INVENTÁRIO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
EFEITOS
NOTIFICAÇÃO À PARTE
Sumário

1. Atento o disposto no art.º 247.º do C. P. Civil, que no seu n.º 1, estabelece uma regra geral, segundo a qual, “As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários” e no seu n.º 2 estabelece uma regra adicional, segundo a qual, para além da notificação aos mandatários, o próprio mandante é notificado na sua própria pessoa, nos termos aí previstos, “Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal…”, as notificações a advogado, não exigindo do mandante a prática de qualquer ato pessoal, mas apenas a prática de atos necessários à tramitação do processo de inventário, não têm que ser notificadas também à parte.
2. Em consequência é desprovida de fundamento legal a pretensão do mandante no sentido de que a eventual omissão do seu mandatário, quer na comunicação das decisões do tribunal, quer na prática dos atos processuais determinados pelo tribunal na tramitação do processo de inventário, se não repercuta sobre si mesmo, nomeadamente, determinado a remoção do cargo de cabeça de casal e a condenação em multa, uma vez que, nos termos do disposto no art.º 258.º, do C. Civil, “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último” e em aplicação do disposto nos art.ºs 1161.º e 1168.º, do C. Civil, a eventual violação pelo mandatário de qualquer dos deveres que para ele decorrem do mandato, não desonera o mandante dos efeitos dos atos praticados.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.

No processo de inventário subsequente a divórcio, requerido por MC contra JR em que constitui verba única da relação de bens um prédio urbano, tenho a requerente requerido a remoção do cabeça-de-casal, foi proferida decisão, julgando procedente o incidente, removendo do cargo de cabeça-de-casal o interessado JR, nomeando para exercer as funções de Cabeça-de-Casal a Interessada MC e condenando o Interessado JR em 2 UCs de multa. 
Inconformado com essa decisão, o interessado removido dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação no que respeita à remoção do cargo, nomeação da interessada e condenação em custas e em multa, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A- O ora impugnante argui a nulidade da decisão notificada por registo de 28.04.2022, bem como requer a sua reforma quanto a custas e multa nos termos e disposições conjugadas nos artigos 613º nºs 2 e 3, 615º nº 1 al. c) (1ª parte), nº 4, art.º 616º, nºs 1, 617º nº 1, 644º nº 2, al. e) 647º nº 3 al. e) e nº 4 e 1123º nºs 1 e 2 alínea a), todos do C.P. Civil.
B- Encontra-se em tempo e tem legitimidade para arguir essa nulidade e requerer a reforma da decisão quanto a custas e multa e bem assim recorrer da decisão que o removeu de cabeça de casal nos autos em epígrafe.
C- O recorrente nunca foi notificado nem teve conhecimento por qualquer modo e forma das decisões judiciais identificadas na decisão ora impugnada, nem do seu conteúdo.
D- A Sra. Advogada Drª SG nunca o informou, lhe comunicou, por qualquer modo ou enviou por qualquer meio essas decisões judiciais cujo incumprimento que lhe é imputado, fundamentam a decisão impugnada.
E- A conduta do recorrente não pode ser considerada dolosa ou gravemente negligente e, muito menos de incumprimento do determinado pelo tribunal.
F- O recorrente é uma pessoa de bem, séria e cumpridora das suas obrigações, vivendo sozinho em Viseu, com a idade de 84 anos, encontra-se na posse das suas faculdades, designadamente mentais pelo que pode, deseja e quer ser mantido como cabeça de casal, devendo ser dada sem efeito a nomeação de MC.
G- Por tudo isto, entende o recorrente que não é justo que seja punido por actos ou/e omissões que não lhe são imputáveis a qualquer título, devendo assim ser revogada a decisão impugnada, com as legais consequências.

A apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. MC e JR casaram um com o outro em 7 de dezembro de 1962, no regime da comunhão geral de bens.
2. Por sentença proferida em 21 de dezembro de 1989, transitada em julgado, no âmbito dos autos principais de divórcio, foi decretado o divórcio entre os cônjuges, ficando consequentemente dissolvido o casamento, declarando-se que o Réu é o "único culpado da dissolução do casamento".
3. Nos presentes autos de inventário, o Cabeça-de-Casal, JR, apesar de regularmente notificado dos despachos proferidos em 08.12.2020, 20.09.2021 e 13.10.2021, transitados em julgado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, não apresentou uma nova relação de bens com a rectificação do valor (560,25 euros), e também não apresentou certidão actualizada do registo predial do imóvel objecto de partilha, com todas as inscrições em vigor, e nada justificou nos autos.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, a questão submetida a decisão deste Tribunal da Relação pelo apelante consiste, tão só em saber se o cabeça-de-casal não podia ser removido e condenado, como foi, por nunca ter sido notificado nem ter tido conhecimento das decisões judiciais cujo incumprimento lhe é imputado, uma vez que a Sra. Advogada nunca o informou, nem lhe comunicou, essas decisões judiciais.
Conhecendo.
Atentos os factos declarados provados pelo tribunal a quo e acima descritos, com especial destaque para o facto declarado provado sob o n.º 3, a saber, que “Nos presentes autos de inventário, o Cabeça-de-Casal, JR, apesar de regularmente notificado dos despachos proferidos em 08.12.2020, 20.09.2021 e 13.10.2021, transitados em julgado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, não apresentou uma nova relação de bens com a rectificação do valor (560,25 euros), e também não apresentou certidão actualizada do registo predial do imóvel objecto de partilha, com todas as inscrições em vigor, e nada justificou nos autos”, o cerne da questão da apelação situa-se em saber se, como declara o apelante, as notificações dos despachos proferidos no processo lhe não foram notificados, apesar de o terem sido à Exm.ª Mandatária constituída.
Na abordagem dessa questão, importa antes de mais precisar que, ao contrário do expendido pelo apelante no art.º 54.º das alegações, onde declara que “Nunca foi contactado, não falou, nem sequer conhece a Srª Drª …, antiga Advogada Estagiária com seu Advogado de sempre, Dr….”, a Exm.ª Advogada se encontrava regularmente mandatada para exercer as suas funções nos autos de inventário, pois, como decorre dos art.ºs 4.º e 5.º do próprio requerimento do apelante, dados como reproduzidos nas alegações de recurso, não só o Exm.º Advogado constituído substabeleceu sem reserva (art.º 4.º), como o apelante, em cumprimento de despacho judicial, outorgou procuração à Exm.ª Advogada substabelecida (art.º 5.º).
Assim sendo, a decisão da pretensão do apelante pressupõe que se conheça da eventual relevância da eventual ausência de comunicação ao apelante, por parte da Exm.ª Advogada, das notificações recebidas do tribunal a quo e seu conteúdo.
Esta questão encontra resposta no disposto no art.º 247.º do C. P. Civil, que no seu n.º 1, estabelece uma regra geral, segundo a qual, “As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários” e no seu n.º 2 estabelece uma regra adicional, segundo a qual, para além da notificação aos mandatários, o próprio mandante é notificado na sua própria pessoa, nos termos aí previstos, “Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal”.
As notificações identificadas na decisão recorrida não exigiam do apelante a prática de qualquer acto pessoal, mas apenas a prática de atos necessários à tramitação do processo de inventário, pelo que o apelante não tinha que ser notificado na sua própria pessoa, sendo suficiente a notificação ao seu mandatário.
Ora, nos termos do disposto no art.º 258.º, do C. Civil, “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último” e em aplicação do disposto nos art.ºs 1161.º e 1168.º, do C. Civil, a eventual violação pelo mandatário de qualquer dos deveres que para ele decorrem do mandato, não desonera o mandante dos efeitos dos efeitos dos atos praticados.
 É assim desprovida de fundamento legal a pretensão do apelante no sentido de que a eventual omissão do seu mandatário, quer na comunicação das decisões do tribunal, quer na prática dos atos processuais determinados pelo tribunal na tramitação do processo de inventário, se não repercutam sobre si mesmo, nomeadamente, determinado a remoção do cargo de cabeça de casal e a condenação em multa.
Improcede, pois, esta questão única e com ela a apelação.

C) SUMÁRIO
1. Atento o disposto no art.º 247.º do C. P. Civil, que no seu n.º 1, estabelece uma regra geral, segundo a qual, “As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários” e no seu n.º 2 estabelece uma regra adicional, segundo a qual, para além da notificação aos mandatários, o próprio mandante é notificado na sua própria pessoa, nos termos aí previstos, “Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal”, as notificações a advogado, não exigindo do mandante a prática de qualquer ato pessoal, mas apenas a prática de atos necessários à tramitação do processo de inventário, não têm que ser notificadas também à parte.
2. Em consequência é desprovida de fundamento legal a pretensão do mandante no sentido de que a eventual omissão do seu mandatário, quer na comunicação das decisões do tribunal, quer na prática dos atos processuais determinados pelo tribunal na tramitação do processo de inventário, se não repercuta sobre si mesmo, nomeadamente, determinado a remoção do cargo de cabeça de casal e a condenação em multa, uma vez que, nos termos do disposto no art.º 258.º, do C. Civil, “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último” e em aplicação do disposto nos art.ºs 1161.º e 1168.º, do C. Civil, a eventual violação pelo mandatário de qualquer dos deveres que para ele decorrem do mandato, não desonera o mandante dos efeitos dos atos praticados.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 16 de março de 2023
Orlando Santos Nascimento
Vaz Gomes
Nelson Borges Carneiro