ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário


I- A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes (ou de que se deva conhecer oficiosamente), cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se considerando como tal os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados, até porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
II- A nulidade das decisões judiciais, a que se reporta o art. 615.º, n.º 1, b), do CPC, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.

Texto Integral


Revista n.º 16978/18.5T8LSB.L2.S1


MBM/JG/RP


Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


Autor: AA.


Ré: Público – Comunicação Social, SA.


I.


1. Proferido acórdão a negar as revistas interpostas por ambas as partes, veio o A. arguir a sua nulidade parcial e pedir:


a) Quanto aos créditos devidos a título de diuturnidades, subsídio de máquinas, subsídio de refeição, reembolso do custo na contratação de seguro de saúde, reembolso das quantias pagas pelo Autor a título de contribuições para a Segurança Social enquanto trabalhador independente e formação não dada, ser declarada a nulidade do Acórdão reclamado por omissão de pronúncia.


b) Quanto aos créditos devidos a título de trabalho suplementar e de pernoitas, ser declarada a nulidade do Acórdão reclamado por oposição entre os fundamentos e a decisão ou, no limite, perante uma obscuridade que torna a decisão ininteligível.


c) Quanto à indemnização por antiguidade (indemnização substitutiva da reintegração), ser declarada a nulidade do Acórdão reclamado por omissão de pronúncia, a qual deverá ser suprida por via da fixação da referida indemnização em 45 dias de retribuição, tal como peticionado pelo Autor.


d) Quanto à indemnização por danos morais, ser declarada a nulidade do Acórdão reclamado por omissão de pronúncia.


e) Quanto à absolvição da Ré como litigante de má-fé ser declarada a nulidade do Acórdão reclamado por falta de fundamentação.


2. A R. não respondeu.


Cumpre decidir.


II.


3. A nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º l, d), do CPC1), sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2 (isto é, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções) suscitadas pelos litigantes, ou de que se deva conhecer oficiosamente, cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).


Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º.


A matéria mencionada na alínea a) de supra nº 1 foi objeto de expressa pronúncia nos nºs 12 a 15 do acórdão reclamado (doravante designado apenas por “acórdão”), tendo-se concluído nesse âmbito: Nesta parte, não se conhecerá, pois, do recurso do A.”.


O mesmo se verifica no tocante à questão aludida na alínea d) (indemnização por danos morais), que foi tratada nos nºs 40 e 41 do acórdão. O A., legitimamente, poderá discordar dos termos em que este Supremo Tribunal abordou esta problemática, mas ela foi conhecida em termos que abrangem todas as dimensões da reclamada indemnização.


Quanto às questões aludidas nestas duas alíneas, improcede, pois, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.


4. Alega em segundo lugar o A. que quanto aos créditos devidos a título de trabalho suplementar e de pernoitas, deve ser “declarada a nulidade do acórdão reclamado por oposição entre os fundamentos e a decisão ou, no limite, perante uma obscuridade que torna a decisão ininteligível”.


Concretizando o seu pensamento, refere o reclamante que “quanto aos créditos devidos a título de trabalho suplementar e de pernoitas, foi decidido o seguinte [no acórdão reclamado]: 42. Uma vez que o A. obteve no essencial ganho de causa e que a rejeição parcial do recurso de facto que interpôs em sede de apelação em nada é passível de influir na decisão dada àquilo em que decaiu na presente revista, fica prejudicada a apreciação de tal matéria”.


Ora, o acórdão reclamado não contém qualquer referência a créditos devidos a título de trabalho suplementar e de pernoitas – questão, aliás, que no mesmo não foi referenciada como questão a decidir – pelo que, na ausência de fundamentos e de decisão quanto a este ponto, nunca poderia haver “oposição entre os fundamentos e a decisão” ou, pela mesma razão, obscuridade/ininteligibilidade.


Uma nota ainda sobre o teor do aludido ponto nº 42 do acórdão.


Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa). De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o STJ só tem de sindicar o exercício pela Relação dos seus poderes de controlo relativamente aos termos da impugnação da decisão de facto se estiverem em causa factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte.


Tendo em conta o conjunto das questões decididas pelo acórdão reclamado, o A. apenas decaiu no tocante a três delas, a saber: i) alegada nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão do TRL de 06.04.2022; ii) pretenso direito a indemnização por danos não patrimoniais; iii) e peticionada condenação da R. como litigante de má-fé.


O decaimento do A. quanto a estes pontos foi totalmente alheio à decisão da matéria de facto, pelo que no julgamento de tais questões (em sede de recurso de revista) em nada influiu a rejeição parcial do recurso de facto interposto em sede de apelação. Por esta razão, como se compreenderá, ficou prejudicada a apreciação a questão de saber se merece censura a não admissão parcial do recurso de facto do A.


5. Quanto ao decidido no tocante à peticionada condenação da R. como litigante de má-fé, sustenta o A. a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação.


Sem razão. Embora sinteticamente, este segmento decisório encontra-se fundamentado, sendo certo que a nulidade das decisões judiciais, a que se reporta o art. 615.º, n.º 1, b), do CPC, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.


6. A Relação fixou a indemnização substitutiva da reintegração do trabalhador por referência a 30 dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade, sustentando o A. nas conclusões do recurso de revista que deve ser calculada em função de 45 dias.


É certo que, por manifesto lapso, há omissão de pronúncia nesta parte, nulidade que se passa a suprir, conhecendo desta questão.


7. Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º (Artigo 391.º, nº 1, do CT).


Sustenta o A./recorrente, nomeadamente, que “caberia ao Tribunal a quo (…) ter mão pesada contra a Recorrida, por recorrer, com dolo e sem arrependimentos, ao trabalho precário, sobretudo, quando o grau de culpa e o grau de ilicitude são deveras elevados”.


E, pouco compreensivelmente – uma vez que é certo que na valoração do grau de ilicitude do empregador devem ser ponderadas todas as circunstâncias do caso concreto e dos autos não consta qualquer posição em contrário –, o reclamante proclama que deve ser “declarada inconstitucionalidade material do Art. 391.º, n.º 1, CT, por violação do Art. 13.º, CRP, quando interpretado no sentido de que, na valoração do grau de ilicitude do empregador, para cálculo da indemnização substitutiva da reintegração, não releva o facto de o empregador ter sujeitado o trabalhador durante vários anos a uma situação de “falsos recibos verdes”, merecendo tais situações a mesma valoração que deve ser dada às situações em que apenas está em causa a ilicitude do despedimento, o que deverá ser atendido aquando do suprimento da nulidade arguida a este respeito”.


Não se discute que “a indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados (…) (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) fator de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação direta" (Acórdão de 19.02.2013, Proc. 2018/08.6TTLSB.L1.S1, desta Secção Social do STJ, invocado pelo recorrente, em linha com toda a posterior jurisprudência do STJ relativa a esta problemática).


Tendo em conta o conjunto dos factos provados e todas as circunstâncias do caso – sem esquecer, como reclama o recorrente, «o facto de o empregador ter sujeitado o trabalhador durante vários anos a uma situação de “falsos recibos verdes”» (portanto numa leitura do Art. 391.º, n.º 1, do CT, que em nada infringe qualquer princípio ou valor constitucionalmente protegido) –, acompanhamos o acórdão o acórdão recorrido, que qualificou como mediano o grau de ilicitude correspondente ao caso vertente.


Tendo ainda presente o montante da retribuição (igualmente mediana), tem-se como equilibrada, justa e adequada a fixação da indemnização substituta da reintegração em 30 dias por cada ano completo ou ração de antiguidade, portanto em medida correspondente à média da margem legalmente prevista (entre um mínimo de15 e um máximo de 45 dias), como ajuizou o Tribunal da Relação.


Improcede, pois, a questão em apreço.


III.


8. Nestes termos, deferindo parcialmente a reclamação do A., acorda-se:


a) Suprindo a omissão de pronúncia do acórdão reclamado no tocante ao cálculo da indemnização substitutiva da reintegração do trabalhador, em conhecer desta questão.


b) Em julgar improcedente, quanto a este ponto, o recurso de revista do A.


c) Em indeferir o mais requerido pelo A.


Tendo decaído parcialmente na reclamação, o reclamante vai condenado em custas pelo correspondente incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.


O ora decidido em nada afeta o decidido no acórdão reclamado quanto a custas.


Lisboa, 08 de março de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Ramalho Pinto


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1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.↩︎