INSTRUÇÃO
FALTA DE OBJETO
ATO INÚTIL
Sumário

o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente há-de conter, necessariamente, a concretização precisa e concisa quer dos factos - objectivos e subjectivos conformadores do ilícito penal em causa - quer do direito, realidade não compatível com remissões, designadamente, para a “participação”.(Proc. n.º 22/10.3TACBR, disponível em www.dgsi.pt.)
Não existindo presunções de dolo, os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa do arguido impõem ao assistente, requerente da abertura da instrução, entre outros, o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente perante o bem jurídico-penal lesado pela conduta proibida.
Omitindo-se esses elementos não pode o juiz substituir-se ao assistente, procedendo à enumeração e descrição dos factos, sob pena de violar o princípio da estrutura acusatória, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes casos, restará apenas a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, não procedendo sequer à abertura de tal fase processual, pois que, não tendo o requerimento dos assistentes o conteúdo legalmente exigido (cit. art. 283º, nº 3, al. b), do CPP), a decisão instrutória será nula (cit. art. 309º, nº 1). Como tal, legalmente inadmissível.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal da Relação de Évora:
No termo do inquérito instaurado na Delegação da Procuradoria da República junto do Tribunal Judicial de …, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos por considerar que, perante a prova recolhida ao longo do inquérito, não se mostravam preenchidos pela arguida os ilícitos oportunamente denunciados por AA e BB, – dois crimes de Ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153º, nº 1 do C.P.

Notificados de tal despacho, os denunciantes requereram a abertura da instrução, assacando à denunciada/arguida CC a prática de crimes de ameaça, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 do Código Penal.

Porém, o Mmo. Juiz de Instrução rejeitou o requerimento de abertura da instrução formulado pelos Assistentes.

No referido despacho, sustentou-se a rejeição do requerimento de abertura da instrução com os seguintes fundamentos: “Analisemos o requerimento para abertura da fase de instrução apresentado pelos assistentes e respectiva conformidade legal.

No sistema processual penal português a sindicância dos motivos imanentes a uma decisão de arquivamento do inquérito ou de acusação tem lugar através da fase de instrução, que é da competência de um juiz e tem cariz facultativo – ex vi artigo 286.º do Código de Processo Penal.

A instrução, descrita nestes moldes, tem como finalidade “saber se existe fundamento para abrir a fase de julgamento, que é a fase central e paradigmática do processo penal, segundo o modelo garantista herdado do Iluminismo”. (Cfr. MAIA COSTA, in Código de Processo Penal Comentado, HENRIQUES GASPAR [et. alii.], Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 958.)

Embora seja comum apelidar a fase instrutória de “instrumental” e “preparatória” da fase de julgamento, aquela não se traduz numa espécie de audiência de julgamento antecipada, razão pela qual é inexigível a mesma intensidade a nível de produção e valoração da prova.

Nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.

Ao requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, e sempre de acordo com a norma antes citada, é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, isto é, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.

Por sua vez, o artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal estipula que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

Insere-se na inadmissibilidade legal da instrução, nomeadamente, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, perante a não dedução de acusação pública, que não contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que imputa ao arguido e pelos quais pretende que este venha a ser pronunciado.

Conforme se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.5.2013: “o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente há-de conter, necessariamente, a concretização precisa e concisa quer dos factos - objectivos e subjectivos conformadores do ilícito penal em causa - quer do direito, realidade não compatível com remissões, designadamente, para a “participação”.(Proc. n.º 22/10.3TACBR, disponível em www.dgsi.pt.)

Não existindo presunções de dolo, os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa do arguido impõem ao assistente, requerente da abertura da instrução, entre outros, o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente perante o bem jurídico-penal lesado pela conduta proibida.

Omitindo-se esses elementos não pode o juiz substituir-se ao assistente, procedendo à enumeração e descrição dos factos, sob pena de violar o princípio da estrutura acusatória, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes casos, restará apenas a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, não procedendo sequer à abertura de tal fase processual.

Compulsado o teor do requerimento para abertura da fase de instrução da autoria dos assistentes, podemos constatar que o mesmo não encerra uma “verdadeira acusação” no que respeita à narração dos elementos objectivos atinentes ao tipo de ilícito imputado: crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal

É verdade que os assistentes salientam as suas divergências relativamente à apreciação levada a efeito no despacho de arquivamento, fornecendo a sua interpretação dos factos.

Todavia, percorrendo o requerimento para abertura de instrução, maxime a parte “autónoma” que os assistentes dedicam à vertente do libelo acusatório alternativo, salta à vista que a factualidade ali narrada não encerra a prática de um crime de ameaça [nem de qualquer outro]. Dito por outras palavras, os factos espelhados naquela peça não têm relevo jurídico-criminal, pois encontram-se fora da cidadela ou da discursividade penal.

Aliás, tal aspecto foi mencionado, e bem, pelo detentor da acção penal no despacho de arquivamento exarado a 20.06.2022.

Vejamos, novamente, no sentido de esclarecer o racional subjacente ao nosso raciocínio, a construção típica do crime de ameaça e quando é que o mesmo se verifica.

Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal que: “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.”

São elementos constitutivos do crime de ameaça: o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro, dependente da sua vontade e que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor e que esse anúncio seja adequado a provocar na pessoa a quem se dirige medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

De acordo com o sobredito, são três as características essenciais do crime de ameaça, apontadas pela doutrina e jurisprudência: o anúncio de um mal; futuro; dependente da vontade do agente.

O mal ameaçado tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial. Tem é que configurar, em si mesmo, um facto ilícito típico contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

O mal ameaçado tem de ser futuro, não podendo, pela sua iminência, confundir-se com uma tentativa de execução do respectivo acto violento.

Com efeito, é entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que apenas integram o preenchimento deste tipo de crime as situações em que há uma projeção do mal proclamado na liberdade de acção futura da vítima e já não aquelas em que o mal anunciado começa e acaba ali, sendo, muitas vezes, imediatamente levado à prática. (Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 1713/06.9TALRS.L1-5, de 09.03.2010, disponível em www.dgsi.pt.)

A concretização futura do mal depende, ou aparece como dependente, da vontade do agente.

Como refere TAIPA DE CARVALHO, "não é necessário que a ameaça seja adequada a provocar-lhe (no ameaçado, isto é, no sujeito passivo do crime de ameaça) medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. Exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que em concreto se tenha provocado medo ou inquietação" esclarecendo logo em seguida que "o critério de adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psico-mentais da pessoa ameaçada.”.( TAIPA DE CARVALHO, Américo, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 342-343).

Importa, assim, concluir que, a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente), independentemente, de este ficar ou não intimidado.

Em termos subjectivos, o crime de ameaça assume a modalidade dolosa, exigindo a consciência da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo necessário, para que este se afirme, que o agente conheça e represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo.

Feitas estas considerações a propósito da construção típica do crime de ameaça podemos afirmar que a acusação alternativa, da chancela dos assistentes, aduz factos susceptíveis, em abstracto, de demonstrar a verificação daquele tipo de ilícito?

A resposta é claramente negativa.

Lidos e relidos os artigos 60.º a 63.º do requerimento de abertura de instrução, e salvo o devido respeito, em lado algum se pode retirar um pedaço de vida idóneo a ser subsumido no crime de ameaça.

Aquilo que resulta, tão só, é que a arguida terá arremessado tijolos, betão com ferro, lenha, sacos de pinhas e outros objectos na direcção dos assistentes [e de outras pessoas] com intenção de os agredir.

Nenhuma expressão, de qualquer cariz, é imputada à arguida.

Termos em que, aquele comportamento, só de per se, não tem o condão de preencher os elementos constitutivos [objectivos] do tipo de crime de ameaça, pois falta, desde logo, o anúncio de um mal futuro.

Qual é o mal futuro que se extrai desta acusação alternativa que deveria fixar o objecto do processo? Nenhum.

A única “saída” era estarmos perante uma tentativa de ofensa à integridade física, a qual não é punível por via do disposto nos artigos 143.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1, do Código Penal.

Por conseguinte, é patente que a factualidade narrada não preenche o tipo objectivo do crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.

O mesmo é dizer que os assistentes não deram cumprimento, cabal, ao estabelecido no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), aplicável ex vi do 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pois o requerimento de abertura de instrução não contém a narração, ainda que sintética, dos factos objectivos que fundamentam a aplicação, ao arguido, de uma pena ou medida de segurança.

Nem se diga, à bolina de um pensamento paternalista, que o juiz não está vinculado à qualificação jurídica dos factos efectuada pelos assistentes.

É uma evidência, claro, em respeito ao brocardo latino iura novit curia, mas no caso em apreço não se vislumbra que possa existir “salvação” do requerimento de abertura de instrução através do mecanismo da alteração da qualificação jurídica preconizado pelo artigo 303.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

Com arrimo na factualidade aduzida pelos assistentes, quando muito, em termos objectivos [além da tentativa de ofensa à integridade física não punível], poderíamos deparar-nos com um crime de dano, resultante da arremessa dos ditos objectos, os quais, porventura [nem tal é alegado], acabaram por ficar destruídos ou inutilizados.

Porém, tal metamorfose, além de carecer de factualidade de natureza objectiva e, essencialmente, subjectiva, esbarraria na inultrapassável alteração substancial dos factos, por levar à imputação de um crime diverso nos termos consagrados pelo artigo 1.º, alínea f), do Código de Processo Penal.

Tudo para dizer que tornaria a fase de instrução inútil, pois um requerimento de instrução apresentado nestes moldes nunca redundaria num objecto de processo válido e, por conseguinte, idóneo a consubstanciar uma verdadeira acusação.

Não pode ser olvidado que o juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser o objecto de acusação, devendo pois o requerimento de abertura da instrução, à semelhança de uma acusação formulada pelo Ministério Público, conter todos os elementos de facto e de direito necessários à aplicação de uma pena ao arguido.

Ora, em traços muito simples e sem necessidade de grandes considerações, os factos relatados no requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes não integram, em abstracto, a prática do crime de ameaça.

É que, sem alegação dos elementos objectivos do tipo de ilícito em causa, não é possível pronunciar a arguida, como pretendem os assistentes.

Também, o juiz não se pode substituir ao assistente, colocando por sua (do juiz) iniciativa os factos em falta, que eram essenciais para a imputação do crime em questão.

Por outro lado, encontra-se também afastada a possibilidade de convidar os assistentes ao aperfeiçoamento, face ao teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2005, de 12.05 (Publicado em Diário da República, n.º 212 – S-A de 4-11-2005). , segundo o qual “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Chamado a apreciar a constitucionalidade do artigo 287.º do Código de Processo Penal perante este entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 636/2011, de 20.12 (Publicado em Diário da República, II Série, de 26.11.2012.), decidiu:

“Não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas).”

Neste seguimento, chamando à colação o entendimento veiculado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 22.03.2003, “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido”( Proc. n.º 2608/03-3, disponível em www.dgsi.pt.) , o que redundaria num acto inútil que está vedado ao Tribunal praticar.

A “inadmissibilidade legal”, causa de rejeição do requerimento de abertura de instrução, para além dos fundamentos mais óbvios, como seja por hipótese a ilegitimidade do requerente, abrange também os casos em que a instrução é inexequível por falta de objecto, o que ocorre nos casos de insuficiência de matéria de facto.

Assim sendo, pelos motivos expostos estamos perante a nulidade prevista no artigo 283.º, n.º 3 ex vi artigo 287.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, devendo por isso ser rejeitado o requerimento para abertura da fase de instrução.

Em face de todo o exposto, decide-se rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes por inadmissibilidade legal.”

É desse despacho que os Assistentes AA e BB ora recorrem para esta Relação, formulando, no termo da sua motivação, as seguintes conclusões:

“a) Por despacho proferido em 13 de Outubro de 2022, veio o douto Tribunal a quo rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos ora Recorrentes, por inadmissibilidade legal do mesmo.

b) Não tem razão o Tribunal a quo, pois na verdade o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Recorrentes encontrava-se bastante fundamentado e continha o relato de factos praticados pela Recorrida, que eram passíveis de integrar a prática de dois crimes de ameaças pela mesma.

c) Quando a Recorrida atirou com tijolos, betão com ferro, lenha, e sacos com pinhas e outros objectos que por ali se encontravam, aos Recorrentes, com o propósito de os atingir, a mesma praticou dois crimes de ameaça, pois tal constituiu claramente uma ameaça à integridade física dos Recorrentes, que lhes provocou medo.

d) Foi precisamente isto que os Recorrentes expuseram e relataram no seu requerimento de abertura de instrução, ou seja, que o comportamento da Recorrida descrito nos autos, constituiu uma ameaça à integridade física dos Recorrentes.

e) o douto despacho do juiz do Tribunal a quo viola o estipulado no artigo 287º, nº 3 do C.P.P., pois o requerimento em causa só poderia ter sido rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, sendo que no presente caso nenhuma dessas situações ocorre.

f) O despacho em causa não respeita igualmente o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º da Constituição de que o direito à instrução em processo penal emana, porquanto fere tal direito.

g) O despacho em causa também desrespeita o disposto no artigo 32º da Constituição, uma vez que não assegura todas as garantias dos Recorrentes, limitando “contra legem” o exercício do direito à instrução em processo penal.

h) Da descrição dos factos feita pelos Recorrentes no seu requerimento, resulta a prática, por parte da Recorrida, de dois crimes de ameaças contra os mesmos, ou seja, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, a factualidade narrada preenche o tipo objectivo do crime de ameaça.

i) Os Recorrentes deram cumprimento pleno ao estabelecido no artigo 283º, nº 3, al. b) do C.P.P., aplicável ex vi artigo 287º, nº 2 do C.P.P., pois do requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Recorrentes resulta a narração de factos objectivos que fundamentam a aplicação à Recorrida de uma pena ou medida de segurança.

j) Os factos relatados pelos Recorrentes no seu requerimento de abertura de instrução integram, em abstracto, a prática de dois crimes de ameaça por parte da Recorrida, pois quando a Recorrida atirou com tijolos, betão com ferro, lenha, e sacos com pinhas e outros objectos que por ali se encontravam, aos Recorrentes, com o propósito de os atingir, tal constituiu claramente uma ameaça à integridade física dos Recorrentes, que lhes provocou medo.

k) Não se verificando a nulidade prevista no artigo 283º, nº 3, aplicável ex vi artigo 287º, nº 2 do C.P.P, o Tribunal a quo não poderia ter rejeitado o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Recorrentes, por inadmissibilidade legal.

l) O Tribunal a quo não poderia ter decidido rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Recorrentes, uma vez que do mesmo constava uma descrição clara e concreta de factos passíveis de integrar, em abstracto, a prática por parte da Recorrida de dois crimes de ameaça, pois a factualidade descrita no mesmo preenche o tipo objectivo do crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1 do C.P.

m) Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser revogado o despacho do Tribunal a quo que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Recorrentes, devendo ser substituído por um despacho que aceite o requerimento e ordene a prossecução da fase de instrução nos autos, com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e em consequência ser revogado o despacho do Tribunal a quo que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Recorrentes, devendo ser substituído por um despacho que aceite o requerimento e ordene a prossecução da fase de instrução nos autos, com as demais consequências legais.”

O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pelos Assistentes Recorrentes, pugnando pela improcedência do mesmo.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.

Os recorrentes, notificados nos termos e para os efeitos previstos no art. 417º, nº 2 do CPP, quedaram-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Efectuada a conferência prevista no art. 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir

O OBJECTO DO PRESENTE RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES (in “Recursos em Processo Penal”, p. 48); GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335); JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES (in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387); e ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362-363). «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» - GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem.

A questão suscitada pelos Recorrentes (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:

1) Se o requerimento para a abertura da instrução apresentado pelos Assistentes respeita as exigências legais.

O MÉRITO DO PRESENTE RECURSO

1) SE O REQUERIMENTO PARA A ABERTURA DA INSTRUÇÃO APRESENTADO PELOS ASSISTENTES RESPEITA AS EXIGÊNCIAS LEGAIS.

É sabido, pois assim o ensinam de modo pacífico a doutrina e a jurisprudência, que o crime de ameaça – integrado no Livro II, Título I, Dos crimes contra as pessoas, Capítulo IV, Dos crimes contra a liberdade pessoal, do C. Penal – tutela a liberdade pessoal, a liberdade de decisão e de acção, e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo: [objectivo] - Que o agente ameace outra pessoa com a prática de crime do catálogo [crime contra a vida, a integridade física, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor]; - Que a ameaça seja adequada a provocar ao ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; [subjectivo]

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto.

O requerimento para a abertura da instrução apresentado pelos assistentes ora Recorrentes, e no que ora releva, tem o seguinte teor:

“… Art. 60.º - No dia 4 de Setembro de 2021, pelas 21h50, o Assistente AA, a sua mulher DD, a Assistente BB e a sua irmã EE, encontravam-se na piscina do Aldeamento do …, quando a Arguida se aproximou do muro da piscina e começou aos gritos, em inglês, a ofender os Assistentes e a Senhoras DD e EE, chamando-lhes idiotas e estúpidos.

Art. 61.º- De seguida, como todos ficaram atónitos e não responderam ao que a Arguida dizia, a mesma agarrou em objectos que se encontravam no parapeito do muro e começou a arremessá-los na direção dos Assistentes e das senhoras DD e EE.

Art. 62.º- Em concreto, a Arguida atirou com tijolos, betão com ferro, lenha, e sacos com pinhas e outros objectos que por ali se encontravam, conforme fotografias que se encontram juntas aos autos.

Art. 63.º - Os mencionados objectos foram arremessados na direção dos Assistentes e das senhoras DD e EE, e só não foram atingidos por eles por sorte e por se terem afastado, tendo alguns caído inclusive dentro da piscina.

Art. 64.º- Perante esta situação, por o Assistente AA ter temido pela sua integridade física e das suas filhas e esposa, chamou de imediato a GNR ao local.

Art. 65.º- Passado uns minutos, compareceram no local dois agentes da GNR que puderam constatar os objectos que tinham sido arremessados contra os Assistentes e as senhoras DD e EE.

Art. 66.º- Tendo o Assistente AA indicado quem tinha atirado contra si e as suas filhas e esposa os referidos objectos, os dois agentes deslocaram-se à casa da Arguida, para proceder à sua identificação.

Art. 67.º - No entanto, após várias insistências e apesar de ser visível que estava gente dentro da casa, a Arguida não abriu a porta aos agentes da GNR.

Art. 68.º- A verdade é que os Assistentes e as senhoras DD e EE foram ameaçados na sua integridade física, temendo pela integridade física de todos.

Art. 69.º- Desde a ocorrência dos factos descritos que o Assistentes e a sua família têm receio de utilizar a piscina do Aldeamento, por temerem que a Arguida lhes volte a atirar com objectos semelhantes, e desta vez lhes acerte, causando-lhes ferimentos.

Art. 70.º- Em face do supra descrito é evidente que se encontram preenchidos os requisitos do crime de Ameaça, o qual se encontra previsto e punido no artigo 153º, nº 1 do C.P.

Art. 71.º -Nos termos deste artigo “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.”

Art. 72.º- Assim, resulta claro do exposto que a conduta da Arguida, nomeadamente a ameaça da mesma contra a integridade física dos Assistentes, preenche o tipo de crime de ameaça, previsto e punido nos artigos 153º, nº1 do Código Penal.

Art. 73.º- A Arguida agiu de modo livre, deliberado e consciente, ameaçando contra a vida e a integridade física dos Assistentes, provocando-lhe medo e receio pela sua própria vida, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, sendo, por isso, susceptível de punição.

Art. 74.º- Pelo exposto, decorre da análise dos elementos probatórios constantes dos autos, à luz das regras de experiência, como prescreve o artigo 127º do C.P.P., impõe-se concluir que estão indiciados os elementos objectivos e subjectivos do crime em causa, devendo, pois, ser a Arguida pronunciada pela prática do mesmo.

Art. 75.º- Assim, deverá o Mmo. Juiz de Instrução Criminal proferir despacho de pronúncia, por existirem indícios suficientes da prática do crime que vem descrito na queixa crime.”

Como é sabido, «No actual ordenamento processual penal, a abertura da instrução pode ser requerida apenas pelo arguido ou pelo assistente: o primeiro requere-a para contrariar a acusação que contra si haja sido deduzida pelo Mº Pº ou pelo assistente (em caso de procedimento dependente de acusação particular), visando, assim, sujeitar à comprovação judicial a decisão, por aqueles tomada, de deduzir acusação; o segundo requere-a “relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação” e cujo procedimento não dependa de acusação particular, visando, pois, por seu turno, a comprovação judicial da decisão assumida pelo Mº Pº ao não deduzir acusação por aqueles factos (cfr. art. 287º, nº 1, e 286º do C. P. Penal)» - Ac. da Relação do Porto de 21/1/2004, proferido no Proc. nº 0111424, in site http://www.dgsi.pt.).

«Donde a maior exigência que a lei marca para o requerimento do assistente – que, ao contrário do arguido, não tem a antecedê-lo uma acusação que delimite o âmbito da eventual pronúncia – que terá de, substancialmente, se estruturar à semelhança de uma acusação, descrevendo os factos e indicando as disposições legais que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança» - cit. Ac. da Relação do Porto de 21/1/2004.

«É o que claramente se retira da parte final do nº 2 do art. 287º, onde, depois de se indicarem os requisitos a que, sejam do arguido ou do assistente, os requerimentos para abertura da instrução obedecerão, manda ainda aplicar ao requerimento do assistente o disposto no art. 283º, nº 3, al. b) e c), ou seja, precisamente, exigências que, sob pena de nulidade, a acusação há-de satisfazer: “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança,...” e “a indicação das disposições legais aplicáveis”» – cit. Ac. da Relação do Porto de 21/1/2004. O Ac. da Rel. de Lx., de 21/3/2001 (in CJ, XXVI, 2º, p. 131), aponta a diferença entre as duas peças – acusação e requerimento do assistente para abertura da instrução –, considerando que, enquanto na primeira se indicam, necessária e unicamente, factos precisos que se reputam já indiciados, no segundo podem indicar-se factos hipotéticos que se deseja sejam averiguados em sede instrutória.

«Ora, como se alcança dos art. 303º e 309º do C. P. Penal, a narração dos factos na acusação ou, no caso de instrução requerida pelo assistente, no requerimento para abertura da instrução, assume particular relevo, na medida em que é por tais factos que a pronúncia tem necessariamente de se pautar, já que – nº 1 daquele art. 309º – “a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”; o que está em consonância com o princípio do acusatório que inspira o nosso ordenamento processual penal e que o texto fundamental acolhe (art. 32º, nº 5, da Constituição)» – cit. Ac. da Relação do Porto de 21/1/2004.

«A par disso e não menos importante, também tal exigência de narração dos factos no requerimento para abertura da instrução é de fulcral interesse para cabalmente assegurar o princípio do contraditório, a que o mesmo preceito constitucional manda subordinar a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar» – cit. Ac. da Relação do Porto de 21/1/2004.

Na verdade, desde que, na definição legal – al. f) do nº 1 do art. 1º do C. P. Penal –, alteração substancial dos factos é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”, haverá, necessariamente, uma alteração substancial dos factos se, no requerimento para abertura da instrução, se não descrevem e imputam ao arguido factos que integrem crime e, a despeito de tal, o juiz de instrução pronuncia o arguido, imputando-lhe factos concretos que o integram – cfr., neste sentido, o cit. Ac. da Relação do Porto de 21/1/2004.

Eis por que «o requerimento do assistente para abertura da instrução tem de configurar substancialmente uma acusação, com a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis» - Ac. da Relação do Porto de 23/5/2001, proferido no Proc. nº 0110362, in site http://www.dgsi.pt.).

Ponderando, em referência à disciplina vinda de descrever, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos Assistentes ora recorrentes, não se descortina nele a invocação de factos concretos integradores do elemento objectivo do crime de ameaça por eles oportunamente denunciado ao Ministério Público.

Para que se dê por preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça, é necessário, desde logo, que o mal ameaçado seja futuro.

Tornar-se-ia, pois, necessário que a ameaça anuncie um mal futuro que, objectiva e subjectivamente, seja idóneo a provocar medo ou inquietação na pessoa do ameaçado e que a sua concretização apareça como apenas dependente da vontade do agente que a profere (cfr. acs. desta Relação de 25-01-2006 e 21-06-2006, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. nº 0544124 e 0612040).

Quando não há qualquer referência a um anúncio de um mal futuro, designadamente uma expressão que permita concluir por uma eventual execução, em momento ulterior, de uma ofensa à integridade física, não haveria crime de ameaça, mas, quando muito, actos de execução duma ofensa corporal que é executada de imediato, integrando o crime de ofensa à integridade física.

Como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público, nas suas contra motivações de recurso – “Ora, no caso concreto, o requerimento dos assistentes não contém a descrição dos factos necessários ao preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do crime que imputa à arguida.

Com efeito, não é imputada à arguida qualquer expressão de cariz intimidatório, mas apenas o arremessar de objectos na direcção dos assistentes com intenção de os agredir, o que a arguida não logrou concretizar, porquanto aqueles conseguiram desviar-se evitando ser atingidos.

Neste contexto, os factos denunciados não são susceptíveis de integrar a prática do crime de ameaça, já que o arremessar dos referidos objectos antes configura uma tentativa de agressão física (não punível atento o disposto nos arts. 23 n.º 1 e 143 n.º 1, ambos do CP), que a arguida não logrou consumar por razões alheias à sua vontade (neste sentido vidé Ac. Rel. Coimbra, de 18.11.15, proc. n.º 268/14.5GBFND.C1).

Do exposto se conclui que deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos termos previstos no artigo 287.º n.º 3 do CPP, o requerimento dos assistentes para abertura da instrução que deixe de indicar a totalidade dos factos consubstanciadores do crime pelos quais pretende ver o arguido pronunciado”.

Não podendo o Juiz de Instrução pronunciar por outros factos, que não os que constam do requerimento de abertura de instrução e, não preenchendo estes o crime de ameaça oportunamente denunciado pelos Assistentes ora recorrentes ao Ministério Público, não merece qualquer censura o despacho recorrido.

Na verdade, o requerimento dos Assistentes não dá ao Juiz de Instrução os dados de facto essenciais para que este possa vir a pronunciar seja quem for. Não pode, pois, ter-se por cumprido, no mínimo exigível, o que a lei determina.

O requerimento de abertura da instrução dos ora recorrentes não cumpre, portanto, minimamente o requisito especificado na alínea b) do nº 3 do art. 283º do CPP (aplicável, por remissão do art. 287º, nº 2, do mesmo Código, ao requerimento para abertura da instrução do assistente).

Destarte, uma vez que os assistentes não deram integral cumprimento ao disposto no Art.º 287°, n.º 2 do C. P. Penal que manda aplicar o estatuído no Art.º 283°, n.º 3, alíneas b) e c) do mesmo diploma, só se podia legitimamente concluir que o seu requerimento tinha de ser rejeitado, por manifesta inadmissibilidade legal da instrução, tal como bem se entendeu na decisão recorrida.

É que, não tendo o requerimento dos assistentes o conteúdo legalmente exigido (cit. art. 283º, nº 3, al. b), do CPP), a decisão instrutória será nula (cit. art. 309º, nº 1). Como tal, legalmente inadmissível.

Por último, resta abordar a alegação de violação de normas constitucionais constantes dos artigos 20º e 32º da C.R.P..

Na tese dos assistentes/recorrentes, “o despacho em causa não respeita igualmente o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º da Constituição de que o direito à instrução em processo penal emana, porquanto fere tal direito”, assim como “ o despacho em causa também desrespeita o disposto no artigo 32º da Constituição, uma vez que não assegura todas as garantias dos Recorrentes, limitando “contra legem” o exercício do direito à instrução em processo penal”.

« Como vem repetidamente acentuando o Tribunal Constitucional, a suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta».(Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-04-2011, proferido no Proc. nº2732/10.6PTAVR.C1 no site htpp//www.dgsi.pt).»

E, pese embora os assistentes/recorrentes se tenham limitado a referir a violação, pelo despacho recorrido, dos artigos 20.º e 32º da Constituição, sempre se dirá que: «… “as garantias de processo criminal que, no artigo 32.º, a CRP consagra, são essencialmente as garantias da defesa. E como é em torno da tutela destas últimas que o legislador ordinário organiza as regras de processo – procurando a realização do equilíbrio entre as necessidades emergentes dessa tutela e as exigências decorrentes do imperativo de realização da justiça penal –, nelas, o estatuto do assistente não poderá nunca ser equiparável ao estatuto do arguido. Por assim ser, diz o nº 7 do artigo 32.º que o direito do ofendido a intervir no processo será reconhecido nos termos da lei. Semelhante formulação não é usada pelo texto constitucional quanto ao reconhecimento das garantias de defesa do arguido (…)

Há que ter em conta que as normas ordinárias relativas a pressupostos processuais se incluem, por via de regra, no âmbito dessa margem de livre conformação. As regras legais que definem estes pressupostos, enquanto condições de admissibilidade, por parte do tribunal, dos actos praticados pelos sujeitos processuais, não podem à partida ser consideradas como agressões ao direito de acesso ao direito (artigo 20.º) e às garantias de processo (artigo 32.º). Pelo contrário: na exacta medida em que visam isso mesmo – a regulação, por parte do legislador ordinário, dos termos em que o tribunal admite os actos praticados pelos sujeitos intervenientes no processo – constituem as referidas regras mecanismos de funcionalização do sistema judiciário no seu conjunto, fazendo parte dele enquanto meios necessários para a realização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo (penal) côngruo. Ponto é que o conteúdo dessas regras se inscreva ainda nas exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não transformando os pressupostos processuais em encargos excessivos ou desrazoáveis para aqueles a que se destinam.”, como elucida o Ac. do Tribunal Constitucional nº 636/2011, disponível no sítio respectivo.» (Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 08-11-2022, relator Desembargador Artur Vargues, proferido no Proc. nº 10/21.4GALLE-D. E1 no site htpp//www.dgsi.pt).

Pelas razões expedidas no supracitado acórdão, entendemos que nenhum dos referidos princípios fundamentais se mostra violado, porquanto, como certeiramente notou o Tribunal recorrido “ …não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido”( Proc. n.º 2608/03-3, disponível em www.dgsi.pt.) , o que redundaria num acto inútil que está vedado ao Tribunal praticar,” sendo certo que, todas as garantias dos Recorrentes foram asseguradas, como prova a presente peça recursiva.

Eis por que o presente recurso irá improceder in totum.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da 5ª Secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, o despacho recorrido.

Custas a cargo dos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCS, a cada um.

Évora, 14 / 03 / 2023