrido agressões no local de trabalho minam a credibilidade da versão da assistente e criam a dúvida, que não pode deixar de considerar-se razoável, quanto ao cometimento por parte do arguido de todos os factos que extravasam aqueles que por este foram admitidos.(…)”

Analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a motivação transcrita, no que diz respeito ao que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes, arguido e testemunhas, está alinhada com o que foi efetivamente dito por cada um deles.

O arguido não assumiu, em nenhum dos seus aspetos, a prática dos factos que lhe vêm imputados e que foram tidos por não provados, factos que a ofendida, apresentando uma versão diametralmente oposta, confirmou. Por seu turno, as testemunhas ouvidas em julgamento, tendo deposto na medida dos respetivos conhecimentos, algumas porque não presenciaram os factos, outras porque os percecionaram de forma diferente, não corroboraram a versão trazida aos autos pela assistente.

As questões colocadas no recurso reportam-se à alegada existência de prova suficiente para se formar convicção probatória quanto aos factos constantes dos seguintes pontos dos factos não provados:

6. (Alguns meses após terem passado a viver juntos, 0 arguido passou a consumir bebidas alcoólicas em excesso, chegando a casa no estado de influenciado por bebidas alcoólicas)

7. (Porém, naquelas ocasiões, quando a ofendida sugeria ao arguido «que estava na altura de sair e de ir para casa», o arguido dirigia-se à ofendida, em tom de voz elevado e em frente a todos os clientes do café, e dizia: a. «tu não és a minha mãe», «tu não mandas em mim», «põe-te nas putas», «se estás mal muda-te e procura melhor», «deves pensar que sou como o conas mansas do teu pai que está sempre em casa», entristecendo e humilhando a ofendida).

9. (Nestas ocasiões, quando o arguido e a ofendida regressavam a casa, o arguido iniciava discussões com a ofendida, por motivos fúteis, como, por exemplo, a ofendida deixar cair algum objeto)

10. (Ocasiões em que o arguido dizia à ofendida: «não prestas para nada, só fazes é merda»)

11. (Sendo que, por vezes, no caminho para casa, o arguido dirigia-se à ofendida e dizia-lhe:a. «já sabes o que te espera! não tentes abrir a boca!», amedrontando a ofendida)

12. (Durante a semana antes do dia 27.06.2021, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe: a. «qualquer dia arrumas as tuas coisas e sais de casa», b. «põe-te no caralho e vai para casa dos teus pais que é lá que tu estás bem, para não me chateares os cornos!»

13. (O que disse várias vezes, em várias ocasiões e vários dias dessa semana)

14. (No dia 27 de junho de 2020, a ofendida e o arguido saíram e foram consumir bebidas alcoólicas/cervejas)

15. (Porém, naquelas circunstâncias, depois de consumirem cervejas, a ofendida sugeriu ao arguido que fossem para casa, sendo que, nessa altura, o arguido alterou-se e atirou com o capacete da mota para o chão, partindo a respetiva viseira)

16. (Ocasião em que se dirigiu à ofendida e lhe disse: a. «desaparece-me da frente», amedrontando a ofendida)

19. (porém, desde aquela altura, 0 arguido passou a proibir a ofendida de frequentar os mesmos cafés em que o arguido estivesse, referindo à ofendida: a. «és um bicho do mato, não consegues socializar com ninguém, ninguém gosta de ti porque estás sempre de trombas», entristecendo e humilhando a ofendida)

20. (Na sequência dos comportamentos do arguido, a ofendida deixou de conviver com ele nos cafés)

21. (Passando a ir logo para casa, quando saia do trabalho)

22. (Passando a ficar mais triste e com pensamentos suicidas)

23. (Também, pelo menos, desde aquela altura, o arguido passou a manifestar um comportamento controlador para com a ofendida)

24. (Assim, o arguido passou a proibir a ofendida de sair de casa e de falar com outras pessoas)

25. (No dia 22.11 2020, cerca das 02:15 horas, na residência comum, o arguido discutiu com a ofendida, gritou com ela e disse-lhe: a. «mas eu não te rebento hoje», «que puta de sorte», «és uma merda», «vai para 0 caralho», «põe-te no caralho», «estou farto de ti»)

26. (Em seguida, o arguido empurrou a ofendida contra a parede e apertou-lhe os braços, causando-lhe dores e marcas vermelhas)

27. (Após, o arguido desferiu um murro num computador, que ali se encontrava, e dirigiu-se à ofendida, com o intuito de a agredir, o que apenas não conseguiu fazer, porquanto a mesma fugiu)

30. (Sendo que, nestas circunstâncias, a ofendida, que ficou com uma depressão, na sequência dos comportamentos do arguido, necessitou de começar a receber acompanhamento médico)

32. (No dia 30.03.2021 , pelas 21 horas, na residência comum, o arguido chegou à residência comum, no estado de influenciado por bebidas alcoólicas, discutiu com a ofendida, desferiu murros na mesa da cozinha e disse à ofendida, aos gritos: a. «os teus pais são uns conas mansas; eu tinha vergonha de ser assim; ninguém gosta de ti; procura um atraso de vida que seja igual ao teu pai; não és mulher merda nenhuma; és uma espécie de namorada; quem manda sou eu, eu faço o que eu quiser; dizes que não admites mas eu estou a berrar contigo e vou continuar a fazê-lo», humilhando e entristecendo a ofendida)

33. (No dia 16 de abril de 2021 0 arguido e a ofendida terminaram a relação, após uma discussão em que o arguido agrediu fisicamente a ofendida, de forma não apurada)

34. (Pelo menos desde junho de 2021, o arguido, por si ou através de terceiras pessoas, passou a dizer à ofendida «que queria reatar a relação, que estava muito mal e que se queria matar»)

35. (Por forma a pressionar a ofendida a reatar a relação)

36. (No dia 15 de junho de 2021 , 0 arguido deslocou-se junto do local de trabalho da ofendida, ocasião em que lhe disse: a. «por favor não me deixes se não eu mato-me!»)

37. (Sendo que, ainda nestas circunstâncias, o arguido disse à ofendida que estava diferente, que já não consumia álcool)

38. (Tendo a ofendida acedido em reatar a relação amorosa com o arguido)

39. (Continuando, porém, a residir em casas separadas)

40. (Desde essa data, o arguido passou a dirigir-se à ofendida e a questioná-la sobre «se já tinha mandado uma carta ao Tribunal a desistir da queixa, uma vez que já se encontravam bem»)

41. (Mais dizendo à ofendida «que já não fazia sentido haver um processo em Tribunal, uma vez que estavam juntos»)

42. (Também desde essa data, 0 arguido proibiu a ofendida de falar com a sua Mandatária e disse à ofendida o que é que esta tinha que escrever um email/ requerimento a dirigir ao Tribunal)

43. (Nesta sequência, a ofendida, pressionada pelo arguido, em 24.08.2021, juntou um requerimento aos presentes autos em que declarava nomeadamente pretender o arquivamento dos autos)

44. (Sem dar conhecimento à sua Ilustre Mandatária Dra. KK)

45. (Porém, depois de a ofendida ter enviado o email, o arguido foi-se afastando da ofendida e esta terminou a relação em 28 de agosto de 2021)

47. (Na sequência dos comportamentos o arguido a ofendida passou a padecer de uma depressão, passou a andar triste, a alimentar-se mal, a chorar com regularidade, a falar pouco e passou a pensar e a falar em se suicidar)

48. (Assim como passou a ter medo de andar sozinha na rua, receando poder encontrar o arguido)

49. (Os descritos comportamentos agressivos do arguido, para com a ofendida, ocorriam no interior da residência comum)

50. (O arguido era consumidor de bebidas alcoólicas, 0 que agravava os seus comportamentos de agressão para com a ofendida)

51. (O arguido agiu com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, maltratar a ofendida, ofendendo-a na sua integridade física e psicológica, bem sabendo que com as suas condutas lhe provocava intenso sofrimento físico e psicológico)

52. (O arguido agiu com o propósito concretizado de maltratar a ofendida, ofendendo-a na sua saúde e integridade física, bem sabendo que com as suas condutas lhe provocava intenso sofrimento físico, e bem assim dores e ferimentos, como marcas vermelhas e hematomas, como pretendia e conseguiu.)

53. (O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, insultar e ofender a ofendida na sua honra e consideração, bem sabendo que as expressões que utilizou eram adequadas e suscetíveis de as atingir e ofender, humilhando-a na sua qualidade de mulher e de esposa, o que pretendia, e levando-a a manter uma baixa autoestima.)

54. (O arguido agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que molestava verbal e psiquicamente a ofendida, e que 0 fazia na residência comum com a ofendida, debilitando-a física e psicologicamente, prejudicando o seu bem-estar e ofendendo-a na sua honra e dignidade humanas.)

55. (O arguido bem sabia que lhe era devido todo o respeito à ofendida, desde logo enquanto sua namorada e companheira)

56. (O arguido agiu sempre de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.)

Encontram-se também impugnados os factos constantes do pedido de indemnização civil que a sentença não transcreve, nem identifica concretamente (4) e que a recorrente indica por referência a tal articulado como sendo os constantes dos pontos 57. a 68. e 71 a 74, todos eles apresentados como consequência dos factos constantes da acusação e que foram tidos por não provados.

A recorrente sustenta a invocação de erro de julgamento da matéria de facto na pretensa existência de prova demonstrativa da aludida factualidade, alegando concretamente que as declarações prestadas pela ofendida e a prova por esta apresentada, designadamente prova documental e testemunhal, impunham ao tribunal a quo que tivesse considerado tais factos como provados e que não compreende a razão pela qual “o Tribunal a quo desconsiderou, por completo, a versão apresentada pela assistente.”

Cremos, porém, que não tem razão.

A verdade é que o tribunal recorrido deixou claro na motivação da sua convicção probatória o que o levou a decidir no sentido da ausência de prova bastante dos referidos factos. Aí se encontra explicado por que razão, por referência à lógica e por apelo racional às regras de experiência comum, o tribunal entendeu que o depoimento da ofendida não era credível. A este propósito referiu concretamente que “(…) A assistente prestou um depoimento onde relatou todos os factos descritos na acusação, num discurso que se nos afigurou ensaiado e trabalhado, sem espontaneidade, numa exposição metódica e estudada, utilizando terminologia jurídica, iniciando pelas frases injuriosas ditas pelo arguido, referindo que algumas frases eram ditas na presença da mãe e avós, com os quais residiram, sendo certo que estes, quando inquiridos, negaram ter alguma vez ouvido ou presenciado alguma coisa. (…)” e que “(…) As contradições intrínsecas do depoimento da assistente supra elencadas, aliadas negação dos factos por parte do arguido (excecionados os confessados) e à circunstancia da mãe e avós do arguido .com quem 0 casal coabitou) negarem ter presenciado quaisquer factos, os amigos com quem conviviam negarem a ocorrência dos comportamentos imputados ao arguido, referindo outrossim comportamentos menos próprios da assistente e ainda as sms trocadas e a circunstancia de a assistente ter sofrido agressões no local de trabalho minam a credibilidade da versão da assistente e criam a dúvida, que não pode deixar de considerar-se razoável, quanto ao cometimento por parte do arguido de todos os factos que extravasam aqueles que por este foram admitidos.”

Efetivamente, escrutinada a prova constante dos autos, concretamente ouvidas as declarações do arguido e da assistente e os depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento, compreendemos e sufragamos o juízo probatório realizado na sentença recorrida, afigurando-se-nos efetivamente insuficiente o depoimento da ofendida, mormente atendendo às fragilidades assinaladas na decisão, para formar convicção probatória segura relativamente à veracidade dos factos tidos por não provados e que se encontram impugnados no recurso. Acresce que, ao contrário do que refere a recorrente, o depoimento da ofendida, conforme claramente se encontra explanado no excerto transcrito, não foi corroborado por qualquer outro depoimento ou por qualquer outro meio de prova, inexistindo, portanto, razão atendível para pôr em causa o juízo probatório realizado. Na realidade, da audição dos restantes depoimentos, foi possível extrair que as testemunhas II, FF (pais da assistente), GG e HH amigas e colegas da assistente) apenas puderam confirmar ter-lhes sido relatado pela assistente que o arguido consumia bebidas alcoólicas em excesso, que discutiam muito, principalmente por essa razão, e que fora agredida nas duas ocasiões referidas na acusação. Porém, nenhuma das testemunhas ouviu ou viu os factos relatados, sendo certo que as testemunhas que a assistente referiu terem presenciado alguns factos – concretamente as testemunhas NN, OO, PP e QQ, mãe, irmão e avós do arguido – não corroboraram a versão da assistente. Também os amigos do casal, que conviviam no café, quer com aquele, quer com a assistente – particularmente as testemunhas RR (este, inclusive, amigo de infância da assistente), SS e TT – negaram a ocorrência dos factos pela mesma descritos, tendo apresentado uma versão diferente da relatada por aquela, referindo que a mesma acompanhava o arguido nas suas saídas, que bebia com ele e com os restantes amigos e que andavam sempre juntos. Referiram ainda que a assistente era convidada sempre que havia festas da família do arguido e que era inclusivamente com eles, e não com a sua própria família, que a assistente passava as festividades de Natal e Páscoa. Mais afirmaram que a ofendida era uma pessoa possessiva, que fomentava discussões com o arguido e que o provocava, sendo que ele tentava afastar-se. A mais de valorizarmos a importância da imediação na apreciação da prova, que, incontornavelmente, coloca o juiz de julgamento numa posição privilegiada para proceder à sua apreciação – conquanto o mesmo tem acesso não só à expressão verbal, escrutinada pelo tribunal de recurso através da audição das gravações, mas também às expressões não verbais a que aquele não tem acesso – a audição da integralidade da prova produzida em audiência permite-nos atestar a naturalidade e a coerência dos depoimentos das identificadas testemunhas, sufragando-se a valoração dos mesmos efetuada na sentença recorrida. No que tange aos factos alegados no pedido de indemnização civil – pontos 57. a 68. e 71 a 74 – considerando que os mesmos, reportados a danos de natureza patrimonial e não patrimonial, se encontram invocados como tendo resultado dos factos que consubstanciariam a prática do crime de violência doméstica e que foram tidos por não provados, os mesmos não poderiam também deixar de ser conduzidos ao elenco da factualidade não provada, uma vez que, falecendo a prova dos factos alegadamente causadores dos danos, falece também, necessariamente, o nexo de causalidade entre tais factos e os mencionados danos invocados nos pontos em causa. Não poderemos ainda deixar de assinalar que as várias contradições detetadas entre a versão dos factos trazida a julgamento pela ofendida – que refere ter sofrido um isolamento, forçado pelo arguido, relativamente a família e amigos – e a descrição do relacionamento do casal, particularmente, da postura daquela, apresentada quer pelo arguido, quer pelas testemunhas que com ambos conviviam – que referem uma postura controladora da assistente e uma atitude obsessiva em relação ao arguido – contribuíram para pôr em causa a credibilidade das declarações da assistente. A alegação por parte desta de comportamentos do arguido controladores e proibitivos em relação a ela própria revela-se inclusivamente contraditória, quer com as frases que a mesma imputa ao arguido e que constam da acusação, mandando-a muitas vezes embora, quer com a atitude da primeira descrita pelas testemunhas de defesa, atitude que, aliás, se encontra espelhada no teor de várias mensagens sms trocadas entre ambos e juntas aos autos, conforme se refere na sentença recorrida. Registamos ainda que o arguido não se limitou a negar a prática dos factos que lhe vinham imputados, tendo apresentado a sua própria visão dos acontecimentos e tendo dito e repetido, a vários passos das suas declarações, que era a assistente quem insistia em o controlar, fazendo de tudo para ser sempre o centro das atenções e que ele até a incentivava a ir ter com os pais, o que a mesma se recusava a fazer. No que diz respeito às marcas no corpo da assistente, referiu o arguido que a assistente era agredida no seu local de trabalho, o que, aliás, foi admitido pela própria e decorre igualmente das mensagens trocadas entre ambos e juntas aos autos.

De tais declarações se retira que, na versão do arguido, a explicação para que viessem a ser-lhe imputados pela ofendida os factos em causa nos autos, factos que, reiterou, não têm qualquer correspondência com a realidade, assentará na postura controladora e depressiva daquela. Tal versão dos acontecimentos apresentada pelo arguido, à semelhança do que sucedeu com a que foi apresentada pela ofendida – em sentido diametralmente oposto – não foi, nem podia ter sido, ignorada pelo julgador. Ora, conjuntamente com a restante prova produzida, analisada com apoio racional nas regras da experiência comum, tal versão revelou-se determinante para criar a dúvida sobre a veracidade dos factos imputados ao arguido, dúvida que por se ter revelado inultrapassável, conduziu à aplicação do princípio do in dubio pro reo e à consequente decisão de não prova dos factos postos em causa no presente recurso. Consabidamente, as dificuldades de prova associadas às versões antagónicas apresentadas por arguido e ofendido surgem com maior frequência nos julgamentos dos crimes não presenciados por terceiros, entre os quais se inclui o crime de violência doméstica praticado na residência comum do casal. Porém, pese embora não descuremos tais circunstancialismos específicos, que se verificam também na situação presente, temos para nós que os mesmos não poderão legitimar a adoção de regras próprias de apreciação da prova, necessariamente especiais em relação às previstas no CPP – e que as alegações de recurso parecem pressupor – conducentes a uma valoração privilegiada do depoimento da vítima em detrimento das declarações do arguido, tudo em nome da necessidade de se ultrapassarem as sobreditas dificuldades probatórias. Da mesma forma que nada impõe que o depoimento da vítima tenha que ser corroborado por outros depoimentos para que lhe seja atribuída valência probatória bastante, ao mesmo não poderá ser atribuído qualquer tipo de valor reforçado. O que se impõe ao julgador é, outrossim, que, não perdendo de vista o circunstancialismo dificultador da prova a que acima nos reportámos, cuide de justificar a maior ou menor credibilidade que conferiu, quer ao depoimento da vítima, quer às declarações do arguido. E foi o que fez o tribunal recorrido no caso presente. Entendeu o julgador que o depoimento da ofendida se mostrou fragilizado. E explicou as razões pelas quais assim entendeu. Comungamos, pois, da convicção exposta na sentença no sentido de entender que o depoimento da ofendida, por si só, desacompanhado de qualquer outra prova que o corrobore e contrariado quer pelas declarações arguido, quer pelos depoimentos de outras testemunhas, se não se revela suficiente para se considerar provada, para além de qualquer dúvida razoável, a autoria dos factos por aquele. Vale o mesmo por dizer que não concordamos com a alegação da recorrente no sentido de que a prova constante dos autos permite formular um juízo probatório positivo sobre os factos tidos por não provados e impugnados no recurso. Afigura-se-nos, ao invés, que o que legitimamente fez o tribunal “a quo” foi analisar a prova produzida, acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as devidas inferências, sendo que estas não lhe permitiram chegar à autoria dos factos por parte do arguido. Sublinhamos que a inferência relativamente à verificação de factos não poderá consubstanciar-se num juízo conclusivo de culpabilidade. A prova deverá valorar-se no seu exato contexto, estabelecendo-se entre os vários elementos probatórios as conexões lógicas e razoáveis que a sua conjugação permite, sem desprezar as presunções simples ou naturais, mas sem extrapolar de tais conexões factos ou acontecimentos não suportados pelas regras da lógica ou da razoabilidade. Resta, pois, concluir que as circunstâncias de facto reveladas pela prova existente nos autos e enunciadas na sentença recorrida não permitem concluir que o arguido foi o autor de qualquer atuação ilícita, improcedendo a tese propugnada no recurso. Deverão, pois, manter-se nos factos não provados os factos impugnados pela recorrente, nenhuma censura nos merecendo o juízo probatório realizado pelo tribunal “a quo”, nada havendo a alterar a tal respeito.

** A impugnação da decisão em matéria de direito no que diz respeito à absolvição do arguido da prática do crime de violência doméstica decorre, no recurso em análise, primacialmente da impugnação da matéria de facto (5) e, nessa medida, não justifica aqui qualquer desenvolvimento (6), uma vez que da improcedência da primeira decorre a confirmação de absolvição, aqui valendo as explanações feitas a tal respeito na sentença recorrida, em termos que não vêm postos em causa no recurso (7). Todos os factos questionados pelo recorrente resultaram, como já vimos, não provados, devendo, pois, manter-se a decisão de absolvição do arguido da prática do crime de violência doméstica pelo qual vinha acusado.

C) Do erro de julgamento por errada não subsunção dos factos tidos por provados na sentença recorrida ao crime de injúria.

Subsidiariamente, invoca o recorrente a existência de erro de julgamento no que tange à não subsunção dos factos tidos por provados ao crime de injúria, p. e p. no artigo 181º, nº 1 do CP, defendendo que:

“(…)188º

Sem prescindir, e por mera cautela processual, sempre se dirá que ainda fosse absolvido do crime de violência doméstica, sempre que teria o arguido de ser condenado pelo crime de injúrias.

189º

Pois que, o ponto 46 da matéria de facto provada preenche os requisitos do crime de injúria.

190º

Ainda assim, o douto Tribunal considerou que não podia condenar o arguido pelo crime de injúria “face à inexistência de acusação particular admitida por este tipo legal”,

191º

Contrariando o espírito da lei e a jurisprudência unânime.

192º

A assistente apresentou queixa,

193º

E deduziu acusação contra o arguido, acompanhando a acusação pública.

194º

E, nesta matéria, a jurisprudência é totalmente unânime.

195º

Na alteração do crime de violência doméstica para um crime de injúrias não se pode exigir à ofendida a dedução de acusação particular, frustrando as suas expectativas,

196º

Até porque, no momento em que se apresenta a acusação particular, estávamos perante um crime público e tal acusação não era exigível.(…)

199º

Face ao exposto, caso não venha o arguido a ser condenado pelo crime de violência doméstica, sempre deverá o arguido ser condenado pelo crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.(…)”.

*

Mas, a nosso ver, fá-lo novamente sem razão, ainda que a improcedência do pedido de condenação do arguido pela prática do crime de injúria assente em razões diversas das invocadas na sentença recorrida, nos termos que passaremos a explicitar.

Atentemos no teor do facto provado ao qual se reporta a alegação de recurso que agora constitui o objeto da nossa análise:

“46. Em datas não concretamente apuradas, mas que ocorreram em 2021, o arguido enviou mensagens à ofendida, para o telemóvel e redes sociais, nomeadamente as mensagens de fls. 79 a 84, 226-verso, 227, 228•xerso a 231, 232-verso a 238-verso, 239verso a 243, 244-verso, 245-verso, 246 a 247-verso, 251 -verso a 256-verso, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e levais efeitos, nomeadamente com 0 seguinte teor.

a. «Não estou para aturar birras de merda caralho»,

b. «pareces uma cachopa de 12 anos é todos os dias esta merda caralho»

C. «és ingrata e ainda começas com merdas para mim» d «não me fodas a cabeça»

e. «manca-te» f «abre a puta dos Olhos e vê as coisas caralho» g «vai à merda mais o teu trabalho de merda» h «vai te foder» i «vai á merda» j «és ridícula, é ridículo aquilo que escreves»”

*

A respeito da não subsunção dos factos provados ao crime de injúria, invocando implicitamente a falta de legitimidade do Ministério Público para fazer prosseguir o procedimento criminal quanto a tal crime por alegada inexistência de acusação particular, estabeleceu sentença recorrida, nos termos que passamos a transcrever:

“(…) Ora a situação retratada na matéria de facto assente como provada está próxima da fronteira do tipo violência doméstica, mas mesmo assim é insuficiente para configurar o elemento "maus tratos" (físicos elou psíquicos), antes configurando lesão do bem jurídico "honra", pelo qual o arguido não pode ser condenado, face à inexistência de acusação particular admitida por este tipo legal. (…)”.

Ora, a análise do iter processual que compõe os presentes autos revela desde logo a falsidade da premissa na qual o tribunal recorrido fez assentar a não condenação do arguido pelo crime de injúria, pois que, ao contrário do que se consignou na sentença, a assistente deduziu acusação particular através do requerimento apresentado em 08.02.2022, da qual fazem parte os factos que poderiam integrar a prática do crime de injúria. Comungamos a este propósito do entendimento expresso, quer pela assistente no recurso, quer pelo Ministério Público na sua resposta ao mesmo, nos seguintes termos:

“(…) É sabido que o crime de injúrias reveste natureza particular, pelo que a legitimidade do Ministério Público para promover o procedimento criminal depende da apresentação de queixa por parte do ofendido, da constituição deste como assistente e da dedução de acusação particular, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código de Processo Penal. No presente caso, a recorrente apresentou queixa e foi constituída como assistente. Ademais, notificada da acusação pública, deduziu acusação particular pelos mesmos factos daquela deduzida pelo Ministério Público pelo crime de violência doméstica e, por via disso, não resulta ter o Ministério Público perdido legitimidade para exercer a ação penal em caso de convolação de crime de violência doméstica para crime de natureza particular.

Assim, dúvidas não restam de que, caso tivessem resultado provados os respetivos elementos objetivos e subjetivos, poderia ter lugar a condenação do arguido nos presentes autos pela prática do crime de injúria. Sucede, porém, que tais elementos não se encontram provados, aqui novamente se acompanhando a posição defendida pelo Ministério Público na resposta ao recurso. Vejamos.

Dispõe o tipo base da injúria nos seguintes termos:

“Artigo 181.º

Injúria

1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

2 - Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo anterior.”

Com vista a melhor compreendermos o mencionado tipo penal, façamos uma breve referência aos elementos constitutivos do tipo e aos bens jurídicos que a sua previsão visa tutelar. O artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal pune com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias aquele que imputar a outra pessoa, mesmo que sob a forma de suspeita, um facto, ou lhe dirigir palavras, ofensivos da sua honra ou consideração. Consiste este ilícito penal na “imputação a alguém (...) de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social por serem ofensivos da honra e consideração do ofendido, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento dessa dignidade por parte dos outros, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.” (8)

Trata-se de um crime contra as pessoas, no qual se pretende proteger as respetivas honra e consideração. Independentemente da forma como se caracterize a honra e, consequentemente, da posição que se adote quanto à querela que opõe as diferentes conceções normativas e as diversas sensibilidades fáctico-normativas, é indiscutível que é esse o bem jurídico que se pretende tutelar com a incriminação da injúria e que o mesmo tem natureza eminentemente pessoal.

Neste campo a Constituição da República Portuguesa afirma no artigo 25.º, n.º 1 que a integridade moral e física das pessoas é inviolável, acrescentando no seu artigo 26.º, n.º 1 que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação. É, pois, manifesto que a nossa Constituição inclui entre os vários direitos de personalidade, o direito ao bom-nome e reputação, como corolário do princípio basilar da dignidade humana. A Declaração Universal dos Direitos do Homem tutela o direito aqui em causa, consignando no seu artigo 12.º que ninguém sofrerá ataques à sua honra e reputação.

Reportando-se ao direito ao bom-nome e reputação, refere Silva Dias que “(…) como explicitação direta do princípio da dignidade humana integra este direito um núcleo essencial representativo da dimensão existencial do homem, pelo que, sem a sua proteção perante certas agressões, não é concebível o desenvolvimento social da pessoa humana. O seu conteúdo é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros (…)” (9).

São duas as vertentes que podemos descortinar no direito à honra: a honra subjetiva, o bom-nome, que consiste no juízo valorativo que cada pessoa faz de si própria; e a honra objetiva, a reputação, que se traduz na consideração que os outros têm sobre uma pessoa, a chamada opinião pública.

Ao nível do tipo objetivo o crime de injúria comporta duas condutas distintas:

- A imputação a outra pessoa de um facto, que consiste na atribuição de um facto a outra pessoa, entendido facto como um acontecimento passado ou presente, passível de prova, ou seja, cuja existência é demonstrável (sendo que a imputação de factos desonrosos não é ilícita quando é verdadeira e quando prossegue interesses legítimos);

- A direção a outra pessoa de palavras ofensivos da sua honra ou consideração;

A lei equipara estas duas situações, considerando ser tão desvaliosa a imputação de factos, como a direção a outra pessoa de palavras, essencial se torna que tais condutas sejam adequadas a ofender a honra ou consideração da pessoa a quem foram dirigidas e a quem se reportam. Relativamente a tal juízo de adequação, como escreve Silva Dias “o critério decisivo para aferir do carácter injurioso de uma afirmação de facto não consiste na violação de um qualquer preceito legal mas (…) na sua suscetibilidade para lançar o descrédito e a suspeita sobre a vítima perante a opinião pública. Por opinião pública deve entender-se a opinião de um grande círculo de pessoas que não esteja em contradição com as valorações da ordem jurídica: a determinação deste ponto de vista requer uma interpretação pelo juiz do significado social da afirmação proferida, tendo em conta o conjunto das circunstâncias internas e externas, como o grau de cultura dos intervenientes, a sua posição social, as valorações do meio, os objetivos reconhecíveis da afirmação”. (10)

Por outro lado, essas afirmações desonrosas do agente devem reportar-se à pessoa a quem se dirigem. Trata-se de um elemento fundamental, que permite distinguir o tipo de injúria do tipo de difamação, uma vez que neste caso as imputações de facto ou os juízos de desvalor se dirigem não ao próprio visado, mas a terceiros.

A nível do tipo subjetivo, o crime de injúria comporta o dolo, em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, o propósito de ofender a honra e consideração do visado. Com efeito, é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência, que o tipo não exige um dolo específico, o chamado animus injuriandi, bastando o chamado dolo genérico. Isto é, para o preenchimento do tipo penal de injúria basta que o agente tenha conhecimento que está a atribuir um facto ou a dirigir palavras a outrem cujo significado se pode considerar ofensivo do seu bom-nome e reputação e o queira fazer. (11)

*

Conhecidos os elementos fundamentais do crime de injúria, detenhamo-nos então sobre a situação dos autos, avaliando se a decisão de não condenação do arguido deverá manter-se, ou se o mesmo deverá ser condenado em virtude de as palavras dirigidas à ofendida através das mensagens sms assumirem relevância penal, como se defende no recurso.

Resulta do ponto 46. dos factos provados da sentença que o arguido se dirigiu à ofendida nos seguintes termos:

“a.«Não estou para aturar birras de merda caralho»,

b. «pareces uma cachopa de 12 anos é todos os dias esta merda caralho»

C. «és ingrata e ainda começas com merdas para mim» d «não me fodas a cabeça»

e. «manca-te» f «abre a puta dos Olhos e vê as coisas caralho» g «vai à merda mais o teu trabalho de merda» h «vai te foder» i «vai á merda» j «és ridícula, é ridículo aquilo que escreves»”

Desde já adiantamos que, a nosso ver, não poderá reconhecer-se relevância penal à conduta sindicada, uma vez que a mesma não consubstanciou nem a imputação de factos, nem a direção à ofendida de palavras ofensivos da sua honra ou consideração, não tendo atingido o respeito mínimo indispensável ao relacionamento lícito em sociedade, pelo que não poderia o tribunal recorrido tê-la subsumido à previsão do tipo penal de injúria.

É sabido que a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a entender que a mera verbalização de palavras obscenas, por si só, revelará apenas falta de educação, o que se traduzirá numa violação das normas da ética e da moral reguladoras da convivência social, não tendo, porém, a capacidade de pôr em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do visado, pelo que tal tipo de comportamento será destituído de relevância penal. É precisamente o que sucede na situação que nos ocupa.

Tal como eloquentemente se consignou no Acórdão do STJ de 12.01.2017, relatado pelo Conselheiro Souto de Moura (12), “(…) saber quando é que certas palavras são ofensivas da honra e consideração de alguém depende em primeiro lugar da intensidade ou perigo da ofensa. (…) Depois, a ofensividade potencial das palavras, mesmo independentemente do modo de sentir do visado, depende das circunstâncias do caso. E então não poderá ignorar-se, para além do mais, a banalidade ou não banalidade com que, em certos meios ou até regiões geográficas, certas expressões se usam.

Por último, a tarefa do julgador, para saber se há crime de injúrias, não se basta com a objetividade da pronúncia de certas palavras, antes reclama a valoração dos factos, aqui as palavras dirigidas. Ora, essa valoração e designadamente o grau do caráter ofensivo a partir do qual se passa da obscenidade e má criação para o crime, depende sempre da mundividência e sensibilidade do julgador. É inultrapassável.(…)”

Sufragando tal linha de entendimento, estamos convictos que o que permitirá aferir se as palavras dirigidas à ofendida no caso em análise integram o regular exercício da liberdade de expressão do arguido, ainda que com a utilização de palavras grosseiras e soezes, será a sua contextualização, isto é, a consideração das circunstâncias em que os factos aconteceram, dos objetivos subjacentes à conduta sindicada e ainda o caráter usual, ou não, da utilização das palavras em causa no relacionamento do casal. (13) Ora, na situação dos autos, para além de o arguido não ter imputado factos ou realizado juízos de valor ofensivos da honra da ofendida, a verdade é que resulta dos autos, mormente da análise das várias mensagens trocadas, cujo teor se encontra transcrito no processo, que o vernáculo fazia parte do vocabulário utilizado quer pelo arguido quer pela assistente, sendo certo que palavras obscenas tais como as que constam do ponto 46. dos factos provados – “merda”,“caralho”, “fodas”, “puta” e “foder” – eram também utilizadas pela assistente, conforme resulta do teor das mensagens pela mesma enviadas para o arguido cuja transcrição foi junta ao processo com a contestação e que se encontram identificadas na resposta ao recurso apresentada pelo arguido – Doc. 42 (22 de junho): “Que se foda, deixem-me ...” referindo-se às colegas de trabalho; Doc. 44 (23 de junho) “Oh caralho! Eu liguei-te. Tu é que me cagaste na testa” ; Doc.45, “Estas a foder-me o juízo com esta merda ???. “Fds a srrio” “ Fds, mas tu estás a gozar???”; Doc. 49, “mas eu cago para nisso”; Doc.52, “E hoje o dia já começou mal. Levei uma foda enorme da …, a dizer que não faço o meu trabalho em condições e bla bla bla” .... mas estou-me a foder. Agora vão levar com as merdas todas em cima ...; Doc. 53, “Bom, mas que se foda.”; Doc. 60 (dia 30 de junho), “Levas na tromba!! Vê la bem a tua vida. Escavaco-te”.

Ante o exposto, dúvidas não temos de que as expressões constantes do ponto 46. dos factos provados não revestem relevância que justifique a intervenção criminal. Conforme refere o Ministério Público na resposta ao recurso, “(…) São expressões que não vão para além da indelicadeza, da grosseria e da má educação e que são o exemplo do “vocabulário” habitualmente usado não só pelo arguido, mas também pela própria recorrente, como resulta à saciedade de elementos juntos aos autos. Não se afigura que sejam suscetíveis de contenderem com o conteúdo ético da personalidade moral da visada ou que atingem valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal e que permitam a condenação do arguido pela prática de um crime de injúria. (…)”

Como bem se consignou no acórdão da Relação de Lisboa 09.02.2011 (14) “o Direito Penal não deve intervir para criminalizar condutas comuns, simples desrespeitos, descortesias ou más educações” e “os tribunais não existem para apelidar de criminosas pessoas que adotam comportamentos destemperados, incorretos e avessos a uma conduta bem educada”.

A nosso ver e pelas razões acima expostas, a situação sindicada inclui-se precisamente na categoria das condutas simplesmente descorteses, incorretas ou mal educadas e, consequentemente, não sindicáveis pela direito penal, termos em que o recurso deverá improceder, também nesta parte. Nesta conformidade, ainda que por razões diversas das invocadas na sentença recorrida, manter-se-á a decisão de não condenação do arguido pela prática do crime de injúria.

***

III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Sem custas

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)

Évora, 14 de março de 2023.

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

Maria Margarida Bacelar

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1 3.ª edição, página 1121.

2 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.

3 Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 204 e ss.

4 Fazendo apenas uma referência genérica aos mesmos nos seguintes termos “Todos os demais que constam do PIC e que se dão por integralmente reproduzidos.”

5 Tal como expressamente resulta da motivação de recurso, com particular realce para o seguinte excerto:

“159º

De tudo o ora exposto, conclui-se que os pontos da matéria de facto não provada impugnados neste recurso, foram incorretamente julgados.

160º

E, desta forma, sendo os mesmos considerados como provados, estão preenchidos os pressupostos para que o arguido seja condenado pelo crime pelo qual veio acusado, ou seja, o crime de violência doméstica.

161º

Em relação ao elemento subjetivo do crime (pontos 51, 52, 53, 54, 55 e 56 da matéria de facto não provada), provando-se os factos acima enunciados, consequentemente, também estes factos resultam como provados.

162º

Pois que, dos factos acima descritos, bem como de toda a prova produzida em julgamento, nomeadamente, a já transcrita, resulta que o arguido agiu sempre de forma intencional e dolosa, com perfeito conhecimento do que estava a fazer.

163º

Desta forma, impunha-se considerar os factos 51, 52, 53, 54, 55 e 56 como provado, pelo que, o facto 51, 52, 53, 54, 55 e 56 da matéria de facto não provada foi incorretamente julgado.

164º

Face a todo o exposto, e estando preenchidos todos os pressupostos e requisitos, deverá o arguido ser condenado pela prática do crime de violência doméstica, pelo qual veio acusado.”

6 Que sempre se revelaria desnecessário face ao que já consta da decisão recorrida.

7 Após ter discorrido abstratamente sobre o crime de violência doméstica, consignou a sentença recorrida, a propósito da não subsunção dos factos tidos por provados, nos seguintes termos:

“(…) Ora a situação retratada na matéria de facto assente como provada está próxima da fronteira do tipo violência doméstica, mas mesmo assim é insuficiente para configurar o elemento "maus tratos" (físicos elou psíquicos) (…) Importa reter o particular contexto da relação, com contornos tóxicos, pautada por uma sucessão de ruturas/reatamentos, a atitude obsessiva da assistente, tal como relatado por algumas testemunhas e extensamente documentada nas trocas de sms juntas aos autos o que permite afastar a gravidade pressuposta pelo tipo legal de violência domestica (…).”

8 Acórdão da Relação de Guimarães de 5 de março de 2018, relatado pelo Desembargador Jorge Bispo e disponível em www.dgsi.pt, reportando-se ao crime de difamação.

9 Silva Dias, “Alguns aspetos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias”, 1989, pág. 17.

10 Silva Dias, ob. cit. pág. 25.

11 Neste sentido, entre outros, ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 2009, Proc. 08P3056 e Acórdão da Relação do Porto de 27 de novembro de 2019, relatado pelo Desembargador Raúl Esteves, disponíveis em disponível em www.dgsi.pt.

12 Acórdão do STJ de 12.01.2017, relatado pelo Conselheiro Souto de Moura que rejeitou o Recurso para Uniformização de Jurisprudência interposto com vista a fixar se se determinada expressão, dirigida a alguém é, por si e independentemente de tudo mais, um crime de injúrias, disponível em www.dgsi.pt.

13 No sentido da imprescindível contextualização das palavras obscenas dirigidas aos visados para aferição da sua tipicidade penal, se pronunciaram também o acórdão da Relação de Évora de 20.12.2018, relatado pela Desembargadora Ana Barata Brito e o acórdão da Relação de Lisboa de 24.11.2020, relatado pelo Desembargador João Carrola, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2011, proferido no Processo nº 16/07.6S6LDB.L1-3 e relatado por Maria José Costa Pinto.