CONTRATO DE ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO DO DIREITO AO ARRENDAMENTO
FILHO
MORTE DO ARRENDATÁRIO
TRANSMISSÃO DO DIREITO AO ARRENDAMENTO
NRAU
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I - Não é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso, sob o pretexto de que se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, quando a mesma se revela pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.
II - Em todo o caso, o documento deve ser admitido se for de entender que era exigível ao tribunal a quo ordenar oficiosamente a junção do documento ou notificar as partes para a sua junção, por já então, findos os articulados, ser previsível a essencialidade ou, pelo menos a sua grande relevância para a decisão da ação.
III - A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de Direito ou de natureza conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, em segunda instância, nos termos previstos na al. c) do n° 2 do art.º 662° do Código de Processo Civil.
IV - A comunicação da posição do arrendatário (art.º 1068º do Código Civil) é figura distinta da transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário (art.º 1106º do Código Civil).
V - Havendo comunicação do direito ao arrendamento ao outro cônjuge, a morte de um deles não determina a caducidade do contrato, mas antes concentração do direito no cônjuge titular sobrevivente.
VI - Tendo sido o contrato de arrendamento celebrado no ano de 1944, antes do início de vigência do RAU, à transmissão por morte do arrendatário aplica-se o disposto nos art.ºs 57º e 58º do NRAU, por força dos art.ºs 26º, nº 2, 27º e 28º deste mesmo diploma legal.
VII - Havendo comunicação do arrendamento ao cônjuge não signatário, por ter casado com o cônjuge signatário antes da vigência da Lei nº 2030, de 22 de junho de 1948, sob o regime da comunhão de bens, aquele, falecido em 17.10.2015, é considerado arrendatário primitivo para efeito de transmissão do direito ao arrendamento a uma filha do casal, nos termos do art.º 57º do NRAU.
VIII - Não é inconstitucional a interpretação do art.º 57º do NRAU no sentido de que tal disposição é aplicável à transmissão por morte do arrendatário relativamente a contratos para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro (que aprovou o RAU), quando a morte do cônjuge do arrendatário (a quem se transmitiu o direito ao arrendamento) tenha ocorrido depois da entrada em vigor do NRAU, com a redação introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (que eliminou a norma do nº 4 do art.º 57º) e pela Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro, não abrangendo a transmissão para os descendentes que convivessem com o arrendatário (ou o seu cônjuge) há mais de um ano e com deficiência com um grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
IX - Se, para efeito da aplicação da al. e) do nº 1 do art.º 57º do NRAU --- transmissão do direito ao arrendamento de pai para filho --- surgirem questões, em matéria de facto, relacionadas com a interpretação do relatório clínico que comprova uma incapacidade do filho transmissário (no caso, de 62%), nomeadamente quanto à data da incapacidade, deve o tribunal, dentro das suas possibilidades, recorrer diretamente aos elementos clínicos em que se fundou o relatório para tentar descortinar o facto, sempre com a devida ponderação e segurança.

Texto Integral

Proc. nº 10982/16.5T8PRT.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – J3

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Desemb. Francisca Mota Vieira




Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I.
A A. SOCIEDADE A..., S.A., com sede no Bairro ..., ..., Porto --- posteriormente, após habilitação de cessionário (por compra do imóvel na pendência da ação), B..., LDA. --- intentou ação declarativa comum contra AA, residente no Bairro ..., ..., no Porto, alegando essencialmente que é proprietária do prédio que constitui a casa ... que, no ano de 1944, cedeu a BB o respetivo uso para que nele instalasse a sua residência. Tendo este casado posteriormente com CC, veio a falecer no dia 8.10.2002, sucedendo-lhe a viúva no direito ao arrendamento, mediante a renda mensal de €4,19.
Falecida a CC no dia 17.10.2015, a R., AA, comunicou tal facto à A. por carta de 29.11.2015, referindo pretender suceder no direito a habitar a casa ... do bairro, tendo-lhe a A. respondido que o contrato caducou com a morte da mãe e que a entrega da casa teria de ocorrer no prazo de seis meses a contar do óbito, caso não se venha a celebrar novo contrato. Acrescentou que a R. não demonstrou possuir atestado multiusos válido que ateste incapacidade superior a 60% e, mesmo que assim se verificasse, não pode invocar o direito à sucessão face à existência prévia de outra sucessão no arrendamento da casa .... O valor da casa, no mercado de arrendamento, é estimado em €500,00 mensais.
A A. deduziu o seguinte pedido:
«
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS DEVERÁ:
- SER RECONHECIDA A CADUCIDADE DO CONTRATO QUE VIGOROU COM A CC NA DATA DA MORTE DESTA, SEJA 17 DE OUTUBRO DE 2015 E CONSEQUENTEMENTE SER A RÉ CONDENADA A ENTREGAR À AUTORA A POSSE DA casa ... DO Bairro ..., LIVRE DE PESSOAS E BENS.
- SER CONDENADA A RÉ A PAGAR À AUTORA A QUANTIA DE €500,00 MENSAIS DESDE MAIO DE 2016 ATÉ ENETREGA EFECTIVA.

Citada, a R. contestou a ação, impugnando parcialmente os factos e concluindo que, da conjugação das normas previstas nos artºs 26º, 27º e 28º do NRAU resulta que aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU que ocorreu em 15.11.1990 – como é o caso dos autos – se aplica o NRAU com as especificidades constantes, nomeadamente, do nº 2 do art.º 26º, que refere que à transmissão por morte se destina a aplicação do art.º 57º do diploma, que, no seu nº 1, al. e), permite a transmissão por morte do primitivo arrendatário a filho maior de idade que com ele convivesse há mais de 1 ano, com deficiência de comprovado grau de incapacidade superior a 60%.
Frustrada uma tentativa de conciliação, foi designada e teve lugar a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador tabelar, seguido de identificação do objeto do litígio e dos temas de prova.
Pronunciou-se ali também o tribunal sobre a admissibilidade dos meios de prova.
Teve início a audiência final.
A R., em articulado superveniente, apresentado em 17.11.2020, alegou que a atual A. reconheceu a demandada como sendo a arrendatária do prédio, o que constitui facto extintivo do efeito jurídico visado pela demandante por via da ação, devendo ser absolvida do pedido.
Acrescentou que os factos alegados chegaram ao conhecimento da R. em momento posterior à fase dos articulados, da data da audiência prévia (19.10.2017) e da data da primeira sessão da audiência de julgamento (19.2.2018), motivo pelo qual o articulado superveniente é tempestivo (art.º 588º, nº 3, Código de Processo Civil).
Por requerimento de 18.11.2020, a A. opôs-se ao fundamento do articulado superveniente da R.
Concluída a audiência final, o tribunal a quo proferiu sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Face ao exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente acção intentada pela autora B..., LDA, contra AA e, em consequência, decido:
1. Reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento que vigorou com CC na data da morte desta, a 17/10/2015, e, consequentemente, condeno a ré a entregar à autora a posse da casa ... do Bairro ..., livre de pessoas e bens;
2. Condenar a Ré a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia mensal de €125,00, desde maio de 2016 e até efetiva entrega do imóvel, sem prejuízo do direito da ré a haver o que a autora recebeu na sequência de depósitos feitos, a título de rendas, relativas ao período posterior a maio de 2016;
3. Absolver a ré do demais peticionado.

*
Custas pela acção a cargo da autora e da ré na proporção de 1/3 e de 2/3, respectivamente.»
*
Resistindo à decisão, dela apelou a R. formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou a acção parcialmente procedente, reconheceu a caducidade do contrato de arrendamento na data da morte da mãe da Ré/Apelante e condenou a Ré a entregar o locado e a pagar à Autora uma indemnização pela sua ocupação.
B. Entende a Apelante que a causa não foi bem julgada, quer de facto, quer de direito, pelo que impugna, neste recurso, os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, bem como a indicação do objecto do litígio e a forma como foi configurada a questão a decidir nestes autos (que condicionou a sentença), discordado ainda da decisão na parte em que considerou que não havia um reconhecimento da Ré como arrendatária e, ainda, na parte em que condenou a Ré no pagamento de uma indemnização em termos distintos do peticionado.
C. Em reforço da tese que defende neste recurso, a Apelante junta a estas alegações o parecer jurídico da Profª Doutora DD, Professora da Faculdade de Direito da Universidade do Porto que conclui no sentido de que “[a] Ré AA é (…) arrendatária do imóvel identificado nos autos desde 17 de Outubro de 2015, tendo adquirido essa posição mortis causa, e, nessa qualidade, utiliza legitimamente o imóvel desde então.”
D. O Tribunal “a quo” julgou a presente acção no errado pressuposto de ter havido – e não houve – uma primeira transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do “primitivo arrendatário”, considerando-o como “cônjuge transmissário”, quando a mãe da Apelante era, por direito próprio, co-arrendatária, pelo que a única transmissão (mortis causa) do direito ao arrendamento é aquela que se verifica a favor da Apelante, filha dos (primitivos) arrendatários.
E. Caso porventura se venha a entender que houve inicialmente uma transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário – o que se admite apenas por cautela de patrocínio -, a sentença proferida viola princípios constitucionais, pelo que deve ser recusada a aplicação, neste caso concreto, da norma do artº 57º do NRAU por ser materialmente inconstitucional.
F. A Apelante impugna a decisão proferida sobre os seguintes pontos da matéria de facto, que considera terem sido incorrectamente julgados:
- factos nºs 4, 5 e 17 que o Tribunal “a quo” deu como provados;
- omissão de dois factos alegados na Contestação que têm interesse para a boa decisão da causa (vertidos nos artºs 17º e 42º dessa peça processual).
G. Quanto ao facto nº 4, sendo o casamento um facto para cuja prova a lei exige documento escrito (artºs 1º, nº1 d), 4º e 211º, nº1 do Código do Registo Civil e artº 568º, d) do C.P.C.) sem prejuízo de a Apelante aceitar que o mesmo corresponde à realidade, considera que o mesmo está incompleto, dado que não menciona a data do casamento do arrendatário, nem se foi, ou não, celebrada convenção antenupcial, a fim de se poder apurar qual o regime de bens, o que integra o “thema decidendum”, dado que ao tempo em que o arrendatário casou, sob o regime de comunhão geral de bens, existia comunicabilidade do direito ao arrendamento.
H. Por este facto ser absolutamente essencial para a boa decisão desta causa, e resultar do assento de casamento ora junto aos autos, a Apelante requer que a redacção do facto nº 4 passe a ser a seguinte: “Esse BB veio a casar com CC, no dia 8 de Dezembro de 1946, sem convenção antenupcial.”
I. Em relação ao facto nº5, a 2ª parte (“sucedendo-lhe no direito ao arrendamento a sua mulher CC”) constitui matéria de direito (e não um facto material, concreto e preciso susceptível de prova), pois a “sucessão no direito ao arrendamento” passa pela subsunção a um conceito jurídico, a preencher com a prova de elementos fácticos que o integrem; neste caso, o facto concreto é o de que CC continuou a residir no locado após a morte de BB.
J. A inclusão da fundamentação de facto da sentença de matéria de direito - como é o caso - determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na al. c) do nº 2 do artº 662º do C.P.C. e que determina que esse segmento deva ter-se por não escrito.
K. O Tribunal “a quo” considerou que está em causa – e não é admissível - uma segunda transmissão do direito ao arrendamento para a Ré/Apelante, por a mãe desta ter já “sucedido no direito ao arrendamento” com base no que ficou a constar do facto nº 5.
L. O facto nº5 deve, assim, passar a ter a seguinte redacção: “BB faleceu em 8/10/2002, tendo a sua mulher CC continuado a residir no locado”; ou, quando muito, “BB faleceu em 8/10/2002” (eliminando-se a 2ª parte).
M. Quanto ao facto nº 17, uma vez que a Ré pagou sempre a renda e não resulta claro que o pagamento nele mencionado foi efectuado à sociedade nova proprietária do imóvel, a Apelante requer a sua rectificação/alteração para a seguinte redacção:
“17) A ré vem procedendo ao pagamento do valor mensal das rendas a favor da autora, actual proprietária do imóvel e senhoria, por transferência bancária, desde 01.08.2019 até ao presente.”
N. Devem ser aditados aos factos provados dois factos relevantes para a decisão da causa, alegados na Contestação e que foram demonstrados nos autos:
(i) Novo Facto nº 19: “Já à data do óbito do seu pai BB, em 05.10.2002, a ré vivia na casa em discussão neste processo há mais de 15 anos, na companhia daquele e na da sua mãe D. CC.”
(ii) Novo facto nº 20: “Trata-se de uma casa modesta, com mais de 90 anos de vetustez, sem as condições de conforto e de habitabilidade actuais, a necessitar de obras.”
O. Deve, assim, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, corrigindo-se os Factos provados nºs 4, 5 e 17, e aditando-se aos factos provados os factos que não constam do elenco dos factos que o Tribunal “a quo” entendeu relevantes, que traduzem - todos - os concretos pontos da matéria de facto impugnados, por do processo constarem meios probatórios, designadamente, documentais que impõem decisão diversa da recorrida e por dever ser eliminada (do facto nº5) o segmento relativo a matéria de direito.
P. Na presente acção está em causa a transmissão do direito ao arrendamento para a filha dos arrendatários, que nasceu em 1942 e viveu com os pais no locado desde o início do contrato de arrendamento, celebrado no ano de 1944, e que à data do óbito da mãe (em 17 de Outubro de 2015) tinha 73 anos e uma deficiência com um grau de incapacidade superior a 60% (mais propriamente de 61,9%).
Q. Demonstrou-se nos autos que a filha dos arrendatários residia com os pais há mais de 30 anos à data morte da mãe, em 17.10.2015 (facto provado nº 12), e que, nessa data, o seu grau de incapacidade era de 62% (factos provados nºs 13 e 14), pelo que a mesma preenche os requisitos previstos na alínea e) do nº1 do artº 57º do NRAU.
R. O Tribunal “a quo” entendeu que a mesma não tinha direito a suceder no contrato de arrendamento (na posição de arrendatária) por a norma do artº 57º do NRAU aludir a “primitivo arrendatário” e este ser apenas a pessoa que outorgou o contrato de arrendamento e não também o “cônjuge transmissário”, entendimento que pressupõe que o arrendamento se tenha transmitido, à data da morte do BB, ocorrida em 2002, ao seu cônjuge, o que não sucedeu.
S. O pai da Ré/Apelante celebrou um contrato de arrendamento para habitação com a “primitiva autora” (a sociedade que era a anterior proprietária do imóvel e que o vendeu na pendência desta acção) no dia 1 de Abril de 1944, com início nessa data, pelo prazo de um ano e duração indeterminada.
T. A questão de direito, como refere o Parecer adiante junto, consiste em “determinar que modificações subjectivas se operaram na relação jurídica que teve como facto gerador o contrato de arrendamento mencionado, em três momentos distintos:
1º Quando o arrendatário BB casou com CC, mãe da Ré, em 8 de Dezembro de 1946;
2º Aquando da morte de BB, em 5 de Outubro de 2002;
3º E no momento da morte de CC, em 17 de Outubro de 2015.”
U. Os pais da Ré/Apelante (que já viviam com a filha no locado desde o início do arrendamento) contraíram casamento católico, sem precedência de convenção antenupcial, no dia 8 de Dezembro de 1946.
V. Não tendo os pais da Ré celebrado convenção antenupcial, o regime de bens do seu casamento era a comunhão geral de bens, dado que era esse o regime supletivo legal (artºs 1098º, 1108º e 1109º do Código Civil de 1867).
W. Por força do casamento celebrado sob o regime de comunhão geral de bens a mãe da Ré/Apelante adquiriu a posição de arrendatária da casa nº ... em causa nesta acção no contrato de arrendamento outorgado em 1944.
X. Na verdade, o direito (posição) do arrendatário comunicava-se nessa ocasião ao seu cônjuge de acordo com o regime de bens.
Y. O locado é, e foi sempre, a casa de morada da família.
Z. O direito ao arrendamento ingressou no património comum do casal, casado sob o regime da comunhão geral de bens, pelo que ambos os cônjuges (BB e CC) eram arrendatários.
AA. A incomunicabilidade do direito ao arrendamento só foi consagrada, pela primeira vez, na Lei nº 2030 de 22 de Junho de 1948, em data posterior à do casamento dos pais da Ré.
BB. A regra da incomunicabilidade do direito ao arrendamento só é aplicável aos contratos celebrados depois da entrada em vigor da Lei nº 2030 de 22 de Junho de 1948, a todos os novos contratos, não se aplicando aos contrato de arrendamento de pretérito nessa data, ou seja, “não modificou as relações já constituídas antes da sua entrada em vigor, mantendo intocados os efeitos produzidos anteriormente à sua vigência, no caso concreto a aquisição de um complexo de direitos de créditos e correspondentes obrigações, inerentes à posição jurídica de coarrendatária, pelo cônjuge mulher.”
CC. A incomunicabilidade do direito ao arrendamento foi, depois, mantida no Código Civil, que entrou em vigor no dia 1 de Junho de 1967 (artº 2º, nº1 do DL nº 47344, de 25 de Novembro de 1966), cujo artigo 1110º, nº1, tinha a seguinte redacção: “Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por sua morte, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
DD. O artº 1111º do Código Civil, sob a epígrafe “Transmissão por morte do arrendatário”, estabelecia, na sua redacção primitiva, o seguinte: “1. O arrendamento não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual se lhe sobreviver cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, ou deixar parentes ou afins na linha recta que com ele vivessem, pelo menos, há um ano; mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia ao senhorio no prazo de trinta dias.” (…) “3. A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.” (esta norma foi alterada por vários diplomas, tendo o DL nº 328/81, de 4 de Dezembro, introduzido uma nova redacção que, no essencial, coincide com a anterior anterior).
EE. Com a entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15 de Outubro, foi revogado o direito anterior relativo às matérias reguladas no RAU, designadamente os artigos 1083º a 1120º do Código Civil (artº 3º, nº1 a) do diploma preambular), mas o artº 83º do RAU manteve o princípio da incomunicabilidade do direito ao arrendamento (“Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por morte, sem prejuízo do disposto nos dois artigos seguintes”).
FF. No que se refere à transmissão por morte, o artº 85º do RAU previa, designadamente, que “1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver: a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto; b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;” (…) e “3 - A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.”
GG. Assim, em todos os regimes anteriores ao NRAU, quando a primeira transmissão do direito ao arrendamento era para o cônjuge sobrevivo do arrendatário (no caso de haver “transmissão”, por o direito ao arrendamento não se ter comunicado ao cônjuge em casamentos anteriores à entrada em vigor da Lei nº 2030 de 1948), podia haver sempre outra transmissão, para o caso que aqui interessa, para os seus descendentes.
HH. Com a entrada em vigor (em 28 de Junho de 2006) da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento urbano (NRAU), o regime do arrendamento urbano foi reintroduzido no Código Civil, e foi consagrada, como regra geral (tanto para os arrendamentos habitacionais como para os não habitacionais), a comunicabilidade do direito ao arrendamento no artº 1068º deste diploma: “O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente.”
II. Foi assim (depois de cerca de 58 anos – Lei nº 2030 de 22 de junho de 1948) restabelecida a regra segundo a qual, como refere Maria Olinda Garcia, “o direito do arrendatário (que celebrou o contrato de arrendamento ou que eventualmente sucedeu na posição contratual de um anterior arrendatário) se comunica ao seu cônjuge, tornando-se este coarrendatário, de acordo com o regime de bens em que são casados, quando tal regime é o da comunhão geral ou o da comunhão de adquiridos (quando, nesta última hipótese, o arrendamento é celebrado na vigência do casamento). A comunicabilidade corresponde, assim, a um modo de constituição da contitularidade do direito ao arrendamento entre cônjuges.” “(…) deste modo, o cônjuge do arrendatário outorgante adquire a qualidade de coarrendatário automaticamente, por força da lei (…)”
JJ. Sobre os “pressupostos da comunicabilidade” escreve a mesma Professora e Juíza Conselheira: “(…), a comunicabilidade do direito ao cônjuge do arrendatário pressupõe que este seja casado no regime da comunhão geral ou da comunhão de adquiridos no momento da celebração do contrato, ou que na vigência da relação de arrendamento o arrendatário venha a casar em regime de comunhão geral.”
KK. Assim, no regime da comunhão geral (que é o que aqui importa tratar), o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, integrando o património comum do casal, mesmo que o contrato de arrendamento seja anterior ao casamento (artº 1732º do Código Civil).
LL. No caso em apreço o contrato de arrendamento e o casamento, sob o regime da comunhão geral de bens, ocorreram no domínio de lei que estabelecia a comunicabilidade do direito ao arrendamento, ou seja, não tiveram lugar no domínio de lei que previa (imperativamente) a incomunicabilidade (que é o argumento utilizado por quem entende que não pode aplicar-se o artº 1068º do Código Civil aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor), pois a lei só passou a exceptuar da integração na comunhão conjugal o direito ao arrendamento em 1948.
MM. Daí que no contrato de arrendamento celebrado em 1944 (em causa nos autos) em que o arrendatário casou em 8 de Dezembro de 1946, sob o regime da comunhão geral, o direito ao arrendamento ou a posição de arrendatário comunicou-se ao seu cônjuge, pelo que eram ambos arrendatários.
NN. Em relação à transmissão por morte do direito ao arrendamento, quando o legislador se refere ao “cônjuge do arrendatário”, tal significa os casos em que o direito ao arrendamento não integra a comunhão conjugal; se o cônjuge já é, por força do regime de bens do casamento, titular do direito (contitularidade que lhe advém da comunicabilidade do direito ao arrendamento), é evidente que pela morte do arrendatário o arrendamento não caduca, nem tão pouco se transmite por morte para o cônjuge, antes subsiste o direito na titularidade do cônjuge do arrendatário; o direito concentra-se no cônjuge sobrevivo.
OO. A comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge do arrendatário tem relevância ao nível da transmissão do arrendamento habitacional por morte do arrendatário, pois só há transmissão por morte nas situações em que o direito ao arrendamento não se comunicou entre cônjuges, em virtude do regime de bens (pois nesta hipótese são ambos arrendatários); ou seja, a aplicação das regras da transmissão por morte para o cônjuge ocorre apenas quando não tenha havido comunicação da posição do arrendatário ao cônjuge (como era aceite anteriormente à Lei de 1948).
PP. Comunicando-se o direito do arrendatário ao seu cônjuge, não há transmissão do arrendamento por morte do cônjuge que celebrou o contrato de arrendamento, mas antes concentração do arrendamento no cônjuge sobrevivo, o qual já era, em consequência da comunicabilidade, arrendatário.
QQ. No caso sub judice estamos perante um contrato de arrendamento de que ambos os cônjuges eram arrendatários (não por aplicação retroactiva do artº 1068º do Código Civil, mas sim porque o contrato de arrendamento e o casamento foram celebrados no domínio de lei que previa a comunicabilidade do direito ao arrendamento), não tendo havido, à data da morte do arrendatário BB, uma transmissão do direito ao arrendamento, mas sim uma concentração do arrendamento no cônjuge, a também arrendatária CC;
RR. Com a morte de BB, CC passa de “arrendatária invisível” – posição que tinha adquirido com o casamento - a “arrendatária visível”, por direito próprio; o arrendamento plural transforma-se em arrendamento singular e a “arrendatária invisível” ganha visibilidade, passando CC a ocupar a posição de única arrendatária.
SS. A transmissão que ocorre com a morte de CC para a Apelante, filha dos arrendatários, em 17 de Outubro de 2015, é, assim, a primeira transmissão mortis causa da posição de arrendatário porque à data da morte de BB, em 08.10.2002, o direito ao arrendamento concentrou-se na sua mulher e esta – CC – é, tal como o cônjuge, coarrendatária e “primitiva arrendatária”.
TT. Tendo a mãe da Apelante falecido em 17 de Outubro de 2015, aplica-se o regime transitório da transmissão por morte previsto no NRAU (artº 59°, nº1 e artºs 36º a 58º da Lei n° 6/2006, designadamente o artº 57º, por força do disposto nos artºs 28º e 26º do NRAU) e quanto aos contratos de arrendamento celebrados antes de 27 de Junho de 2006, mas que subsistam nessa data, o NRAU só se aplica quanto aos efeitos jurídicos produzidos após a sua entrada em vigor, respeitando os efeitos produzidos no domínio da lei anterior.
UU. Tendo em conta que a mãe da Apelante é “primitiva arrendatária” (por ser coarrendatária no contrato de arrendamento, em virtude de se lhe ter comunicado o direito ao arrendamento, e depois “concentrado” em si com o falecimento do marido) e que a Apelante fez prova do preenchimento dos requisitos previstos na alínea e) do nº1 do artº 57º da Lei nº 6/2006 (cfr. factos provados nºs 11, 12, 13 e 14 e fundamentação da sentença recorrida), a Apelante tem direito a suceder no direito ao arrendamento com a morte da sua mãe, em 17.10.2015.
VV. O cônjuge em quem se concentrou o direito ao arrendamento ou a posição de arrendatário (por força do regime de bens) é “primitivo arrendatário”, para efeitos do disposto no artº 57º do NRAU, pois o “primitivo arrendatário” é tanto o arrendatário que celebrou o contrato de arrendamento, como o cônjuge a quem o direito se comunicou por força do regime de bens.
WW. Não se verifica uma “dupla transmissão”, uma vez que a mãe da Apelante era coarrendatária, ou seja, arrendatária primitiva para efeitos deste regime (desde 1946, data em que contraiu casamento com o arrendatário) e a qualidade de arrendatária da mãe da Apelante “leva a que a posição de transmissária por morte no contrato de arrendamento controvertido seja encabeçada, pela primeira vez, pela Ré”/Apelante”(cfr. parecer jurídico adiante junto)
XX. O tribunal “a quo” começou por fixar mal o objecto do litígio, limitando, dessa forma, à partida a análise da questão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, pois decidiu, de antemão, que tinha havido “transmissão da posição contratual por morte do cônjuge do arrendatário para o não locatário”, sem ter sequer apurado previamente a data do casamento do arrendatário subscritor do contrato e o regime de bens do casamento; cometeu, pois, manifesto erro de julgamento logo neste momento processual.
YY. “Este objecto do litígio compreende já uma apreciação jurídica da factualidade que deveria ter sido deixada para julgamento, na medida em que se dá por verificada uma primeira transmissão da posição contratual do arrendatário, aquando da morte do pai da Ré, sem que os factos e o direito que lhes era aplicável tenham sido devidamente ponderados. Transmissão essa que não se verificou” (cfr. pag. 3 do parecer adiante junto).
ZZ. Na sentença a Mma. Juíza acabou por decidir as questões pela ordem inversa à indicada no objecto do litígio, porquanto começou por resolver a questão da verificação dos pressupostos previstos na alínea e) do nº1 do artº 57º do NRAU, tendo concluído que a Ré fez prova de tais pressupostos;
AAA. E concluiu, infundadamente, no sentido da “inadmissibilidade” da “comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge” sem ter atentado na data da celebração do casamento, nem no regime de bens, alicerçada na circunstância de o casamento ter sido celebrado em data anterior a 27.06.2006 (o que, na sua óptica, implicava uma “situação de incomunicabilidade”) – portanto sem tratar de analisar a comunicabilidade do direito ao arrendamento no caso concreto.
BBB. Quando assim não se entenda, a Ré/Apelante tem direito ao arrendamento também por aplicação do disposto no artº 85º, nº1 b) do RAU, por o ter adquirido com a morte do pai, ocorrida em 5 de Outubro de 2002 (por ser descendente que com ele convivia há mais de um ano à data da morte).
CCC. Em 2002, o direito de arrendamento concentrou-se na mãe da ré (cônjuge do arrendatário subscritor do contrato de arrendamento), por força do regime de bens do casamento e transmitiu-se, simultaneamente, para a Ré, descendente que convivia com o arrendatário há, pelo menos, 15 anos (como resultou provado nos autos e se requereu fosse aditado ao elenco dos factos provados).
DDD. E ainda que se entendesse que pudesse ter havido – o que se admite apenas por hipótese de raciocínio – uma “transmissão para o cônjuge do arrendatário” (não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto), ainda assim, era permitida pela redacção inicial do artº 57º, nº4 do NRAU uma segunda transmissão a favor do filho (“A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 ou nos termos do número anterior.”)
EEE. Esse direito da filha (Apelante) a suceder na posição de arrendatário do pai foi adquirido em 05.10.2002, com o falecimento deste e veio a ser-lhe retirado em 2012, com a nova redacção introduzida no artº 57º do NRAU pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, que revogou o anterior nº 4 desta norma.
FFF. A Ré/Apelante tem, pois, direito ao arrendamento do prédio onde sempre residiu com os pais (pelo menos há 15 anos à data da morte do pai, ou há 30 anos à data da morte da mãe), por se verificarem quanto a ela quer os requisitos previstos no artº 85º do RAU, quer os previstos no artº 57º, nº1 al e) do NRAU.
GGG. A sociedade adquirente do locado enviou à Ré uma carta, datada de 15 de Julho de 2019, pela qual lhe comunicou a compra do imóvel e que deveria passar a pagar-lhe as rendas – a que se vencia no mês de Agosto de 2019 e as seguintes - para a conta bancária com o IBAN que indicou, o que a Ré de imediato cumpriu, desde a data em que recebeu essa comunicação até hoje (Factos provados nºs 16 e 17).
HHH. O teor dessa comunicação conjugado com o clausulado do contrato de compra e venda do prédio (com o ónus dos “arrendamentos em vigor“), no qual não foi feita qualquer referência à situação da Ré (e designadamente à pendência desta acção), diferentemente do que sucedeu com outros inquilinos, e, bem assim, com a ausência de resposta da adquirente do locado à carta remetida pela Ré invocando a “qualidade de arrendatária” e a juntar o documento comprovativo do pagamento da renda, implicam o reconhecimento, pela adquirente do locado, da Ré como arrendatária.
III. A condenação da Ré, com base na equidade, a pagar à Autora o valor mensal de €125,00, equivalente à quantia que esta tinha proposto à Ré como renda, no âmbito da comunicação que lhe fez para a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, no ano de 2013, “relativa ao período posterior a maio de 2016” carece de fundamento legal, desde logo porque o pedido formulado na PI não foi de condenação da Ré a pagar-lhe uma contrapartida pela ocupação do imóvel (após a cessação do contrato de arrendamento), mas sim a pagar-lhe uma quantia certa: €500,00.
JJJ. Considerando a causa de pedir que sustenta esse pedido (cfr. artºs 20º, 21º e 22º PI), não alegou a Autora qualquer facto relativo à privação do uso do bem ou a ocupação “ilegítima”, nem invocou o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade extracontratual; invocou o pretenso valor de uma renda (para uma casa remodelada, mobilada, que não tem qualquer semelhança com a casa onde reside a Ré) e um “empobrecimento mensal”, sem qualquer sustentação em factos concretos.
KKK. A Autora não alegou os factos essenciais que constituíam a causa de pedir (artº 5º, nº1 do C.P.C.) para um “pedido indemnizatório” (que não formulou nesses termos), nem foi dado como provado (veja-se o elenco dos factos provados) qualquer facto que possa sustentar a condenação da Ré no pagamento da indemnização nos termos que constam da sentença recorrida.
LLL. O valor da renda mensal que tem sido sempre pago pela Ré constitui “contrapartida” adequada para retribuir a ocupação do imóvel pela Ré, atendendo à sua idade, tipo de construção e, em especial, estado de conservação; basta ver a descrição da caderneta predial e o seu valor patrimonial tributário, bem como o preço que a sociedade adquirente pagou pela sua compra (que foi de €12.500,00) para se concluir que é totalmente desajustado o valor mensal de € 125,00, fixado por recurso à “equidade”.
MMM. A equidade foi, para a Mma. Juiza “a quo”, fixar o valor que foi proposto pela senhoria para a renda no âmbito da actualização a que procedeu ao abrigo do NRAU, não tendo tido em conta outros factores como a idade da Ré (nascida em 1942), o facto de ter sempre residido no imóvel (ou nele residir pelo menos há 30 anos à data do óbito da mãe, em 2015) e ser portadora de deficiência com um grau de incapacidade de 62%.
NNN. Considerando que a actual proprietária indicou expressamente à Ré que devia fazer o pagamento da renda (em vigor) a partir de Agosto de 2019 para a sua conta bancária, que a indemnização fixada será paga à actual Autora (que aceitou a renda, sem reservas) e que a anterior proprietária nunca teve qualquer prejuízo com a ocupação do imóvel, até porque a renda foi por si fixada no montante máximo legalmente previsto de acordo com as regras de actualização previstas no NRAU, e foi sempre paga pela Ré, o Tribunal “a quo”, ao fixar uma indemnização com base em responsabilidade extracontratual que não foi peticionada a esse título, conheceu de questão de que não podia ter tomado conhecimento e condenou a Ré em objecto diverso do pedido, pelo que a sentença é nula, nesta parte, nos termos do disposto nos artº 615º, nº1 als. d) e e) do C.P.C., nulidade que se argui neste recurso, ao abrigo do disposto no artº 615º, nº4 do C.P.C.
OOO. Por outro lado, o Tribunal não podia ter recorrido à equidade dado que a indemnização, no caso de atraso na restituição do locado, está fixada “a forfait” no artº 1045º do Código Civil; a entender-se que a Autora teria direito a uma indemnização a mesma deveria corresponder ao valor da renda em vigor (já paga) ou, quando muito, poderia ser, no máximo, o dobro da renda, mas só depois de a Ré se constituir em mora (e desde que tivesse sido peticionado).
PPP. Caso se entenda que houve inicialmente uma transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário – o que se admite apenas por cautela de patrocínio -, estando em causa um arrendamento antigo (celebrado em 1944) e tendo a Apelante, filha dos arrendatários, nascido em 1942 e sofrendo de deficiência com um grau de incapacidade de 61,9%, a interpretação da norma do artº 57º do NRAU feita na sentença, ao impedir a transmissão do arrendamento para o filho do “primitivo arrendatário” que sempre residiu com os pais no locado, viola princípios constitucionais, dado que quer no RAU (artº 85º), quer na redacção inicial do artº 57º do NRAU, era sempre permitida a transmissão do arrendamento para o filho, ainda que tivesse havido transmissão anterior para o cônjuge do (primitivo) arrendatário.
QQQ. A aplicação da norma do artº 57º do NRAU, ao prever um regime transitório de transmissão restritivo da expectativa jurídica da Apelante (na transmissão do arrendamento), consubstancia uma violação do princípio da igualdade ínsito no artº 13º da CRP, face ao regime do artº 1106º do Código Civil, uma violação do princípio da confiança, tendo em conta as expectativas criadas quer pelo anterior regime estabelecido no artº 85º do RAU, quer pelo regime estabelecido na primitiva redacção do artº 57º do NRAU (antes da alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, que entrou em vigor em 12.11.2012) e ainda uma violação do direito à habitação consagrado no artº 65º, da protecção dos cidadãos com deficiência consagrado no artº 71º e da protecção da terceira idade vertido no artº 72º da CRP e traduz ainda violação do disposto no artº 18º, nº3 da CRP que determina a proibição de retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias.
RRR. Deve, pois, ser recusada a aplicação do disposto no artigo 57º nº 1 do NRAU ao caso sub judice, com o sentido de que tal disposição é aplicável à transmissão por morte do arrendatário relativamente a contratos para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro (que aprovou o RAU), quando a morte do cônjuge do arrendatário (a quem se comunicou o direito ao arrendamento ou a quem se transmitiu o direito ao arrendamento) tenha ocorrido depois da entrada em vigor do NRAU, com a redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (que eliminou o nº 4 do artº 57º), não abrangendo a transmissão para os descendentes que convivessem com o arrendatário (ou o seu cônjuge) há mais de um ano e com deficiência com um grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
SSS. Relativamente ao regime da transmissão da posição contratual do arrendatário habitacional, por morte deste, o NRAU consagrou uma solução aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em vigor, introduzida no artigo 1106º, do Código Civil, e outra aplicável aos arrendamentos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor, constante do seu artigo 57º.
TTT. Quer no âmbito do regime previsto no RAU (e em todos os regimes anteriores) quer no âmbito da primitiva redacção do artº 57º do NRAU (anterior à Lei 31/2012), a lei admitia, sempre, uma segunda transmissão do direito ao arrendamento para o descendente do arrendatário quando a primeira transmissão tivesse tido lugar para o cônjuge do arrendatário (em situações em que não havia comunicabilidade do direito ao arrendamento).
UUU. A aplicação do regime do artº 57º do NRAU com a redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, viola os referidos princípios constitucionais, na medida em que não admite a transmissão do direito ao arrendamento para a filha dos arrendatários que sempre viveu no locado (e portanto com eles conviveu mais de um ano à data da morte da arrendatária ou “cônjuge do arrendatário”) e que tem uma deficiência com um grau de incapacidade superior a 60% (enquadrando-se, assim, na previsão da alínea e) do nº1 do artº 57º do NRAU) e que tinha a legítima expectativa de que lhe fosse transmitido o direito ao arrendamento, em face do teor de todas as normas que regulavam a transmissão do direito de arrendamento até à entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, a qual cria uma situação de desigualdade entre os filhos dos arrendatários cujo contrato de arrendamento foi celebrado depois da entrada em vigor do NRAU (por aplicação do artº 1106º do Código Civil) e, bem assim, os filhos dos arrendatários cujo contrato foi celebrado antes ou durante a vigência do RAU e que tenham falecido antes de 12 de Novembro de 2012 (data da entrada em vigor da referida Lei nº 31/2012) e, por outro lado, aqueles que, como Apelante, são filhos de arrendatários de contratos antigos que tenham falecido depois dessa data.
VVV. Face ao regime previsto anteriormente à Lei nº 2030 de 22 de Junho de 1948, ao regime previsto neste diploma, ao regime previsto no artº 85º do RAU e ainda ao regime previsto na redacção inicial do artº 57º do NRAU, independentemente da comunicabilidade ou não do direito ao arrendamento (entre os pais), assistia à Apelante (filha dos arrendatários) o direito a suceder no arrendamento; tal direito é-lhe retirado por virtude da aplicação do regime transitório previsto no NRAU, (apenas) na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, mostrando-se mais restritivo que o regime que o precedeu e que o regime que se lhe seguiu (previsto no artº 1106º, nºs 1 e 3 do Código Civil).
WWW. Ao prever um regime transitório de transmissão restritivo da expectativa jurídica da Apelante, o artº 57º NRAU consubstancia uma violação do princípio da igualdade ínsito no artº 13º da CRP, uma vez que trata de forma diferente casos análogos, sendo o regime transitório materialmente inconstitucional, pelo que deve ser recusada a respectiva aplicação, nos termos do artigo 277º nº 1 da CRP.
XXX. Neste enquadramento, caso venha a ser considerado que houve uma “transmissão” do direito ao arrendamento para a mãe da Apelante (em vez de concentração do direito ao arrendamento – como entende a Apelante), deve ser reconhecido à filha o direito ao arrendamento, não se aplicando a norma do artº 57º do NRAU por ser materialmente inconstitucional.
YYY. A sentença recorrida violou, assim, designadamente o disposto no artº 57º, nº1 al. e) do NRAU, no artº 85º do RAU, nos artºs 1098º, 1108º e 1109º do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), nos artºs 566º, nº3 e 1045º do Código Civil, nos artºs 5º, 596º e 607º, nºs 3 e 4 do C.P.C., sendo nula, em parte, nos termos do artº 615º, nº1 als. d) e e) do C.P.C. e, ainda, nos artºs 2º, 13º, 18º, nº 3, 65º, 71º, 72º e 277º, nº1 da C.R.P.» (sic)
Pretende, assim, a R. a revogação da sentença e a sua total absolvição dos pedidos da ação em que foi condenada.
Juntou a recorrente douto parecer doutrinário favorável à sua posição e requereu a junção de um documento com o argumento de que a junção se tronou necessária em função do julgamento proferido na 1ª instância e ser essencial à decisão da causa.
*
A A. ofereceu contra-alegações onde defendeu a confirmação do julgado e, para o caso de assim não se entender, apresentou o que deve ser tido por uma ampliação do recurso com as seguintes CONCLUSÕES:
«I - A agora Recorrente discorda do julgamento do concreto ponto da matéria de facto, vertido no Ponto 14 dos Factos Provados em especial na parte: …” sendo que estes relatórios se reportam a doenças existentes em data anterior a 17/10/2015”.
II - A Recorrente discorda principalmente da interpretação e consequência que a Meritíssima Senhora Juiz “a quo” decidiu retirar destes factos: de que a agora Recorrida comprovou a verificação do requisito legal da deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60% à data de óbito de sua Mãe, não obstante o exame médico ter sido realizado em data posterior à do óbito da primitiva arrendatária.
III - Na opinião da agora Recorrente, os meios de prova que impõem um juízo diferente são os seguintes documentos e a sua correcta interpretação e valoração:
d) Atestado médico de incapacidade multiuso, junto como doc. n.º 8-a) da douta contestação;
e) Informação prestada pela ACES Porto Oriental – Unidade de Saúde Pública, com data de 3/11/2017, junta aos autos por carta em 10/11/2017, com a referência de documento na plataforma Citius 16755868, antes enviado aos autos por e-mail em 3/11/2017, com a referência 16675390 e
f) Informação do mesmo organismo de saúde pública, com data de 8/1/2018, junto aos autos em 10/1/2018, com referência Citius 17364521.
IV – A resposta que a agora Recorrente reputa como correcta para o Ponto 14 dos Factos Provados, seria a sua actual redacção até …”por relatórios datados de 2016”. Ou seja, expurgada da parte citada na anterior Conclusão I.
V – E a interpretação dos factos que a agora Recorrente também pugna como correcta, é aquela que determine a agora Recorrida não comprovou a verificação do requisito da incapacidade em data anterior a 17/10/2015, ou, mesmo, em data anterior a 11/4/2016.
VI – É evidente que a agora Recorrida não tinha o necessário grau de incapacidade atestado á data da morte de sua Mãe, e a aplicabilidade do disposto na alínea e), do n.º 1, do art.º 57.º do NRAU não pode ficcionar que a obrigação de ser uma incapacidade atestada não consta no texto do preceito.
VII - Admitindo em tese que a comprovação da incapacidade em causa poderia ser demonstrada com recurso a outros meios de prova para além do referido atestado médico de incapacidade multiuso, incumbindo esse ónus de prova à agora Recorrida, não o logrou conseguir, apesar de, reconheça-se, muito ter tentado.
VIII – As informações prestadas pela ACES Porto Oriental – Unidade de Saúde Pública, uma com data de 3/11/2017, junta aos autos por carta em 10/11/2017, com a referência de documento na plataforma Citius 16755868 e outra com data de 8/1/2018, junto aos autos em 10/1/2018, com referência Citius 17364521, são claras ao estabelecer o que à agora Recorrente parece óbvio: “A avaliação de incapacidade multiusos é feita pelas sequelas dos problemas apresentados à data da junta médica independentemente do seu início.
IX – Nenhum dos outros relatórios e documentos médicos tem a idoneidade de contrariar esta conclusão.
X - Com todo o devido respeito, a douta sentença recorrida interpretou mal os documentos enviados aos autos pela ACES Porto Oriental, uma vez que eles demonstram, à evidência, a inexistência de comprovativo da incapacidade invocada em data anterior a abril de 2016.
XI - Interpretou também mal e igualmente mal valorou, todos os restantes documentos médicos juntos aos autos, uma vez que nenhum deles serve para atestar que a referida incapacidade já existia em momento anterior a abril de 2016.
XII - Pelo que deve o presente recurso proceder, decidindo-se também como procedente a presente acção.
*
A R. respondeu à ampliação apresentada pela A., tendo alegado com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O presente recurso subordinado consta da mesma peça processual (“alegações”) na qual a Recorrente apresentou a resposta ao recurso independente da Ré/Recorrida, não tendo sido interposto por meio de requerimento, nem tendo sido sequer indicada a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso, tudo como exige o artº 637º do C.P.C..
B. A Recorrente indicou apenas a fundamentação do “recurso subordinado” na “parte B” da “resposta” ao recurso independente, inexistindo, assim, um “requerimento de interposição de recurso” que possa ser apreciado pelo Tribunal, em cumprimento do disposto no artº 641º, nº1 do C.P.C.
C. O presente recurso subordinado deve, pois, ser rejeitado por falta de cumprimento das formalidades legalmente previstas para a sua interposição, que configura uma nulidade que influi no exame da “causa”/recurso.
D. Além disso, salvo as excepções previstas na lei (aqui não aplicáveis), os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido (artº 631º, nº1 do C.P.C.), sendo que, se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, neste caso, ser independente ou subordinado (artº 633º, nº1 do C.P.C.).
E. Sucede que o presente recurso não versa sobre a parte da sentença em que a Recorrente ficou vencida (segmento em que a Ré foi absolvida do “demais peticionado”), que foi apenas a diferença entre o valor peticionado de € 500,00 por cada mês de ocupação do locado desde Maio de 2016 e o valor que a Ré foi condenada a pagar de €125,00 por cada um desses meses, com dedução das rendas pagas.
F. Aliás, na resposta ao recurso independente, a ora Recorrente (aí Recorrida) até afirmou que concordava com a Recorrente “quando diz que o valor da indemnização está já fixada no valor da renda em vigor, nos termos do supra invocado artº 1045º do C. Civil, sendo essa a única indemnização a pagar pela Recorrente à Recorrida”, o que significa que a única parte da sentença recorrida na qual a Autora ficou vencida (e que podia legitimar a interposição de um recurso subordinado) foi expressamente aceite por esta na resposta ao recurso da Ré.
G. Tendo a Recorrente optado por interpor recurso subordinado (destinado apenas a impugnar a decisão proferida sobre um concreto ponto da matéria de facto – o que devia ter feito ao abrigo do disposto no artº 636º, nº2 do C.P.C.), é manifesto não só que para tal não tem legitimidade, como a impropriedade do meio processual utilizado, pelo que o recurso subordinado deve ser rejeitado, por a Recorrente “não ter as condições necessárias para recorrer” (artº 641º, nº2 a) do C.P.C.).
H. A decisão proferida sobre os factos constantes do ponto 14 dos factos provados baseou-se não apenas nos documentos indicados pela Recorrente (atestado médico de incapacidade multiuso, informação prestada pela ACES Porto Oriental de 03.11.2012 e informação da ACES Porto Oriental de 08.01.2018) mas também em diversos outros documentos (relatórios médicos e informações clínicas) juntos aos autos, remetidos pela ACES Porto Oriental, dos quais resulta a existência das doenças de que padece a Ré em data anterior a 17.10.2015 (data do óbito da Mãe), como pode ler-se na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida.
I. A expressão “grau comprovado de incapacidade” significa apenas que é necessária a prova do grau de incapacidade, ou seja, “tem a ver com a necessidade de se afastarem situações duvidosas, exigindo-se que a deficiência alegada pelo descendente seja efectiva e devidamente demonstrada por meio de prova adequado”.
J. Mas essa prova pode ser feita após o óbito da arrendatária, sob pena de se estar a obrigar o descendente (que é portador de deficiência grave) a que estivesse sempre previamente munido de um documento que comprovasse ser portador de incapacidade e que esse documento comprovasse ainda que essa situação se verificava numa data imprevisível, como é a da ocorrência da morte do ascendente, o que configuraria uma restrição desconforme ao princípio do acesso ao direito e aos tribunais (artº 20º da C.R.P.) e ao princípio da livre apreciação da prova.
K. A Ré alegou e provou os factos constitutivos do seu direito, de molde a operar a transmissão, para si, do arrendamento para habitação, após a morte da Mãe, sendo que a “comprovação” do seu grau de incapacidade foi efectuada nos termos do DL nº 202/96, de 23 de Outubro.
L. O requerimento para avaliação da incapacidade da Ré foi, como previsto na lei, acompanhado de relatórios médicos e dos meios auxiliares de diagnóstico, tendo a avaliação sido feita por uma junta médica que emitiu o atestado médico de incapacidade multiuso no qual indicou expressamente qual a percentagem de incapacidade da avaliada (e que pode ser utilizado para “todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso”).
M. Apesar de o atestado médico de incapacidade ter sido emitido em 11 de Abril de 2016, teve por base o processo clínico e o histórico patológico da doente, juntos aos autos (dos quais consta a evolução do quadro clínico ou o seu início), não existindo nenhum documento médico ou informação clínica relativo a uma doença ou patologia ocorrida após 17.10.2015.
N. Independentemente de a junta médica ter reconhecido à Ré o grau de incapacidade de 62% em 11.04.2016, reporta-se a patologias anteriores a 17.10.2015, pelo que é evidente que a Recorrida comprovou esse grau de incapacidade à data do decesso da Mãe, sendo que a “comprovação” da incapacidade até podia ter sido feita por exame pericial requerido no âmbito da acção instaurada pela senhoria (e, portanto, necessariamente em “data posterior” ao óbito da primitiva arrendatária).
O. Tendo a filha da arrendatária uma incapacidade comprovada, juridicamente relevante, de 62% e 73 anos de idade à data do óbito da Mãe (completando, neste ano de 2021, 79 anos) é manifesto que se verifica, relativamente a ela, o fundamento para suceder no direito ao arrendamento, dado que não dispõe de capacidade para desocupar o arrendado e suportar uma renda de valor do mercado.
P. A sentença recorrida não violou, na parte objecto de apreciação no presente recurso subordinado, qualquer norma legal, antes interpretou correctamente a prova documental produzida e julgou – e bem - comprovado o grau de incapacidade de 62% à data do óbito da arrendatária.» (sic)
Terminou pela rejeição do recurso subordinado ou, subsidiariamente, pela negação do seu provimento, mantendo-se, nesta parte, a sentença recorrida.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação da R. e do recurso subordinado da A., acima autonomamente transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo dos atos recorridos e não matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil[1]).
Assim, estão para decidir as seguintes questões:
A. Da Apelação da R.
1. Erro de julgamento da decisão proferida em matéria de facto;
2. Da transmissão do direito de arrendamento para a R. e aquisição da qualidade de arrendatária;
3. Reconhecimento pela A. da qualidade de arrendatária da R.;
4. O direito da A. a indemnização da responsabilidade da R. e a nulidade da sentença;
5. Da inconstitucionalidade da interpretação da norma do art.º 57º do NRAU.
*
B. Da ampliação do recurso requerida pela A.
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2. Ausência de um dos pressupostos de transmissão do direito de arrendamento para a R.
*
Porém, previamente à apelação, há que conhecer da admissibilidade do documento junto com a apelação da R.
*
III.
A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:[2]
1) A autora é dona e proprietária do prédio urbano sito ao Bairro ..., nesta cidade, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o n.º ..., descrito na CRP sob o n.º ..., inserida num prédio que possui cerca de 24.500m2, área essa que compreende a área de construção e área circundante às casas edificadas, com um valor patrimonial de €9.180.
2) Prédio que com mais de 47 casas e que constitui um bairro, foi pela autora edificado na década de 1920 para alojamento de operários de uma fábrica que então explorava e era dona.
3) Entre a autora e o seu operário BB foi celebrado contrato de arrendamento escrito em 01.04.1944, da casa do Bairro ..., com o nº 9 da rua ..., destinada a habitação, com início de vigência naquela data, pelo prazo inicial de 1 ano, com duração indeterminada – cifrando contrato junto aos autos a fls. 38 e 39 cujo teor se dá por reproduzido.
4) Esse BB veio a casar com CC.
5) BB faleceu em 8/10/2002, sucedendo-lhe no direito ao arrendamento a sua mulher CC.
6) A renda era de € 4,19, tendo sofrido sucessivos aumentos ao longo do tempo, fixando-se em 2013 na quantia mensal de 51,00€.
7) CC faleceu em 17/10/2015.
8) Comunicou a ré esse óbito à autora, por carta registada por AR datada de 28/11/2015, referindo pretender suceder no direito a habitar a casa ... do bairro, conforme fls. 22 cujo teor se dá por reproduzido.
9) A ré enviou ainda à autora a carta datada de 15.12.2015, na qual lhe é recordada a idade daquela (73 anos) e o facto de ela ser portadora de incapacidade superior a 60%, conforme fls. 43 (verso) cujo teor se dá por reproduzido.
10) A ré recebeu da autora a carta de 07.04.2016 que se encontra junta a fls. 44 (verso) e cujo teor se dá por reproduzido.
11) À qual respondeu pela carta de 15.04.2016, em que se opõe à caducidade do contrato de arrendamento, em virtude de ser filha convivente com a falecida inquilina D. CC há mais de um ano e com deficiência com grau comprovado de incapacidade de 61,9%. – cifrando carta de fls. 45 cujo teor se dá por reproduzido.
12) À data do óbito da CC, em 17.10.2015, a ré vivia com os seus pais, nomeadamente a falecida D. CC, há mais de 30 anos, na casa de habitação objecto destes autos.
13) A ré possui atestado multiusos datado de 11-4-2016 que atesta uma incapacidade de 62%, com registo de entrada nos serviços em causa no dia 24/2/2016.
14) O relatório médico apresentado sobre a patologia que deu origem à desvalorização (...) de 0,15 reporta-se a 27/03/2015 (…) os restantes problemas de saúde foram confirmados à data da junta médica por relatórios datados de 2016, sendo que estes relatórios se reportam a doenças existentes em data anterior a 17/10/2015.
15) O imóvel está localizado numa zona provida de transportes públicos, possuindo sala, cozinha, dois quartos e logradouro.
16) A actual autora informou a ré da sua aquisição da propriedade e, ainda, notificou a ré da identificação do seu IBAN “para que a renda que se vence no próximo mês de Agosto de 2019 e seguintes possa ser paga por transferência bancária” – cfr. carta de 15.07.2019 junta a fls. 291 cujo teor se dá por reproduzido.
17) A ré vem procedendo ao pagamento do valor mensal das rendas a favor da autora, por transferência bancária, desde 01.08.2019 até ao presente.
18) A autora enviou à ré a carta datada de 23/1/2013 constante de fls. 40 cujo teor se dá por reproduzido.
*
O tribunal considerou não provada a seguinte matéria:[3]
a) Que a autora respondeu à carta referida supra em 8) por carta registada por AR, na qual referiu que o contrato caducou com a morte da mãe e que a entrega da casa teria de ocorrer no prazo de seis meses a contar do óbito, caso não se venha a celebrar novo contrato (cifrando artigo 12.º da petição inicial).
b) Que o valor da casa no mercado de arrendamento é de €500,00 mensais.
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IV.
A. Da apelação da R.
Questão prévia da admissibilidade de um documento junto com a apelação da R.
Nas suas alegações, a R. termina pedindo a admissão da junção de uma certidão de assento do casamento que uniu os seus pais, BB e CC. Formulou assim o seu requerimento:
«Requer a V.Exas. se dignem admitir a junção aos autos de um documento (certidão de casamento dos pais da Apelante) por a mesma se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância (e ser um meio de prova essencial para o thema decidendum desta acção), ao abrigo do disposto no artº 651º, nº1 do C.P.C., e junta parecer jurídico, ao abrigo do disposto no artº 651º, nº2 do C.P.C.» (sic)
Entendeu a recorrente que, por se tratar de um facto jurídico essencial para a decisão da ação, o tribunal só o podia ter dado como provado com base em documento do registo civil; não sendo sequer admissível a confissão das partes. Só seria aceitável meio de prova diferente do documento se o facto casamento não tivesse qualquer relevância no desfecho da ação, por ser indiferente que o casal estivesse unido pelo casamento ou por mera união de facto, é que se aceitaria que não se exigisse a certidão de casamento para prova de tal facto. No caso em apreço, a relevância do casamento para o desfecho da ação resulta em especial da data da sua celebração e do regime de bens (factos omitidos no ponto nº 4), porquanto, por via dele, a posição de arrendatário de BB comunicou-se ao cônjuge CC.
Pois bem…
Na ação declarativa comum, é dever das partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova com os respetivos articulados (art.ºs 552º, nº 2 e 572º, al. d), do Código de Processo Civil). Depois dessa fase, poderá haver alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas apenas nas condições previstas no art.º 598º do mesmo código, entre elas, quanto ao requerimento probatório, na audiência prévia quando a ela haja lugar nos termos do disposto no artigo 591º ou nos termos do disposto no nº 3 do art.º 593º, do Código de Processo Civil.
É incontroverso que fora dos prazos e momentos previstos na lei não podem as partes apresentar os seus requerimentos probatórios. O decurso daqueles prazos e momentos para a apresentação daqueles requerimentos conduz à preclusão do direito de praticar o ato (art.º 139º, nº 3, do Código de Processo Civil).
O princípio do inquisitório não impõe ao tribunal o dever de acolher qualquer pretensão instrutória de uma das partes, em qualquer momento formulada e sob a mera invocação da relevância dos meios que aponta, facultando-lhe a produção de prova que tempestivamente deixou de requerer, prejudicando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes.
Dispõe o art.º 425º do Código de Processo Civil que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquela data”.
De acordo com o subsequente art.º 651º, “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Os recursos correspondem a um reexame da decisão recorrida; neles conhece-se apenas das questões que ali foram apreciadas, com exceção das que sejam do conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado.
Compreende-se, pois, que a regra determine que o tribunal ad quem com poderes de decisão em matéria de facto não possa servir-se dos meios de prova que não tenham sido disponibilizados ao tribunal recorrido em tempo oportuno, ou seja, em princípio, com o articulado da ação em que se aleguem os factos correspondentes (art.º 423º do Código de Processo Civil).
Só situações excecionais previstas na lei permitem que documentos sejam apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, até ao encerramento da discussão a causa (nºs 2 e 3 do referido art.º 423º) ou ainda, depois desta, com as alegações de recurso (art.º 651º, nº 1, do Código de Processo Civil). Neste último caso, que agora nos interessa:
- Nas situações excecionais previstas no referido art.º 425º, ou seja, quando não tenha sido possível (objetiva ou subjetivamente) juntar o documento ou os documentos até ao momento do encerramento da discussão a causa; ou
- Quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Manifestamente, era possível proceder à junção da certidão do assento de casamento, pelas partes, na 1ª instância, designadamente no momento dos articulados.
A R. recorrente invoca que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
A apresentação de documentos com as alegações justifica-se (e admite-se), à luz desta parte final do citado art.º 651, nº 1 (quando se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância), sobretudo quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo, não podendo justificar-se a junção de documentos para prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova. A jurisprudência anterior ao atual Código de Processo Civil já não hesitava em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.[4] Como se refere também naquela obra coletiva, “a jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
As situações justificativas da necessidade da junção por virtude da decisão proferida na primeira instância relacionam-se com a novidade ou imprevisibilidade da decisão – a parte final do nº 1 do art.º 651º do Código de Processo Civil tem o seu âmbito de aplicação circunscrito às situações em que a decisão da 1ª instância cria, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento.
Não é admissível, pois, a junção de documentos quando a mesma se revela pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.[5]
No caso, a R. deveria ter juntado o documento com a contestação, onde também deveria ter alegado, de modo completo, os factos que o documento traduz (e não apenas o facto jurídico casamento de seus pais, e que, uma vez provados, poderiam (ou não) ser impeditivos do efeito jurídico pretendido pela A. --- o reconhecimento da caducidade do contrato de arrendamento que vigorou até à data da morte de CC, com condenação da R. a entregar o locado à A. --- através da alegação e prova de um fundamento válido de transmissão para a R. do direito ao arrendamento na economia do contrato celebrado entre a locadora e seu pai a 1.4.1944.
No artigo 35º da contestação, a R. concluiu que “tem direito a manter o contrato de arrendamento celebrado em 01.04.1944 entre o seu pai BB constante do Doc. 1 já junto, direito que lhe foi transmitido por óbito daquele seu pai e de sua mãe D. CC, devidamente comunicados à autora”. E no art.º 36º acrescenta que a ocupação que faz da casa de habitação é, por isso, titulada e legítima, devendo improceder o primeiro pedido formulado nas conclusões da petição inicial.
Independentemente da qualificação que a R. fez dos factos que alegou na contestação, ela descreveu os acontecimentos essenciais justificativos do direito que invocou desde o tempo em que seu pai, ainda solteiro, celebrou o contrato de arrendamento, no ano de 1944, passando pelo casamento com a sua mãe, a sobrevivência da CC e a habitação da R., todos no local arrendado a seu pai desde o ano de 1944.
Acontece que o casamento está obrigatoriamente sujeito a registo (art.º 1º, nº 1, al. d), do Código do Registo Civil); de acordo com o art.º 211º, nº 1, do mesmo código, “os factos sujeitos a registo e o estado civil das pessoas provam-se pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão”.
Pela necessidade de provar a data do casamento e eventual convenção antenupcial, era indispensável a ponderação da certidão do assento de casamento que juntou aos autos com as alegações de recurso. O tribunal não podia dar como provado o casamento entre BB e CC (ponto 4 dos factos provados) sem que dispusesse da certidão do assento de casamento.
É certo que do assento de óbito de BB, cuja cópia foi junta pela A. na fase da petição inicial, resulta, além do mais, que aquele faleceu no dia 5 de outubro de 2002 no estado de casado com CC, com referência expressa ao assento de casamento nº ..., do Ano de 1946 (Conservatória do Porto-4ª (Arq. Central), dando-se ali ainda informação de que o óbito foi averbado aos assentos de nascimento e de casamento. Mas o meio adequado à prova do casamento é a certidão do assento de casamento[6], maxime num caso como o presente, em que, além da prova do casamento, interessaria a prova do regime de bens e a data do próprio casamento, não constantes do assento de óbito do BB.
E se estes elementos complementares eram necessários à boa decisão da causa, como seria previsível ao tribunal recorrido, na inércia das partes, impunha-se ao tribunal a requisição daquela certidão, um documento autêntico, do qual retiraria o conhecimento daqueles factos, como sejam a data do casamento e o respetivo regime de bens. Os factos alegados pela R. apontavam já no sentido da necessidade daquela certidão do registo (do conjunto de elementos dela constantes) para a boa decisão da causa.
E então, de duas, uma, atento o dever de cooperação previsto no art.º 7º do Código de Processo Civil: ou o tribunal solicitava oficiosamente a certidão do assento de casamento, ou ordenava à R. a sua junção.
Na verdade, como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. F. Pires de Sousa[7], “a cooperação é uma responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, com destaque para o juiz e para os mandatários das partes, surgindo a sua necessidade essencialmente na fase posterior aos articulados. Então cumpre ao juiz proceder à análise detalhada das falhas supríveis, das quais possam resultar prejuízos para as partes, e apreciar as diversas soluções plausíveis da questão de direito”. E, de acordo com o art.º 411º do Código de Processo Civil, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”. A atividade que o juiz desenvolve no exercício dos poderes conferidos por este artigo há de ter em mira a prevalência da verdade material sobre uma verdade meramente formal, e a justa composição do litígio.
De resto, a A. não manifestou qualquer oposição à junção do documento.
Deste modo e em sínteses, por se entender que o processo reunia os elementos necessários a que o tribunal se apercebesse da relevância do teor do assento de casamento dos pais da R., em função da defesa que esta empreendeu, não deveria ter proferido decisão sem que tivesse diligenciado pela sua obtenção.
Com efeito, pela sua relevância e porque o tribunal a quo omitiu o dever de diligência na obtenção do documento --- e não por qualquer dos fundamentos previsto no art.º 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, admite-se a junção aos autos do documento que acompanha as alegações da recorrente.
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1. Erro de julgamento na decisão relativa à matéria de facto
A R. apelante pretende a alteração da decisão no que respeita aos respetivos pontos 4, 5 e 17 da matéria dada como provada, visando ainda o aditamento aos factos provados da matéria descrita nos artigos 17º e 42º da contestação, por se dever considerar provada.
Propõe que aqueles pontos passem a ter a seguinte redação:
4º- Esse BB veio a casar com CC, no dia 8 de Dezembro de 1946, sem convenção antenupcial.
5º- BB faleceu em 8.10.2022; ou, BB faleceu em 8/10/2002, tendo a sua mulher CC continuado a residir no locado.
17º- A R. vem procedendo ao pagamento do valor mensal das rendas a favor da autora, actual proprietária do imóvel e senhoria, por transferência bancária, desde 1.8.2019 até ao presente.

A R. propõe o aditamento aos factos provados dos seguintes factos alegados na contestação:
19- Já à data do óbito do seu pai BB, em 05.10.2002, a ré vivia na casa em discussão neste processo há mais de 15 anos, na companhia daquele e na da sua mãe D. CC. (artigo 17º da contestação)
20- Trata-se de uma casa modesta, com mais de 90 anos de vetustez, sem as condições de conforto e de habitabilidade actuais, a necessitar de obras. (artigo 42º da contestação)
Quanto aos meios de prova, a recorrente indica:
- Para prova da alteração ao ponto 4, a certidão do assento de casamento que juntou com as alegações de recurso;
- Para a alteração ao ponto 5, apenas a ablação de um excerto da matéria por dever ser tida como matéria de Direito.
- Para a alteração do ponto 17, propõe apenas a sua aclaração/retificação como causa do aditamento da expressão “actual proprietária do imóvel e senhoria”.

Relativamente à matéria da contestação (artigos 17º e 42º), justifica o aditamento do ponto 19 porque foi dado como provado que “à data do óbito da mãe da Ré, CC (17.10.2015), a Ré vivia com os seus pais no locado há mais de 30 anos (pelo menos desde 1985)”, e o ponto 20 com o teor da caderneta predial, junta com a petição inicial.

O tribunal recorrido justificou a matéria dada como provada, designadamente os pontos 4º, 5º e 17º da sentença, com base no “acordo entre as partes quanto a parte da matéria objecto dos presentes autos, nomeadamente face ao teor do artigo 1.º da contestação, tendo ainda em consideração o teor dos documentos juntos aos autos e constantes de fls. 14 a 29, 38 a 46, 99, 102, 113 a 120, 136 a 138, 141, 153, 169 a 171, 201 a 255, 263 a 284, 290 a 299 e 303 a 326”.

Vejamos!
Quanto ao ponto 4
Como afirmámos já, o casamento está obrigatoriamente sujeito a registo (art.º 1º, nº 1, al. d), do Código do Registo Civil); de acordo com o art.º 211º, nº 1, do mesmo código, “os factos sujeitos a registo e o estado civil das pessoas provam-se pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão”.
Defende a recorrente que, “(…) a relevância do casamento para o desfecho da acção resulta em especial da data e do regime de bens em que foi celebrado (omitidos no facto provado nº 4), porquanto, por via dele, a posição de arrendatário de BB comunicou-se ao cônjuge CC”. Pela necessidade de provar a data do casamento e eventual convenção antenupcial, era indispensável a ponderação da certidão do assento de casamento que juntou aos autos com as alegações de recurso.
Admitida a certidão do assento de casamento, impõe-se dar como provados os factos nela atestados e que podem relevar na decisão da causa:
O ponto 4 dos factos provados deve ser aditado com a data do casamento e com a pretendida referência à convenção antenupcial, passando a ter a seguinte redação:
4. O BB veio a casar com CC, no dia 8 de Dezembro de 1946, sem convenção antenupcial.

Ponto 5
Este ponto tem o seguinte teor:
5. BB faleceu em 8.10.2002, sucedendo-lhe no direito ao arrendamento a sua mulher CC.
A recorrente bate-se pela eliminação do excerto “sucedendo-lhe no direito ao arrendamento a sua mulher CC” ou pela sua substituição pela expressão “tendo a sua mulher CC continuado a residir no locado”, por conter aquela afirmação matéria de Direito, e esta última o facto concreto que o julgador deve dar como provado.
O desaparecimento da previsão do nº 4 do art.º 646º do antigo Código de Processo Civil não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do n° 3 e no n° 4 do artigo 607º do atual Código de Processo Civil tenha passado a poder incidir também sobre matéria de Direito.
A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de Direito ou natureza conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser conhecido mesmo oficiosamente, em segunda instância, nos termos previstos na al. c) do n° 2 do art.º 662° do Código de Processo Civil.
Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 22.9.2014[8], ao contrário do que por vezes se vê apregoado, a tanto quanto possível separação rigorosa da matéria de facto e de direito não é tributária de uma postura formalista e arcaica, antes é uma decorrência indeclinável de “qualidade” e genuinidade na instrução da causa. Se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim atuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.
Em termos gerais, podemos dizer que o facto corresponde a um estado ou acontecimento que se configura como uma realidade passível de constatação e apreensão, seja ele um facto do mundo exterior (facto externo) ou um facto da vida psíquica (facto interno: o dolo, o conhecimento de determinadas circunstâncias, uma determinada intenção…)[9]. É sobre ele que recai a prova.
Como refere Anselmo de Castro[10], “são ainda de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como “pagar”, “emprestar”, “vender”, “arrendar”, “dar em penhor”, etc.”.
Os factos conclusivos não devem relevar quando, diretamente relacionados com o thema decidendum, impeçam ou dificultem de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor[11].
As expressões descritivas constantes de previsões normativas colhidas da linguagem comum podem, em princípio, utilizar-se como enunciados de facto com o sentido corrente, desde que não sejam controvertidas.[12]
Alberto dos Reis[13] enunciava um princípio geral quanto à distinção entre facto e Direito:
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.
E simplificando mais esta matéria acrescenta:
“a) É questão de facto determinar o que aconteceu;
b) E questão de direito determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei do processo.
Ensina Antunes Varela[14] que “facto e direito são, na verdade, elementos que continuamente se interpenetram e que reciprocamente se influenciam em diversos pontos do percurso da acção cível, seja na selecção dos factos juridicamente relevantes, seja na qualificação jurídica dos factos verificados, seja na complexa elaboração lógico-emocional da decisão final da causa”, não sendo possível encontrar um critério universal que estabeleça a distinção entre os dois campos. A linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de Direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta.
O que, num caso, se apresenta como facto ou juízo de facto, pode ser Direito ou juízo de Direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes[15].
Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de Direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais.
O termo suceder no direito ao arrendamento aponta para a transmissão do direito do anterior arrendatário para alguém que não tinha aquela qualidade. No caso, a CC teria adquirido do seu marido BB, pela morte deste, por transmissão, nos termos do art.º 1106º, nº 1, al. a), do Código Civil, o direito ao arrendamento de que aquele era o único titular.
Como veremos, é de grande importância para a decisão do pleito (saber se à R. assiste o direito à posição de arrendatária por morte de sua mãe CC) apurar se existiu, ou não, transmissão do direito ao arrendamento do BB para a sua viúva, ou se esta já era contitular desse direito, juntamente com o seu marido, por tal direito lhe ter sido comunicado por força do casamento (cf., atualmente, o art.º 1068º do Código Civil).
Assim, a afirmação de que CC sucedeu no direito ao arrendamento pela morte do seu cônjuge não é um facto concreto suscetível de prova; antes encerra uma conclusão jurídica que não pode, em si mesma, ser submetida a prova nem constar da matéria de facto provada (ou não provada). Só pela subsunção jurídica, se poderá ela extrair conclusivamente em sede de indagação e aplicação do Direito.
Ficando a ideia clara de que se quis afirmar que a CC continuou a residir no locado após a morte do marido, é este o facto que do ponto 5 deve constar e que, por isso, se altera em conformidade com a pretensão da apelante:
5. BB faleceu em 8/10/2002, tendo a sua mulher CC continuado a residir no locado.

Ponto 17
A R. pretende que seja aditado ao ponto 17 que o pagamento vem sendo efetuado à atual proprietária e senhoria.
A A. recorrida, nas contra-alegações, aceitou expressamente a alteração propugnada, pelo que o referido ponto passa a ter a seguinte redação:
17. A R. vem procedendo ao pagamento do valor mensal das rendas a favor da autora, actual proprietária do imóvel e senhoria, por transferência bancária, desde 01.08.2019 até ao presente.

Artigos 17º e 42º da contestação
De igual modo, a A. aceitou que esta matéria seja considerada assente, pelo que o acervo de factos provados passa a integrar os seguintes novos pontos:
19- Já à data do óbito do seu pai BB, em 05.10.2002, a ré vivia na casa em discussão neste processo há mais de 15 anos, na companhia daquele e na da sua mãe D. CC.
20- Trata-se de uma casa modesta, com mais de 90 anos de vetustez, sem as condições de conforto e de habitabilidade actuais, a necessitar de obras.
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2. Da transmissão do direito de arrendamento para a R. e da aquisição da qualidade de arrendatária
A sentença decidiu-se pela procedência do pedido principal da ação, que consiste no reconhecimento da caducidade do contrato de arrendamento que, na sua perspetiva, vigorou até à data da morte de CC, mãe da R., ou seja, até ao dia 17.10.2015, condenando a demandada/recorrente a entregar à A. a posse do locado. Para tal, considerou improcedente a matéria de exceção que a R. invocou na contestação, qual seja, a transmissão para si do direito de arrendamento de que sua mãe era titular, pela morte dela.
Considerou a R. que, tendo sido o contrato de arrendamento celebrado no ano de 1944, à data do óbito de sua mãe, CC, a lei vigente (NRAU[16], aprovado Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro), permitia a transmissão do arrendamento a seu favor, sendo aplicável o regime do art.º 57º do NRAU, por força dos art.ºs 26º, 27º e 28º do mesmo diploma legal (normas transitórias aplicáveis por o contrato de arrendamento ter sido celebrado antes da vigência do RAU[17]).
À data do óbito de CC (17.10.2015), o art.º 57º, nº 1, do NRAU, na parte que aqui interessa, determinava que “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva “filho … que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.” (nº 1, al. e)).
O tribunal, seguindo raciocínio semelhante, entendeu que se verifica o primeiro pressuposto da transmissão do direito a favor da R. --- o convívio da R. no locado, com a sua mãe, por período de tempo superior a um ano (ponto 12 dos factos provados) --- e que se verifica também o requisito da incapacidade --- o grau de deficiência exigível para que se reconheça o benefício da transmissão do direito ao arrendamento. Porém, negou esse direito à R. por entender que a mesma seria já uma segunda transmissária, tendo sido primeira transmissária a sua mãe, e que o art.º 57º, nº 1, do NRAU, se limita a reconhecer a transmissão do direito do primitivo arrendatário, não tendo esta qualidade aquele a quem já foi transmitido o direito de outrem, como acontece com CC que o adquiriu pelo decesso do seu cônjuge BB, ou seja, aquele com quem a locadora celebrara o contrato de arrendamento. Entendeu-se ali que o cônjuge transmissário não deve ser equiparado ao arrendatário primitivo.
Mais se expendeu na sentença que “a comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge que não figura no contrato, prevista no art.º 1068.º do CC, quando reportada a situação em que quer o contrato de arrendamento, quer o casamente com o cônjuge contraente, tenham ocorrido em data anterior a 27-06-2006 (data da entrada em vigor do NRAU), não é admissível”, porque “a situação de incomunicabilidade já se encontrava anteriormente estabelecida, não podendo ser alvo agora de alteração, salvo se tivesse existido (e tal não aconteceu) determinação legal expressa nesse sentido”.
Na apelação, a R. não nega que a expressão utilizada no art.º 57º do NRAU “o primitivo arrendatário” deva ser interpretada no sentido de que a lei admite apenas uma transmissão (e não mais) do direito ao arrendamento, mas argumenta que o direito do arrendatário BB --- aquele que no dia 1 de abril de 1944 celebrou o contrato de arrendamento com a sociedade locadora A..., S.A., --- se comunicou a CC, sua mulher, por força do casamento que entre ambos teve lugar e do respetivo regime de bens.
Pois bem.
A locação tem sido qualificada como um contrato intuitu personae em relação ao locatário, caducando, por regra, com a morte deste quando se trate de pessoa singular. Mas este cariz é objeto de alguma atenuação no âmbito do arrendamento urbano onde atualmente ocorre uma comunicação do direito em relação ao respetivo cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente. O atual art.º 1068º do Código Civil determina que “o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente” e o art.º 1106º do mesmo código estabelece o atual regime da transmissão por morte.
Importa esclarecer que o regime da comunicabilidade não se confunde com o regime da transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário.
Com a comunicação da qualidade de arrendatário ao cônjuge não subscritor do contrato de arrendamento, este passa a ser também arrendatário, adquirindo também aquela qualidade, a par do cônjuge signatário, tornando o arrendamento plural, de coarrendatários. Havendo comunicação do direito ao arrendamento ao outro cônjuge, a morte de um deles não determina a caducidade do contrato, mas antes a concentração do direito no cônjuge titular sobrevivente. Só na situação de não comunicação do direito de arrendatário é que se coloca a questão da transmissão do direito ao cônjuge sobrevivo. Pela morte do outro, o cônjuge não subscritor ou invisível ganha visibilidade, permanece arrendatário por direito próprio, passando a ser único arrendatário, nele se concentrando tal posição contratual.
Deste modo, acaso seja de concluir que o direito ao arrendamento de BB se comunicou ao seu cônjuge CC por força do casamento, esta não pode deixar de ser considerada, tal como o seu falecido marido, “primitiva arrendatária” para efeito da transmissão do direito a favor da R., filha do casal. A transmissão do direito ao arrendamento a favor desta apresenta-se então como a primeira e única desde a celebração do contrato pelo seu pai no ano de 1944, já que a sua mãe não seria transmissária do direito, mas cotitular do direito e primitiva arrendatária em razão do casamento com o titular subscritor.
O regime de comunicabilidade/incomunicabilidade do direito ao arrendamento ao cônjuge variou ao longo do tempo.
A regra da incomunicabilidade do arrendamento foi proposta pelo então deputado José Gualberto de Sá Carneiro[18] e foi apoiada pela Câmara Corporativa, em parecer de 4.2.1947, relatado por Fernando Pires de Lima e subscrito por 10 outros Procuradores.
Nessa sequência, a Lei nº 2.030, de 22 de junho de 1948, introduziu formalmente no art.º 44º, o princípio da não comunicabilidade, dispondo o seguinte: “O direito ao arrendamento, seja qual for o regime matrimonial, não se comunica ao cônjuge do arrendatário e caduca por sua morte, salvo nos casos indicados nesta lei e nº art.º 58º do decreto nº 5.411, de 17 de Abril de 1919”.
Não obstante o regime de bens supletivo, no Código Civil de 1867 (Código de Seabra) ser o da comunhão de bens (respetivos art.ºs 1098º e 1108º), antes da Lei 2.030, de 22 de junho de 1948 a questão da comunicação ao cônjuge era controversa. A solução da incomunicabilidade era então já defendida na doutrina, por José Alberto dos Reis, Transmissão do arrendamento (sobre o n.° 3 do § 1º da lei n.° 1.662), RLJ 79 (1947), 385-391 e 401-408 e 80 (1947), 2-9, 17-23 e 33-38 (386 e seg.s). A seu favor depunham, além do próprio Alberto dos Reis, Sá Carneiro, Pinto Loureiro e Cunha Gonçalves; contra: Barbosa de Magalhães e Anselmo de Castro.[19]
Acrescenta ali o mesmo Professor: “É certo que a natureza intuitu personae da locação apontaria, só por si, para a incomunicabilidade; todavia as dúvidas eram inevitáveis, pelo que a boa política legislativa esteve do lado do legislador de 1948”.
Mas, obviamente, esta lei ainda não vigorava na data em que BB e CC, no dia 8.12.1946, celebraram o seu casamento, em regime de comunhão de bens.
Saber se o direito ao arrendamento se comunicou à viúva CC por morte do seu marido BB em 8.10.2002 é matéria de exceção, integrada na defesa da R. como facto relevante para o impedimento do efeito jurídico visado pela A. na ação, sendo, por isso, da R. o respetivo ónus da prova (art.º 342º, nº 2, do Código Civil).
Para efeito de aplicação da lei no tempo, não pode deixar de relevar a data da celebração do contrato. Cada lei aplica-se aos contratos de arrendamento celebrados após a sua entrada em vigor; encontramo-nos no domínio dos efeitos do contrato, pelo que funciona o art.º 12º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil. Mas também interessa conhecer a data do casamento celebrado entre o BB e a CC e o respetivo regime de bens, designadamente se à data da celebração do contrato de arrendamento já estavam casados um com o outro ou se o casamento teve lugar posteriormente. A comunicabilidade do arrendamento (no âmbito da lei que a preveja) sempre dependeria, no regime da comunhão de adquiridos, do facto de o contrato de arrendamento ter sido celebrado por um dos cônjuges na pendência do casamento; no regime da comunhão de bens, o arrendamento comunica-se ao outro cônjuge mesmo que celebrado em data anterior ao casamento, ingressando sempre no património comum; no caso do regime da separação de bens, não há comunicação (se estavam casados em separação de bens, não há património comum).
O contrato de arrendamento foi celebrado no dia 1 de abril de 1944, circunstâncias de tempo em que a lei ainda não dispunha sobre a in/comunicabilidade do arrendamento e a doutrina e a jurisprudência discutiam a questão sem unanimidade, como observámos já[20].
Como dissemos já, tempo da celebração do contrato de arrendamento e do casamento não havia unanimidade da doutrina e da jurisprudência relativamente à comunicabilidade ou não comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge do arrendatário.
As razões que determinaram o legislador de 1948 terão sido o receio de que a comunicabilidade do arrendamento inviabilizasse ou dificultasse a salvaguarda dos «interesses atendíveis dos cônjuges», que justificadamente pretendia proteger nos casos de divórcio ou separação e de falecimento de um deles.[21] Ali se refere também, citando Alberto do Reis, que aquela opção efetuada pelo legislador de 1948 pela regra da não comunicabilidade surgiu ao arrepio da jurisprudência estabelecida e foi alvo de críticas.
E como se refere no parecer[22] que acompanha as alegações da R.:
«





(…)
28 Boletim Oficial, ano 6, n.º 38, p. 529.
Ora, situando-nos nós a esta distância temporal, mas atendendo sobretudo à jurisprudência largamente dominante à época em que foi celebrado o casamento e ao entendimento de que, então, a comunicabilidade do direito ao arrendamento estava sustentada no regime de bens co casamento, a conclusão a que chegamos é a de que, tendo o BB casado com a CC em 1946, sob o regime da comunhão de bens, numa altura em que não vigorava ainda o regime da incomunicabilidade, instituído apenas dois anos depois, pela Lei nº 2030, de 22 de janeiro, se comunicou àquela o direito ao arrendamento, adquirido elo BB pelo contrato de arrendamento que celebrou em solteiro, no ano de 1944.
Só a partir daquela Lei, mas até à vigência do NRAU, vigorou o regime da incomunicabilidade.
Assim:
Os trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966 continuaram nesta linha, culminando, à data da publicação deste código, no texto consagrado no nº 1 do art.º 1110º, assim redigido: “Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por sua morte, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Este nº 1 do art.º 1110º vigorou, sem alterações, até à publicação do RAU – aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15.10 –, que manteve no art.º 83º a regra da incomunicabilidade e regulou nos art.ºs 84º e 85º a transmissão do arrendamento em caso de divórcio e por morte, respetivamente.
Era essa a solução que melhor se coadunava com a natureza intuitu personae do contrato de arrendamento e com o vinculismo que o caraterizava, evitando transmissões entre cônjuges que contribuiriam para perpetuar a situação arrendatícia.
Continuou a ser esta a tradição jurídica portuguesa, que perdurou até ao início de vigência da Lei nº 6/2006 (NRAU) que aditou ao Código Civil o art.º 1068º, instituindo a regra da comunicabilidade para todos os arrendamentos de prédios urbanos.
Em todo o caso, quer na versão originária do Código Civil, quer no RAU, a lei permitia a transmissão a favor de parentes e afins por morte do cônjuge sobrevivo quando este havia sido transmissário do direito (cf. art.º 1111º, nº 4, do Código Civil, na referida versão de origem, e art.º 85º, nº 3, do RAU).
Como afirma Maria Olinda Garcia[23] a propósito do NRAU “(…) a aplicação do art.º 1068º não introduz efeitos retroativos na relação de arrendamento, pois todos os efeitos inerentes à qualidade de arrendatário singular produzidos antes da entrada em vigor desta norma não são alteráveis.
Tratando-se de comunicabilidade do direito ao cônjuge, o caso não é de transmissão do direito a favor de CC, por morte de BB, em 8.10.2002, nos termos do art.º 85º, nº 1, al. a), do RAU (regime do arrendamento urbano vigente à data da morte deste).
A efetiva comunicação do direito ao arrendamento do BB ao cônjuge CC, dá lugar a arrendamento plural. Sendo ela arrendatária invisível desde a data do casamento, em arrendamento plural, com a morte do marido, o arrendamento torna-se novamente singular, com visibilidade da CC como arrendatária primitiva, à semelhança do falecido cônjuge.
Falecida a CC a 17.10.2015, estava em vigor o NRAU.
Uma vez que o contrato de arrendamento foi celebrado no ano de 1944, antes do início de vigência do RAU, à transmissão por morte do arrendatário aplica-se o disposto nas normas transitórias dos art.ºs 57º e 58º do NRAU, por força dos art.ºs 26º, nº 2, 27º e 28º deste mesmo diploma legal.[24]
Segundo a al. e) do nº 1 do citado art.º 57º, na versão introduzida pela Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro, aqui aplicável, atenta a data do óbito de CC, o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60/prct..
Sendo então a CC primitiva arrendatária, o seu direito pode ser transmitido (uma vez) a favor de filho que reúna as referidas condições, ou seja, a R. pode aceder à qualidade de transmissária do direito ao arrendamento pela morte da mãe, contanto se verifiquem os pressupostos previstos na referida al. e) do nº 1 do art.º 57º do NRAU.

Alega ainda a recorrente que, a não se entender que a mãe da R. era coarrendatária, com o seu marido, por comunicação do direito, concentrando-se nela esse direito após a morte daquele, sempre tem direito ao arrendamento por aplicação do disposto no art.º 85º, nº 1, al. b), do RAU, por o ter adquirido com a morte do pai, ocorrida em outubro de 2002, uma vez que é descendente e com ele convivia há mais de um ano à data da morte.
Esta hipótese está prejudicada pela demonstração da comunicação do direito ao arrendamento à CC. O óbito do seu marido conduziu à concentração dessa qualidade na CC, convertendo o arrendamento plural em singular, e não à caducidade por morte do arrendatário. Daí que não se pudesse sequer colocar a questão da transmissão da qualidade de arrendatário de seu pai, diretamente, a favor da R.
Com efeito, caso a R. demonstre os requisitos previstos na al. e) do nº 1 do art.º 57º do NRAU, deve ser tida como transmissária do direito ao arrendamento.
A R., à data da morte da mãe, vivia com os seus pais há mais de 30 anos, na casa de habitação aqui em causa e possui um atestado multiusos datado de 11.4.2016 que reporta uma incapacidade de 62%.
Está também dado como provado, sob o ponto 14 da sentença:
«14. O relatório médico apresentado sobre a patologia que deu origem à desvalorização (…) de 0,15 reporta-se a 27.3.2015 (…) reporta-se a 27/03/2015 (…) os restantes problemas de saúde foram confirmados à data da junta médica por relatórios de 2016, sendo que estes relatórios se reportam a doenças existentes em data anterior a 17/10/2015.
Todavia, tendo havido lugar a ampliação de recurso pela A., com impugnação daquele facto, só após a sua decisão poderemos concluir, ou não, pela verificação de deficiência relevante para efeito do citado art.º 57º, nº 1, al. e), do NRAU.
*
3. Reconhecimento pela A. da qualidade de arrendatária da R.
A R. aduz o ponto 16 dos factos provados para defender que a A. reconheceu a qualidade de arrendatária da R., segundo o qual «a actual autora informou a ré da sua aquisição da propriedade e, ainda, notificou a ré da identificação do seu IBAN “para que a renda que se vence no próximo mês de Agosto de 2019 e seguintes possa ser paga por transferência bancária” – cfr. carta de 15.07.2019 junta a fls. 291 cujo teor se dá por reproduzido». Acrescentou que tem vindo a cumprir com o pagamento da renda à sociedade adquirente do locado.
Mais alegou que «o teor dessa comunicação conjugado com o clausulado do contrato de compra e venda do prédio (com o ónus dos “arrendamentos em vigor“), no qual não foi feita qualquer referência à situação da Ré (e designadamente à pendência desta acção), diferentemente do que sucedeu com outros inquilinos, e, bem assim, com a ausência de resposta da adquirente do locado à carta remetida pela Ré invocando a “qualidade de arrendatária” e a juntar o documento comprovativo do pagamento da renda, implicam o reconhecimento, pela adquirente do locado, da Ré como arrendatária».
Consultada a carta de 15 de julho de 2019, junta aos autos com o articulado superveniente, em 17.11.2010, ali se evidencia que a B..., Lda. após a aquisição da propriedade do imóvel, solicitou à R. que a renda que se vencesse no mês de agosto e nos meses subsequentes passasse a ser paga através do seu IBAN, por transferência bancária. Mas não podemos ficar por meias leituras. Naquela mesma missiva, a remetente informa a R. que não reconhece o contrato de arrendamento:
«(…)
Porto, 15 de julho de 2019
(…)
Apesar de não reconhecermos o seu Contrato de Arrendamento, informamos que adquirimos o prédio urbano do qual faz parte a casa de que são arrendatários».
O texto não é feliz, mas não consta que proviesse de profissional forense, e deixa a ideia clara, aos olhos do homem médio, de normal entendimento e de mediana formação e experiência (segundo as regras de interpretação da declaração – art.º 236º, nº 1, do Código Civil), que a A. adquirente do imóvel pretende que lhe seja pago o valor correspondente ao que até então foi entendido como sendo o valor da renda, dada a situação de ocupação pela R. do espaço de locação, não obstante não reconhecer a existência de contrato de arrendamento a favor da mesma.
O direito do proprietário/senhorio a indemnização pela ocupação indevida do espaço locado até ao momento da sua restituição está previsto no art.º 1045º do Código Civil, pela renda estipulada pelas partes.
Acresce que a R. não juntou aos autos qualquer recibo, relativo aos pagamentos que efetuou, que tenha sido emitido pela A. e de onde resulte que respeita ao pagamento de rendas. Mas ainda que assim tivessem sido emitidos, nem por isso há reconhecimento do contrato de arrendamento, mas expresso e efetivo não reconhecimento do mesmo nos termos da referida missiva, apesar do pagamento (sempre devido pela ocupação não titulada).
Em qualquer caso, a efetiva transmissão do direito a favor da R., caso se verifique, não depende do reconhecimento da existência do contrato de arrendamento; e, caso não se verifique, não há reconhecimento, pela A. de qualidade de arrendatária da R.
*
4. O direito da A. a indemnização da responsabilidade da R.
No âmbito desta questão, a apelante invoca a nulidade da sentença, por ter conhecido de questão de que não podia conhecer e por ter condenado a R. em objeto diverso do pedido, nos termos do art.º 615º, nº 1, al.s d) e e), do Código de Processo Civil.
O pedido (secundário) da ação é de condenação da R. no pagamento à A. da quantia de €500,00 mensais desde maio de 2016 até à entrega efetiva.
Nos artigos 19º e seg.s da petição inicial, a A. alega essencialmente que a ocupação pela R. da ... do Bairro é ilegítima e contrária à sua vontade, que o valor da casa no mercado de arrendamento é estimado em €500,00 mensais, sendo esse o valor de outros arrendamentos celebrados recentemente pela A. para casas do bairro ..., sendo aquele o prejuízo mensal que tem tido desde 1 de maio de 2016 e que continuará a ter até à entrega efetiva do locado.
Na sentença, depois de se ter considerado que a A. não logrou provar que o valor da casa no mercado de arrendamento é de €500,00 mensais, a Ex.ma Juiz recorreu a factos que foram provados e à equidade para condenar a R. no pagamento da quantia indemnizatória que fixou em € 125,00 por mês, desde maio de 2016 até à efetiva entrega do espaço que a R. continuou e continua ocupar desde aquela data (sem prejuízo do direito da R. a haver o que a A. recebeu na sequência de depósitos feitos, a título de rendas, relativas ao período posterior a maio de 2016).
A citada norma da al. d) do nº 1 do citado art.º 615º está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia, e não pode pronunciar-se sobre questões que não tenham sido suscitadas pelas partes. Além delas, só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita.
A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever.
Não confundamos questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir[25]. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.[26] O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão.
Já Alberto dos Reis ensina[27] que “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
Dito isto, parece-nos por demais evidente que o tribunal conheceu de uma questão suscitada pela A. na petição inicial: a questão da indemnização a atribuir à A. pela ocupação que a R. faz do locado desde a data em que, na sua perspetiva, o contrato de arrendamento se extinguiu por caducidade.
Não ocorre a arguida nulidade por excesso de pronúncia.

Alega também a R. que o tribunal conheceu de objeto diverso do que foi pedido.
Segundo a al. e) do nº 1 do mesmo art.º 615º, a sentença é nula quando o juiz condene em objeto diverso do pedido.
A não coincidência da decisão com os petita partium determina a nulidade da sentença.
Já o art.º 609º, nº 1, prevê a matriz da manifestação do princípio do dispositivo quanto ao pedido (princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância): “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”[28].

Na decisão que profere, o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; e na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado.
Enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como o pedido se mostra formulado, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor.
Ensinava já Alberto dos Reis[29] que o princípio do dispositivo é, substancialmente, a projeção, no campo processual, daquela autonomia privada que, dentro dos limites marcados pela lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjetivo. Deverá ser coerentemente mantido no processo civil como expressão irrefragável do poder, atribuído aos particulares, de dispor da sua esfera jurídica própria.
Refere ali também aquele distinto Professor: “Suprimir estes princípios equivaleria a reformar, mais do que o processo, o próprio direito privado; dar ao juiz o poder de iniciar ex officio um pleito que os interessados querem evitar, ou de conhecer de factos que as partes não alegaram[30], significaria cercear, no campo do direito processual, aquela autonomia individual que, no campo do direito substancial, a lei vigente reconhece e garante”. É matéria na disponibilidade das partes.
Por um lado, através do pedido, as partes delimitam o thema decidendum da ação, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa. Por outro lado, a sentença não deve ultrapassar o limite do pedido, não podendo o juiz, como diz a lei, condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Alberto dos Reis dá exemplos[31]: “Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).
Não vislumbramos onde possa existir nulidade invocada quando o tribunal conheceu e decidiu precisamente um pedido da ação relativo a indemnização por atraso na restituição da coisa locada (condenando dentro dos respetivos limites). Se o tribunal recorreu (e não devia ter recorrido) às regras da responsabilidade civil extracontratual (art.ºs 483º e seg.s do Código Civil) e da obrigação de indemnizar (art.ºs 562º e seg.s do mesmo código) para fixar a indemnização, pode ter deixado de aplicar corretamente o Direito, havendo erro na subsunção jurídica, mas nem por isso deixou de conhecer do objeto do pedido: a indemnização pelo atraso na restituição do espaço locado.
Improcede também a arguição desta nulidade da sentença.

O tribunal recorreu às regras da obrigação de indemnizar (art.º 562º e seg.s do Código Civil), designadamente à teoria da diferença e à equidade, para justificar a atribuição de uma indemnização à A. pela ocupação ilegítima do locado no valor estimado de € 125,00 por mês.
A R. defendeu que essa indemnização não pode ser superior ao valor da renda, justamente aquele que tem vindo a pagar ou, quando muito, o dobro da renda, mas só depois de a R. se constituir em mora.
A A., nas suas contra-alegações, concorda com a R., aderindo à conclusão de que “o valor da indemnização está já fixado no valor da renda em vigor, nos termos do art.º 1045º do Código Civil, sendo essa a única indemnização a pagar pela apelante à apelada e a que esta tem direito.
Refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2007[32], a indemnização devida ao senhorio pela restituição da coisa locada corresponde ao valor acordado para a renda. Extinto o contrato, ele continua a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação, pelo que, resultando da autorregulação das partes, a renda representa o justo valor do lucro cessante da indisponibilidade da coisa locada.
A conformação da A. apelada com a indemnização defendida pela R. (na situação de caducidade do arrendamento), no valor da renda, inferior ao valor da condenação, desonera-nos mesmo do dever de discutir o seu fundamento.
Assim e apenas no caso de se vir a concluir pena não transmissão do arrendamento para a R. deverá a mesma ser condenada no pagamento do valor da renda em cada momento devida até à data da desocupação efetiva do locado, levando-se em conta o valor dos depósitos efetuados àquele título.
*
5. Da inconstitucionalidade da interpretação da norma do art.º 57º do NRAU
Alega a apelante que, “caso se entenda que houve inicialmente uma transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário – o que se admite apenas por cautela de patrocínio -, estando em causa um arrendamento antigo (celebrado em 1944) e tendo a Apelante, filha dos arrendatários, nascido em 1942 e sofrendo de deficiência com um grau de incapacidade de 61,9%, a interpretação da norma do artº 57º do NRAU feita na sentença, ao impedir a transmissão do arrendamento para o filho do “primitivo arrendatário” que sempre residiu com os pais no locado, viola princípios constitucionais, dado que quer no RAU (artº 85º), quer na redacção inicial do artº 57º do NRAU, era sempre permitida a transmissão do arrendamento para o filho, ainda que tivesse havido transmissão anterior para o cônjuge do (primitivo) arrendatário”. (conclusão PPP.)
Acrescenta a R. que terão sido violados os princípios da igualdade e da confiança, face ao regime do art.º 1106º do Código Civil, tendo em conta as expetativas criadas quer pelo anterior regime estabelecido no art.º 85º do RAU, quer pelo regime da primitiva redação do art.º 57º do NRAU (antes da alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, e ainda uma violação do direito à habitação consagrado no art.º 65º da Constituição da República, da proteção dos cidadãos com deficiência (art.º 71º da Constituição) e da proteção da terceira idade (art.º 72º da Constituição), também com violação do disposto no art.º 18º, nº 3, da Constituição da República que determina a proibição de retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, devendo ser recusada a aplicação do art.º 57º do NRAU ao caso em análise no sentido de que “tal disposição é aplicável à transmissão por morte do arrendatário relativamente a contratos para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro (que aprovou o RAU), quando a morte do cônjuge do arrendatário (a quem se comunicou o direito ao arrendamento ou a quem se transmitiu o direito ao arrendamento) tenha ocorrido depois da entrada em vigor do NRAU, com a redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (que eliminou o nº 4 do artº 57º), não abrangendo a transmissão para os descendentes que convivessem com o arrendatário (ou o seu cônjuge) há mais de um ano e com deficiência com um grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
Argumentou que “quer no âmbito do regime previsto no RAU (e em todos os regimes anteriores) quer no âmbito da primitiva redacção do artº 57º do NRAU (anterior à Lei 31/2012), a lei admitia, sempre, uma segunda transmissão do direito ao arrendamento para o descendente do arrendatário quando a primeira transmissão tivesse tido lugar para o cônjuge do arrendatário (em situações em que não havia comunicabilidade do direito ao arrendamento)”.
Apreciemos!
A questão da inconstitucionalidade parece ter perdido a sua razão de ser face à conclusão de que ocorreu uma situação de comunicabilidade do direito ao arrendamento a favor da CC. No entanto sempre se dirá que, tal como expende a recorrente, o nº 3 do art.º 85º do RAU previa efetivamente a possibilidade de uma segunda transmissão do arrendamento, do cônjuge sobrevivo do arrendatário primitivo a favor de filho ou outro parente ou afim. É o que dispõe o nº 3 do respetivo art.º 85º: “A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento”.
Situação análoga se passava na versão originária do art.º 57º do NRAU. Segundo o seu nº 4, “a transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 ou nos termos do número anterior”. A referida al. a) previa exatamente a transmissão mortis causa a favor do cônjuge sobrevivo com residência no locado.
Não há dúvida que a alteração preconizada pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, ao art.º 57º do NRAU eliminou a possibilidade de existência de uma segunda transmissão, designadamente do cônjuge do signatário do contrato para o filho do casal.
Esta matéria foi já amplamente debatida e decidida na jurisprudência, mesmo na jurisprudência constitucional, no sentido de que não se verifica a inconstitucionalidade defendida pela recorrente.
Atente-se, por exemplo, no sumário do recente acórdão da Relação de Lisboa de 10.3.2022[33]:
«1. No art.º 57.º do NRAU o legislador não distingue arbitrariamente os descendentes a quem confere o direito à transmissão do arrendamento por morte do arrendatário, mas antes a define um regime mais favorável em razão da situação de maior fragilidade de alguns descentes, tratando de forma diferente o que é diferente, em situação que não contraria o princípio constitucional da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP.
2. O regime mais restritivo dos casos em que pode haver lugar à transmissão do arrendamento para os descentes, por morte do arrendatário, imposta pela nova legislação, em limitação do anterior regime legal mais favorável, corresponde a uma opção legislativa que também não representa uma violação do princípio da igualdade, como tem vindo a ser amplamente entendido pela nossa jurisprudência, em particular a do Tribunal Constitucional.
3. O regime transitório definido no art.º 57.º do NRAU para a transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário representa uma legítima opção do legislador, não se apresentando como violador do direito à habitação previsto no art.º 65.º da CRP que se apresenta como uma norma programática dirigida ao Estado e não aos particulares.»
E, como se refere no texto daquele acórdão, citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de abril de 2012[34]: “Na sua dimensão material ou substancial, o princípio da igualdade, como vem defendendo o Tribunal Constitucional../../../Documents and Settings/sbarreto/Ambiente de trabalho/afj52012.doc - _ftn27, vincula em primeira linha o legislador ordinário, no entanto, não o impede de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, visto que este princípio, enquanto limitador da discricionariedade legislativa, apenas proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. O princípio da igualdade como proibição de arbítrio não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, ao invés, que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e, obviamente, a discriminação, para além de que, não constitui um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial, tratando-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui, assim, um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade, não também a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa, controle este vedado ao juiz.
Refere-se ainda ali que “(…) uma maior restrição dos casos em que pode haver lugar, por morte do arrendatário, à transmissão do arrendamento para os descentes imposta pela nova legislação, em limitação do anterior regime legal mais favorável, também não representa uma violação do princípio da igualdade, como tem vindo a ser amplamente entendido, com particular relevância para a posição manifestada pelo Tribunal Constitucional sobre esta questão, do que apenas é exemplo o Acórdão do TC de 29 de novembro de 2011 no proc. 100/11 in www.pgdlisboa.pt que refere: “Com a criação das aludidas normas transitórias (dos art.ºs 57.º e 58.º), o legislador fez opções legislativas em função dos interesses sócio-económicos que pretendeu salvaguardar, atingindo com as suas prescrições, de forma generalizada e abstracta, um número indefinido de destinatários, supostamente os que se encontrem nas circunstâncias que definiu, sem ter criado, dentre eles, qualquer discriminação ou desigualdade injustificada. Como tem vindo a dizer o Tribunal Constitucional, em inúmeros Acórdãos, o principio da igualdade não proíbe, em absoluto, as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento racional, e, no essencial, o que ele impõe é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível, postulando que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para situações de facto desiguais – cfr, entre muitos outros, os seus Acórdãos nºs 195/07, de 14/03/2007, 210/07, de 21/03/2007, 254/07, de 30/03/2007, in, respectivamente, págs. 421, 537 e 883, do 68.º Volume da Colectânea de Acórdãos do Tribunal Constitucional. Ora, pelos motivos já anteriormente aflorados, não vemos que aquelas normas transitórias sejam destituídas de fundamento justificativo e racional, que as torne incompreensivelmente desiguais para com determinados destinatários.”
Também neste sentido se pronunciou o Acórdão do TC de 12 de maio de 2010 no proc. 1096/2010, publicado na II série do DR n.º 115/2010 de 16/06/2010, citado na sentença recorrida, nos seguintes termos: “A diferença de regimes a operar sincronicamente tem o seu fundamento na circunstância de nos novos contratos de arrendamento habitacional já não vigorar o sistema de prorrogação forçada para o senhorio do vínculo contratual, ao contrário do que sucede na maioria dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU. Enquanto nestes, com excepção dos contratos de duração limitada previstos no artigo 98.º e seg., do RAU, o senhorio não pode denunciar o contrato no termo do prazo acordado, estando vinculado através de renovações sucessivas, enquanto essa for a vontade do arrendatário, como ocorre com o contrato de arrendamento sub iudice, nos contratos celebrados após a entrada em vigor do NRAU, o prolongamento da relação contratual já não lhe pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário. Nestes novos contratos, o senhorio pode opor-se à renovação do contrato no termo do prazo acordado (artigo 1096.º, n.º 2, e 1097.º, do CC), ou não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos (artigo 1101.º, c), do CC). Na verdade, o alcance do direito à transmissão por morte da posição contratual do arrendatário habitacional está intimamente conexionado com o grau de tutela conferido ao interesse na continuidade da relação contratual. Quando o senhorio deixa de estar sujeito à perduração indefinida do contrato, perdem sentido todos os resguardos e limitações que rodeavam o direito à transmissão com vista a atenuar o impacto negativo que ela ocasionava nos interesses do senhorio (Sousa Ribeiro, na ob. cit., pág. 764-765,). Por isso existe uma diferença decisiva no regime da generalidade dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU, relativamente àquele que disciplina os contratos posteriormente outorgados, que fundamenta e justifica as diferenças de tratamento jurídico da admissibilidade da transmissão por morte da posição do arrendatário consagradas no artigo 1106.º, do CC, para os novos contratos, e no artigo 57.º, do NRAU, para os contratos pré-existentes. (…)”, concluindo que “Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual sincrónico apontado pelo Recorrente, não se pode considerar que essa distinção viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da CRP”.”
E, também, não ocorre a violação do direito à habitação (consagrado no art. 65.º, da Constituição), pois que tal direito reveste, acima de tudo, natureza programática, dirigida ao Estado, e está contemplada no art. 57.º, n.º 1, do NRAU, a parte essencial do direito à habitação, ao estabelecer um conjunto, eleito, de beneficiários na transmissão por morte do arrendamento, nomeadamente nos contratos mais antigos e com um regime fortemente vinculístico, encontra-se salvaguardada, adequadamente, a essência do direito à habitação e em relação às pessoas mais vulneráveis, situações em que mais se justifica uma proteção especial. Por isso, ao legislar nos termos conhecidos, o Estado, no âmbito da sua função soberana enquanto legislador, assegurou, em termos razoáveis, o direito à habitação.
E, como decidiu a Relação de Lisboa, seguindo a orientação que vem sendo traçada pelo Tribunal Constitucional, o “art.1º, que baseia a República Portuguesa, além do mais, na dignidade da pessoa humana, tem, no caso, que ser conjugado com o direito à habitação a que alude o citado art.65º. Na verdade, a dignidade da pessoa humana é que legitima e justifica, designadamente, a garantia de condições dignas de existência, que, por seu turno, é indissociável do direito à habitação. É certo que este implica determinadas obrigações positivas do Estado (nºs 2, 3 e 4, do citado art.65º), embora não confira um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação. Todavia, o incumprimento por parte do Estado e demais entidades públicas das referidas obrigações constitucionais constitui uma omissão constitucional. É igualmente certo que o direito à habitação também pode ser realizado por via do direito de arrendamento, cumprindo ao Estado, além do mais, fomentar a oferta de casas para arrendar. No entanto, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol.I, 4ª ed., págs.836 e 837, « … o direito à habitação não preclude o funcionamento de um mercado de arrendamento, através da possibilidade de despejos em casos justificados e da liberdade de fixação de rendas. O direito à habitação justifica seguramente limitações à propriedade no caso de prédios arrendados e não só (…). Mas essas limitações devem obedecer a um princípio de equidade e de proporcionalidade». E acrescentam aqueles autores, in ob. e loc. cits., «Os titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais colectividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios». Assim, a Constituição “reconhece a todos, no artigo 65º, o direito à habitação e, em conjugação com o artigo 1º, o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família” e, “enquanto direito fundamental de natureza social, tal direito “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Ac. nº829/96 – cfr. ainda Acs. nºs 131/92, 508/99 e 29/00)”. Tal artigo, é configurado, fundamentalmente, como um direito à proteção do Estado. O nº 2 impõe ao Estado um conjunto de incumbências em vista a assegurar o direito de todos à habitação e os nºs 3 e 4 têm igualmente como destinatários os poderes públicos. Tal direito não se move, à partida, no círculo das relações entre particulares. Destinatários do direito à habitação são o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais e não, em princípio, os proprietários de habitações ou os senhorios (Ac. nº. 130/92 – cfr. Ainda Ac. nº 590/04), sendo que, contudo, a propriedade tem uma “função social” a ponderar sempre que há conflito de interesses entre o inquilino e o senhorio, embora se não revele legítimo, adequado, proporcional nem constitucional “obrigar os proprietários a sub-rogarem-se ao Estado no cumprimento das incumbências infungíveis que, por expresso imperativo constitucional, sobre ele recaem. Por outro lado, a realização do direito à habitação através da imposição de limitações intoleráveis e desproporcionadas ao direito de propriedade, não só não é constitucionalmente exigível (Ac. nº 633/95 – cfr. ainda Acs. nºs 101/92, 130/92 e 570/01), como, em rigor, se apresenta como constitucionalmente interdita”.
Deste modo, atentas as razões do regime introduzido pelo art.57º, do NRAU, e as situações a que o mesmo é aplicável, entendemos que da interpretação e aplicação efetuadas pela decisão recorrida nenhuma violação ao direito à habitação, constitucionalmente consagrado, resulta ocorrer. Não se verificando a invocada inconstitucionalidade, como vimos, pois que há específicas razões para, no domínio do arrendamento, acautelar determinadas situações de presumida maior vulnerabilidade, afastando a caducidade do contrato de locação, por morte do locatário, prevista na al. d), do art. 1051º, do CC, nuns casos e não o fazer noutros (…) E a restrição ou compressão do direito à habitação é admitida e aceite pela Constituição, limitando-se o mesmo ao estritamente necessário à salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (o direito de propriedade privada e de livre iniciativa económica, direitos expressamente previstos nos artºs 61º e 62º da CRP). Não se nos afigura, assim, desproporcional a solução consagrada no regime legal em questão, em que direitos dos inquilinos apenas foram restringidos na medida do necessário a assegurar o direito dos senhorios e o interesse público.”[35]
A terceira idade já não constituía no RAU (art.º 85º) nem na versão originária do art.º 57º do NRAU causa justificativa de uma segunda transmissão da posição do arrendatário. De entre tais diplomas, a deficiência foi contemplada apenas na versão originária daquele art.º 57º (nº 1, al. e)) e continuou a ser tida em consideração pelo legislador nas alterações introduzidas àquele normativo transitório pela Lei nº Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto e pela Lei nº Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, mas apenas para efeito da primeira transmissão. A norma do atual art.º 1106º do Código Civil, introduzida pelo NRAU para os novos contratos revela-se, nesta matéria, muito mais restritiva do que o regime legal precedente.
Vale aqui, quanto aos art.ºs 71ºe 72º da Constituição da República, relativos à terceira idade[36] e à proteção dos cidadãos portadores de deficiência, mutatis mutandis, o que ficou exposto, quanto ao direito à habitação (art.º 65º, ainda da Lei Fundamental) relativamente ao caráter programático das normas com os inerentes de deveres do Estado --- bem patente no nº 2 do art.º 71º e nos nºs 1 e 2 do art.º 72º), aos limites de regulação pelo legislador ordinário, e o respeito pelo interesse dos proprietários enquanto parte na relação locatícia, de direito privado.
No que concerne ao princípio da confiança, que a recorrente afirma ter sido violado pela interpretação efetuada ao art.º 57º do NRAU, expende-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 100/2011, a propósito de uma situação de direito transitório relativa ao mesmo normativo:
«(…)
O Tribunal Constitucional tem dito que a afectação de expectativas legítimas resultantes duma alteração legislativa só é inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar, não sendo a mesma ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes. Nesta situação, a incerteza do momento da morte, aliada ao facto das condições exigidas pelo RAU se reportarem a esse momento (convivência com o arrendatário no ano anterior à sua morte) não permite de modo algum que se reconheça como legítima qualquer expectativa de transmissão do arrendamento alicerçada apenas num juízo de prognose que tem por base a manutenção hipotética de todos os dados de facto e de direito até à data da morte do arrendatário. Na verdade, só nesse momento é que era possível constatar se estavam ou não preenchidos os requisitos da transmissibilidade, pelo que não tem fundamento a constituição anterior de qualquer posição de confiança merecedora de protecção. Na época em que o Recorrente viveu com a mãe no arrendado, durante a vigência do RAU, a ordem jurídica não lhe permitiu, num juízo de razoabilidade, a formação de qualquer expectativa legítima de que ele iria suceder na posição de arrendatário que pudesse limitar a aplicação de qualquer alteração legislativa nesse domínio, ocorrida antes do óbito da mãe, no sentido de não admitir essa sucessão. O recorrente podia depositar esperanças ou até expectativas de natureza política, de que nunca tendo o legislador limitado a transmissão do arrendamento para os descendentes que convivessem com o arrendatário no período anterior à sua morte, nomeadamente em função da idade ou do grau de incapacidade, essa orientação legislativa não viesse a ser tomada. Mas esses sentimentos ou convicções não têm relevância jurídica e não podem pesar na delimitação da área de liberdade de conformação do legislador. Daí que também não se mostre violado pela interpretação normativa sindicada o princípio da confiança, como emanação da ideia de Estado de direito democrático.»
Como se refere também no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
«(…)
VI- À luz do regime pregresso, entre a vigência da versão original do CC de 1966 e a entrada em vigor do citado art. 57.º do NRAU, a invocada expectativa a uma segunda transmissão do arrendamento só teria tido solidez no período em que vigorou o DL n.º 293/77, de 20- 07, durante o qual a morte de qualquer arrendatário, mesmo que não fosse o “primitivo”, facultava a ilimitada transmissão da posição contratual, já que o DL 328/81, de 04-12, veio, de novo, restringir aos casos de morte do “primitivo” arrendatário a ressalva posta à caducidade do arrendamento pela sua transmissão, o que o RAU (DL n.º 321-B/90, de 15- 10) manteve, tal como a lei actualmente vigente. VII - De todo o modo, a alegada expectativa não seria merecedora da tutela equivalente à da confiança na manutenção do direito que na esfera jurídica da ré eventualmente se tivesse desencadeado com o óbito da mãe e no momento deste, o único em que seria possível aferir do preenchimento, ou não, dos requisitos da pretendida transmissibilidade. VIII - E não tem fundamento o apelo à tutela da “posição de confiança na previsibilidade do direito”, porquanto a mera expectativa fundada na não alteração da lei só é legítima quando esta consubstancie uma violação da segurança jurídica e da confiança legítima, enquanto emanação da ideia de Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP), por constituir uma modificação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os respectivos destinatários não possam contar e não inspirada pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.»
Também não faz sentido a alegada violação do princípio da não retroatividade da lei, como violadora dos direitos, liberdades e garantias (art.ºs 17º e 18º da Constituição da República), uma vez que está a ser aplicado o regime jurídico do direito transitório em vigor à data do decesso da progenitora da R., determinante da transmissão ou da caducidade do contrato, e não qualquer lei posterior.
Na verdade, já vigorava então a Lei nº 6/2006, de 27/2 (com as alterações conferidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto e pela Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro) – que aprovou o novo regime do arrendamento urbano (NRAU) – cujo art.º 59º determina a aplicação deste novo regime às relações contratuais anteriormente constituídas, sem prejuízo do estabelecido nas normas transitórias.
Ora, de entre tais normas transitórias, a do art.º 57º, única que para o caso relevaria, não confere à R. o direito, com que na ação se defendeu, à (re)transmissão do arrendamento celebrado nos anos 40 do século passado.
Uma vez aplicado o regime em vigor ao tempo da ocorrência do facto determinante da transmissão ou da caducidade do contrato, não tem cabimento a alusão à violação configurada pela ré como sendo restritiva de direitos, liberdades e garantias (arts. 17.º e 18.º da CRP).[37]
Termos em que, sem necessidade maior divagação, se nega a invocada inconstitucionalidade da interpretação que é feita do art.º 57º da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU.
Em todo o caso, verificada que está uma situação de comunicabilidade do arrendamento à falecida CC, e a possibilidade da sua transmissão à R. (1ª e única transmissão), a questão da inconstitucionalidade perdeu o seu interesse prático para a decisão.
*
B. A ampliação do recurso
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
A A. discorda do ponto 14 dos factos provados da sentença, sobretudo na parte em que deu como provado o seguinte excerto “(…) sendo que estes relatórios se reportam a doenças existentes em data anterior a 17.10.2015”.
Não se opõe à existência da deficiência da R., mas afirma que os meios de prova atendíveis não permitem concluir que essa incapacidade já existia à data do óbito de sua mãe, CC (17.10.2015).
Para o efeito, chama a atenção para os seguintes documentos, juntos aos autos:
d) Atestado médico de incapacidade multiuso, junto como doc. n.º 8-a) da douta contestação;
e) Informação prestada pela ACES Porto Oriental – Unidade de Saúde Pública, com data de 3/11/2017, junta aos autos por carta em 10/11/2017, com a referência de documento na plataforma Citius 16755868, antes enviado aos autos por e-mail em 3/11/2017, com a referência 16675390 e
f) Informação do mesmo organismo de saúde pública, com data de 8/1/2018, junto aos autos em 10/1/2018, com referência Citius 17364521.
Defende que o tribunal interpretou mal aqueles documentos.
Propõe que o ponto 14 passe a ter o seguinte teor:
14) O relatório médico apresentado sobre a patologia que deu origem à desvalorização (...) de 0,15 reporta-se a 27/03/2015 (…) os restantes problemas de saúde foram confirmados à data da junta médica por relatórios datados de 2016.
A R. recorrida alegou que a matéria do ponto 14 não resultou apenas dos documentos indicados pela A. recorrente, mas também de outra documentação que foi remetida ao processo pela ACES Porto Oriental, em conformidade com a motivação da sentença.
A fundamentação da decisão de facto esgotou-se na sentença com o seguinte texto:
«iii. Fundamentação da matéria de facto:
O tribunal teve em consideração o acordo entre as partes quanto a parte da matéria objecto dos presentes autos, nomeadamente face ao teor do artigo 1.º da contestação, tendo ainda em consideração o teor dos documentos juntos aos autos e constantes de fls. 14 a 29, 38 a 46, 99, 102, 113 a 120, 136 a 138, 141, 153, 169 a 171, 201 a 255, 263 a 284, 290 a 299 e 303 a 326.
As testemunhas EE e FF depuseram sobre os factos descritos em 12) supra, confirmando a realidade invocada pela ré.
No que concerne aos factos considerados não provados, julgou o tribunal não ter sido realizada prova suficiente sobre essa factualidade.
Na verdade, não foi junta aos autos a aludida carta (alínea a).
Relativamente ao valor da casa no mercado de arrendamento, pese embora tenha sido junta aos autos a fotocópia de fls. 27 e 28, o certo é que tal documento foi impugnado e desconhece-se se o imóvel em causa tem as mesmas características (se beneficiou de obras, por ex.) que o dos autos.»
Vejamos.
Antes de entrarmos na análise das provas há que esclarecer no seguinte, à luz do art.º 57º, nº 1, al. e) do NRAU:
a) A deficiência que releva é a que, comprovadamente, existe à data do óbito do transmitente, com uma incapacidade igual ou superior a 60%.
b) Não importa o momento em que essa incapacidade seja verificada e atestada, designadamente por junta médica, contanto que comprove que, naquela data, já existia com grau igual ou superior a 60%.
O ponto 14 impugnado está referido a meios de prova, quando deveria reportar-se diretamente àquele facto que constitui um dos pressupostos da transmissão do direito ao arrendamento.
O tribunal recorrido, na motivação da decisão, limitou-se a citar documentos, sem expressão de uma verdadeira análise crítica dos mesmos, como impõe o art.º 607º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Vejamos!
O atestado médico de incapacidade multiuso, emitido pela ARS Norte em 11.4.2016 e enviado pela R. à A., a 15.4.2016, para justificar o seu grau de deficiência, refere um grau de incapacidade permanente de 62%. A afirmação de que a mesma é suscetível de variação futura, faz admitir que também terá variado no passado, antes da emissão do atestado.
Do atestado emerge a referência a quatro patologias diferentes, com atribuição específica, por cada uma delas, de um determinado coeficiente de desvalorização, segundo a TNI, e que, uma vez somados, dão lugar ao grau de incapacidade total, de 0,619 (62%). São eles de 0,3, 0,2, 0,2 e 0,15.
Do esclarecimento prestado pela ACES Porto Oriental com base na consulta que diz ter efetuado ao processo da junta média (ofício datado de 23.10.2017 e junto aos autos a 10.11.2017), extrai-se que apenas a patologia que deu origem à desvalorização com o coeficiente de 0,15 é que se reporta a 27.3.2015, conforme relatório médico apresentado. Os restantes problemas de saúde só foram confirmados à data da junta médica, em abril de 2016, por relatórios desse mesmo ano.
Um novo pedido de esclarecimento deu origem a um novo ofício da ACES Porto Oriental, datado de 14.12.2017, onde se conclui que “a avaliação de incapacidade multiuso é feita pelas sequelas dos problemas apresentados à data da junta médica independentemente do seu início”.
Quer o atestado multiuso, quer os esclarecimentos prestados estão subscritos pela mesma profissional de saúde, a Sr.ª Dr.ª GG.
O óbito da CC, mãe da R., ocorreu no dia 17.10.2015, cerca de 6 meses antes da realização da junta médica e da emissão daquele atestado.
Segundo a ACES Porto Oriental, apenas a patologia que deu origem à desvalorização com o coeficiente de 0,15 está confirmada por relatório anterior à data do óbito de CC (o relatório médico é de 27.3.2015 e o óbito ocorreu no dia 17.10.2015); todos os restantes problemas de saúde foram confirmados apenas à data da junta médica por relatório do ano de 2016. Portanto, a única patologia confirmada por relatório anterior ao óbito de CC é aquela que menor influência tem no conjunto da incapacidade total da R. (0,15). As restantes patologias consistem em (a) hérnia ventral incisional (b) hérnia diafragmática adquirida e (c) gonalgias, é foram confirmadas apenas por relatórios médicos posteriores, sendo que, o seu início e a sua evolução poderão resultar (apenas) do processo hospitalar, não se encontrando na disponibilidade da ACES Porto Oriental. Quanto a estas três patologias, ficamos a saber que que tiveram um início e uma evolução, ou seja, foram doenças adquiridas na vida da AA e evoluíram ao longo do tempo, a cada uma delas não correspondeu sempre o mesmo grau de desvalorização e incapacidade.
Diz-nos a R., na resposta à ampliação do recurso, que, além dos documentos indicados pela recorrente, “encontram-se juntos aos autos diversos outros documentos (relatórios médicos e informações clínicas) remetidos pela ACES Porto Oriental, dos quais resulta a existência das doenças de que padece a Ré em data anterior a 17.10.2015 (data do óbito da Mãe), tendo sido com base neles que foi verificada (e atestada) a incapacidade nessa data”. Acrescenta que dessa documentação resulta que todas as patologias são anteriores à data da morte da mãe da R. e que só a questão do arrendamento justificou a sua sujeição à realização da junta médica que, a 11.4.2016, lhe atribuiu a incapacidade de 62%.
Mais refere a R. que nenhum documento médico do Centro Hospitalar de S. João ou do Centro de Saúde refere qualquer doença ou patologia ocorrida após 17.10.2015 e que os mesmos permitem a conclusão de que o grau de incapacidade, fixado em função das patologias da R., não sofreu variação entre 17.10.2015 (data do óbito da mãe da R.) e 11.4.2016 (data do relatório da junta médica).
Vejamos!
A ACS Porto Oriental juntou, em 19.2.2018, relatório sobre a consulta da R. na unidade de cuidados primários de saúde, referindo que ali foi observada pela última vez em 30.6.2017. Nada se extrai de relevante daquele relatório que não seja a existência de determinadas doenças evolutivas e a alusão à realização de uma cirurgia ortopédica lombar. Por ofício de 18.4.2018, a mesma unidade de saúde remeteu o tribunal para os elementos que possam resultar da Consulta Externa do Hospital de S. João (de que a ACS não dispõe para podere responder ao que lhe foi solicitado).
A própria R., pelo requerimento de 27.4.2018, reconhece que as resposta possível há de resultar de “processos hospitalares da ré que evidenciem a evolução clínica da mesma e datas das respectivas ocorrências”.
Mais uma vez, por ofício de 16.7.2018, junto aos autos no dia seguinte, a USP Porto Oriental informou:
«(…)
3. Os relatórios médicos apresentados pela doente na Junta Médica de Incapacidade em 11/04/2016 e que seguem mais uma vez em anexo, não nos permitem dizer se as patologias apresentadas resultam do histórico patológico da ré antes de 17/10/2015 ou se ocorreram posteriormente aquela data.
4. Os relatórios estão datados de 22/01/2016 e 18/01/2016 respetivamente. A evolução do quadro clínico ou o seu início poderá constar no processo hospitalar;»
Não consegue a Ex.ma clínica subscritora do ofício responder à questão colocada --- mais uma vez a Sr.ª Dr.ª GG --- como, por maioria de razão, não conseguimos nós, sem preparação técnica em medicina, depois de lermos os relatórios juntos com o ofício.
Foi então solicitada, a pedido da R., cópia do seu processo hospitalar (Hospital de S. João), que foi junto aos autos, designadamente por ofícios de 4.10.2019 e de 7.1.2020.
Aqueles ofícios referem-se a múltiplas patologias da doente, com lista de diagnósticos, cópia de notas de alta de todos os internamentos que a R. teve no Centro Hospitalar de S. João, assim como cópias dos registos clínicos de consulta de Medicina interna, onde são descritas as múltiplas patologias da doente.
Para efeito da fixação da incapacidade, a junta médica elegeu apenas o Capítulo II 2.1 hérnias parietais abdominais não corrigíveis cirurgicamente, o Capítulo II 2.3 hérnia diafragmática que se mantém após tratamento cirúrgico, sem refluxo e o Capítulo III 7. nevralgias e radiculalgias, da Tabela Nacional de Incapacidades.
O ofício junto a 4.10.2019 parece referir-se apenas a matéria do Capítulo II 2.3, havendo ali sucessivas referências a hérnia do hiato, com episódios desde o ano de 2012. Entre 27.3.2015 e 29.3.2015, a R. esteve internada e realizou uma cirurgia (tiroidectomia) - cf. pág.s 75 e seg.s do ofício, no ficheiro eletrónico).
Ainda que fosse de admitir que contém os elementos também relativos a outras doenças levadas em conta pela junta médica, não constam daqueles elementos clínicos quaisquer referências a patologias, consultas, exames, tratamentos, internamentos, cirurgias ou qualquer assistência ou relatórios posteriores a 30.3.2015, relativamente à R., de onde se extraia agravamento da doença.
Sendo o óbito da CC de 17.10.2015 e devendo considerar-se que foi naqueles mesmos elementos clínicos que a junta médica realizada em abril de 2015 se baseou para avaliar a deficiência da R. enquadrável no capítulo II 2.3 da TNI, hérnia diafragmática adquirida, a conclusão tirar é a de que o coeficiente desta deficiência atribuído no valor de 0,2 já existia à data da morte da transmitente CC.
O ofício junto aos autos a 7.1.2020 é composto por uma extensa lista acima referida, relativas às múltiplas patologias da R., com datação dos vários episódios hospitalares, com registos cujo início remonta já ao ano de 1994, sendo último de 2019.
O que importa, mais uma vez, é atentar nos registos relativos ao período de tempo decorrido entre 17.10.2015 e 11.4.2016.
E o que é encontramos?
- A 26.11.2015, uma consulta de ortopedia;
- A 20.12.2015, um episódio de urgência relacionado com ginecologia;
- A 3.12.2015, uma consulta de otorrinolaringologia geral;
- A 15.1.2016, uma situação relacionada com patologia endócrina;
- A 3.3.2016, uma consulta de ortopedia
Ora, estas situações parece não se relacionarem com as patologias abrangidas pela incapacidade da R. quanto aos referidos capítulos II 2.1, II 2.3 e III 7. da TNI. Só as consultas de ortopedia poderão ter alguma ligação com as gonalgias, todavia o registo enviado não refere mais do que isso, duas consultas, uma pouco mais de um mês depois do óbito da CC --- e anterior a dois relatórios em que a junta média também se baseou para decidir da atribuição da incapacidade (cf. ofícios juntos nos dias 10.11.2017 e 18.7.2018) e a outra pouco tempo depois, no início de março de 2016.
Poderá a situação da patologia endócrina estar relacionada com o Capítulo XIV 4.1 daquela mesma tabela (“Endocrinologia”), mas quanto à desvalorização de 0,15 que a junta médica atribuiu a esse título não existe qualquer dúvida que foi atendida a data de 27.3.2015, claramente anterior à data do óbito da mãe da R.
De resto, a junta médica, em abril de 2016, para a avaliação da situação clínica da R. considerou, além dos documentos do processo hospitalar da doente, os relatórios médicos de 18.1.2016 e de 22.1.2016 (já referidos), datas que distam apenas cerca de 3 meses sobre a data do óbito da CC. Mesmo o tempo decorrido entre aquele óbito e a data da junta médica é apenas de cerca de 6 meses e, repita-se, nada ocorreu nesse período de tempo que permita, sequer, supor que a junta médica, na avaliação clínica que efetuou, tomou em consideração factos posteriores à data do óbito da mãe da R. Pelo contrário, as conclusões a que atendeu reportam-se ao estado de saúde da R. que já existia na data da morte da CC.
Por conseguinte, o ponto 14 está provado e deve agora reportar o facto, com rigor, tal como ele é e foi entendido pelas partes, sem referência aos meios de prova:
14. Em 17.10.2015, a R. era portadora de doenças (hérnia ventral incisional, hérnia diafragmática adquirida, gonalgias e patologia endócrina) que já então geravam uma deficiência comprovada com grau de incapacidade de 62%.
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2. A verificação dos requisitos de transmissão do direito ao arrendamento previsto na al. e) do nº 1 do art.º 57º do NRAU
De acordo com aquele normativo e com os factos provados, bem assim por tudo quanto já deixámos exposto, comprovada que está a doença incapacitante da R. com o grau de 62% já na data do óbito de sua mãe CC e os demais requisitos exigidos por aquele normativo, há que concluir que AA sucedeu à sua progenitora por transmissão no direito ao arrendamento, devendo a ação ser julgada totalmente improcedente.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da R. procedente e a ampliação do recurso improcedente, e em consequência revoga-se a sentença e julga-se a ação improcedente, dela se absolvendo a R. do pedido.

Custas na Relação --- apelação e ampliação do recurso --- e na 1ª instância pela A., dado o seu total decaimento (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Incidente da junção do documento, sem custas.
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Porto, 23 de fevereiro de 2023
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Por transcrição.
[3] Por transcrição.
[4] A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.s 184 e 185, citando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.6.2000, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. II, pág. 131, de 18.2.2003 Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. I, pág. 102 e de 3.3.1989, BMJ 385/545, e da Relação de Coimbra de 11.1.1994, Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 16.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.4.2019, proc. nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, in www.dgsi.pt.
[6] O assento de óbito serve o fim específico da prova da morte e do seu momento.
[7] Código de Processo Civil anotado, Almedina, 2019, pág. 33.
[8] Colectânea de Jurisprudência, T. IV, pág. 172.
[9] Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 194, e Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, 1982, Vol. III, pág. 268.
[10] Ob. cit., pág. 269.
[11] Neste sentido, cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.9.2009, proc. nº 238/06.7TTBGR.S1, in www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de junho de 2020, Colectânea de Jurisprudência do STJ II, pág. 95.
[13] Código de Processo Civil anotado, vol. III pág.s 206 e 207.
[14] I RLJ, ano 129º, pág. 209, citado por Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo Civil, Almedina, 2ª edição, pág. 196.
[15] Abel Simões Freire, Matéria de facto-Matéria de Direito, Estudo, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 2003, Tomo III, pág.s 5 e seg.s., citando jurisprudência e doutrina.
[16] Novo Regime do Arrendamento Urbano.
[17] Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de outubro.
[18] Projeto de Lei nº 104, de 24.12.1946 (respetivo art.º 4º).
[19] Cf. António Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano anotadas, Almedina, 2014, pág. 153.
[20] V.d. também o douto parecer junto com as alegações do recurso da R.
[21] Cf. Prof. Pereira Coelho em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1987, RLJ, ano 122º, nºs 3781 a 3784 (mais precisamente o nº 3782, pág. 139).
[22] Assinado pela Sr.ª Prof. DD.
[23] O arrendatário invisível – A comunicabilidade do direito ao cônjuge do arrendatário no arrendamento para habitação, SCIENTIA IVRIDICA, Setembro/Dezembro 2016, tomo LXV, n.º 342, pág. 417º.
[24] Não o disposto no art.º 1106º do Código de Processo Civil, na versão introduzida pelo art.º 3º do NRAU, que se aplica apenas aos contratos celebrados desde o início da sua vigência (26.8.2006).
[25] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58
[26] Acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2006, proc. 4294/05, in www.dgsi.pt.
[27] Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 145.
[28] Sem prejuízo da dedução de pedidos genéricos ou ilíquidos e ainda da sua alteração, ao abrigo dos art.ºs 552º, nº 1, al. e), 556º, 358º, 264 e 265º.
[29] Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 51.
[30] É sabido que hoje o juiz pode considerar factos não alegados pelas partes, mas nos apertados limites do art.º 264º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.
[31] Ob., vol. V, pág. 68.
[32] Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo 3, pág. 144.
[33] Proc. nº 7405/20.9T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt.
[34] Proc. 667/08.1GAPTL.G1-A.S1 in www.dgsi.pt.
[35] Acórdão da Relação do Porto de 7 de outubro de 2019, proc. 2346/18.2T8GDM.P1 in www.dgsi.pt. Cf. ainda os acórdãos da Relação do Porto de 7.10.2019, proc. 2346/18.2T8GDM.P1, da Relação de Évora de 29.4.2021, proc. 7/16.6T8STC.E1
[36] Quanto às terceira idade, cf, entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 7.1.2013, proc. 1486/10.0TVLSB.L1-6, in www.dgsi.pt.
[37] Veja-se, i.a. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2018, proc. 6371/15.7T8SNT.L1.S2, in www.dgsi.pt.