SOCIEDADE COMERCIAL
INQUÉRITO JUDICIAL À SOCIEDADE
DIREITO À INFORMAÇÃO
SÓCIO
Sumário

I - O recurso ao inquérito judicial não se pode basear em mera suspeita de irregularidades na administração dos bens sociais, devendo sim sustentar-se em factos concretos.
II - Tratando-se de prestação de informações, são requisitos para a realização do inquérito judicial previsto no artigo 216º, n.º1 do CSC, a qualidade de sócio do requerente e a recusa por parte da sociedade na prestação da informação solicitada pelo dito sócio ou a prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa da questão que se pretende clarificar ou ainda a existência de circunstâncias que façam presumir que a informação não será prestada ao sócio.
III - A expressão “direito à informação” é usada tanto num sentido amplo – abrangendo o direito dos sócios a obterem dos gerentes informação verdadeira, completa e elucidativa, o direito à consulta de livros e documentos e o direito à inspecção de bens sociais – como num sentido estrito, de direito do sócio a haver, a seu requerimento, informação prestada pelos gerentes.
IV - O recurso a inquérito judicial é admissível quando ao sócio tenha sido recusada a informação, nas vertentes de não fornecimento de informações em sentido estrito (ou de fornecimento de informação falsa, incompleta ou não elucidativa) bem como de recusa do direito de consulta ou do direito de inspecção.

Texto Integral

Apelação nº 177/19.1T8STS.P2
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA, residente na Rua ..., em Santo Tirso, veio requerer contra a Sociedade A..., Lda., com sede na Rua ..., em Santo Tirso, e BB, residente na Rua ..., em Santo Tirso, o presente inquérito judicial à sociedade.
Alegou para tanto, e em síntese, que, em meados do ano de 2015 e em virtude de problemas de saúde, afastou-se da gerência factual da sociedade, a qual passou a ser exercida pelo Réu BB, que nunca mais lhe prestou qualquer informação ou permitiu ter acesso à documentação da sociedade.
Mais arguiu que, aos 05-03-2018, enviou uma carta à Ré sociedade, solicitando a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos, sendo que nunca obteve qualquer resposta.
Concluiu solicitando a prestação da seguinte informação:
- Relatório de gestão e demais documentos de prestação de contas correspondentes ao ano de 2015;
- Relatório de gestão e demais documentos de prestação de contas correspondentes ao ano de 2016;
- Relatório de gestão e demais documentos de prestação de contas correspondentes ao ano de 2017;
- Disponibilização dos mapas financeiros dos anos 2015 a 2017;
- Quais as obras realizadas no hiato temporal compreendido entre Janeiro de 2015 e Dezembro de 2017;
- Descrição da afectação dos trabalhadores às obras realizadas no hiato temporal compreendido entre Janeiro de 2015 e Dezembro de 2017;
- Actual destino dos seguintes bens:
a. Uma grua e o respetivo balde;
b. 150 m2 de andaimes;
c. 60 m2 de taipais para muros de betão;
d. Uma central de betoneira;
e. 330 escoras grandes;
f. 180 escoras pequenas;
g. 1 guincho e respectivo balde;
h. 3 betoneiras;
i. 2 martelos pneumáticos;
j. 1 vibrador de massa;
k. 1 máquina de cortar e dobrar ferro;
l. 3 máquinas de cortar madeira.
- Prova documental da existência de créditos a terceiros, designadamente de créditos devidos a CC;
- Qual a composição, às datas de 31 de Dezembro de 2015 e de 31 de Dezembro de 2017, do activo da 1ª Requerida.
Os Réus, devidamente citados, deduziram contestação, arguindo, em primeiro lugar, a ilegitimidade activa do Autor, por, em síntese, à data da interposição do inquérito judicial à sociedade, ser o único sócio gerente da sociedade.
Mais impugnaram toda a factualidade descrita pelo Autor, descrevendo os últimos tempos da actividade da sociedade Ré.
Requereram a condenação do Autor como litigante de má-fé, com fixação de devida multa e de indemnização a favor de cada um deles no montante de €1.000,00.
O Autor, pronunciando-se sobre a predita excepção, veio pugnar pelo seu indeferimento.
Mais requereu a improcedência do pedido de litigância de má-fé.
Aos 21-10-2019 foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa do Autor.
Foi interposto recurso da sentença supramencionada, tendo o Venerando Tribunal da Relação do Porto julgado que o Autor é parte legítima e determinado o prosseguimento do processo.
Os autos prosseguiram, com junção de documentos e produção da prova testemunhal indicada pelas partes.
Realizada tentativa de conciliação, as partes mantiveram os propósitos constantes dos articulados.
Os autos prosseguiram os seus termos com a produção da prova apresentada pelas partes.
Foi então proferida sentença na qual se julgou improcedente o pedido de realização do inquérito judicial formulado pelo autor contra os Réus.
Mais se decidiu absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelos Réus.
O Autor veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O réu BB contra alegou.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo autor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
Do Objecto e Propósito do presente Recurso:
I. Destina-se o presente recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que judiciou totalmente improcedente o pedido de inquérito judicial formulado pelo Apelante, pois que mal andou a Mma. Juiz a quo, mormente na subsunção jurídica da factualidade apurada nos autos, o que conduziu à prolação da decisão de que ora se recorre.
II. O Apelante está convicto de que Vossas Excelências, subsumindo a factualidade resultante dos autos, em confrontação com o disposto nas normas jurídicas aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida e de a substituir por uma que julgue totalmente procedente a acção proposta, revogando a decisão proferida ou, caso assim não se entenda, determine a prossecução dos autos para produção de melhor prova.
Primórdios:
III. Na pretérita data de 16-01-2019, o Apelante deu entrada de pedido de inquérito judicial à sociedade Ré, alegando, em suma, o seu afastamento da sociedade no fim do ano de 2015 e no ano de 2016, por motivos ponderosos de saúde, o que determinou a gestão discricionária e abusiva do 2.º Réu, dissipando activo da sociedade, e a recusa/omissão de informação ao aqui Apelante
IV. Inconformados, os Réus contestaram, na pretérita data de 31-01-2019, alegando, em suma, excepções dilatórias e peremptórias, nomeadamente suscitando a questão da ilegitimidade activa do Autor, excepção que viria a obter provimento por sentença, decisão que viria, por recurso de 08-11-2019, com a Ref.ª eletrónica Citius 24147433, a ser impugnada, e, por Acórdão do douto Tribunal da Relação de 05-03-2020 com a Ref.ª Eletrónica Citius 13578457, a ser revogada.
V. Nessa sequência, o processo seguiu os seus normais trâmites, tendo-se realizado as competentes sessões de audiência de julgamento, que viriam a culminar na prolação de decisão da qual se recorre e que considerou que “(…) Isto posto e vertendo ao caso em sujeito, não resultaram provados factos que determine a realização de inquérito judicial à sociedade Ré, A..., Lda.. (…) Pelo exposto, improcede o pedido de realização do inquérito judicial formulado por AA contra a sociedade A..., Lda., e BB.”, decisão com a qual não nos podemos conformar, motivo pelo qual vai impugnada in totum.
Contemplemos,
Das alegações stricto sensu:
i. Da Reforma quanto a custas (artigo 616.º n.º 1 e n.º 3 do CPC):
VI. No que concerne ao incidente de litigância de má-fé, considerou o Tribunal a quo que “O Autor, porque vencido, suportará as custas – art.º 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil.”.
VII. Não assentimos na decisão proferida quanto a custas do incidente de litigância de má-fé, pois que, salvo devido respeito por mais douto entendimento, não será sobre o Autor/Apelante que deverá recair as custas de tal incidente, mas sim sobre os Réus/Apelados que, em sede de contestação, deduziram o incidente de litigância de má-fé, tendo o Autor deduzido a sua oposição por requerimento de 02/08/2019 com a Ref.ª eletrónica citius 23276603, oposição que veio a obter provimento.
VIII. Outrossim, quem resultou vencido na sua pretensão de condenação em litigância de má-fé, foram ambos os Réus/Apelados, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 527.º n.º 1 do CPC, é sobre estes que deverá recair a responsabilidade pelas custas devidas, a essa parte.- veja-se, a esse propósito, o entendimento propalado pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 03-03-2016, pelo relator Jorge Cortês, “3) No que respeita à reclamante/M., SGPS, S.A., a mesma é parte vencedora na acção de impugnação da decisão arbitral, pelo que não é condenada no pagamento de custas, quanto a esta acção. No entanto, é parte vencida no que se reporta ao incidente de litigância de má fé, pelo que deve pagar custas pelo mesmo, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 Ucs. – artigo 7.º/4, do Regulamento de Custas Processuais/RCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, com alterações posteriores, e pela Tabela II (incidentes e procedimentos anómalos - 1 a 3 UC).”.
IX. Nessa medida, interpretou e aplicou erradamente a Mma. Juiz o disposto no artigo 527.º n.º 1 do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tal norma no sentido da responsabilidade das custas dever recair sobre os Réus, porquanto se encontram vencidos na sua pretensão.
Ademais,
Da Matéria de Facto:
X. Cumpre-nos aqui discordar da decisão proferida pela Mma. Juiz a quo, no que concerne à matéria de facto, porquanto não contemplou devidamente a prova testemunhal, por declarações, e documental produzida, ao considerar como não provados factos que se afiguraram solidamente sustentáveis na decorrência da produção de prova,
XI. bem como, ao invés, ao sustentar como provados factos que não se encontram alicerçados na prova produzida.
XII. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar como provados, designadamente, os factos elencados sob os pontos s), w) e x), e ao considerar como não provados os factos 1), 2), 5), 6), 7) e 11), pois que, atenta a prova por declarações, testemunhal e documental produzidas, parece-nos que deveria ter resultado decisão diametralmente oposta à que foi proferida a quo.
Senão vejamos,
XIII. Considerou a Mma. Juiz, no facto provado s), que “s) O Réu BB, aos 08-03-2018, recepcionou uma missiva remetida por AA - cfr. aviso de receção de 174 v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”., tendo ainda considerado como não provado que “6- O Autor haja remetido ao Réu BB o escrito com o seguinte teor: “(…) Venho, por este meio, na qualidade de sócio da sociedade supra mencionada, solicitar, nos termos do disposto no artigo 214º CSC, e atento o facto de estar impossibilitado de exercer funções de gestão da sociedade em virtude de doença, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade. (…) -. Documento junto a fls. 15.”.
XIV. Mais alegou, na sua argumentação, que “Contudo, por total ausência de prova, como infra se analisará, não se pode dar como provado que o escrito rececionado pelo Réu BB, aos 08-03-2018, corresponda ao documento junto pelo Autor e descrito no item 6 dos factos não demonstrados, tanto mais que tal missiva nem se encontra datada.”, sendo que deveria ter resultado decisão diametralmente oposta.
XV. De facto, e possivelmente por mero lapso, a missiva aos autos aportada pelo Autor em sede de petição inicial, como Doc. 3, não se encontrava devidamente datada.
XVI. Não obstante, em 15-07-2020, proferiu a Mma. Juiz despacho no qual determinava que o Autor procedesse à junção do competente aviso de receção relativo a tal missiva e explicitasse a divergência entre a morada do Réu indicado nessa missiva e a constante na petição inicial, o que o mesmo logrou fazer, através de requerimento de 10/09/2020, com a Ref.ª electrónica citius 26698244, nunca tendo sido solicitada qualquer explicação para o facto de a missiva não se encontrar datada, e nunca se tendo indiciado que tal poderia afigurar-se problemático.
XVII. O facto de o documento não se encontrar datado, não tem como necessária consequência legal a falta de prova de que o escrito rececionado pelo Réu BB corresponda ao escrito remetido pelo Autor, pois que, recorrendo às regras de experiência comum, afigurar-se-ia notório ao homem médio que, existindo nos autos aviso de receção cuja assinatura foi reconhecida pelo Réu, e cuja data nele aposta corresponde ao período em discussão nos autos, a missiva remetida pelo Autor corresponde à missiva rececionada pelo Réu- veja-se, a propósito das regras da experiência comum, o entendimento propalado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 06-07-2011, pelo relator Hélder Roque, nos termos do qual “III - As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil.”.
XVIII. Da demais prova produzida não resultou que a referida missiva rececionada pelo Réu pudesse reportar-se a qualquer outro assunto que pendesse entre Autor e Réu, que não a questão sub judice.
XIX. Outrossim, e atendendo a que a assinatura do aviso de receção foi aceite e reconhecida pelo Réu, e não referindo ele nenhuma outra missiva a que se pudesse reportar tal aviso de receção, atendendo à prova documental referida e às regras da experiência comum, deveria a Mma. Juiz ter considerado como provado o seguinte facto: s) O Réu BB, aos 08-03-2018, rececionou a missiva remetida por AA - cfr. aviso de receção de 174 v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”, com o seguinte conteúdo: “Venho, por este meio, na qualidade de sócio da sociedade supra mencionada, solicitar, nos termos do disposto no artigo 214º CSC, e atento o facto de estar impossibilitado de exercer funções de gestão da sociedade em virtude de doença, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade. Mais solicito a consulta, na sede social da respectiva escrituração, livros e documentos, assistido de um revisor oficial de contas ou de outro perito.(…)” -. Documento junto a fls. 15.”.
Para além disso,
XX. Considerou a Mma. Juiz como provados os pontos w) e x): “w) O Autor tinha livre acesso àqueles escritórios. x) O Autor contacta, sempre e quando quer, com o TOC da empresa, que sempre lhe facultou todas as informações que o mesmo solicitou.”.
XXI. Judiciou ainda como não provado o facto 11), que “11- Tenham desparecido da posse da Ré A..., Lda., os seguintes bens: a. Uma grua e o respectivo balde; b. 150 m2 de andaimes; c. 60m2 de taipais para muros de betão; d. Uma central de betoneira;”.
XXII. Para além disso, considerou a Mma. Juiz na sua argumentação que “Relativamente aos depoimentos das testemunhas DD e EE, respetivamente, esposa e filha do Autor, os mesmos não mereceram credibilidade, manifestando as testemunhas encontrarem-se a depor de forma parcial e sob reserva. Na realidade, os seus depoimentos entraram em contradição sobre os bens que existiam no escritório da sociedade Ré A..., Lda., aquando da tomada de posse do imóvel, descrevendo a testemunha DD que havia uma caixa de computador -CPU-, facto perentoriamente negado pela testemunha EE.”.
XXIII. Sucede que, inexiste nos autos qualquer indício que permita dar como provados tais factos, tendo a Mma. Juiz a quo laborado em erro ao desconsiderar a credibilidade das testemunhas DD e EE, pois que as suas declarações não colidem, mas antes, complementam-se.
XXIV. Inquirido em sede de audiência de discussão e julgamento de 25-02-2022, a testemunha FF, TOC da Ré, referiu que os documentos que tinha relativamente à contabilidade da empresa deixava sempre nos escritórios da sociedade, no final de cada ano, designadamente após 2015, fazendo a entrega das pastas ao Sr. BB, acrescentando ainda que verificou a existência de faturação de património da sociedade Ré à empresa do filho do Réu, CC (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 25-02-2022, com início pelas 16:15:43 e 16:48:37, mormente o período compreendido entre 05:10 e 09:10).
XXV. De facto, o Apelante não detinha livre acesso ao contabilista, ao contrário do seu irmão e 2.º Réu, conforme melhor resulta das suas declarações (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 25-02-2022 com início pelas 15:08:28 e fim pelas 16:14:26, mormente o período compreendido entre 09:44 e 11:45).
XXVI. Concatenando o testemunho do TOC FF, com a prova documental aos autos carreada no que concerne ao estado de saúde do Autor/Apelante (Doc. 2 da petição inicial) e da sua impossibilidade de se manter ativo relativamente ao seu trabalho, e, bem assim, com as próprias declarações do Autor que não foram sequer tidas em consideração,
XXVII. assalta à conspeção que, atendendo também às regras da experiência comum que deverão nortear a formação da convicção dos julgadores, não deveriam ter resultado como provados os factos indicados nos pontos w) e x), devendo antes ter resultado provado que:
i. As pastas da contabilidade foram entregues à sociedade Ré e ao Réu BB;
ii. No ano de 2015 e, pelo menos, desde Março de 2016 até ao presente, o Autor esteve de baixa médica por condição grave de saúde que o incapacita para o trabalho, facto que o afastou das suas funções e o impedia de se deslocar às instalações da sociedade Ré;
iii. Atendendo a tais circunstâncias, o Autor não tinha livre acesso aos escritórios e às informações contabilísticas, tanto mais que não tinha sequer a chave na sua posse, nem se podia deslocar aos mesmos.
XXVIII. Para além disso, das declarações das testemunhas DD e EE, não resulta qualquer contrariedade ou ambiguidade, pois que, devidamente analisadas tais declarações, a testemunha DD não referiu a existência de nenhum computador, mas sim de uma caixa “velha” que não sabia para que servia ou se funcionava (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 21-03-2022 com início pelas 09:54:47 e fim pelas 10:31:50, mormente o período compreendido entre 08:30 a 11:35).
XXIX. Outrossim, e merecendo credibilidade, a testemunha referiu ainda no seu depoimento a existência do material melhor referido no facto não provado 11), circunstância de que tinha conhecimento direto em virtude do exercício das suas funções na sociedade Ré (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 21-03-2022 com início pelas 09:54:47 e fim pelas 10:31:50, mormente o período compreendido entre 11:40 a 15:35), pelo que deveria ter sido dado como provado tal facto.
Ainda,
XXX. Da prova documental carreada aos autos com a petição inicial como Doc. 2, mormente os relatórios médicos, e da leitura atenta dos dados constantes dos mesmos, resulta que o Autor/Apelante se encontrou de baixa em 2015, e, bem assim, que se encontrava de baixa médica desde Março de 2016 até, pelo menos, à data de elaboração do relatório (10/11/2017), pelo que deveria ter sido dado como provado o facto não provado n.º 2, devendo passar a constar “1- O período de baixa mencionado em e) tenha ocorrido em 2015 e entre Março de 2016 até ao presente.”.
XXXI. Ademais, o depoimento da testemunha EE que, ao contrário do aventado pelo Tribunal a quo merece credibilidade por não padecer de qualquer ambiguidade, também assegura o estado de saúde do Autor/Apelante, bem como o seu necessário afastamento da sociedade que passou a ser gerida pelo 2.º Réu, bem como a impossibilidade de acesso ao escritório e à documentação e os bens que existiam nas instalações (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 21-03-2022 com início pelas 10:32:27 e fim pelas 10:56:22, mormente o período compreendido entre 02:45 e 11:10).
XXXII. Pelo que, também o seu depoimento serve para impugnar os factos provados w) e x) e, bem assim, os factos não provados 1), 2), 5) e 6), nos moldes supra expostos.
Sem olvidar,
XXXIII. Note-se que, não obstante a Mma. Juiz ter considerado como não provados os factos 6) e 7), certo é que, no seu depoimento de parte, referiu o Réu BB que o aqui Autor chegou a pedir tal informação verbalmente sobre a sociedade, num período “mais tarde”, quando interpelado sobre o ano de 2015(cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 25-02-2022, pelas 14:21:53, com fim pelas 15:07:40, mormente o período compreendido entre 06:52 a 07:25), pelo que deveriam ter sido dados como provados tais factos, por confissão.
No mais,
Das normas jurídicas violadas:
Da violação do disposto nos artigos 224.º, 362.º do CC e do princípio de prova:
XXXIV. Apesar de se pautar por critérios de conveniência e oportunidade, certo é que os processos de jurisdição voluntária não poderão alhear-se dos critérios de legalidade estrita, designadamente no que concerne a normas imperativas.
XXXV. In casu, ainda que se entendesse não resultar diretamente da missiva e do aviso de receção aos autos aportados, que a mesma corresponde à missiva rececionada pelo Réu, certo é que o documento em apreço se afigura uma declaração receptícia, receção essa plenamente demonstrada através da assinatura do aviso de receção, e que reveste o conceito de documento plasmado no artigo 362.º do CC.
XXXVI. Caso se perscrutasse pela teoria a quo, afigurar-se-ia impossível fazer prova processual do envio de missivas, ainda que por meio registado, porquanto não se conseguiria, em caso algum, provar plenamente que um documento em concreto enviado corresponderia ao documento em concreto recebido, pois que para tanto não basta a mera aposição de data, configurando verdadeira “prova diabólica”, o que não é consentâneo com os princípios jurídico-probatórios em vigor.
XXXVII. Ainda que se entendesse não se verificar os pressupostos da prova do envio daquela missiva em crise, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, de acordo com o entendimento preconizado pelo Supremo tribunal de Justiça no Acórdão de 13-04-2021, pela relatora Graça Amaral, “(…) II-Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.º do CC. III- Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada; IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.”,
XXXVIII. Pelo que, em todo o caso, sempre deveria valer como princípio de prova, o que não sucedeu in casu, tendo a Mma. Juiz a quo transgredido o disposto nos artigos 224.º, 362.º do CC e o princípio de prova, devendo ter interpretado tais preceitos no sentido da verificação de prova bastante do envio e receção da missiva em crise, ou, caso assim não se entendesse, do princípio de prova de tal envio e receção.
Da errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1048.º do CPC:
XXXIX. Salvo devido respeito por mais sábio entendimento, mal andou a Mma. Juiz na decisão a quo, interpretando e aplicando erradamente o disposto no artigo 1048.º e do CPC, pois que, de acordo com o entendimento preconizado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Relativamente às sociedades por quotas, o art. 216.º do CSC prevê o recurso ao inquérito judicial quando ao sócio tenha sido recusada informação a que tenha direito ou quando a informação prestada seja presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa.”.
XL. Atendendo à matéria supra impugnada, designadamente ao envio da missiva e correspondente receção de tal escrito pelo Apelado e que deveria ter sido dado como provado, encontrava-se verificado o requisito da recusa da informação, ainda que tácita, como pressuposto do inquérito judicial.
XLI. Por outro lado, da factualidade supra descrita, ainda que se entendesse não haver sido recusada a informação, de forma expressa ou tácita, sempre haveria lugar a inquérito judicial atendendo a que a única informação que o Autor alegou ter-lhe sido prestada (as dívidas da Segurança Social referidas na sentença, e que o Autor/Apelante indicou como tendo sido transmitidas como “nada de especial”, foi incompleta e não elucidativa.
XLII. Pelo que, salvo devido respeito, interpretou e aplicou erradamente a Mma. Juiz a quo tal normativo, devendo ter interpretado e aplicado no sentido da verificação, in casu, dos pressupostos inerentes à procedência do pedido de inquérito judicial em crise.
Ademais,
Da errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 987.º, da violação do disposto no artigo 986.º n.º 2 do CPC:
XLIII. De acordo com o entendimento preconizado pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 16-06-2015, pelo relator Fonte Ramos, “2. O Tribunal tem o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes (art.º 986º, n.º 2, do CPC) -o material de facto, sobre o qual há-de assentar a resolução, é não só o que os interessados ofereçam, senão também o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua própria actividade. 3. Em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de justiça, o Tribunal deve olhar o caso concreto e procurar a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a esses interesses a resposta mais conveniente e oportuna.”.
XLIV. Se por um lado se ancorou a Mma. Juiz a quo na sua fundamentação, no poder de decidir de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, por outro decidiu discricionariamente, sem cuidar, inclusive, de investigar os factos em discussão, como era seu poder-dever.
XLV. Pois que, ao longo da produção de prova, vários foram os sujeitos processuais, designadamente a testemunha FF, que a Mma. Juiz citou por diversas vezes para legitimar a formação da sua convicção, bem como o próprio Réu BB, que fizeram referência a uma alegada fatura de venda de imobilizado da sociedade Ré para a sociedade do filho do Réu, CC, e que o Mandatário subscritor alertou para a necessidade de obtenção da mesma, em sede de declarações de parte do Autor (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 25-02-2022, com início pelas 15:08:28 e fim pelas 16:14:26, mormente o período compreendido entre 01:05:17 e 01:05:58).
XLVI. Ao invés de a Mma. Juiz oficiosamente, atendendo às questões suscitadas em sede de audiência de julgamento, optar por seguir o poder-dever plasmado no artigo 986.º n.º 2 do CPC, determinando a notificação das testemunhas e do Réu para proceder à junção aos autos da aludida fatura a fim de atestar a venda de imobilizado a que se referiram, optou por judiciar como não provados os factos 9) e 11).
XLVII. O mesmo sucede com o argumento-chave utilizado para a improcedência da pretensão do Apelante: alegou a Mma. Juiz que, atendendo à inexistência de data na aludida missiva, não se afigura possível demonstrar que a carta rececionada pelo Réu correspondesse à missiva remetida pelo Autor.
XLVIII. Não obstante, não cuidou de inquirir o Réu, esclarecendo a que missiva se reportava a assinatura do aviso de receção que foi confessada pelo mesmo, a fim de resultar comprovado, por nexo lógico, que o mesmo se reportava à missiva em apreço.
XLIX. Outrossim, critérios de conveniência e oportunidade não deverão, no entanto, confundir-se com discricionariedade, como parece suceder na decisão a quo, pois que a solução adotada não se afigura a mais conveniente e apropriada à questão sub judice.
L. De acordo com o entendimento propalado por Abrantes Geraldes, Pires de Lima e Luís Pires de Sousa “É de notar, como refere o autor citado, que a circunstância de a decisão emanar de tais critérios não exime o julgador de fundamentar a sua decisão, cabendo-lhe explicar os motivos “que conduziram a essa margem de liberdade da decisão bem como à adotação de uma de entre várias das opções que considerou serem aplicáveis ao caso concreto.”.
LI. Na decisão sub judice, não resultaram devidamente fundamentados os critérios de conveniência e oportunidade referidos, não permitindo descortinar tal escolha, nos termos do artigo 987.º do CPC, ocorrendo a nulidade ínsita nos artigos 615.º n.º 1 b) e c) do CPC, ou pelo menos, vício de fundamentação.
LII. Pelo que, interpretou e aplicou erradamente a Mma. Juiz a quo o disposto no artigo 987.º e violou o disposto no artigo 986.º n.º 2 do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da adoção e justificação dos critérios de conveniência e oportunidade, e da verificação do poder dever de investigar os factos e recolher as informações convenientes, nos moldes supra expostos.
Alfim,
LIII. deverão V.ª Ex.ª revogar a douta decisão proferida, substituindo-a por uma outra que judicie procedente a ação aduzida, ou, se assim não se entender, que judicie pela necessidade de produção de melhor prova, atendendo ao disposto no artigo 986.º n.º 2 do CPC.
*
Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 1048º do CPC;
3ª) A errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 987º e a violação das regras previstas no art.º 986º, nº2 do CPC;
4ª) A reforma quanto a custas no que toca à condenação do Autor como parte vencida na decisão proferida sobre o pedido de condenação das partes como litigantes de má-fé.
*
É o seguinte o conteúdo da decisão de facto antes proferida e agora impugnada:
“A) FACTUALIDADE PROVADA
Produzida a prova, resultou provada, com vista à análise do pedido de litigância de má-fé, a seguinte factualidade:
a) A sociedade comercial A..., Lda., está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., Santo Tirso, com o capital de €109.735,54, tendo por objeto a Construção Civil, e como sócio AA e BB.
b) Pela Ap..., encontra-se registada a gerência da sociedade A..., Lda., assumindo tal função AA e BB.
c) Pela Ap..., encontra-se registada a cessação de funções na gerência da sociedade A..., Lda., por BB.
d) Pela Ap..., encontra-se registada a cessação de funções na gerência da sociedade A..., Lda., por AA – cfr. certidão junta aos autos a fls. 51-52, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
e) Em 2015, o Autor, por problemas de saúde, esteve de baixa, em datas não determinadas.
f) Correu termos sob o Processo nº 585/17.2T8MAI, do Juízo de Execução da Maia - J1 -, ação executiva para pagamento de quantia certa, instaurada por CC contra a sociedade A..., Lda., com vista ao pagamento da quantia global de €22.690,26 e tendo como título executivo um escrito denominado “Declaração” - tudo cfr. certidão judicial junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
g) Na ação mencionado em f), a executada, A..., Lda., foi citada aos 13-02-2017, na pessoa de BB - tudo cfr. certidão judicial junta aos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
h) Correu termos sob o Processo nº 2036/17.3T8STS, do Juízo local de Santo Tirso - J2-, ação declarativa, em processo comum, instaurada por CC contra a sociedade A..., Lda., com vista ao pagamento da quantia global de € 28.500,00, na qual foi homologada a transação aí apresentada- tudo cfr. certidão judicial junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
i) Na ação mencionado em h), a executada, a sociedade A..., Lda., foi citada na pessoa de GG - tudo cfr. certidão judicial junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
j) CC e DD foram funcionários da sociedade Ré A..., Lda..
k) Por paralisação da sua atividade, a sociedade Ré, A..., Lda., em dezembro de 2015, com o conhecimento e a intervenção do Autor, que assinou as declarações de venda, alienou as viaturas que possuía a terceiros, de modo a ser possível pagar os salários aos trabalhadores e cumprir com fornecedores.
l) O Autor recusou assinar cheques da empresa para ser possível efetuar pagamentos a trabalhadores.
m) CC e alguns dos trabalhadores da empresa cessaram o contrato com a sociedade Ré, A..., Lda..
n) DD pretendeu passar a receber o subsídio de desemprego, e, por isso, foi feito o procedimento para o efeito, de modo a extinguir o posto de trabalho daquela.
o) Por ter sido ultrapassado o limite legal de despedimentos por extinção do posto de trabalho, o que levava à necessidade de a empresa A..., Lda., ter de pagar à Segurança Social todo o período daquele subsídio, DD resolveu o contrato de trabalho por justa causa (por falta de pagamento de retribuições).
p) Em finais de 2015, por convocação do Autor, foi realizada uma reunião no escritório do seu mandatário, em que estiveram presentes o Autor, o Réu BB e o TOC da empresa.
q) Na reunião mencionada em p), o Autor propôs que a empresa se apresentasse à insolvência, o que o Réu BB não concordou.
r) Em novembro de 2017, o Autor convocou o Réu BB para uma assembleia geral da sociedade Ré, A..., Lda., a realizar no dia 04/12/2017, constando da ordem de trabalhos o “estado da situação patrimonial e financeira da empresa”, o “estado dos processos judiciais …”, tudo conforme documento nº 7 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
s) O Réu BB, aos 08-03-2018, rececionou uma missiva remetida por AA - cfr. aviso de receção de 174 v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
t) A morada para onde foi remetida a missiva aludida em s) não corresponde à morada do Réu BB.
u) Desde início de 2016, que a sociedade Ré, A..., Lda., não tinha trabalhadores para poder executar qualquer obra, o que é do conhecimento do Autor.
v) Todos os elementos da contabilidade da sociedade Ré, A..., Lda., sempre se mantiveram quer nos escritórios da empresa, quer com o TOC da empresa.
w) O Autor tinha livre acesso àqueles escritórios.
x) O Autor contacta, sempre e quando quer, com o TOC da empresa, que sempre lhe facultou todas as informações que o mesmo solicitou.
*
B) FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Produzida a prova, resultou não provada, com vista à análise do pedido de litigância de má-fé, a seguinte factualidade:
1- O período de baixa mencionado em e) tenha ocorrido entre o dia 4 de outubro de 2015 e 11 de novembro de 2015 e entre 24 de março de 2016 até ao presente.
2- Em virtude do descrito em e), o Autor haja deixado de exercer, em termos factuais, as suas funções enquanto gerente da sociedade Ré, A..., Lda., e se tenha afastado dos seus assuntos internos.
3- O Réu BB haja cumulado às suas próprias funções de gestão e administração as do Autor.
4- O Réu BB tenha administrado a sociedade Ré, nos termos em que achou mais conveniente.
5- O Réu BB nunca haja prestado qualquer informação ao Autor e o tenha impedido de ter acesso a quaisquer documentos.
6- O Autor haja remetido ao Réu BB o escrito com o seguinte teor: “(…) Venho, por este meio, na qualidade de sócio da sociedade supra mencionada, solicitar, nos termos do disposto no artigo 214º CSC, e atento o facto de estar impossibilitado de exercer funções de gestão da sociedade em virtude de doença, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade.
Mais solicito a consulta, na sede social da respectiva escrituração, livros e documentos, assistido de um revisor oficial de contas ou de outro perito.(…)” -. documento junto a fls. 15.
7- O Autor haja, por diversas vezes, solicitado acesso às informações contabilísticas, documentação elucidativa sobre a gestão da Ré A..., Lda., escriturações, livros e demais registos.
8- O Réu BB seja o gerente de facto da sociedade “B...– Unipessoal, Lda.”.
9- O Réu BB haja esvaziado de valor a sociedade Ré, desviando clientela e ativos da mesma.
10- A sociedade Ré, A..., Lda., não deva o valor descrito em f).
11- Tenham desparecido da posse da Ré A..., Lda., os seguintes bens:
a. Uma grua e o respetivo balde;
b. 150 m2 de andaimes;
c. 60 m2 de taipais para muros de betão;
d. Uma central de betoneira;
e. 330 escoras grandes;
f. 180 escoras pequenas;
g. 1 guincho e respetivo balde;
h. 3 betoneiras;
i. 2 martelos pneumáticos;
j. 1 vibrador de massa;
k. 1 máquina de cortar e dobrar ferro;
l. 3 máquinas de cortar madeira.
12- Salvo as situações de obras próprias da sociedade Ré, A..., Lda., cada um dos sócios haja tido as suas próprias obras, exercendo de forma autónoma, com partilha dos custos.
13- Conhecedor das dificuldades da empresa, o Autor tenha sugerido aos funcionários da empresa que se despedissem e que pedissem a insolvência da sociedade A..., Lda..
14- O Autor haja recusado assinar cheques da empresa para pagamentos aos fornecedores.
15- Após o descrito em p) e q), o Autor tenha começado a colocar o seu património em nome de terceiros.
16- Aquando da emissão da declaração aludida em f), a Ré A..., Lda., não tinha liquidez para efetuar aquele pagamento.
17- Tenha sido acordado que o valor mencionado em f) seria restituído a CC logo que fosse realizada a venda da fração acima referida que pertencia à empresa, juntamente com os créditos salariais a que o mesmo tinha também direito, sendo que nessa altura estava previsto que a escritura daquela fração fosse realizada em novembro seguinte.
18- O Autor sempre tenha estado a par de toda a atividade da empresa.
19- Os problemas de saúde do Autor não o hajam impedido de exercer a atividade que sempre exerceu.
20- O Autor se tenha limitado a controlar as obras que tinha em curso e a contactar com clientes e fornecedores, e não a exercer trabalhos “pesados”.
21- Enquanto a empresa trabalhou, o Autor haja acompanhado as obras e se tenha deslocado diariamente aos escritórios da sociedade A..., Lda..
22- No dia 04-12-2017, na assembleia mencionada em r), tenha estado presente o Autor, acompanhado do seu advogado, o Réu BB, assistido pelo seu advogado, e todas as questões foram ali discutidas, estando o Autor a par de toda a situação da empresa.
23- Na sequência do descrito em 22, logo de seguida hajam sido remetidas ao advogado do Autor as únicas informações que o Autor e o Réu BB não tinham presentes, e que se prendiam com valores resultantes de planos de pagamento da empresa à Segurança Social.
24- O Réu BB haja solicitado a sua aposentação junto da Segurança Social, e para o efeito tenha procedido nos termos descritos em c).
25- As obras realizadas em 2015 tenham sido acompanhadas, presencialmente, pelo Autor.
*
A restante matéria de facto alegada não tem qualquer relevância para a decisão da causa, nomeadamente por constar da mesma conceitos jurídicos, conclusivos ou repetidos.
Consigna-se que o ocorrido no Processo nº 1063/16.2T8MAI, do Juízo do Trabalho da Maia - J1, não foi dado como assente, uma vez que não foi junta a competente certidão judicial.
Nos mesmos moldes, as relações familiares alegadas pelas partes não se encontram dadas como provadas por total ausência nos autos das devidas certidões de nascimento e de casamento.
Por último e por falta da competente certidão de matrícula, a factualidade jurídica relacionada com a sociedade B...– Unipessoal, Lda., também não foi dada como assente.”
*
Como antes já vimos, neste seu recurso o autor/apelante impugna a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” relativamente aos pontos das alíneas s), w) e x) dos factos provados e aos números 1), 2), 5) e 6) dos factos não provados.
Vejamos, pois, se com algum fundamento.
Como bem se afirma na decisão recorrida a prova testemunhal produzida nos autos foi objecto de gravação.
A ser assim e como nos era imposto, face à alegação de recurso, procedemos à audição das gravações onde ficaram registados tais depoimentos.
E desta audição, em necessária conjugação com os restantes meios de prova, analisados tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova, chegamos a um resultado em tudo idêntico ao que foi obtido pela Sr.ª Juiz “a quo”.
Assim e no que toca à alínea s) dos factos provados, bem se andou quando se considerou que “por total ausência de prova não se pode dar como provado que o escrito recepcionado pelo Réu BB, aos 08-03-2018, corresponda ao documento junto pelo Autor e descrito no item 6 dos factos não demonstrados, tanto mais que tal missiva nem se encontra datada.”
Na tese do autor/apelante o aditamento proposto decorre da aplicação ao caso das “regras de experiência comum”.
No entanto, tal entendimento não pode ser subscrito como já de seguida veremos.
Assim, não se questiona que de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, cabia ao autor alegar e provar que a carta que enviou ao réu BB era aquela cujo teor era o que ficou melhor descrito no ponto 6) dos factos não provados.
Ora resulta evidente que o autor AA apenas logrou provar o envio de uma carta, a carta referida em s) dos factos provados mas já não que o conteúdo da mesma era o antes referido.
E a resposta afirmativa a tal matéria também não pode ser obtida nos termos sugeridos no presente recurso e de acordo com o previsto no artigo 607º, nº5, parte final, do Código de Processo Civil.
Aliás toda a prova produzida conduz, exactamente, em sentido contrário.
Concretizando:
Impõe-se salientar o facto de o réu BB ter sido ouvido em depoimento de parte a pedido do autor requerido pelo Autor, referindo então não reconhecer o conteúdo da referida carta e salientando que o autor sempre teve acesso a toda a informação da situação contabilística da empresa na sua sede social o que no seu entendimento afastaria a necessidade de a obter por escrito.
Por outro lado, as testemunhas indicadas pelo autor (nomeadamente a sua esposa e a sua filha), não demonstraram ter conhecimento sobre eventuais pedidos de informação, escritos ou verbais, feitos pelo autor ao réu BB e muito menos sobre recusas por parte deste último a tais solicitações.
A ser deste modo e porque tal matéria não resulta de nenhuma outra produzida nos autos, bem andou o Tribunal “a quo” quando não incluiu na alínea s) dos factos provados, o circunstancialismo que fez constar em 6) dos factos não provados.
Idêntica conclusão se retira também no que toca á matéria contida nas alíneas w) e x) dos factos provados e que é recorde-se a seguinte:
w) O Autor tinha livre acesso àqueles escritórios;
x) O Autor contacta, sempre e quando quer, com o TOC da empresa, que sempre lhe facultou todas as informações que o mesmo solicitou.”.
Assim e quanto a esta matéria releva o depoimento isento, objectivo e credível do contabilista da ré A... Lda., a testemunha HH, o qual começou por esclarecer e confirmar os termos em que ocorreu a cessação da relação laboral dos trabalhadores da empresa, a realização em finais de 2015 e no escritório do Ilustre Mandatário do autor da reunião melhor identificada em p), a actividade da sociedade durante os anos de 2015 e 1016, aludindo por fim à sua total disponibilidade em prestar todas as informação ao autor e afastando qualquer reusa sua em prestar a este os esclarecimentos pedidos.
Sobre tal factualidade referiu de forma clara e expressa ser ele quem fazia a contabilidade, quem entregava as pastas na empresa onde as mesmas ficavam depositadas, e quem contactava com o Autor quer pessoalmente quer através do telefone.
Em suma, a prova produzida levou pois e bem a que se tivesse como provada a matéria inscrita nas referidas alíneas s), w) e x) não havendo por isso qualquer justificação para agora alterar o que a tal propósito ficou decidido.
Sendo certo como é que vão ser mantidos como provados os factos constantes das alíneas s), w) e x), resulta evidente que sob risco de evidente contradição, deve permanecer como não provada a matéria contida nos pontos 5) e 6).
Já quanto aos factos dos pontos 1) e 2) o que importa referir é o seguinte:
Contrariamente ao que defende o autor/apelante os elementos juntos aos autos como documento 2 da petição inicial não permitem concluir com suficiente certeza que o período de baixa referido em e) dos factos provados ocorreu primeiro no ano de 2015 e depois de Março de 2016 até ao momento presente.
E o mesmo também não pode resultar do depoimento prestado pela filha do autor, a testemunha EE.
Tudo por ter razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que o mesmo não merece credibilidade pelo facto de ter sido prestado com clara parcialidade e manifesta falta de isenção.
Em conclusão, não estão verificados no caso os pressupostos previstos no art.º 662º, nº1 do CPC, razão pela qual e sem mais se confirma integralmente a decisão de facto antes proferida.
Cabe agora apurar se o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou de forma incorrecta as regras previstas nos artigos 1048º e 987º e se violou o disposto no art.º 986º, nº2 todos do Código de Processo Civil.
A propósito do inquérito judicial à sociedade previsto no art.º 1048º e seguintes do CPC são relevantes as clarividentes razões que sustentam a decisão proferida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2021, proferido no processo 1484/19.9T8LRA.C1. S1, relatado pelo Conselheiro Luís Espirito Santo e publicado em www.dgsi.pt.
Assim:
“Nos termos do artigo 1048º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute conveniente”.
Ao requerente do inquérito judicial compete o ónus de alegação da factualidade concreta constitutiva do direito que fundamenta o seu pedido e que, na presente situação, tem a ver com a alegada violação do direito à informação de que é titular a sócia de uma sociedade por quotas. (vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2021 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 4951/19.0T8CBR-A.L1.S1., publicado in www.dgsi.pt).
O direito à informação que assiste ao sócio reveste conteúdo extrapatrimonial, entroncando no elemento essencial e caracterizador do contrato de sociedade, ou seja, o exercício em comum, com finalidade lucrativa, de uma determinada actividade comercial, constituindo um direito subjectivo concedido pela lei para assegurar o seu legítimo interesse em conhecer os factos pertinentes à vida societária, acompanhando, de forma esclarecida, o modo de gestão dos interesses ligados à respectiva participação social. (vide sobre este ponto Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, “Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial. Artigos 703º a 1139º”, Almedina 2020, página 491).
Quanto ao conteúdo do conceito de informação, refere Ana Gabriela Ferreira Rocha in “O direito à informação do sócio gerente nas sociedades por quotas”, publicado na Revista de Direito das Sociedades, Ano III, 2011, nº 4, a página 1033: “(...) podemos definir informação como a possibilidade de acesso a quaisquer dados, de facto ou de direito, relacionados com o andamento dos negócios sociais ou a gestão da sociedade, obtidos de modo directo ou indirecto, independentemente dos meios ou instrumentos utilizados para o seu conhecimento, assim como o conteúdo ou substracto que deriva daquela possibilidade de acesso”.
Dispõe o artigo 21º, nº 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais:
“Todo o sócio tem direito: (…) a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.
No âmbito das sociedades por quotas, estabelece o artigo 214º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais:
“Os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos”.
A propósito deste preceito legal, e em particular do seu nº 2, escreve António Menezes Cordeiro in “Manual de Direito das Sociedades”, II, “Das Sociedades em Especial”, Almedina, Junho de 2006, a página 285:
“Estamos perante um garantismo que não se explica à luz do Direito privado. O direito à informação não pode ser excluído: ponto assente. Mas a sua regulamentação no pacto social – onde se lida com direitos disponíveis – pode ser efectiva: é evidente que nada custa alegar suspeitas de responsabilidade do autor de quaisquer actos ou invocar a possível inexactidão de documentos para, em contínuo, tudo devassar. Os preceitos devem ser interpretados à luz do favor societatis e numa perspectiva de efectiva substancialidade das situações”. (sublinhado nosso).
(…)
Com efeito, conforme salienta neste tocante Raúl Ventura, in “Sociedade por Quotas”, Volume I, Almedina 1993, a páginas 283 a 286 e 291, a expressão direito à informação a que alude o artigo 214º, nº 1, do CSC, reveste sentido amplo, abrangendo três direitos parcelares do sócio:
1º - a informação – em sentido estrito – que tem a ver com o pedido de conhecimento do sócio quanto à vida societária a concretizar através de perguntas que entenda formular sobre os actos substantivos e concretos de gestão praticados, ou a praticar, pelos gerentes, devendo a informação ser verdadeira, completa e elucidativa;
2º - a simples consulta da documentação, com a possibilidade de exigência da sua exibição, a efectuar na sede da sociedade, porventura com o auxílio de perito ou especialista contratado pelo sócio interessado;
3º - a inspecção concretizada através da actividade necessária para que o sócio vistorie os bens sociais. (sobre esta matéria, absolutamente fulcral para a decisão do pleito, vide Carlos Maria Pinheiro Torres in “O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, Almedina 1998, páginas 121 a 129; Jorge Coutinho de Abreu in “Curso de Direito Comercial”, Volume II, Almedina 2013, a páginas 254 a 270; Ana Gabriela Ferreira Rocha in “O direito à informação do sócio gerente nas sociedades por quotas”, publicado na Revista de Direito das Sociedades, Ano III, 2011, nº 4, a páginas 1036 a 1037; Diogo Lemos e Cunha in “O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 75, Janeiro/Junho de 2015, a páginas 304 a 305; em termos jurisprudenciais, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2011 (relator Oliveira de Vasconcelos), proferido no processo nº 1560/08.3TBOAZ.P1.S1, e de 29 de Outubro de 2013 (relator Hélder Roque), proferido no processo nº 3829/11.0TBVCT.G1.S1, publicados in www.dgsi.pt; o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Setembro de 2020 (relator António Barateiro), proferido no processo nº 4.951/19.0T8CBR-A.C1, e publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XLV, Tomo IV, a página 277 a 278 (sumário) e in Colectânea de Jurisprudência Online, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2021 (relatora Ana Paula Boularot), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2018 (relator Carlos Portela), proferido no processo nº 2929/16.5T8STS.P1, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XLIII, Tomo II, páginas 193 a 196).
Pronunciando-se precisamente sobre esta concreta questão, fazendo-o de forma clarividente e com interesse para a análise da presente situação de facto, vide ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Janeiro de 2000 (relator Cunha Barbosa), no processo nº 1.036/99, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, tomo I, a páginas 184 a 186, onde se enfatizou:
“De acordo com o disposto no artigo 214º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, o direito à informação “stricto sensu” só pode ter como objecto a “gestão da sociedade”, isto é, o sócio só pode requerer que o gerente preste informação sobre actos ou factos que se integrem na “gestão da sociedade”. (...) A “gestão da sociedade” que aí se pretende ver inserida é a que se compadece tão só com actos substantivos de gestão que já não com actos de mero registo dessa gestão pois, a entender-se doutro modo, ficaria sem justificação, sem interesse, e, de alguma forma, sem conteúdo o direito de consulta da respectiva escrituração, livros e documentos, já que o resultado de uma possível aos livros da escrituração, de que faz parte o “Diário Razão”, poderia ser obtido através dos gerentes ou administradores” (...) a entender-se de outra forma, (...) poderia transformar-se o gerente ou administrador em constante informador contabilístico, permitindo-se, desta forma, um constante exercício de chicana por parte dos sócios e para com os gerentes ou administradores da sociedade”.
Voltando ao caso concreto, o que podemos desde já afirmar é que improcedendo como improcedeu o recurso da decisão de facto interposto pelo autor/apelante, permanece válida a fundamentação que esteve na base da decisão proferida nos autos, cujos segmentos mais relevantes aqui passamos a reproduzir:
“Isto posto e vertendo ao caso em sujeito, não resultaram provados factos que determine a realização de inquérito judicial à sociedade Ré, A..., Lda..
Com efeito, como competia ao Autor, não ficou provado o envio da missiva por si junto com a petição inicial, nem que haja, por diversas vezes, solicitado acesso às informações contabilísticas, documentação elucidativa sobre a gestão da Ré A..., Lda., escriturações, livros e demais registos.
Acresce que o Autor não demonstrou que o Réu BB nunca haja prestado qualquer informação e que o tenha impedido de ter acesso a quaisquer documentos.
Por último, o Autor não provou que o Réu BB haja esvaziado de valor a sociedade Ré, desviando clientela, ativos e os bens por si discriminados na petição inicial.
Em contrapartida, ficou provado que todos os elementos da contabilidade da sociedade Ré, A..., Lda., sempre se mantiveram quer nos escritórios da empresa, quer com o TOC da empresa.
Mais ficou demonstrado que o Autor tinha livre acesso àqueles escritórios e que contacta, sempre e quando quer, com o TOC da empresa, que sempre lhe facultou todas as informações que o mesmo solicitou.
Ora, se o Autor, propositadamente, se quis alhear da actividade societária da Ré A..., Lda., terá que arcar com as consequências da sua opção. Com efeito, a postura do Autor de total afastamento e desresponsabilização da vida societária da sociedade Ré, A..., Lda., enquanto a mesma laborou por impulso do Réu BB não pode agora legitimar que pretenda sindicar toda a sua actuação, tanto mais que nunca lhe foi recusado qualquer informação.
(…)
Destarte, entende o Tribunal que não existem elementos para proceder à realização do inquérito judicial sobre a sociedade A..., Lda., improcedendo o pedido formulado pelo Autor.”.
Face ao exposto, resulta claro que foi bem interpretado e aplicado o regime previsto no art.º 1048º do CPC.
Aqui não procedem pois os argumentos recursivos que sustentam o recurso dos autos.
Como antes já vimos, na tese do autor/apelante, a Sr.ª Juiz “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto no art.º 987º e violou o disposto no art.º 986º do CPC.
E isto porque devia ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da adopção e justificação dos critérios de conveniência e oportunidade, e da verificação do poder dever de investigar os factos e recolher as informações convenientes.
Vejamos:
Como resulta indiscutível, estamos nos autos perante um processo de jurisdição voluntária (artigos 1048º e 986º do Código de Processo Civil).
Perante tal realidade impõe-se salientar que nestes processos o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
É esta a essência da jurisdição voluntária, tal como resulta do art.º 986º do Código de Processo Civil, de onde resulta categoricamente, a preponderância do princípio do inquisitório, assim, o reforço dos poderes do juiz quando comparados com o processo civil onde continua a imperar o princípio do dispositivo, ainda que com as especificidades previstas nos artigos 5º e 6º.
No entanto, importa não esquecer que o reforço dos poderes do juiz não significa a atribuição de poderes discricionários ou de arbítrio, mas de poderes orientados, vinculados pela prossecução do fim último do processo, que é a justa composição do litígio.
Como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “a liberdade e iniciativa probatória do juiz tem como limite o objectivo prosseguido pelo processo especial em causa, bem como a adequação da medida a adoptar à finalidade pretendida.” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág.436).
Ora nos autos o que se verifica é que o Tribunal “a quo” atendeu a deferiu à produção de toda a prova que o autor ora apelante requereu desde logo no seu articulado inicial (cf. fls.7 v).
E o mesmo ocorreu relativamente aos meios de prova que o réu/apelado requereu na sua contestação (cf. fls.31 v)
Verifica-se também que no decurso dos autos e mais concretamente no âmbito da diligência de inquirição de testemunhas (cf. acta de fls.333 e seguintes), foi deferido o pedido formulado pelo autor de junção ao processo de prova documental complementar, cumprindo-se o contraditório relativamente aos réus.
Sendo assim, não tem qualquer fundamento vir agora dizer-se que a Sr.ª Juiz “a quo” perante as questões suscitadas no decurso dessa diligência, não cumpriu o poder-dever previsto no art.º 986º, nº2 do CPC.
Ou seja, por aqui não pode proceder o recurso aqui interposto pelo autor/apelante.
E também não se compreende a alegação de que a decisão proferida padece das nulidades previstas no art.º 615º, nº1, alíneas b) e c) do CPC.
Como é sabido, a segunda nulidade das previstas no nº1 do art.º 615º, a da alínea c), é nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a falta de fundamentação da sentença (Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 687).
Assim e como ali se refere, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”
Mais, “para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão (cf. obra supra citada a pág.688).
Regressando ao caso concreto, resulta evidente para todos que a sentença recorrida não padece desta nulidade, razão pela qual improcede nesta parte o recurso do autor/apelante.
E também não padece do vício previsto na alínea c) do mesmo artigo.
Tudo porque segundo o que vem sendo entendido, tal norma se refere “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, seja na fundamentação, seja na decisão.” (obra e autores antes citados, pág.690).
Nestes termos e sabendo-se como se sabe que os casos abrangidos pelo art.º 615º, nº1, alínea c), há um vício real entre o raciocínio do julgador, ocorrendo quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho diverso, cabe concluir que no caso a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe vem apontada.
Em conclusão, também aqui improcedem os argumentos recursivos do autor/apelante.
Quanto às custas do pedido de condenação como litigante e má-fé, o que cabe referir é o seguinte:
Como se verifica dos autos, na sua contestação vieram os réus pedir a condenação do autor como litigante de má-fé.
Na sentença proferida acabou o autor por ser absolvido de tal pedido.
No entanto, não deixou de ser condenado nas custas correspondentes a tal pedido.
A ser assim, impõe-se concluir que em tal decisão não foi respeitado o previsto nos nºs 1 e 2 do art.º 527º do CPC.
Tem pois razão o autor/apelante quando nos termos do art.º 616º, nº1 e 3 vem requerer a reforma quanto a custas da sentença proferida.
*
Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
*
III. Decisão:
Pelo exposto e pela procedência parcial do recurso aqui interposto, altera-se nos seguintes termos a decisão proferida:
Custas do pedido de condenação como litigante de má-fé a cargos dos réus/apelados (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Em tudo o mais, confirma-se o decidido.
*
Custas a cargo do autor/apelante.
*
Notifique.

Porto, 23 de Fevereiro de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço