COVID-19
SUSPENSÃO DE PRAZOS
CRÉDITOS LABORAIS
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Nenhuma razão lógica existe que justificasse decorrer do art.º 5.º, da Lei 13-B/2021, de 5 de Abril, o propósito do legislador proceder a uma alteração dos prazos de prescrição e caducidade, introduzindo-lhes um acréscimo de tempo, ou seja, visando que passassem a ter uma duração diferente da estabelecida na lei, para lhes ser acrescido o período de tempo correspondente ao da suspensão, o que no caso levaria a que o prazo de um ano previsto no art.º 337.º/1 CT 09, fosse aumentado para 1 ano e 73 dias.
II - O propósito do legislador não foi alterar os prazos de prescrição [ou caducidade], mas sim salvaguardar os interesses de titulares de direitos sujeitos a prescrição, que por efeito da situação extraordinária vivida durante a pandemia que justificaram adopção de medidas extraordinárias, para além do mais, restringindo a liberdade de circulação e obstando à prática de actos judiciais, ficaram impedidos, por causa não imputável aos próprios, de exercer os seus direitos por via judicial.
III - O objectivo do legislador foi tão só o de inutilizar para o decurso do prazo de prescrição [e de caducidade] o período em que ocorria aquele impedimento, para o efeito determinando a suspensão desses prazos. Por conseguinte, cessada a suspensão, o prazo retoma o seu decurso, mas “alargado[s] pelo período correspondente à vigência da suspensão”, de modo a assegurar o efeito pretendido com esta medida extraordinária.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 5592/21.8T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 AA instaurou contra A..., Lda, a presente ação de processo comum emergente de contrato de trabalho, pedindo que julgada a acção procedente seja esta condenada a pagar-lhe o seguinte:
- A quantia de 13.225,96 €, a título de descanso compensatório;
- A quantia de 3.039,00 €, a título de horas de mobilidade;
- A quantia de 7.735,04 €, a título de prémio de antiguidade - diuturnidades;
- Juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, sobre todos os créditos salariais até integral e efectivo pagamento.
Alegou, no essencial, que o contrato de trabalho celebrado com a Ré durou até Agosto de 2020, pois denuncio o mesmo, tendo terminado no dia 17. Sucede que ficaram em divida créditos salariais, que apesar de os ter reclamado à R. esta nunca procedeu ao seu pagamento.
Créditos, esses, que veio reclamar através da acção, tendo a respectiva petição inicial dado entrada em juízo, via CITIUS, no dia 07-12-2021.
Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.
A Ré contestou, defendendo-se, desde logo, por excepção, invocando a prescrição do crédito reclamado. Refere, no essencial o seguinte:
- A R. foi citada a 13 de dezembro de 2021, por via de correio postal – citação por carta registada com AR;
- Nos termos do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho “o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
- O prazo de prescrição de um ano começou a contar no dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, ou seja, a partir do dia 18 de agosto de 2020.
- Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro (que aditou, entre o mais, o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), foram suspensas, entre outras, todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos procedimentais que devessem ser praticados no âmbito de processos e procedimentos a correr termos nos tribunais judiciais e, ainda, os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos esses processos e procedimentos.
- De acordo com o artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, esta norma produziria efeitos retroativos a 22 de janeiro de 2021.
- A partir do dia 6 de abril de 2021 esta norma deixou de vigorar, por força da entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que cessou o regime de suspensão de prazos processuais adotado no âmbito da pandemia da doença covid-19 (artigo 6.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril).
- Tendo este diploma legal igualmente estabelecido que os prazos de prescrição e de caducidade cuja suspensão tenha cessado, eram alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão (artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
- O legislador replicou, no ano de 2021, o mesmo regime que havia estabelecido no ano de 2020, altura em que, também por efeito da pandemia de covid-19, se estabeleceu uma suspensão dos prazos de prescrição e sua posterior retoma.
-- O prazo de prescrição de 1 ano que o A. dispunha para reclamar os créditos que alega ter, suspendeu-se entre 22 de janeiro e 5 de abril de 2021, o que equivale a dizer que o referido prazo de um ano se suspendeu por 73 dias; assim, o prazo de prescrição que terminaria às 24 horas do dia 18 de agosto de 2021, prolongou-se por mais 73 dias, terminado então às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021.
-Razão pela qual os alegados créditos laborais detidos pelo A. estão prescritos desde as 00 horas do dia 31 de outubro de 2021.
O Autor respondeu, contrapondo, no essencial o que segue:
- A suspensão dos prazos de prescrição e caducidade determinada pela Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, com efeitos a partir de 22 de janeiro de 2022, durou até ao dia 5 de abril de 2022, altura em que entrou em vigor a Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril.
- O artigo 5º deste diploma veio estabelecer que “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
- Resulta que, os prazos de prescrição que se encontravam suspensos e que deixam de o estar por força das alterações introduzidas pela presente lei (13-B/2021 de 5 de abril), são alargados pelo período de tempo que vigorou a sua suspensão.
- Por for força do regime excecional, a contagem dos prazos de prescrição não só ficou suspensa, como também a duração máxima desses prazos foi prolongada pelo período de tempo igual à duração da suspensão.
- Assim o presente prazo de prescrição dos créditos salariais do A. em 22 de janeiro de 2021 suspendeu, retomando a sua contagem a partir de 5 de abril do mesmo ano e beneficiando do aumento da sua duração, sendo esse aumento computado em função do período de tempo que durou a suspensão.
- Os créditos salariais do A. não prescreveu às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021, pois que falta adicionar mais 73 dias correspondente ao alargamento do prazo de prescrição que esteve suspenso por igual período, como resulta do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril.
I.2 Findo os articulados foi proferido despacho saneador, no qual se começou por fixar o valor da causa em € 24.000,00, no âmbito do qual o Tribunal a quo procedeu ao conhecimento da excepção arguida, pronunciando-se conforme segue:
- «Na contestação que deduziu invoca a ré a prescrição do direito de crédito de que a autora se arroga titular, por ter decorrido mais de um ano desde a cessação do contrato de trabalho e a instauração da presente ação.
Apesar de não estar prevista na lei possibilidade de resposta, a verdade é que a autora veio já responder a tal exceção, a qual se admite considerando que possibilita o seu conhecimento imediato (com consequente celeridade na decisão a proferir).
Estipula o n.º 1 do art. 337º do Código do Trabalho que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”.
Resulta assim deste preceito, e tal como tem vindo a ser entendido, que os créditos decorrentes da relação laboral apenas prescrevem um apenso após a data de sua cessação, e quer o titular do direito seja o trabalhador ou o empregador.
A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível ou não declarado, por lei, isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante certo tempo - art. 298º o Código Civil. Ou seja, é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos.
As causas interruptivas da prescrição dividem-se em duas categorias: as que dependem de atos praticados pelo titular do direito, e as que dependem de atos praticados contra quem o direito pode ser exercido. Os arts. 323º e 324º do Código Civil referem-se àquela primeira espécie e o art. 325º do prevê a causa interruptiva da segunda espécie.
Dispõe o art. 326ºdo Código Civil que a interrupção inutiliza para a prescrição todo tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo e a nova prescrição está sujeita, em princípio, ao prazo da prescrição primitiva. Obviamente, a interrupção só é possível enquanto o prazo não decorrer de todo, pois com o seu completo decurso extingue-se o direito.
Tendo o alegado contrato de trabalho celebrado entre as partes cessado a 17/8/2020, o prazo de prescrição iniciar-se-ia a 18/8/2020 e terminaria a 18/8/2021 (art. 279º, c), do Código Civil).
Porém, na sequência da situação de pandemia causada pelo vírus covid-19, a 19 de março de 2020 foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, cujo art. 7º, n.º 3, na sua redação originária, dispõe que esta situação excecional de pandemia “constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”. De acordo com o disposto no n.º 4 deste mesmo art. 7º “o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
Esta Lei, que entrou em vigor no dia 20 de março (cfr. seu art. 11º), produziu efeitos desde o dia 9 de março (cfr. seu art. 10º, o art. 37º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, e a norma interpretativa constante do art. 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 6/4), e apenas cessou a 3 de junho de 2020 com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, que revogou o art. 7º da Lei n.º 1-A/2020 (no seu art. 8º) e cujo art. 5º dispõe expressamente que “os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão”.
A 1 de fevereiro de 2021 foi publicada a Lei n.º 4-B/2021 que introduziu o art. 6º-B àquela Lei n.º 1-A/2020, cujo n.º 1 dispõe que “são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”; sendo certo que o seu n.º 3 expressamente estipula que “são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.”. Decorre, assim, de forma clara desta lei, que estão suspensos os prazos de prescrição e caducidade que necessitem de processos ou procedimento judiciais para a sua interrupção.
Esta lei, que entrou em vigor no dia 2 de fevereiro de 2021 (cfr. seu art. 5º), estipula expressamente que o aditado art. 6º-B à Lei n.º 1-A/2020 produz efeitos a 22 de janeiro de 2021.
Deste modo, é de considerar que na referida data de 22 de janeiro de 2021 ocorreu uma suspensão do prazo de prescrição.
Este artigo 6º-B da Lei n.º 1-A/2020 foi expressamente revogado pela Lei n.º 13- B/2021, e cujo art. 5º estipula que “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.”
Esta lei entrou em vigor a 6 de abril de 2021, com o que conclui que o prazo de prescrição esteve suspenso durante 73 dias, que irão acrescer ao prazo de um ano.
Assim, tendo o prazo de prescrição se iniciado a 18 de agosto 2020 é de considerar que se completou no dia 30 de outubro de 2021. Uma vez que a presente ação foi instaurada a 8/12/2021 e a ré citada a 13/12/2021, sem dúvida que é de considerar que já no momento em que a ação foi instaurada havia-se já esgotado o prazo de prescrição de um ano previsto no art.337.º n.º 1 do Código do Trabalho, pelo que se mostra extinto o direito que o autor se arrogava nos autos.
Nestes termos, com fundamento em todo o exposto e ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil, desde já julgo improcede a exceção de prescrição deduzida pela ré.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada pela ré, pelo que a absolvo dos pedidos formulados nos autos.
Custas a cargo do autor.
(..)».
I.3 Não concordando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
I Discute-se na presente lide a questão de saber se os créditos salariais reclamados pelo Recorrente são devidos por parte da Requerida.
II Reclamou o Recorrente a quantia de 24.000,00€ a título de créditos salariais.
III A Recorrida contestou a ação interposta pelo Recorrente e alegou a prescrição do direito de crédito, por ter decorrido mais de um ano desde a cessação do contrato de trabalho e a instauração da ação.
IV O Tribunal a quo conheceu, em sede de despacho saneador, da exceção invocada, tendo julgado a mesma procedente, tendo absolvido a Recorrida dos pedidos formulados pelo Recorrente.
V Com o devido respeito, parece-nos que a douta decisão, ora recorrida, assentou em erro de direito, devido a má interpretação da lei.
VI O contrato de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrida cessou em 17 de agosto de 2020, o prazo de prescrição iniciou-se em 18 de agosto de 2020.
VII Sucede que a 01 de fevereiro de 2021 foi publicada a lei nº 4-B/2021 que introduziu o artigo 6º-B à lei nº 1-A/2020, cujo o nº 1 dispõe que “ são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processo e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério público, Julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”; sendo certo que o nº 3 estipula expressamente que “são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no nº 1.
VIII Esta lei que entrou em vigor no dia 02 de fevereiro de 2021, estipula expressamente que o aditado artigo 6º-B à Lei nº 1-A/2020 produz efeitos a partir de 22 de janeiro de 2021.
IX É claro e pacífico que a partir de 22 de janeiro de 2021 ocorreu uma suspensão dos prazos de prescrição que se encontravam em curso.
X Em 6 de abril de 2021 entrou em vigor a Lei nº 13-B/2021 que nos termos do artigo 5º estipula que “os prazos de prescrição e de caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
XI Face a estes normativos legais entendeu o Tribunal a quo que o prazo de prescrição esteve suspenso durante 73 dias, correspondentes ao período decorrido entre o dia 22 de janeiro e 06 de abril, que acrescem ao prazo de um ano;
XII Concluindo que o prazo de prescrição iniciado a 18 de agosto de 2020 se completou no dia 30 de outubro de 2021 e que quando a ação que foi instaurada em 8 de dezembro e a ré citada a 13 de dezembro do ano de 2021 já se havia esgotado o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337º nº 1 do Código de Trabalho, pelo que se mostra extinto o direito que o autor se arrogava nos autos.
XIII Face às conclusões do Tribunal a quo, identificadas nos pontos anteriores, verifica-se que ocorreu um erro de interpretação do mencionado artigo 5º da Lei 13-B/2021 de 5 de abril.
XIV O supracitado diploma legal, mais concretamente o artigo 5º veio estabelecer que “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
XV Resulta que, os prazos de prescrição que se encontravam suspensos e que deixam de o estar por força das alterações introduzidas pela presente lei (13-B/2021 de 5 de abril), são alargados pelo período de tempo que vigorou a sua suspensão.
XVI Na interpretação da acima identificada norma assume especial relevância o seu elemento literal – máxime o textualmente expresso no trecho “cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei”.
XVII Os elementos literal e lógico que presidem à interpretação da lei reclama assim que se conclua que a disciplina introduzida pela indicada norma legal tem aplicação aos prazos cujo decurso de tempo havia sido suspenso.
XVIII De outro modo não teria o Legislador feito referência expressa aos prazos anteriormente suspensos que agora deixam de estar.
XIXA solução adotada pelo Legislador compreende-se bem, porquanto encontra a sua ratio na necessidade de acautelar a proteção daqueles que tendo beneficiado até determinado momento de suspensão de um determinado prazo, possam agora ser surpreendidos pela retoma abrupta do seu cômputo determinado pela nova lei.
XX Claramente se conclui que por for força do regime excecional, a contagem dos prazos de prescrição não só ficou suspensa, como também a duração máxima desses prazos foi prolongada pelo período de tempo igual à duração da suspensão.
XXI Assim o presente prazo de prescrição dos créditos salariais do A. em 22 de janeiro de 2021 suspendeu, retomando a sua contagem a partir de 5 de abril do mesmo ano e beneficiando do aumento da sua duração, sendo esse aumento computado em função do período de tempo que durou a suspensão.
XXII Pelo exposto, o crédito salarial do A. não prescreveu às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021, como é dito na douta decisão, pois que falta adicionar mais 73 dias correspondente ao alargamento do prazo de prescrição que esteve suspenso por igual período, como resulta do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril.
XXIII Desta feita o fim do prazo de prescrição só ocorreria em 24 de janeiro de 2022, logo não poderia a exceção de prescrição ter sido julgada procedente, uma vez que a ação entrou em 8 de dezembro e a citação ocorreu em 13 de dezembro de 2021.
XXIX Não pode colher a interpretação plasmada na decisão ora recorrida, segundo a qual os prazos de prescrição e caducidade passam a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão.
XXV Se assim fosse, bastava que a lei dissesse que a suspensão deixava de vigorar, só que o que o que consta da lei é que cessa a suspensão e os prazos são alargados por igual período ao da suspensão.
XXVI A este propósito veja-se o constante no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de julho de 2021, que embora aplicando as regras que vigoraram em 2020, a este respeito, o mesmo se aplica à suspensão ocorrida em 2021.
XXVII Por tudo o alegado não ocorreu a prescrição.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deverá a Douta Decisão recorrida ser revogada em conformidade, conhecendo-se o vício de erro de direito, com as legais consequências.
I.4 A R apresentou contra-alegações que finalizou com as conclusões seguintes:
(a) Deve manter-se na íntegra o decidido na douta sentença recorrida e aqui injustamente posta em crise pelo Recorrente, a qual é, de resto, consentânea com a jurisprudência que tem vindo a ser conhecida a este respeito, desde logo nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/03/20219 e de 10/03/202210. Assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, a interpretação correta da norma que determina a cessação da suspensão dos prazos de prescrição e caducidade é a sufragada por esta Relação: cessada a suspensão, os prazos de prescrição e caducidade passaram a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão ocorrido entre 22-01-2021 e 05-04-2021.
(b) Este entendimento é, de resto, unânime e pacífico entre os diversos autores (nomeadamente entre aqueles que participaram na redação da Coleção Caderno Especial Estado de Emergência – Covid 19, Implicações na Justiça, 2.ª edição) que, debruçando-se sobre esta questão jurídica, chegaram à conclusão aqui defendida pela Recorrida e esgrimida pelo Tribunal a quo.
(c) A Recorrida foi citada a 13 de dezembro de 2021, por via de correio postal – citação por carta registada com AR –, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54.º, n.ºs 3 e 4 do CPT e nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º n.ºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 23.º do CPT – facto provado e que não carece de prova, por ser do conhecimento oficioso do Tribunal (artigo 412.º, n.º 2, do CPC).
(d) Dispõe o artigo o artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho (“CT”), “o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho” (negrito e sublinhado nossos), Sendo que, de acordo com o disposto no artigo 279.º, alínea c), do Código Civil, “o prazo fixado em […] anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro [do último] ano, a essa data (…)” (negrito e sublinhado nossos).
(e) O contrato de trabalho celebrado entre Recorrida e Recorrente cessou no dia 17 de agosto de 2020, pelo que, aplicando o disposto no número 1 do artigo 337.º do CT, então o prazo de prescrição de um ano começou a contar no dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, ou seja, a partir do dia 18 de agosto de 2020, e o alegado crédito laboral do Recorrente prescreveria às 24 horas do dia 18 de agosto de 2021.
(f) Sucede que a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro (que alterou a Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março) estabeleceu a suspensão dos prazos processuais e procedimentais. Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro (que aditou, entre o mais, o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), foram suspensas, entre outras, todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos procedimentais que devessem ser praticados no âmbito de processos e procedimentos a correr termos nos tribunais judiciais e, ainda, os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos esses processos e procedimentos.
(g) A partir do dia 6 de abril de 2021 esta norma deixou de vigorar, por força da entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que cessou o regime de suspensão de prazos processuais adotado no âmbito da pandemia da doença Covid-19 (artigo 6.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril), tendo este diploma legal igualmente estabelecido que os prazos de prescrição e de caducidade cuja suspensão tenha cessado, eram alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão (artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
(h) Assim, o prazo de prescrição de 1 ano (artigo 337.º, n.º 1, do CT) que o Recorrente dispunha para reclamar os créditos que alega ter, emergentes do contrato de trabalho que o ligou à Recorrida, suspendeu-se entre 22 de janeiro e 5 de abril de 2021, o que equivale a dizer que o referido prazo de um ano se suspendeu por 73 (setenta e três).
(i) Aplicando, in casu, o raciocínio descrito nos Acórdãos do Tribunal da Relação acima citados, cessada a suspensão, os prazos de prescrição e caducidade passaram a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão ocorrido entre 22 de janeiro de 5 de abril de 2021.
(j) Com efeito, o prazo de prescrição que terminaria às 24 horas do dia 18 de agosto de 2021, prolongou-se por mais 73 dias, terminado então às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021, razão pela qual os alegados créditos laborais detidos pelo Recorrente estão prescritos desde as 00 horas do dia 31 de outubro de 2021.
(k) Resulta do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil que a interrupção da prescrição se interrompe pela “citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. No caso em apreço, não só a citação foi já extemporânea – que, conforme acima se referiu, e, de resto, resulta dos próprios autos – ocorreu a 13 de dezembro de 2021, não logrando, portanto, interromper o prazo prescricional nos termos da supracitada norma, como a própria ação foi proposta mais de um mês após este prazo ter prescrito.
(l) Perante todo o exposto, não merece qualquer reparo a decisão ora posta em crise, sendo de concluir que no momento em que ação foi instaurada havia-se já esgotado o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sendo, portanto, extemporânea, o que configura uma exceção perentória conducente à absolvição da Recorrida de todos os pedidos a esse respeito formulados, tudo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 576.º, n.º 1 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, conforme determinado pelo Tribunal a quo, pelo que se deverá manter integralmente a decisão recorrida.
(m) A Interpretação do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, oferecida pelo Recorrente, ao defender que a intenção do legislador no contexto epidemiológico vivenciado foi a de adicionar ao prazo já existente – no caso, de 1 ano (365 dias) – um prazo de 73 dias, seguido de um prazo adicional de outros 73 dias, i.e, um total de mais 146 dias, resultaria num prazo adicional de quase meio ano, o que redundaria numa gritante violação de um princípio constitucional basilar: o princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º da CRP, inconstitucionalidade que sempre seria de arguir nos termos e para os efeitos do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
(n) O regime de suspensão de prazos no contexto da pandemia Covid-19 teve um único fito: colocar em situação de igualdade (e não em situação de privilégio!) os particulares que, fruto das restrições então vividas, se depararam com uma dificuldade acrescida na prática de atos jurídicos ou na preparação dos mesmos.
(o) Bem andou o Tribunal a quo ao concluir que “o prazo de prescrição esteve suspenso durante 73 dias, que irão acrescer ao prazo de um ano”, (só) assim se podendo fazer jus à ratio da norma estabelecida no artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021 e, bem assim, garantir a sua conformidade com princípio constitucional da igualdade.
Nestes termos, e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, seja pelos fundamentos louvavelmente constantes da sentença injustamente posta em crise, seja pelos expostos nas alegações e conclusões apresentadas, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando os argumentos das contra-alegações e a decisão recorrida
I.6 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada pelo recorrente para apreciação no recurso consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto à interpretação e aplicação do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que decorrem do relatório.
II.2 Motivação de direito
A questão colocada para apreciação pelo recorrente para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto à interpretação e aplicação do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril.
Ou seja, está em causa a parte da fundamentação da decisão recorrida que segue:
-«[..]
Deste modo, é de considerar que na referida data de 22 de janeiro de 2021 ocorreu uma suspensão do prazo de prescrição.
Este artigo 6º-B da Lei n.º 1-A/2020 foi expressamente revogado pela Lei n.º 13- B/2021, e cujo art. 5º estipula que “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.”
Esta lei entrou em vigor a 6 de abril de 2021, com o que conclui que o prazo de prescrição esteve suspenso durante 73 dias, que irão acrescer ao prazo de um ano.
Assim, tendo o prazo de prescrição se iniciado a 18 de agosto 2020 é de considerar que se completou no dia 30 de outubro de 2021. Uma vez que a presente ação foi instaurada a 8/12/2021 e a ré citada a 13/12/2021, sem dúvida que é de considerar que já no momento em que a ação foi instaurada havia-se já esgotado o prazo de prescrição de um ano previsto no art.337.º n.º 1 do Código do Trabalho, pelo que se mostra extinto o direito que o autor se arrogava nos autos».
Argumenta o recorrente, no essencial, o seguinte:
-O presente prazo de prescrição dos créditos salariais do A. em 22 de janeiro de 2021 suspendeu, retomando a sua contagem a partir de 5 de abril do mesmo ano e beneficiando do aumento da sua duração, sendo esse aumento computado em função do período de tempo que durou a suspensão;
- O crédito salarial do A. não prescreveu às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021, pois que falta adicionar mais 73 dias correspondente ao alargamento do prazo de prescrição que esteve suspenso por igual período, como resulta do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril.
- Não pode colher a interpretação plasmada na decisão ora recorrida, segundo a qual os prazos de prescrição e caducidade passam a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão.
- Se assim fosse, bastava que a lei dissesse que a suspensão deixava de vigorar, só que o que o que consta da lei é que cessa a suspensão e os prazos são alargados por igual período ao da suspensão.
A referir, ainda, que invoca o decidido no “acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de julho de 2021, que embora aplicando as regras que vigoraram em 2020, a este respeito, o mesmo se aplica à suspensão ocorrida em 2021”.
Por seu turno, contrapõe a recorrida o seguinte:
- Deve manter-se na íntegra o decidido, de resto, consentâneo com a jurisprudência que tem vindo a ser conhecida a este respeito, desde logo nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/03/2021 e de 10/03/2022: “cessada a suspensão, os prazos de prescrição e caducidade passaram a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão ocorrido entre 22-01-2021 e 05-04-2021”.
- Aplicando ao caso a aludida jurisprudência, cessada a suspensão, os prazos de prescrição e caducidade passaram a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão ocorrido entre 22 de janeiro de 5 de abril de 2021: o prazo de prescrição que terminaria às 24 horas do dia 18 de agosto de 2021, prolongou-se por mais 73 dias, terminado então às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021, razão pela qual os alegados créditos laborais detidos pelo Recorrente estão prescritos desde as 00 horas do dia 31 de outubro de 2021.
- A Interpretação do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, oferecida pelo Recorrente, ao defender que a intenção do legislador foi a de adicionar ao prazo já existente – no caso, de 1 ano (365 dias) – um prazo de 73 dias, seguido de um prazo adicional de outros 73 dias, i.e, um total de mais 146 dias, redundaria numa gritante violação de um princípio constitucional basilar: o princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º da CRP.
- O regime de suspensão de prazos no contexto da pandemia Covid-19 teve um único fito: colocar em situação de igualdade (e não em situação de privilégio!) os particulares que, fruto das restrições então vividas, se depararam com uma dificuldade acrescida na prática de atos jurídicos ou na preparação dos mesmos.
Passando à apreciação, começaremos por assinalar, aliás, como a recorrida refere, que o recorrente não identifica devidamente o aresto do TRL que invoca, acrescendo que procedendo-se uma pesquisa na base de dados do ITIJ, pela data que indica como sendo aquela em que foi proferido - 6 de julho de 2021 -, não se logra encontrar algum que se reporte a esta situação concreta.
Prosseguindo. São consensuais os pontos seguintes:
- A relação laboral entre A e R. teve o seu termo a 17 de Agosto de 2020;
- O prazo de prescrição previsto no art.º 337.º, n.º 1, do CT, que é de um ano, iniciou-se a 18 de agosto de 2020, logo, em circunstâncias normais atingiria o seu termo a 18 de Agosto de 2021 (art. 279º, c), do Código Civil).
- Porém, no âmbito das medidas extraordinárias que foram tomadas face à situação de pandemia / COVID 19, nos termos dos artigos 2.º - que aditou, entre outros, o art.º 6.º C à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - e 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, o prazo de prescrição em causa foi suspenso, considerando-se os efeitos retroagidos a 22 de Janeiro de 2021. Melhor precisando: nos termos do art.º 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro foram aditados diversas disposições à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, entre elas o art.º 6.º C, em cujo n.º3, passou a estar estabelecido “São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os procedimentos identificados no n.º 1; estabelecendo, depois, o art.º 4.º da mesma Lei, que “[O] disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021,”.
- Esse regime de suspensão cessou a 6 de Abril de 2021, por efeito do art.º 6.º da Lei 13-B/2021, de 5 de Abril, [diploma que veio determinar a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março], que revogou “os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual”.
- Resultando, assim, que o período de suspensão do prazo de prescrição – entre 22 de Janeiro de 2021 e 5 de Abril de 2021 – foi de 73 dias.
Assim, como se disse, o ponto em divergência respeita à interpretação e aplicação do art.º 5.º, da Lei 13-B/2021, de 5 de Abril, - com a epígrafe “Prazos de prescrição e caducidade” -, que veio estabelecer o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
Na perspectiva do recorrente, a interpretação desta norma pressupõe usar o período durante o qual durou a suspensão – 73 dias – por duas vezes e de modos distintos: uma para descontar ao decurso do prazo de prescrição o período durante o qual perdurou a suspensão; outra, para acrescentar ao prazo de prescrição, que no caso é de um ano, o tempo equivalente àquela suspensão, ou seja, outros 73 dias. Dito de outro modo, de acordo com esta interpretação, o prazo de um ano passaria a ser de 365 dias, acrescidos de 73 dias, e ainda se alargaria o mesmo noutros 73 dias, de modo a descontar esse tempo em que este suspenso. É nessa construção que defende que o seu crédito “não prescreveu às 24 horas do dia 30 de outubro de 2021 [como entendeu o Tribunal a quo] pois que falta adicionar mais 73 dias correspondente ao alargamento do prazo de prescrição que esteve suspenso por igual período, como resulta do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021 de 5 de Abril”.
Com o devido respeito, este entendimento não pode ser acolhido. O propósito do legislador não foi alterar os prazos de prescrição [ou caducidade], mas sim salvaguardar os interesses de titulares de direitos sujeitos a prescrição, que por efeito da situação extraordinária vivida durante a pandemia que justificaram adopção de medidas extraordinárias, para além do mais, restringindo a liberdade de circulação e obstando à prática de actos judiciais, ficaram impedidos, por causa não imputável aos próprios, de exercer os seus direitos por via judicial.
Tenha-se presente, que conforme decorre do art.º 323/1, do CC, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
O objectivo do legislador foi tão só o de inutilizar para o decurso do prazo de prescrição [e de caducidade] o período em que ocorria aquele impedimento, para o efeito determinando a suspensão desses prazos. Por conseguinte, cessada a suspensão, o prazo retoma o seu decurso, mas “alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”, de modo a assegurar o efeito pretendido com esta medida extraordinária.
Nenhuma razão lógica existe que justificasse decorrer do art.º 5.º, da Lei 13-B/2021, de 5 de Abril, o propósito do legislador proceder a uma alteração dos prazos de prescrição e caducidade, introduzindo-lhes um acréscimo de tempo, ou seja, visando que passassem a ter uma duração diferente da estabelecida na lei, para lhes ser acrescido o período de tempo correspondente ao da suspensão, o que no caso levaria a que o prazo de um ano previsto no art.º 337.º/1 CT 09, fosse aumentado para 1 ano e 73 dias.
Nesse sentido pronunciou-se o acórdão do TRL de 24-03-2021 [proc.º 2072/20.2T8CSC.L1-4, Desembargador Leopoldo Soares, disponível em www.dgsi.pt] invocado pela recorrida, que embora reportando-se à Lei n.º 1-A/2020 , de 19 de Março, começou por afirmar, como consta do respectivo sumário, que “A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade contemplada nos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020 , de 2020-03-19, que ocorreu entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho do mesmo ano, aplica-se ao prazo prescricional contemplado no nº 1 do artigo 337º do Código de Trabalho/2009”, por isso aqui com inteira aplicação, lendo-se na fundamentação o que segue:
Efectivamente , do supra citado regime (do preceituado nos nºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020), resultava que os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos não urgentes estavam suspensos.
Porém, com a revogação dessa norma, pela Lei n.º 16/2020, os prazos de prescrição e de caducidade deixaram de estar suspensos, sendo que foram alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão (artigo 6.º da Lei n.º 16/2020).
Assim, cessada a suspensão, os prazos de prescrição e caducidade passaram a dever ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescentando-se, pois, uma dilação ao prazo final correspondente ao período de suspensão ocorrido entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020.
Tanto basta para que, no caso concreto, se deva considerar que à data em que a Ré foi citada nos presentes autos ( 3- A ré foi citada em 11 de Agosto de 2020 ) o prazo prescricional de um ano que terminaria em 9 de Agosto de 2020 , sendo acrescido de uma dilação de 88 dias, não se mostrasse , obviamente , esgotado”.
No mesmo sentido pode ver-se ainda o Acórdão de 09-11-22, também da Relação de Lisboa, [Proc.º 19707/21.2T8LSB.L1-4, Desembargadora Celina Nóbrega, disponível em www.dgsi], afirmando-se na fundamentação o seguinte:
-«O “alargamento” a que alude o artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril reporta-se ao período de suspensão correspondente, ou seja, aos prazos que hajam sido suspensos por força da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02. e que corresponde ao período de 22.01.2021 a 05.4.2021, num total de 74 dias.
Na verdade, o artigo 5.º da Lei n.º13-B/2021, de 5 de Abril (“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão) deve ser interpretado no sentido de que os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força daquela Lei são alargados pelo período correspondente à respectiva suspensão. No caso, uma vez que a suspensão do prazo de prescrição previsto no artigo 337.º n.º 1 do CT apenas se verificou de 22 de Janeiro a 5 de Abril, de 2021, obviamente que a Recorrente apenas podia beneficiar de 74 dias por serem os correspondentes ao período da sua suspensão».
Concluindo, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão.

Custas do recurso a cargo do recorrente autor, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 20 de Março de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes