DANOS DE NATUREZA NÃO PATRIMONIAL
MONTANTE INDEMNIZATÓRIO
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO
Sumário

I - O juízo subjacente à fixação do montante indemnizatório para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial deverá ser global, coerente, racional, sustentado e respeitador dos critérios estabelecidos pelo 496º, nº 3 por referência ao artigo 494º, ambos do Código Civil, surgindo a equidade como o critério norteador, obrigatório e decisivo.
II - A ponderação da situação económica do lesante na fixação da indemnização pelos referidos danos não viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP; ao invés, a não valoração de tal fator criaria situações de verdadeira desproporcionalidade por falta de ponderação, quer do esforço económico que o pagamento da indemnização representa no património do lesante, quer do impacto e relevância que determinada quantia assume no património do lesado.
III - O temperamento e comportamentos da própria vítima não poderão constituir, em si mesmos, e sem qualquer tipo de enquadramento ou explicação adicional, justificação bastante para se considerar exagerado o montante indemnizatório peticionado.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 205/20.8GBTMR, foi o arguido AA, divorciado, natural de …, …, nascido em …..1943, filho de BB e de CC, titular do documento de identificação com o número …, residente na Rua …, …, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº 1 a) e n.º 2 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com proibição de contacto, por qualquer meio, com a assistente, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância e proibição de uso e porte de armas pelo mesmo período.

Mais foi o arguido condenado a pagar à vítima o montante de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros vencidos e vincendos contados desde a notificação para contestar e a pagar ao Hospital o montante peticionado de 107,00 (cento e sete euros) também acrescido de juros.

*

Inconformada com tal decisão, veio a assistente interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“A - Vem o presente recurso interposto da douta decisão que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenou o arguido a pagar à Recorrente uma indemnização, a título de danos de não patrimoniais, no montante de 2.000,00€.

B - O valor indemnizatório atribuído à assistente é totalmente irrisório e insignificante para todo o sofrimento que esta sofreu ao longo de tantos anos.

C - O douto Tribunal deu como provado que ao longo de mais de 50 anos de casamento, o arguido humilhou, maltratou e agrediu a Recorrente, de forma sistemática e reiterada.

D - O tribunal ad quo justificou o valor de 2.000,00€, em dois pontos essenciais: situação económica das partes e o temperamento e comportamentos da vítima.

E - Entendemos que a situação económica do arguido não pode ser um factor preponderante na fixação da indemnização, até porque tal seria uma clara violação do art. 13º da CRP, já que o valor da dignidade das vítimas de violência doméstica, e os danos sofridos por estas, não aumenta ou diminui consoante os rendimentos dos seus agressores.

F - A indemnização civil não é um “castigo” para o agressor, mas sim uma compensação devida à vítima, por isso, o que deve relevar é o que vítima sofreu, independentemente da condição do seu agressor.

G - Não é por, eventualmente, o arguido ter menos condições financeiras que os danos sofridos pela assistente foram menores, e, consequentemente, não pode o douto Tribunal quantificá-los numa menor quantia, uma vez que tal é uma violação do art. 13º, nº 2 da CRP.

H - A capacidade que o arguido tem ou não para pagar a indemnização tem que ser auferida no âmbito de execução de sentença, e não no momento em que se profere a mesma e não compete ao douto Tribunal essa proteção dos rendimentos do arguido.

I - A situação económica do arguido não pode ser auferida apenas com o valor mensal que seja auferido, mas tem que constar também se o arguido é proprietário de algum imóvel, empresa, contas bancárias, etc.

J - Em relação ao fundamento do douto Tribunal, do “temperamento e comportamentos da vítima”, o mesmo é totalmente contrário à legislação atual, pois que culpa a assistente por ter sofrido violência doméstica...

K - Em momento algum se pode considerar que o temperamento e o comportamento de uma vítima de violência doméstica, é justificação que para que o seu companheiro a possa maltratar, humilhar ou agredir.

L - O que consta da matéria de facto são comportamentos normais de alguém que sofreu anos de violência doméstica, que era humilhada e agredida sistematicamente e que o viu o arguido fazer o mesmo às filhas.

M - A assistente sofreu de danos graves, tanto físicos como psicológicos, e foi diversas vezes parar ao Hospital, em consequência dos atos do arguido.

N - O arguido agiu sempre com um grau de culpa muito elevado, pois que, quis sempre, de forma reiterada e prolongada no tempo, maltratar, humilhar e agredir a assistente, para além de que, a assistente teve que a assistir às agressões e humilhações sofridas pelas suas filhas, também cometidas pelo arguido.

O - Tendo em conta os fatores ora mencionados e a matéria de facto dada como provada, deveria ser totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela assistente no valor total de 40.000,00€, já que estamos a falar de mais de 50 anos de ofensas à integridade física e psíquica e dignidade da assistente.

P - O valor de 2.000,00€ demonstra-se completamente insignificante face a tudo o que a assistente sofreu ao longo dos anos e não tomou em conta a gravidade de todos os danos causados, o grau de culpa do agente (muito elevado) e todas as demais circunstâncias, ora descritas.

Q - Em suma, a douta sentença violou o disposto no art. 13º da CRP, o art. 496º do Cód. Civil e o art. 21º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida quanto ao pedido de indemnização civil, decidindo-se pela atribuição à assistente do montante indemnizatório de €40.000,00 (quarenta mil euros), sendo este o valor atribuído ao pedido de indemnização civil.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o arguido pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1ª Nos presentes autos foi proferida douta sentença, que, no respeita à parte cível, condenou o arguido/demandado a pagar à recorrente/assistente a quantia de € 2.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

2ª Inconformada com tal montante indemnizatório a assistente/recorrente veio interpôr o presente recurso restrito à parte cível da douta sentença.

3ª A verdade é que, s. m. o., o montante indemizatório fixado na douta sentença recorrida é de considerar correto, justo e adequado às concretas circunstâncias do caso dos autos, sendo assim de sustentar, a final, a improcedência, do presente recurso como passa a demonstrar-se. Assim,

4ª Do que vem invocado pela recorrente e das suas conclusões de recurso – que delimitam o objecto do recurso – extraímos as questões suscitadas e a debater que, segundo cremos, e salvaguardado o devido respeito, consistem, no essencial, em aferir se, quer a situação económica do arguido/demandado, quer o “temperamento e comportamento da vitima” podem, ou não, constituir elementos atendíveis na fixação do montante indemnizatório, e que, tendo-o sido no caso dos autos, tal viola, ou não, o disposto nos artigos 13º da CRP, 496º do Códigp Civil, e 21º da Lei 112/2009, de 16 de setembro.

5ª Ora, é pacífica e unanimemente aceite na nossa doutrina e jurisprudência que os danos morais, dores, medos e inquietações, sofridos por uma pessoa não são traduzíveis em dinheiro, ou seja, não se pagam nem “apagam” com dinheiro, atenta a sua específica natureza de sentimentos próprios da pessoa humana, sendo, pois, inquantificáveis.

6ª Importa pois, no sentido de compensar de alguma forma aquele que suporta tais danos, lançar mão da equidade e fixar um valor que minore ou atenue os mesmos.

7ª E aqui, de acordo com o preceituado no artigo 496º, do Código Civil, na fixação da indemização deve atender-se aqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante indemnizatório ser fixado equitativamente pelo Tribunal, proporcionalmente à gravidade dos danos, atentas as circunstãncias de cada caso concreto (artº. 494º, C. Civil), designadamente ao grau de culpa do agente, à sua situação económica, bem como à do lesado, às concretas circunstâncias do caso, atendendo ainda à justa medida das coisas e à ponderação das realidades da vida.

8ª E, no caso dos autos, não obstante a recorrente invocar grande gravidade dos danos suportados – pese embora de uma forma vaga, genérica e imprecisa, sem concretizar objetivamente a gravidade dos concretos danos provados -., empolando e exagerando (adulterando, até, em especial quanto à sua gravidade e período temporal!) o que resulta da matéria de facto provada, o certo é que na sua argumentação olvida, de forma evidente, factos que não desconhece, que foram considerados provados (cfr., em especial, pontos nº.s 76 a 83 dos factos provados) e que não podem deixar de ser tomados em consideração e devidamente ponderados na fixação da indemnização, como aliás, e bem – em nosso modesto entender! – o fez a Mmª. juiz a quo.

9ª Pois que, como não o ignora a recorrente, nem o pode ignorar, na medida em que tal resulta em larga medida das suas próprias declarações em juízo (julgamento) –, e resultou provado, mostrando-se devida e adequadamente ponderado e tomado em consideração pela Mmª. juiz a quo na fundamentação/motivação da sentença recorrida -, ela própria, é “pessoa obstinada e insistente, procurando sempre levar “a sua avante” e sempre que não alcançava os seus intentos, enervava-se, partia e/ou arremessava – por vezes contra o arguido -, toda a espécie de objetos domésticos, e gritava alto, acabando, frequentemente, por se “sentir mal” (cfr. ponto 76 dos factos provados); “E mesmo quando o arguido – também ele bastante “nervoso”-, no sentido de evitar o agudizar das discussões, saía de casa (para o quintal ou anexos da habitação), afastando-se da assistente, esta seguia-o, persistindo em manter as discussões” (cfr. ponto 77 dos factos provados); “Além de que, frequentemente, no contexto destas discussões, procurava agredir o arguido, e algumas vezes agredia-o efetivamente, quer arremessando objetos diversos na sua direção – que por vezes lhe acertaram -, quer com murros e pontapés” (cfr. ponto 78 dos factos provados); que, “em data não concretamente apurada, há cerca de 20 anos, quando se encontravam na colheita da azeitona, gerou-se uma discussão, e a dado momento, quando o arguido seguia de costas para a arguida, esta, de forma inopinada, desferiu-lhe uma pancada na cabeça, com uma ripa de madeira, tendo na sequência de tal pancada o arguido tido necessidade de se deslocar ao Hospital Distrital de … (cfr. ponto 81, dos factos provados), e que “nas circunstâncias descritas no ponto 35 a ofendidas arremessou uma caixa de meio alqueire ao aguido, atingindo-o” (cfr.. ponto 82 dos factos provados).

10ª Além de que resultou igualmente provado (ponto nº. 83 dos factos provados) “A assistente não revela ou manifesta temor do arguido, ou evidencia/assume qualquer posição de submissão, inferioridade ou subjugação relativamente a este”.

11ª Tudo isto bem evidenciado do temperamento e comportamento da assistente /recorrente, que contribuíram de forma decisiva para o despoletar/agudizar das discussões e ambiente de conflitualidade conjugal de que resultaram os eventos danosos suportados pela assistente/recorrente (bem como os que confessamente infligiu ao arguido!).

12ª O que não deve, nem pode, à luz do disposto no artº. 496º do Código Civil, deixar de ser tomado em consideração na fixação da indemnização, contariamente ao que sustenta a recorrente.

13ª E, na verdade, e no essencial, como se alcança da matéria de facto provada, a única diferença que permite distinguir processualmente as condutas do arguido e da assistente/recorrente, é que esta apresentou queixa-crime, e aquele nunca o fez, sendo que, como claramente resulta dos factos provados, as agressões, verbais e físicas, eram recíprocas entre arguido e assitente, sendo até questionável, quais as que revestiram maior gravidade – se as perpetradas pelo arguido na pessoa da demandante, se as perpetradas por esta na pessoa daquele?!,

14ª Sendo ainda certo que, se nada impede que ocorra o crime de violência doméstica por parte de ambos os agressores, quando o mesmo resulte de factos praticados em momentos distintos e desde que nessa ocasião apenas um deles seja vitima e o outro agressor, já o mesmo não pode ser considerado quando num cenário de reciprocidade, estejamos perante uma situação de agressões (físicas ou verbais) recíprocas, no mesmo momento e com idêntico grau de gravidade (como é o caso da generalidade das situações a que respeitam os autos!).

15ª Ora, cremos que, do que acaba de se expor e do mais referido e constante dos autos, concretamente a parte sentença que respeita à fundamentação da fixação da indemnização cível devida pelo arguido à assistente, a Mmª. Juiz a quo, teve em consideração todos os critérios legais aplicáveis à fixação de tal indemnização, ponderando-os conscienciosamente no seu prudente juízo.

16ª Designadamente, o grau de ilicitude (considerado mediano na douta sentença) da conduta do arguido, o concreto modus operandi, e bem assim o temperamento e comportamento da ofendida e as agressões que esta também admitiu ter perpetrado na pessoa do arguido

17ª Daí que se entenda não merecer reparo a douta sentença sob recurso, no que concerne ao montante indemnizatório fixado, nem, tão pouco, aos critérios que presidiram a tal fixação, mostrando-se a mesma justa, e adequada à gravidade dos danos, à situação sócio económica do agente e da lesada, às demais circunstâncais do caso concreto, à justa medida das coisas e à ponderação das realidades da vida..

18ª Tudo em esctrita observância do que se prescreve no artº. 496º do Código Civil.

19ª Não se vislumbrando, de igual modo, de que forma possa, no caso concreto, tal sentença, no que respeita à tomada em consideração da (precária) situação económica do arguido na fixação do quantum indemnizatório, traduzir violação do princípio da igualdade consagarado no art. 13º da CRP, por ter tomado em consideração, além de tudo o mais, também a situação económica do arguido.

20ª Efetivamente, como vem sendo entendimento pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, o “Principio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais”. (Ac. TRC, de 27.10.2016, Proc. 7303/15.8T(CBR-C1, relator: Ramalho Pinto, consultável em www.dgsi.pt)

21º Ademais, a recorrente, não obstante invocar tal violação, s. m. o., não croncretiza de que forma a mesma se verificaria no caso concreto.

22º Deve, pois, à luz do acima exposto e invocado, improceder o presente recurso, mantendo-se inalterada a douta senteça recorrida.”

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Tendo tido vista do processo, a Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido de não dever emitir parecer uma vez que, restringindo-se o recurso a matéria civil e encontrando-se a recorrente e o recorrido devidamente representados por advogados, não cumpre ao Ministério Público tomar posição quanto ao mesmo.

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Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

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II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso, atendendo às conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir: Apreciar a adequação do montante indemnizatório fixado na sentença recorrida para ressarcimento dos danos causados pelo demandado à demandante em consequência da prática do crime de violência doméstica.

II.II - A sentença recorrida. Realizada a audiência final, e em cumprimento do acórdão desta Relação datado de 26.04.2022, proferido nos presentes autos, foi proferida nova sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos:

“1. O arguido AA e DD (nascida em ….1943) (doravante ofendida) mantiveram uma relação de namoro durante cerca de três anos.

2. Após, o arguido e a ofendida vieram a casar, no dia …1966.

3. No âmbito daquela relação, o casal estabeleceu residência em casa de um irmão do arguido, depois estiveram cerca de 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos a residir em …, regressando a Portugal antes da «Revolução de Abril» (25.04.1974), passando depois a residir na residência sita na Rua …, ….

4. Desse casamento nasceram duas filhas:

a. EE, nascida em … 1967 (atualmente com 53 anos de idade) e

b. FF, nascida em …1971 (atualmente com 49 anos de idade),

5. Sendo que EE saiu de casa dos pais, deixando de ali residir, quando tinha cerca de 24 (vinte e quatro) anos de idade,

6. E a FF saiu de casa quando tinha cerca de 28 (vinte e oito) anos de idade.

7. Entre os 15 e os 24 anos, a ofendida trabalhou numa fábrica, sendo que, por ocasião do nascimento da filha mais velha, EE, a ofendida passou a ficar em casa, trabalhando nas lides domésticas, no cuidado às filhas, e auxiliando o arguido na carpintaria que o mesmo tinha.

8. Nesta sequência, a ofendida passou a viver na dependência económica do arguido,

9. Sendo que o arguido apenas entregava dinheiro à ofendida, para as despesas domésticas, nada lhe pagando pelas atividades que a mesma desenvolvia, nomeadamente na carpintaria.

10. Quando as filhas EE e FF eram adolescentes, pelo menos há cerca de 40 (quarenta) anos, o arguido passou a manifestar um comportamento menos correto para com a ofendida, falando com ela de uma forma violenta e agressiva, discutindo com a ofendida,

11. Manifestando que «tudo aquilo que a ofendida dissesse ou fizesse não estava bem para o arguido»,

12. Sendo que, quando a ofendida alertava o arguido para o seu comportamento e modo de falar menos correto e agressivo, no entender da ofendida, o arguido enervava-se e agredia fisicamente a ofendida.

13. Da mesma forma, sempre que alguma coisa não corria como o arguido gostava ou queria, nomeadamente no âmbito do seu trabalho profissional, enervava-se e agredia fisicamente a ofendida.

14. Assim, pelo menos, desde aquela altura, o arguido passou a agredir fisicamente a ofendida, desferindo-lhe murros, o que acontecia com uma frequência não concretamente apurada.

15. Também desde a mesma altura, o arguido dirigia-se à ofendida e dizia-lhe diariamente: «filha da puta», «trapalhona» e bem assim que a ofendida «não sabia fazer nada».

16. Desde a mesma altura, por vezes, com frequência não apurada, a ofendida dizia ao arguido «que mais valia morrer do que estar com alguém assim», ao que o arguido lhe respondia «já ontem era tarde», entristecendo a ofendida.

18. Também desde a mesma altura, o arguido, por diversas vezes, arremessava objetos, como paus, mobiliário (cadeiras, entre outros), ferramentas e outros objetos, na direção da ofendida.

19. No âmbito das mencionadas agressões físicas que o arguido infligia à ofendida, esta ficava com dores e ferimentos, tendo tido de receber tratamento e assistência médica, deslocando-se ao Hospital de …, o que aconteceu em número não concreto de vezes.

20. Assim, em data não concretamente apurada, no âmbito das agressões de que foi vítima, com murros na face e na cabeça, a ofendida ficou com ferimentos, sendo que o próprio arguido a levou ao hospital («antigo hospital de …»), onde a ofendida foi suturada com vários pontos, na cabeça.

21. Em data não concretamente apurada, encontrando-se a ofendida e o arguido na cama, o arguido desferiu-lhe um murro na cabeça, causando-lhe dores.

22. Em seguida, o arguido pediu desculpa à ofendida, por essa concreta conduta, tendo sido a única vez que o arguido pediu desculpa à ofendida pelos seus comportamentos agressivos.

23. Em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido há cerca de 30 (trinta) anos, o arguido atirou com um martelo à ofendida, que se encontrava de costas para o arguido, atingindo-a (com a cabeça do martelo, com a parte de metal) na cabeça,

24. Na sequência deste comportamento, a ofendida ficou com dores e ferimentos, tendo recebido assistência médica, no antigo Hospital de …, tendo sido suturada com pontos na cabeça.

25. No dia 16.09.2010, pelas 15:30 horas, na sequência de uma discussão, o arguido desferiu-lhe uma pancada na nuca, com uma torneira, na sequência do que a ofendida ficou com dores e ferimentos apresentando «uma ferida contusa, recoberta de crosta sanguínea, na região occipital à esquerda da linha média, medindo cinco milímetros de diâmetro»,

26. Ainda nestas circunstâncias, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe «tu tás doida, vai ao médico para te curares»,

27. Em seguida, o arguido molhou a ofendida, com uma máquina de pressão de água.

28. Na sequência desta situação, a ofendida teve de receber assistência médica, tendo sido transportada ao Hospital pelos Bombeiros Municipais de …, que compareceram no local.

29. Nesta ocasião, a ofendida separou-se do arguido e saiu de casa.

30. Porém, o arguido pediu desculpa à ofendida e o casal reconciliou-se.

31. Porém, poucos meses depois, o arguido retomou os supramencionados comportamentos agressivos para com a ofendida, do modo e com a frequência supra indicados.

33. Em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido no início do mês de julho de 2020, na residência comum, o arguido empurrou a ofendida e despejou um balde com água pela cabeça da ofendida.

34. Em data não concretamente apurada, mas que ocorreu num dia da semana antes do dia 23.07.2020, na cozinha da residência comum, o arguido empurrou a ofendida, que caiu ao chão.

35. No dia 23.07.2020, cerca das 21 horas, no âmbito de uma discussão relacionada com a lavagem e armazenamento de comida (peixes), o arguido empurrou a ofendida.

37. Nesta sequência, a ofendida caiu ao chão, sentindo-se mal.

38. Nesta ocasião, a ofendida solicitou a comparência das autoridades policiais,

39. Tendo também comparecido uma ambulância da Corporação de Bombeiros Voluntários de … que a transportou ao Serviço de Urgências do Hospital de …, onde recebeu assistência médica.

40. Desde que o arguido passou a agredir a ofendida, nos termos que se deixaram supra descritos, passou também a agredir verbal e fisicamente as filhas,

41. Dirigindo-se-lhes “não sabem fazer nada»

42. Agredindo-as com objetos, como paus, tábuas ou ferramentas, que arremessava às mesmas,

43. Causando-lhes dores e ferimentos, tendo as filhas tido de receber, em várias ocasiões, assistência médica,

44. Comportamentos que o arguido levava a cabo quer na residência comum, quer na carpintaria, onde as filhas trabalharam,

46.EE trabalhou na carpintaria do arguido entre os 14 e os 24 anos e entre os 26 e os 28 anos de idade,

47. E sendo que FF ali trabalhou até aos 28 anos, sem auferir rendimentos, tendo abandonado a escola, que frequentou apenas até ao sexto ano.

48. O arguido levava a cabo os comportamentos de agressão, nas pessoas das filhas, nomeadamente na presença da ofendida, causando-lhe intenso sofrimento psicológico e emocional, por ver e sentir as suas filhas em sofrimento.

49. A ofendida e as filhas não contavam o que se passava e as agressões de que eram vítimas, pois tinham muita vergonha, desde logo, tinham vergonha de sair de casa, uma vez que tinham hematomas frequentemente pelo corpo, na face, nos olhos, na sequência das mencionadas agressões físicas que o arguido lhes infligia.

50. O arguido levava a cabo os comportamentos de agressão, na pessoa da ofendida, supra descritos, na presença das filhas comuns e na residência comum.

51. A ofendida padece de problemas de saúde, tendo antecedentes de hipertensão arterial, tiroidectomia total, histerectomia total, padecendo de depressão, tendo sido submetida a várias intervenções cirúrgicas (nomeadamente relacionadas com a tiroide) e tomando medicação.

52. Na sequência dos comportamentos levados acabo pelo arguido a ofendida passou a ficar psicológica e emocionalmente perturbada, com sintomatologia depressiva, pelo menos desde setembro de 2010, altura em que passou a ser medicada para o efeito.

53. Desde o dia 23.07.2020 a ofendida deixou de morar com o arguido.

54. O arguido e a ofendida divorciaram-se no dia …02.2021.

55. O arguido agiu com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, maltratar a ofendida, ofendendo-a na sua integridade física (com excepção do ponto 21) e psicológica, provocando-lhe dor, ferimentos e sofrimento.

56. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, insultar e ofender a ofendida na sua honra e consideração, bem sabendo que as expressões que utilizou eram adequadas e susceptíveis de as atingir e ofender.

57. O arguido agiu consciente e voluntariamente, sempre com o propósito querido, reiterado e conseguido de molestar física, verbal e psiquicamente a ofendida, debilitando-a psicologicamente, prejudicando o seu bem-estar e ofendendo-a na sua honra e dignidade e consideração enquanto ser humano, bem sabendo que esta era sua mulher e mãe dos seus filhos, e que por isso lhe devia respeito e consideração.

58. Ao agir do modo descrito o arguido fê-lo desprovido de qualquer justificação e de forma deliberada, livre, voluntária e consciente com o claro propósito de maltratar tanto física como psicologicamente a ofendida.

59. O arguido bem sabia que a ofendida vivia num ambiente de constante ansiedade, ao ver as constantes agressões verbais e físicas que o arguido infligia às suas filhas, e que tal lhe causava danos psicológicos e emocionais.

60. O arguido agiu sempre de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal.

61.AA, de 77 anos de idade, natural de …, divorciado, possuidor do 4º. ano de escolaridade, reformado, vive só, numa casa térrea, propriedade do próprio (era dos avós e reconstruiu-a), de tipologia T3, que avaliou como disponibilizando de condições de habitabilidade, sendo que no mesmo terreno possui uma outra casa antiga em estado degradado, a que chama de barracão e um pequeno quintal onde possui uma horta e duas galinhas. A 1Km de distância possui um outro espaço que era onde tinha a oficina de carpintaria, mas já vendeu as máquinas.

62.A zona de residência é de caraterísticas predominantemente rurais, sossegada cujo relacionamento com a comunidade é tendencialmente pacífico e cordial.

63.As condições materiais encontram se consubstanciadas no valor da sua pensão de€432,28, dando €75,00/mês à ex-mulher por ordem do Tribunal.

64.O seu quotidiano é ocupado a fazer algumas peças de carpintaria (maços, cabos, tábuas…) que oferece aos amigos em troca de alguns favores, como por exemplo almoços que lhe pagam, na horta, na pesca, ajudando os amigos em alguns trabalhos de que necessitam e vai ao café com os amigos e a casa deles para conviverem.

65.Em termos de saúde o arguido tem problemas de coluna e de ossos, tendo já sido operado três vezes aos joelhos, com colocação de próteses. Aguarda nova intervenção cirúrgica a uma hérnia inguinal.

66.AA apresenta como caraterísticas pessoais mais relevantes a sua capacidade de trabalho, de responsabilidade, de amizade, de relacionamento interpessoal ajustado, sendo reconhecido como um indivíduo generoso e honrado. As suas fragilidades estão relacionadas com o seu temperamento mais colérico/irritadiço e obstinado sendo muito exigente e rigoroso em que as regras e normas devem ser cumpridas de modo muito escrupuloso, com parca capacidade de tolerância.

67.O arguido é o mais novo de três filhos fruto do casamento dos progenitores que sempre viveram na localidade de … tendo formado a sua personalidade num contexto sociofamiliar convencional, afetivo e normativo. O pai era empregado na … e a mãe trabalhava no campo em que as condições económicas foram difíceis.

68.Em idade regular frequentou estabelecimento de ensino com dificuldades de aprendizagem tendo reprovado duas vezes no 2º ano e três vezes no 3.º ano. Concluiu o 4º ano de escolaridade já em idade adulta e ainda frequentou o 1.º ano industrial, em…, em regime noturno.

69.Aos 14 anos iniciou atividade laboral numa carpintaria/serração, mas ao fim de 9 meses saiu porque gozavam com o arguido e tinha de andar a pé 12 Km. Posteriormente foi trabalhar para uma marcenaria, em …, mas como o vencimento era pequeno foi trabalhar como carpinteiro de cofragem na construção civil. Com cerca de 20 anos fez o serviço militar pelo período de 28 meses em …, … e …. Retomou a sua atividade como carpinteiro na … e em 1969 foi para a … onde trabalhou como fogueiro nos caminhos de ferro e posteriormente como camionista. Em 9.4.1974 regressou a … e voltou à sua profissão de carpinteiro na …. Quando aquela empresa fechou ainda foi para … para uma carpintaria e em 1977 abriu a sua própria oficina de carpintaria que encerrou em 2010 por problemas de saúde.

70.Com 19 anos começou a namorar com uma prima e vieram a casar se quando tinha 23 anos de idade.

71.Do matrimónio teve duas filhas, atualmente com cerca de 50 e 54 anos de idade. As filhas não falam com o pai desde 2010 e 2012. No presente ano ocorreu o divórcio. Toda a família trabalhou na oficina do arguido e desde há vários anos que era habitual existirem desentendimentos entre os elementos constitutivos do agregado.

72.O arguido desenvolveu-se no seio de uma família humilde, trabalhadora e normativa.

73.Desde criança e até à atualidade manifestou um temperamento nervoso e obstinado com atitudes de grande exigência e rigor para si e para os outros, com diminuta capacidade de flexibilidade e de tolerância.

74.O seu percurso de vida foi marcado positivamente pelos seus hábitos de trabalho, de relacionamento interpessoal ajustado fora do contexto familiar e de inserção social consentânea sendo aceite e estimado.

75.O arguido não tem antecedentes criminais.

76. A assistente ao longo da vida, e de forma mais acentuada com o avançar da idade, foi pessoa obstinada e insistente, procurando sempre levar “a sua avante” e sempre que não alcançava os seus intentos, enervava-se, partia e/ou arremessava – por vezes contra o arguido! – toda a espécie de objetos domésticos, e gritava alto, acabando, frequentemente, por se “sentir mal”.

77. E mesmo quando o arguido – também ele bastante “nervoso”-, no sentido de evitar o agudizar das discussões, saía de casa (para o quintal ou anexos da habitação), afastando-se da assistente, esta seguia-o, persistindo em manter as discussões,

78. Além, de que frequentemente no contexto dessas discussões, procurava agredir o arguido, e algumas vezes agredia-o efetivamente, quer arremessando objetos diversos na sua direção - que por vezes lhe acertaram -, quer com murros e pontapés.

79.E efetivamente a assistente sempre foi pessoa muito “nervosa”, exaltando-se por tudo e por nada,

80.Sendo que tal condição emocional da queixosa se agravou até com a permanente conflitualidade entre o casal e as suas filhas.

81.Em data não concretamente apurada, há cerca de 20 anos, quando se encontravam na colheita da azeitona, gerou-se uma discussão e a dado momento, quando o arguido seguia de costas para a assistente, esta, de forma inopinada, desferiu-lhe uma pancada na cabeça com uma ripa de madeira, tendo na sequência de tal pancada o arguido tido necessidade de se deslocar ao Hospital de …

82.Nas circunstancias descritas no ponto 35 a ofendida arremessou uma caixa de meio-alqueire ao arguido, atingindo-o.

83.A assistente não revela ou manifesta temor do arguido, ou evidencia/assume qualquer posiçao de submissão, inferioridade ou submissão/subjugação relativamente a este.

Factos não provados:

1. O arguido dirigia-se à ofendida e dizia-lhe diariamente: «ordinária», «cavalgadura», «besta» e «trambolha».

2. No dia 23.07.2020, cerca das 21 horas, no âmbito de uma discussão relacionada com a lavagem e armazenamento de comida (peixes), o arguido disse à ofendida «que ficasse calada, que ela era uma trapalhona e que não tinha juízo», «besta, filha da puta, cavalgadura»,

3. Em seguida, o arguido dirigiu-se à ofendida e desferiu-lhe murros na cabeça, atirou-lhe com dois bancos, sendo que, um deles a atingiu nas costas,

4. Na sequência de conduta do arguido, FF:

a. chegou a andar com uma lasca de madeira espetada na cabeça durante 15 dias, por uma pancada que o arguido lhe havia desferido com um pau,

b. e bem assim ficou com o dedo mindinho partido, na sequência de outra pancada, noutra ocasião, também com um pau,

c. assim como chegou a ser agredida com murros na zona da boca, tendo-lhe o arguido causado ferimentos, rasgando-lhe o lábio superior e partido os dentes da frente, tendo FF passado a ter de usar próteses dentária, agressão motivada porquanto o arguido não queria que a sua filha se relacionasse socialmente com determinadas pessoas familiares (primas),

5.Há cerca de 10 anos, a assistente, munida de uma embalagem de inseticida (aerossol), começado a pulverizar batatas, tendo-lhe o arguido dito para parar com a aplicação de inseticida tendo-se dirigido à mesma com o intuito de lhe retirar a embalagem de inseticida das mãos, sendo que quando se aproximou da queixosa esta de imediato lhe desferiu um pontapé na região genital, causandolhe dores violentas, tendo-se ambos envolvido fisicamente na disputa pela referida embalagem de aerossol,

6. A partir da adolescência das filhas, o casal (arguido/assistente) passou a enfrentar problemas relacionais e a viver numa clima de alguma conflitualidade, o que até então não sucedia.

7. Tal decorria, quase essencialmente, das diferentes posturas do casal relativas à educação das suas ditas filhas, adotando, nesse concernente, a assistente uma posição mais liberal e tolerante, em especial no que concernia a saídas e passeios destas, desacompanhadas dos progenitores, e o arguido uma posição mais rígida e exigente,

8. Postura que o arguido de alguma forma extremou após a filha mais velha (EE), então com apenas 17 anos de idade, se ter envolvido sexualmente com um colega de trabalho na oficina de carpintaria que o arguido explorava, e que resultou em gravidez indesejada.

9.As filhas (há cerca de 15 anos) deixaram de visitar ou contactar o arguido e a assistente, recusando os contactos e proibindo-os mesmo de ver ou contactar os netos, ameaçando com polícia e tribunais, caso o tentassem fazer, como resulta da correspondência trocada - Doc.s 1, 2 e 3, e e-mails recebidos pe!o arguido (tlm. …) da filha, FF (tlm. …) -, pelo arguido, CUJO teor ora se transcreve:

Em 04.01.2014:"Mais uma igual a esta e vai haver merda. Palhaçada"

Em 11-01-2014: (após tentativa de telefonema do pai) "Não vale a pena telefonar nem mandar mensagem"

Em 05.04.2014:"Já foram avisados para nos deixarem em paz e o "

27.01-2015:"à próxima que se repetir a gracinha será a polícia que vai procurar".

Em 15.06.2015:"A próxima vez que tentar ligar ou chegar próximo do meu filho será a polícia ou advogado a ligar para aí ou até um fiscal das finanças para acertar as contas"

Em 15.06.2015:"Já vos tinha avisado para deixarem a minha família em paz e deixar de perseguir o meu filho. Não tem vergonha? Tanta palhaçada/falsos e mentirosos! enquanto não limpa ma mera das mentiras e das calhandrices não me apareçam ".

Em 20.04.2016:"Ódio tem o Sr. quando fala mal de mim e dos meus. Não traga Deus para a festa da maldade não sei o que vai fazer à missa e não me chame filha até me mete nojo."

11. A Condição da ofendida foi-se agravando com a idade, e agudizava-se sempre que a assistente deixava de tomar a medicação que lhe era prescrita clinicamente.

12.Sendo que, quando o arguido não autorizava alguma "saída"/passeio(especialmente os noturnos), por o entender inconveniente, as filhas pressionavam a mãe no sentido desta o convencer a alterar tal posição, o que esta procurava fazer, conduzindo frequentemente a discussões familiares.

13.Recusando-se, inclusive, a comparecer nas consultas dos médicos que a seguiam, apesar das muitas insistências do arguido, que insistia na necessidade de ela comparecer a tais consultas, tendo, inclusive, em data que o arguido não sabe precisar mas que situa aproximadamente no ano de 2017, por v, encontrando-se com a assistente em … para fazer de outros assuntos, e sabendo que nesse dia o médico (psiquiatra), Dr. GG, que acompanhava clinicamente a assistente, estava dar consulta na clínica …, ali se dirigiu com a assistente, mas, ali chegados, esta recusou-se a entrar na dita clínica, tendo o arguido na sequência de tal recusa, ido ele próprio falar com o médico, que veio ao exterior da clínica consultá-la no carro.

14. Sendo que tal condição emocional da queixosa se agravou até com a permanente conflitualidade entre o casal e as suas filhas, as quais entendiam que os pais as deviam ajudar mais.

15.E isto apesar de os pais sempre as terem ajudado materialmente aquando dos seus casamentos e construção das respetivas habitações, tendo, inclusive, pretendido doar-lhe a oficina de carpintaria que o arguido explorava, para que elas e os respetivos maridos continuassem a exploração daquele negócio - o que recusaram!

16.O que contribuía sobremaneira para a instabilidade emocional da assistente que, alternadamente, culpava as filhas e o arguido dessa situação, tudo fazendo para se aproximar das filhas e netos, cedendo a todas as exigências/pressões daquelas (que há muito incentivavam a mãe a divorciar-se do arguido), em prejuízo da relação com o arguido, então seu marido.

17.Gerando um clima de permanente e latente conflitualidade entre a assistente e o arguido, e dando azo a frequentes discussões entre eles, com insultos e acusações recíprocos,

18.A assistente frequentemente o apodava o arguido de "doido", "maluco" e lhe dizia "vai marrar com o comboio" e "mando-te prender" e sempre quis e pretendeu fazer prevalecer a sua vontade em todas as questões familiares, desiderato que em regra, pela persistência, lograva alcançar.

19.O supra descrito clima de conflitualidade entre o arguido e assistente nem sempre se verificou, pois que desde o casamento e até á adolescência das filhas o casal (arguido/queixosa) viveu em harmonia, e, de igual modo, apos as filhas casarem e deixarem de residir em casa destes, durante algum tempo - até começarem a surgir desavenças com as filhas - tal harmonia regressou à vivência do casal, sendo raras e sem grande expressão as discussões entre eles, indo frequentemente juntos à pesca, à praia aos fins-de-semana em excursões pelo país e a …, viajando até …, além de que, durante cerca de 15 anos, iam, anualmente, passar uma quinzena nas termas de ….

20.A nível económico, apesar de períodos de maior dificuldade, nunca o casal enfrentou carências económicas, tendo até períodos de algum desafogo financeiro, em especial após as filhas deixarem de com eles residir.

21.Sempre em casa existiu dinheiro que a queixosa usava livremente para fazer face a todos as despesas, quer domésticas, quer pessoais,

22.Tendo inclusive a assistente acesso, como co-titular, a uma das duas contas bancárias de que o arguido era titular/co-titular (a outra foi, durante anos, usada para os movimentos financeiros do negócio/carpintaria, que o arguido explorou),

23.E se é certo que a assistente muito raramente movimentou a referida conta bancária, tal não se deveu a qualquer impedimento e/ou controlo por parte do arguido, mas tão só a comodismo daquela que que sempre foi avessa tratar ela própria de qualquer assunto burocrático ou administrativo.

24.Como, aliás, nunca quis "tirar" carta de condução (no que o arguido muito insistiu, em especial quando as filhas o andaram a fazer), carecendo sempre que alguém (arguido, filhas, vizinhos) a conduzisse onde necessitasse ou pretendesse deslocar-se, ou então, ou utilizar para o efeito os (escassos) transportes públicos existentes na área de residência .

25.E, relativamente às suas filhas, sempre o arguido lhes pagou salário (e encargos sociais) enquanto as mesmas (e, mais tarde, também os respetivos maridos) trabalharam na carpintaria que explorou, e para onde as mesmas foram trabalhar, por vontade própria, por não pretenderem continuar a estudar.”

* II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Da adequação do montante indemnizatório fixado na sentença recorrida.

Não se tendo conformado com a parte da sentença recorrida que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado, solicita a demandante no seu recurso a alteração da decisão nessa parte e a sua substituição por outra que julgue totalmente procedente o referido pedido e fixe o montante indemnizatório em 40 000,00 € (quarenta mil euros) (1), reputando manifestamente insuficiente a quantia fixada pelo tribunal recorrido a título de compensação pelos danos não patrimoniais que lhe foram causados pelas condutas do arguido sancionadas nos autos.

Cremos que lhe assiste parcialmente razão.

Conforme abundantemente reflete o elenco dos factos provados, é inequívoco que se encontra demonstrada a ilicitude da conduta do demandado e o nexo de causalidade entre os factos e os danos, pois não fora a conduta reiterada daquele e a demandante não teria sofrido as lesões físicas e psicológicas e as respetivas sequelas mencionadas no acervo factológico tido por provado na sentença. Assim, começando por verificar a existência dos pressupostos da responsabilidade civil diremos apenas que, provadas que estão as condutas criminosas (ofensas físicas e psicológicas provocadas pelas várias agressões do arguido à ofendida), os danos da mesma resultantes (lesões e sequelas sofridas pela vítima) e o nexo de causalidade entre tais condutas e os referidos danos (relação de causa e efeito entre as ofensas e os danos), se encontram verificados os mencionados pressupostos, a saber: o facto voluntário do lesante; a ilicitude de tal facto; a imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 129º do C.P e 483º, nº 1, 502º, nº 1, 563º, 493º, nº 1 e 496º, nº 1, todos do Código Civil.

Quanto à responsabilidade civil pelos danos de natureza não patrimonial, que constitui o objeto da nossa análise, rege desde logo o artigo 496º, nº 1, do Código Civil, de acordo com o qual “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”. De tal estatuição legal resulta que não são quaisquer danos de natureza não patrimonial que são suscetíveis de ressarcimento, mas tão só aqueles que assumem especial dignidade ou relevância para efeitos de tutela jurídica, aí se não incluindo os meros “incómodos” próprios da vida quotidiana.

O artigo 566º, nº 1, do Código Civil estabelece a faculdade de ser fixada indemnização pecuniária quando a reconstituição natural se não afigure possível, tal como sucede na reparação dos danos de índole não patrimonial. Por outro lado, a equidade surge, como o critério norteador, obrigatório e decisivo, da fixação dos montantes indemnizatórios, determinando o artigo 496º, nº 3, em conjugação com o artigo 494º ambos do Código Civil, que, na fixação do quantum indemnizatório, o juiz deverá fazer uso de critérios de equidade, tomando em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado, bem como as demais circunstâncias concretas relevantes.

No caso sub judice, a culpa não pode deixar de considerar-se acentuada, atendendo à censurabilidade que merece a conduta do demandado, traduzida numa contínua e reiterada violação do dever de respeito da integridade física, do bem estar psicológico e da honra da sua mulher. Importa igualmente atender ao período temporal durante o qual foram praticadas as condutas ilícitas – pelo menos 40 anos, conforme consignado no ponto 10. dos factos provados – à gravidade das lesões e sequelas sofridas pela ofendida, muitas delas demandando tratamento médico – consignadas nos pontos 19. a 28. dos factos provados – e à intensidade das dores e do sofrimento psicológico sentidos pela demandante – nos termos constantes dos pontos 55. a 59. dos factos provados. Igualmente se impõe considerar as condições económicas do demandado, que se encontram exaradas nos pontos 61. a 64. dos factos provados.

A verdade, porém, é que a decisão sindicada não valorou todas estas circunstâncias, ou, pelo menos, não explicitou tal valoração, pois que na fundamentação do seu juízo equitativo apenas consignou, parcamente, as considerações genéricas que passamos a transcrever:

“No caso, concreto foi deduzido pedido de indemnização civil no montante de 10.000€ (2), ora na fixação do valor da indemnização devem ser considerados a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Considerando o teor dos factos provados, verificam-se os pressupostos legais quais sejam o facto ilícito e culposo e no atinente aos danos psicológicos sofridos pela ofendida na sequência do comportamento do arguido, sendo ainda de considerar a situação económica das partes, pelo que temos por adequada a atribuição à vítima da quantia de 2.000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, por se considerar exagerado o montante peticionado, face ao temperamento e comportamentos da própria vítima.”

Insurge-se a recorrente, relativamente ao decidido na sentença recorrida, quanto a duas circunstâncias, a saber:

a) O facto de a situação económica do arguido ter sido valorada na fixação da indemnização, o que, a seu ver, consubstancia uma violação do artigo 13º da CRP, “já que o valor da dignidade das vítimas de violência doméstica, e os danos sofridos por estas, não aumenta ou diminui consoante os rendimentos dos seus agressores”.

b) O facto de o temperamento e o comportamento da demandante, vítima de violência doméstica, ter sido valorado para diminuir o montante indemnizatório, o que, em seu entender, se revela “totalmente contrário à legislação atual, pois que culpa a assistente por ter sofrido violência doméstica”.

Pensamos que lhe não assiste razão quanto ao primeiro dos dois pontos enunciados e que lhe assistirá alguma razão no que tange ao segundo. Analisemos mais de perto cada um deles.

Carece, a nosso ver, de sustentação a alegação de que a situação económica do arguido não poderia ter sido valorada na fixação da indemnização e, mais ainda, a afirmação de que tal valoração consubstancia uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP.

É certo que, como refere a demandante, “o valor da dignidade das vítimas de violência doméstica, e os danos sofridos por estas, não aumenta ou diminui consoante os rendimentos dos seus agressores”. Porém, tal asserção não se encontra vulnerada com a inclusão dos rendimentos do lesante e do lesado, ou seja, do agressor e da vítima, entre os critérios estabelecidos pelo artigo 496º, nº 3 por referência ao artigo 494º, ambos do Código Civil.

Pese embora, tal como afirma Mafalda Miranda Barbosa no seu estudo sobre danos não patrimoniais (3) entendamos que “nunca a ponderação relativa à situação económica do lesante e do lesado pode ultrapassar a intencionalidade dúplice recortada para o artigo 494º CC. Dito de outro modo, o julgador não pode, ao arrepio do sentido da justiça vinculante, introduzir soluções distributivas que levem a privilegiar a posição daquele que se mostre financeiramente mais débil”, a verdade é que a norma em causa, no que a este fator diz respeito, deve, a nosso ver, ser interpretada no sentido de prever uma valoração equitativa de uma circunstância que o legislador entendeu relevante na fixação do valor da compensação a atribuir à vítima, qual seja a capacidade económica do lesante e do lesado. O que em nada colide com o valor da dignidade da vítima a que se alude no recurso, sabendo-se que o valor da compensação, ao contrário do que parece inculcar argumentação da recorrente, não tem correspondência direta e exata com o valor dos danos, uma vez que estes, assumindo natureza não patrimonial, não são economicamente mensuráveis, ou seja, “à responsabilidade civil não tem de associar-se necessariamente uma ideia reparadora estrita, podendo falar-se, ao invés e na associação aos danos não patrimoniais, de uma ideia de compensação ou de satisfação”. (4) Na realidade, o que se pretende é estabelecer uma quantia justa e equitativa que, de alguma forma, compense a vítima pelos danos sofridos, para cujo apuramento não poderia deixar de relevar a situação económica dos envolvidos, sob pena de se criarem situações de verdadeira desproporcionalidade por falta de ponderação, quer do esforço económico que o pagamento da indemnização representa no património do lesante, quer do impacto e relevância que determinada quantia assume no património do lesado.

A sentença recorrida, tendo valorado a situação económica do lesante que resulta dos factos provados – não podendo valorar outra, nos termos alegados no recurso, em virtude de nenhum outro facto a tal respeito ter sido trazido aos autos – mais não fez do que cumprir a estatuição do artigo 496º, nº 3 do C. Civil, o que não consubstancia qualquer violação do disposto no artigo 13º da C.R.P., em virtude de a violação do princípio da igualdade apenas ocorrer se houver tratamento diferente de situações idênticas, o que não sucede na fixação de um valor compensatório diferente para ressarcimento de danos de natureza semelhante se a diferença se reportar à diferente situação económica quer do lesante, quer do lesado (5). Improcede, pois, a argumentação da recorrente neste ponto.

Já no que diz respeito ao facto de o temperamento e o comportamento da demandante, vítima de violência doméstica, ter sido valorado para diminuir o montante indemnizatório, afigura-se-nos assistir razão à recorrente, não propriamente porquanto, conforme se afirma no recurso, tal se revelar “totalmente contrário à legislação atual, pois que culpa a assistente por ter sofrido violência doméstica”, mas porque a forma como a sentença recorrida enuncia tal valoração nos parece desrespeitadora dos critérios equitativos previstos no artigo 496º, nº 3 do C.Civil a que acima aludimos. De facto, o que podemos ler na sentença a tal propósito é apenas que “(…) temos por adequada a atribuição à vítima da quantia de 2.000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, por se considerar exagerado o montante peticionado, face ao temperamento e comportamentos da própria vítima. (…)”, e nada mais. Por aqui se ficou a julgadora (6) quanto à justificação para não ter atribuído à demandante o montante por aquela peticionado!

Ao tribunal exige-se clareza na fundamentação das suas decisões, exigência que não se satisfaz com a indicação vaga e imprecisa que a vários passos encontramos na sentença recorrida. Dizer-se que se reputa exagerado o montante peticionado face aos comportamentos da vítima é o mesmo que nada dizer. Concedemos que os comportamentos da demandante que se encontram consignados nos pontos 76. a 83. dos factos provados (7), poderiam ter sido tidos em conta no juízo equitativo que sustenta a fixação do montante indemnizatório, cabendo no conjunto das “demais circunstâncias do caso” a que expressamente alude o artigo 494º do C.Civil, na sua parte final. Porém, para que pudéssemos tomar por boa a fundamentação constante da sentença, teria sido preciso que aí se tivesse explicado em que medida os mencionados comportamentos teriam justificado a diminuição da compensação à vítima, o que claramente não foi feito. Ademais, não cuidou o tribunal de apurar se o impacto que as lesões tiveram na esfera jurídica da lesada foi condicionado pelos seus próprios comportamentos e pelo seu temperamento, ou seja, se por causa do temperamento da vítima os danos não patrimoniais que se visam ressarcir com a indemnização assumiram menor intensidade (8), ou até se estes foram causais das condutas criminosas do arguido ou se, de outra sorte, foram consequência das mesmas. Nada disso foi apurado ou enunciado na fundamentação da sentença, pelo que não nos resta senão reconhecer razão à recorrente neste segundo ponto do seu argumentário, entendendo-se que “o temperamento e comportamentos da própria vítima” não poderão constituir, em si mesmos, e sem qualquer tipo de enquadramento ou explicação adicional, justificação bastante para, como fez o tribunal recorrido, ter “por adequada a atribuição à vítima da quantia de 2 000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, por se considerar exagerado o montante peticionado”. O juízo subjacente à fixação do montante indemnizatório deverá ser global, coerente, racional, sustentado e respeitador dos critérios estabelecidos pelo 496º, nº 3 por referência ao artigo 494º, ambos do Código Civil, o que na sentença recorrida se não verificou.

Assim, atendendo às razões expostas e dando aplicação aos mencionados critérios acima explanados, somos a concluir que o montante encontrado pelo Tribunal a “quo” para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial resultantes para a ofendida da prática pelo arguido do crime de violência doméstica se revela insuficiente. Considerando as desvaliosas condutas sancionadas nos autos, o contexto em que as agressões foram perpetradas pelo arguido, o longo período temporal durante o qual as mesmas ocorreram, as concretas lesões e sequelas sofridas pela ofendida, ao nível físico e ao nível psicológico, e a condição económica do lesante, revela-se, a nosso ver, justo e equitativo fixar o montante indemnizatório acima do valor encontrado pelo tribunal recorrido, mas ainda assim, aquém do montante peticionado no recurso. Nesta conformidade, e sempre com o subjetivismo inerente à realização do juízo equitativo aqui reclamado, afigura-se-nos mais conforme aos critérios norteadores do cálculo em causa, fixar o montante indemnizatório em 4 000,00 € (quatro mil euros). A tal quantia acrescerão juros de mora, calculados à taxa legal e contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento (artigos 559.º, 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08.04). (9)

Impõe-se, pois, julgar o recurso apresentado pela demandante parcialmente procedente, alterando-se o valor da indemnização que lhe foi atribuída nos termos sobreditos.

***

III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso, decidindo consequentemente alterar sentença recorrida quanto ao montante da condenação cível, condenando o demandado a pagar à demandante a quantia de 4 000,00 € (quatro mil euros) para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial, acrescendo a esta quantia juros de mora, calculados à taxa legal e contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento.

*

Custas a cargo da demandante e do demandado nas proporções dos respetivos decaimentos (artigo 523º do CPP).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 14 de março de 2023

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

Maria Margarida Bacelar

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1 Equivocamente, nas muito breves considerações que faz sobre o pedido de indemnização civil, o tribunal recorrido refere, concretamente na penúltima página do acórdão, que “(…) No caso, concreto foi deduzido pedido de indemnização civil no montante de 10.000€ (…)”, quando se verifica que, conforme alega a recorrente, tal pedido ascendeu ao montante de 40 000,00 €.

2 Referência errada, pois que, conforma acima referimos, o pedido cível foi formulado no montante de 40 000,00 €

3 Mafalda Miranda Barbosa, “Danos Não Patrimoniais: Apontamentos”, in Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 5, 2023, página 40.

4 Mafalda Miranda Barbosa, ob cit., página 4.

5 A este propósito, e no sentido em que agora decidimos, ver Filipe Albuquerque Matos, “S.T.J. Acórdão de 24 de Abril de 2013. Reparação por danos não patrimoniais: inconstitucionalidade da relevância da situação económica do lesado (arts. 496º, n.º3, e 494º do Código Civil)”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, 143, n.º3984, 2014, anotando o Acórdão do S.T.J. de 24 de abril de 2013 – acórdão que se pronunciou acerca da inconstitucionalidade da consideração da situação económica do lesado por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º CRP – com um posicionamento crítico sobre o mesmo.

6 Numa fundamentação manifestamente insuficiente e que, em bom rigor, raia a inexistência.

7 “(…)76. A assistente ao longo da vida, e de forma mais acentuada com o avançar da idade, foi pessoa obstinada e insistente, procurando sempre levar “a sua avante” e sempre que não alcançava os seus intentos, enervava-se, partia e/ou arremessava – por vezes contra o arguido! – toda a espécie de objetos domésticos, e gritava alto, acabando, frequentemente, por se “sentir mal”.

77. E mesmo quando o arguido – também ele bastante “nervoso”-, no sentido de evitar o agudizar das discussões, saía de casa (para o quintal ou anexos da habitação), afastando-se da assistente, esta seguia-o, persistindo em manter as discussões,

78. Além, de que frequentemente no contexto dessas discussões, procurava agredir o arguido, e algumas vezes agredia-o efetivamente, quer arremessando objetos diversos na sua direção - que por vezes lhe acertaram -, quer com murros e pontapés.

79.E efetivamente a assistente sempre foi pessoa muito “nervosa”, exaltando-se por tudo e por nada,

80.Sendo que tal condição emocional da queixosa se agravou até com a permanente conflitualidade entre o casal e as suas filhas.

81.Em data não concretamente apurada, há cerca de 20 anos, quando se encontravam na colheita da azeitona, gerou-se uma discussão e a dado momento, quando o arguido seguia de costas para a assistente, esta, de forma inopinada, desferiu-lhe uma pancada na cabeça com uma ripa de madeira, tendo na sequência de tal pancada o arguido tido necessidade de se deslocar ao Hospital de …

82.Nas circunstâncias descritas no ponto 35 a ofendida arremessou uma caixa de meio-alqueire ao arguido, atingindo-o.

83.A assistente não revela ou manifesta temor do arguido, ou evidencia/assume qualquer posição de submissão, inferioridade ou submissão/subjugação relativamente a este.(…)”

8 Ver a este propósito, Mafalda Miranda Barbosa, ob cit, página 9, na qual a mesma refere que “Tal implica que não seja possível aferir a gravidade do dano tendo em conta exclusivamente o valor do bem jurídico; antes se deve considerar o impacto que tal lesão tem na esfera do sujeito lesado, pelo que, para além da dignidade axiológica do direito lesado, haveremos de contemporizar o grau de censurabilidade do comportamento do lesante, as particulares idiossincrasias do lesado, desde que não se traduzam numa sensibilidade especialmente requintada, como alerta Antunes Varela. No fundo, teremos de partir de um padrão de razoabilidade, sem que tal envolva o afastamento das características particulares da vítima.”

9 Cfr. AUJ n.º 4/2002, de 9.05.2002, publicado em Diário da República, I-S, de 27.06.2002, que fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do artigo 566.º, n.º 2 do CC, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1 do CC, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.”